Buscar

36 - Coccidioidomicose

Prévia do material em texto

Coccidioidomicose36
Maria José N. Diógenes • José Júlio C. Sidrim • Maria Auxiliadora B. Fechine
ASPECTOS HISTÓRICOS
A coccidioidomicose é uma infecção sistêmica,
predominantemente pulmonar, que acomete o
homem e uma grande diversidade de animais,
sendo causada por fungos do gênero Coccidi-
oides. A doença, também conhecida como mi-
cose do Novo Mundo ou febre do vale (valley
fever) foi descrita pela primeira vez em 1892,
na Argentina, por Alejandro Posadas, em pa-
ciente com múltiplas lesões crônicas na pele.
A etiologia da coccidioidomicose, no entanto,
foi revelada apenas em 1900, por William
Ophüls e Herbert C. Moffit, que observaram
a formação de micélio fúngico em culturas de
tecido de um paciente.
Até 1929, a coccidioidomicose era conheci-
da apenas em sua forma disseminada, a qual
era conhecida por granuloma coccidioidico. A
partir de então, foram descobertos casos da
forma benigna da doença, caracterizada por
sintomas pulmonares agudos e eritema no-
doso em pacientes oriundos da região do Vale
de San Joaquin, na Califórnia, Estados Uni-
dos. Desde então, o termo coccidioidomicose
foi proposto para todas as formas clínicas da
patologia.
O primeiro caso de coccidioidomicose no
Brasil foi descrito por Gomes e cols., em 1978,
em paciente natural de Pirapiranga, região do
semiárido do estado da Bahia. Um ano depois,
Vianna e cols, descreveram o segundo caso au-
tóctone da doença em paciente originário da
cidade de Floriano, no estado do Piauí. Ainda
que os primeiros casos autóctones de coccidi-
oidomicose tenham sido descritos no final da
década de 1970, a doença só foi novamente
relatada aproximadamente 18 anos depois,
por Kuhl e cols., em caso ocorrido em 1989,
acometendo paciente provindo do município
de Jaguaribara, no estado do Ceará. Em 1995,
Diógenes e cols. realizaram inquérito epide-
miológico com esferulina em 87 moradores de
Jaguaribara, obtendo índice de reatividade de
aproximadamente 12% e sugerindo, pela pri-
meira vez, a existência de coccidioidomicose-
infecção no estado do Ceará.
Em 1991, Wanke e cols. descreveram o pri-
meiro surto epidêmico de coccidioidomicose,
ocorrido no município de Oeiras, estado do
330
Piauí, onde 3 indivíduos e 8 cães apresenta-
ram quadro respiratório agudo após partici-
parem de uma caçada a tatus. Sidrim e cols.
relataram o segundo surto epidêmico de coe-
cidioidomicoseno Brasil, ocorrido em 1995,no
município deAiuaba, região sudoeste do esta-
do do Ceará, onde 4 homens e 2 cães apresen-
taram a forma pulmonar da doença após caça
a tatus. Com origem nessa época, diversos
autores têm relatado, de forma cada vez mais
frequente, outros casos da doença no Nordes-
te brasileiro.
AGENTES ETIOLÓGICOS:
CARACTERíSTICAS GERAIS E
ECOLÓGICAS
A coccidioidomicoseé causada pelos fungos
Coccidioides immitis e Coccidioides posadasii
(divisão Ascomycota, classe Euascomycetes,
ordem Onygenales, família Onygenaceae), or-
ganismos geofílicoscujo ciclobiológicoé mar-
cado pelo dimorfismo termonutricional.
Durante a fase saprofítica, à temperatura
ambiente, Coccidioides spp. formam hifas hia-
linas com artroconídios em forma de barril,
intercalados por células desprovidas de mate-
rial citoplasmático, denominadas disjuntores.
Os artroconídios são facilmente destacáveis
do micélio vegetativo e apresentam em suas
extremidades restos de parede celular dos
disjuntores, os quais facilitam a sua dispersão
aérea. Ao serem inalados por um hospedeiro
suscetível, os conídios passam por mudanças
morfológicas, evoluindo para esférulas, que,
ao atingirem a maturidade celular, liberam
cerca de 800 endósporos. Cada endósporo ini-
cia o desenvolvimento de uma nova esférula,
resultando, dessa forma, em uma reprodução
exponencial. Caso atinjam o solo,na presença
de condições adequadas, os endósporos cres-
cem na forma filamentosa, garantindo, assim,
a continuidade do ciclo biológico do micro-
organismo.
Por mais de um século, o fungo C. immi-
tis foi implicado comoúnico agente etiológico
da coccidioidomicose.Análises de marcadores
Coccidioidomicose
moleculares diferentes, no entanto, revela-
ram que a espécie era formada por dois gru-
pos genéticos distintos, de acordo com a sua
origem geográfica: um grupo restrito à Cali-
fórnia, nos Estados Unidos, e outro fora dessa
área. Em 2002, os isolados não californianos
foram elevados ao status de espécie, a qual foi
denominada C. posadasii. Dessa forma, atu-
almente, é reconhecido que a doença possui
dois agentes etiológicos morfologicamente
indistinguíveis, mas com ocorrência geográ-
fica característica: C. immitis está restrito à
região da Califórnia, enquanto C. posadasii
possui distribuição ampla, abrangendo o su-
doeste dos Estados Unidos, México,América
Central e América do Sul.
Ambas as espécies são metabolicamente
pouco exigentes e apresentam a capacidade
de assimilação de uma grande diversidade
de fontes de carbono e nitrogênio. Tal carac-
terística permite que esses micro-organismos
tenham comohabitat primário os solos nutri-
cionalmente pobres de áreas semiáridas ou
desérticas. Nesses ambientes, a alcalinidade
e a salinidade elevadas do solo são capazes de
selecionar o crescimento de Coccidioides spp.
Apesar de C.posadasii e C. immitis diferi-
rem quanto à composiçãoquímica de algumas
proteínas antigênicas, bem comono perfil de
marcadores moleculares, até o presente mo-
mento não se sabe se as referidas espécies
possuem diferenças quanto à patogenicidade
em seres humanos. C.posadasii e C. immitis,
entretanto, correspondem às espécies fúngi-
cas de maior virulência já descrita e são clas-
sificados comoorganismos de nível de biosse-
gurança 3.
Os agentes etiológicos da coccidioidomico-
se já foram isolados em zonas de clima seco,
onde os índices pluviométricos anuais são in-
feriores a 800 mm, comvegetação pobre e es-
parsa, na profundidade do solo compreendida
entre 10 e 28 em.
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
A ocorrência da coccidioidomicose é deter-
minada por testes intradérmicos com cocei-
Coccidioidomicose
dioidina ou esferulina, detecção de casos da
doença e análises ambientais durante surtos
epidêmicos. Tais estudos revelam que a do-
ença ocorre em áreas restritas do continente
americano, entre 400N 1200W ao norte da Ca-
lifórnia e 400S 65°W ao sul da Argentina.
Até 1992, a literatura especializada reco-
nhecia a existência de áreas endêmicas da
doença em 9 países: Estados Unidos, México,
Honduras, Guatemala, Colômbia, Venezuela,
Bolívia, Paraguai e Argentina. Apenas em
1998 o Brasil foi incluído na relação inter-
nacional de países com áreas endêmicas da
doença, com zonas circunscritas às regiões de
semiárido dos estados do Maranhão, Piauí,
Ceará e Bahia (Fig. 36.1).
331
A área mais importante de ocorrência da
coccidioidomicose situa-se nos Estados Uni-
dos, onde são estimadas aproximadamente
100.000 novas infecções anuais. No Brasil, a
enfermidade ocorre exclusivamente na região
Nordeste, onde, desde 1978, quase uma cente-
na de casos já foi descrita.
Surtos epidêmicos de coccidioidomicose
são associados a escavações em sítios arqueo-
lógicos, treinamentos militares em áreas en-
dêmicas, além dos distúrbios naturais, como
terremotos e alterações climáticas. No Brasil,
a maioria dos casos notificados da doença teve
vínculo epidemiológico com o hábito de esca-
var tocas de tatus da espécie Dasypus novem-
cinctus. Amostras do solo coletadas próximo
-45
----~~~-,~--------~~~~-------10
Fig. 36.1 Distribuição espacial dos casos humanos autóctones de coccidioidomicose no Brasil, com ocorrência nos esta-
dos do Maranhão (MA), Piauí (PI), Ceará (CE) e Bahia (BA).
332
às tocas desses animais, nos estados do Piauí
e do Ceará, forneceram culturas de C. posa-
dasii, confirmando assim a origem ambiental
da infecção.
Dados demográficos internacionais mos-
tram que a coccidioidomicose doença ocorre
em todas as faixas etárias, mas os extremos
de idade apresentam maior risco para compli-
cações graves da patologia, incluindo infecção
pulmonar crônica e disseminação. No Brasil,
o primeiro caso de coccidioidomicosedissemi-
nada foi descrito em 2008, em um paciente do
sexo masculino oriundo do estado do Ceará,
com diagnóstico de pericardite.
Diversos estudos comprovam que a cocei-
dioidomicose possui maior ocorrência em ho-
mens, o que, provavelmente, está relacionado
ao seu caráter ocupacional. Apesar de o risco
de aquisição de coccidioidomicose não estar
relacionado a nenhum grupo racial, sabe-se
que sua forma disseminada ocorre mais fre-
quentemente entre filipinos e negros. Dados
da literatura mostram que a gravidez tam-
bém é um importante fator de risco de doença
disseminada na coccidioidomicose, sendo até
40 vezes mais prevalente nesse grupo popu-
lacional. Nesses casos, a disseminação está
fortemente relacionada ao avanço do período
gestacional.
Todos os casos de coccidioidomicose des-
critos no Brasil apresentam características
clínico-epidemiológicas comuns: a doença
acomete o indivíduo do sexo masculino, geral-
mente adulto jovem, oriundo de área rural do
semiárido nordestino. A prática de atividades
ocupacionais e/ou de lazer relacionadas ao re-
volvimento de solo e concomitante exposição
à poeira contaminada é referida pela maioria
dos pacientes.
MANIFESTAÇÕES CLíNICAS
A coccidioidomicose apresenta como porta de
entrada o trato respiratório, sendo, portanto,
primariamente uma micose pulmonar profun-
da, que pode se apresentar como uma doença
granulomatosa e supurativa.
Coccidioidomicose
Após inalação dos artroconídios, observa-
se um período de incubação de 7 a 21 dias,
depois dos quais a doença pode evoluir para
uma das quatro formas clínicas básicas: as-
sintomática, pulmonar aguda, pulmonar crô-
nica, disseminada e cutânea primária.
Aproximadamente 60% das infecções são
as sintomáticas ou oligossintomáticas, sendo
diagnosticadas apenas mediante os testes so-
rológicos.
A forma pulmonar aguda pode apresentar-
se, na maioria dos casos, com sintomas se-
melhantes a um "estado gripal", com febre,
cefaleia, rash cutâneo, mialgia, tosse seca,
dor torácica, perda de peso e calafrios. Pode
regredir espontaneamente em 1 a 2 meses ou
evoluir para doença pulmonar crônica e, até
mesmo, disseminar-se em 5% dos casos.
A radiografia do tórax revela infiltração
pulmonar, derrame pleural e adenopatia hi-
lar, semelhante a outras pneumonias adqui-
ridas na comunidade, devendo ser avaliado
o diagnóstico de pneumonia por Coccidioides
em indivíduos de áreas endêmicas.
O rash eritematoso ou eritema tóxico ines-
pecífico pode ocorrer nos primeiros dias da do-
ença, antes que a sensibilidade à coccidioidi-
na esteja estabelecida, e tende a desaparecer
durante o tratamento. O rash geralmente é
fino, difuso, eritematoso e macular, podendo
acometer tronco e extremidades e estar asso-
ciado a enantema, devendo ser diferenciado
de sarampo, rubéola e urticária.
O eritema nodoso está presente na doença
primária e tende a ocorrer concomitantemen-
te à positividade nas reações intradérmicas
à coccidioidina, refletindo o desenvolvimento
de hipersensibilidade a Coccidioides spp. e
representando sinal de bom prognóstico. Ten-
de a ocorrer nos tornozelos e, eventualmente,
na região cefálica, com erupções simétricas e
dolorosas, predominando no sexo feminino e
na raça branca. Aproximadamente um terço
dos pacientes com eritema nodoso apresenta,
simultaneamente, artrite não migratória.
A forma cutânea primária é rara, ocorren-
do pela inoculação de conídios dos cactos ou
de esférulas em necropsias e, ainda, por aci-
dente de laboratório, observando-se pápulas,
Coccidioidomicose
nódulos e placas verrucosas, que podem evo-
luir para úlceras e abscessos.
A forma pulmonar crônica pode manifes-
tar-se com perda de peso, tosse persistente,
dor torácica e hemoptise, provocadas por nó-
dulos múltiplos ou nódulo solitário, o coccidio-
ma, bem como doença fibrocavitária, sendo
em muitos casos confundida com a tubercu-
lose pulmonar.
A disseminação ocorre por vias hemato-
gênica e/ou linfática, atingindo a pele, tecido
subcutâneo, ossos, articulações e meninges, e,
em casos raros, fígado, adrenais, miocárdio,
linfonodos, baço e sistema genitourinário. A
gravidez é considerada fator de risco para o
desenvolvimento de doença severa ou disse-
minada, particularmente no 3º trimestre, com
alta morbidade e elevadas taxas de mortali-
dade materno-fetal.
As manifestações cutâneas secundárias à
coccidioidomicosedisseminada são variáveis,
embora as formas verrucosas, pápulas, pús-
tulas, nódulos, úlceras, abscessos e cicatrizes
tenham sido relatados, bem como eritema no-
doso e eritema multiforme.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
No Brasil, a coccidioidomicosenão é doença
de notificação compulsória, mas o Ministério
da Saúde recomenda, como medida de vigi-
lância epidemiológica, o diagnóstico e tra-
tamento precoce de todos os casos. Uma vez
que a coccidioidomicosenão apresenta acha-
dos clínico-radiológicos clássicos, podendo ser
confundida com outras moléstias infecciosas,
especialmente a tuberculose, a confirmação
laboratorial é imprescindível para seu diag-
nóstico definitivo. As principais abordagens
atuais para o diagnóstico laboratorial da coe-
cidioidomicose baseiam-se em técnicas mico-
lógicas, sorológicas, moleculares e histopato-
lógicas.
Diagnóstico micológico
o exame direto do espécime clínicoé realizado
por microscopia óptica em preparações do tipo
333
lâmina-lamínula e esfregaços. Uma vez que
os espécimes devem ser representativos do sí-
tio de infecção, diversas amostras podem ser
encaminhadas ao laboratório de micologia, na
dependência da forma clínica da doença. Des-
sa maneira, a pesquisa de Coccidioides spp.
pode ser realizada em secreções respiratórias,
tais como escarro e lavado broncoalveolar; lí-
quido cefalorraquidiano; aspirados de lesões
osteoarticulares; líquido pleural; além de
biópsias de pele e tecido pulmonar. Para con-
fecçãodas lâminas, omaterial clínico é imerso
em substância clarificante, tal comoKOR em
concentração de 30%,ou K-tinta para facilitar
a visualização das estruturas parasitárias;
esfregaços e imprints podem ser corados pela
prata-metenamina. Ao exame direto, são ob-
servadas esférulas de até 80 um de diâmetro,
com parede birrefringente e endósporos no
seu interior, as quais podem ser confundidas
com outros agentes fúngicos, em especial o da
paracoccidioidomicose. Estruturas filamento-
sas artroconidiadas, no entanto, podem rara-
mente ser formadas em lesões cavitárias ou
no espaço pleural.
Culturas primárias, oriundas de espécimes
clínicos, apresentam rápido desenvolvimento
em aproximadamente 5 a 10 dias de incuba-
ção a 25°C em ágar Sabouraud-dextrose a 2%,
suplementado ou não com antimicrobianos,
tais comocloranfenicol e ciclo-heximida.Após
esse período, são formadas colônias algodono-
sas de coloração branca, que podem ser alvo
de mudanças morfológicas ao longo do tempo.
A análise microscópica domicélio revela hifas
hialinas septadas com aproximadamente 3,5
a 5,0 um de largura, que, com a maturação,
originam artroconídios intercalados por célu-
las disjuntoras. Os artroconídios geralmente
variam de 5,0 a 7,5 um e de 2,5 a 5,0 um para
o tamanho e a largura, respectivamente. As
características morfológicas de Coccidioides
spp. empregadas no diagnóstico micológico
estão ilustradas na Fig. 36.2.
A identificação laboratorial baseada em
cultivos artificiais do fungo está restrita a
laboratórios com nível de contenção biológi-
ca 3, uma vez que foram relatadas infecções
334 Coccidioidomicose
Fig. 36.2 Diagnóstico micológico de Coccidioides spp. A: Achado de esférula madu-
ra contendo numerosos endósporos no seu interior. B: Aspecto macromorfológico
da colônia em ágar Sabouraud-dextrose a 2%.
contraídas após manipulação de culturas de
Coccidioides spp. Tradicionalmente, a confir-
mação do diagnóstico micológico é realizada
mediante reversão da forma filamentosa de
Coccidioides spp. para a parasitária em ani-
mais de laboratório ou, alternativamente, in
vitro, em meio líquido quimicamente definido,
em atmosfera de 20% de CO2 e incubação a
40°C, observando-se a reversão após 3-5 diasde cultivo. Essas práticas, no entanto, têm
sido descontinuadas em vários centros de re-
ferência e substituídas por técnicas de diag-
nóstico molecular.
Diagnóstico imunológico
o diagnóstico imunológico da coccidioidomi-
cose baseia-se na detecção da resposta celular
e/ou humoral produzida pelo hospedeiro. Di-
versos estudos comprovam que, na coccidioido-
micose, a imunidade protetora está associada
a uma resposta celular adequada, mediante
ativação de linfócitos T auxiliares e produção
de citocinas, particularmente interleucina-2,
interferon-gama e fator de necrose tumoral.
A ativação dos linfócitos T auxiliares pode
ser demonstrada mediante positividade à
prova cutânea aos antígenos coccidioidina
ou esferulina, produzidos com base nas for-
mas filamentosas ou parasitárias do fungo,
respectivamente. O estudo da resposta celu-
lar na coccidioidomicose pode ser empregado
em testes de diagnóstico, prognóstico e, mais
comumente, para inquéritos epidemiológicos.
Após um período de 3 semanas do início dos
sintomas clínicos, a reação aos antígenos de
Coccidioides spp. pode ser detectada em testes
cutâneos. Uma vez que essa resposta imuno-
lógica é duradoura, a reatividade aos antíge-
nos fúngicos pode ter pouco valor no diagnós-
tico da doença, estando relacionada a infecção
atual ou passada. A conversão de um reator
negativo para positivo, no entanto, pode ser
útil para indicar infecção recente pelo fungo.
Pacientes com intradermorreação positiva
para coccidioidina e/ou esferulina têm melhor
prognóstico, e aqueles cujos testes são negati-
vados durante o processo infeccioso possuem
prognóstico grave. Estudos in vivo mostram
que ausência de resposta de hipersensibilida-
Coccidioidomicose
de tardia está associada às formas dissemina-
das da doença.
Os métodos diagnósticos mais importantes
para a detecção da resposta sorológica especí-
fica para a doença são imunodifusão em gel,
fixação do complemento, aglutinação em látex
e ELISA. Esses testes baseiam-se na detec-
ção de anticorpos direcionados a duas impor-
tantes classes de antígenos de Coccidioides
spp.: TP (tube precipitin) e CF (complement
fixation), para detecção de imunoglobulina M
(IgM) e imunoglobulina G (IgG), respectiva-
mente. Cada método possui diferentes níveis
de sensibilidade e especificidade, e sua imple-
mentação em laboratórios de rotina clínica é
dependente, ainda, do custo dos reagentes, da
exequibilidade e da reprodutibilidade da téc-
nica. A pesquisa de anticorpos pode ser reali-
zada em diversos espécimes clínicos, tais como
soro, liquor, líquido pleural, líquido peritoneal
e sinóvia, na dependência da padronização de
cada técnica.
Recentemente, uma preparação antigênica
extraída de cepa de C. posadasii isolada no
Nordeste brasileiro foi empregada no diag-
nóstico laboratorial do primeiro caso de coe-
cidioidomicose disseminada no país. Anticor-
pos específicos para o fungo foram detectados
em amostra de fluido pericárdico e soro, por
meio das técnicas de imunodifusão e ELISA.
A pesquisa da resposta imune na coccidioido-
micose, empregando-se antígenos oriundos de
cepas autóctones, pode ser de grande valor no
diagnóstico presuntivo da doença no Brasil.
Para o diagnóstico de coccidioidomicose
pulmonar aguda, os testes devem ser direcio-
nados para moléculas de IgM, as quais podem
ser detectadas aproximadamente 7 dias uma
vez iniciados os sintomas. Após 6 semanas de
evolução da doença, os títulos de IgM tornam-
se bastante reduzidos, podendo ser detecta-
dos apenas em aproximadamente 10% dos
indivíduos com doença não disseminada. Na
sua forma disseminada, no entanto, anticor-
pos IgM podem ser detectados por vários anos
após a infecção primária.
A detecção de anticorpos IgG pode ser rea-
lizada entre 2 a 3 semanas após o início dos
335
sintomas, mediante as técnicas de imunodi-
fusão, fixação do complemento e ELISA. Após
análise qualitativa, a titulação de IgG se faz
necessária, uma vez que diversos estudos cor-
relacionam títulos elevados com a dissemina-
ção e gravidade da doença.
Resultados sorológicos falso-negativos po-
dem ocorrer em pacientes transplantados,
leucêmicos ou com outras condições imunos-
supressoras. Resultados falso-positivos são
associados à técnica de aglutinação em látex.
Dessa forma, os resultados dos testes imuno-
lógicos devem ser analisados, quando possí-
vel, em conjunto com o diagnóstico micológico,
histopatológico e/ou molecular.
Diagnóstico molecular
O diagnóstico laboratorial da coccidioidomi-
cose baseado em técnicas moleculares é bas-
tante promissor, pois permite a eliminação do
manuseio de culturas de Coccidioides spp. em
forma filamentosa, em amostras clínicas con-
taminadas com outros micro-organismos, ou
ainda em culturas mistas.
A metodologia mais importante na iden-
tificação molecular de Coccidioides spp. cor-
responde à reação em cadeia da polimerase
(PCR), cujos testes apresentam elevada sen-
sibilidade, custo moderado e alta reproduti-
bilidade dos resultados. Atualmente, diver-
sos protocolos já estão padronizados para a
detecção e identificação de Coccidioides spp.
em culturas, amostras clínicas e ambientais.
Até o momento, diversas sequências genéti-
casjá foram empregadas como alvo diagnósti-
co: gene csa, o agrupamento de genes do DNA
ribossomal (rDNA), sequência parcial codifi-
cante do antígeno rico em prolina (PRA).
A identificação molecular de Coccidioides
spp. também é realizada mediante técnicas de
hibridização de ácidos nucleicos, associadas
ou não a PCR. Sondas comerciais quimiofluo-
rescentes para identificação de C. immitis são
produzidas pela empresa GenProbe e estão
disponíveis comercialmente. Apesar de cons-
tituir método de sensibilidade e especificida-
de elevadas, a detecção de C. immitis baseada
336
em tais sondas de hibridização está sujeita a
resultados falso-negativos quando se utilizam
biópsias preservadas em formol.
Diagnóstico histopatológico
O diagnóstico histopatológico (PAS, Grocott,
HE) baseia-se no achado de esférulas com
endósporos. A epiderme demonstra aspecto
variado, conforme a lesão clínica. Na derme,
podem ser observadas reações inflamatórias
que variam conforme a forma clínica e/ou o
estado imunitário do paciente. Assim, nas
formas agudas ou em pacientes imunossupri-
midos, encontram-se infiltrado inflamatório
importante com formação de microabscessos,
áreas de necrose e hemorragia; nas formas
crônicas, observamos granulomas com célu-
las gigantes multinucleadas, linfócitos e plas-
mócitos, com configuração folicular e necrose
caseosa central. Em casos mais crônicos ou
em inoculação, ocorrem fibrose e, por vezes,
calcificação.
TRATAMENTO
Dentre as micoses sistêmicas, a coccidioido-
micose é a mais recalcitrante ao tratamento,
que depende da forma e da gravidade da do-
ença. Muitos pacientes com a forma primária
aguda da coccidioidomicose evoluem para a
cura espontânea.
Historicamente, até a descoberta da anfo-
tericina B, por volta de 1950, a mortalidade
na coccidioidomicose estava associada à gra-
vidade da doença disseminada e à ausência de
tratamento antifúngico específico. Em 1957, a
droga foi empregada pela primeira vez no tra-
tamento da coccidioidomicose disseminada, e
desde então, a despeito de sua toxicidade, tem
sido considerada terapia padrão-ouro para to-
das as formas graves da doença. Atualmente,
a droga é empregada como terapia inicial dos
casos graves de coccidioidomicose, quando se
preconiza o uso de anfotericina B desdeoxico-
lato EV (0,5-1,5 mg/kg/dia ou em dias alter-
nados, até atingir 1-3 g) ou suas preparações
Coccidioidomicose
lipídicas (anfotericina B lipossomal, anfoteri-
cina B em complexo lipídico e anfotericina B
em dispersão coloidal).
As preparações lipídicas de anfotericina B
aumentam sua eficácia terapêutica e dimi-
nuem sua toxicidade, e estão indicadas em pa-
cientes que apresentaram falha terapêutica à
anfotericina B desdeoxicolato ou que apresen-
taram intolerância em razão dos efeitos ad-
versos, por doença renal concomitante ou uso
de medicamentos que causam nefrotoxicidade.
Nessescasos, a anfotericina B lipossomal ou
em complexo lipídico é administrada em dose
de 3-5 mg/kg e 5 mg/kg, respectivamente.
Na doença primária aguda, os derivados
azólicos são preconizados como droga de es-
colha. O primeiro antifúngico dessa classe
empregado para o tratamento da coccidioi-
domicose foi o cetoconazol, em doses de 400
mg/dia a 1.200 mg/dia VO por período supe-
rior a 9 meses. No entanto, o surgimento de
efeitos colaterais relacionados a intolerância
gastromtestinal, alterações no metabolismo
do cortisol e testosterona, hepatotoxicidade,
além do constante relato de recorrências, tem
levado a substituição da terapia com cetoco-
nazol por outros derivados azólicos. Tem sido
empregado, com sucesso, fluconazol (400-800
mg/dia, VO ou EV) ou itraconazol (200 mg 2
ou 3 vezes ao dia, VO), administrados durante
3 a 6 meses, com acompanhamento do pacien-
te a cada 1 a 3 meses durante 1 ano ou mais,
objetivando avaliar a resolução do infiltrado
pulmonar e, se possível, detectar o desenvol-
vimento de infecção extra pulmonar.
Nas formas graves da doença, os deriva-
dos azólicos são instituídos após terapia ini-
cial com anfotericina B, recomendando-se
fluconazol VO 400 mg por dia, ou itraconazol
300-400 mg/dia. A suspensão do tratamento
depende da resolução dos sinais e sintomas
da infecção, da redução das concentrações de
anticorpo no soro e do retorno à função dos
órgãos envolvidos. Nos casos com alto risco de
complicação devido a imunossupressão ou a
outros fatores preexistentes, é necessária a
manutenção do tratamento durante toda a
vida para prevenir recidivas.
Coccidioidomicose
Nos últimos anos, novos triazólicos vêm
sendo empregados no tratamento da cocei-
dioidomicose. Dados da literatura mostram
a eficácia do voriconazol (Vfend®,Pfizer) e
do posaconazol (Noxafil'", Schering-Plough)
inclusive no tratamento de formas graves
da doença. Aparentemente, as equinocan-
dinas - uma nova classe de antifúngicos de
uso terapêutico - têm pouca atividade contra
Coccidioides spp. in vivo, uma vez que relatos
de casos publicados têm mostrado resultados
ambíguos.
As cavidades pulmonares assintomáticas
que apresentam curso benigno com o uso de
antifúngicos azólicos orais não requerem in-
tervenção cirúrgica, devendo-se manter o tra-
tamento por 1 ano. A ressecção está indicada
em casos refratários ao tratamento ou quan-
do ocorrer hemoptise importante.
Os casos de infecção extra pulmonar não
meníngea podem ser tratados com azólicos,
até a resolução dos sintomas clínicos ou a ne-
gativação dos testes sorológicos.É necessário
acompanhamento por longo prazo, objetivan-
do detectar possíveis recidivas após o término
do tratamento. A anfotericina B deve ser usa-
da em caso de piora dos sintomas e quando
ocorre acometimento de áreas vitais, como
pericárdio e coluna vertebral. A intervenção
cirúrgica é recomendada em casos de absces-
sos volumosos ou lesões destrutivas, seques-
tro ósseo ou no caso de compressão de órgãos
vitais (coração, no caso de derrame pericárdi-
co) ou tecidos (abscessos em coluna vertebral
ou epidurais).
Ameningite coccidióidearequer infusão de
anfotericina-B (0,1-1,5 mg/dose diretamente
no líquido cefalorraquidiano, juntamente com
azólicos de duração prolongada (fluconazol
400-1.000 mg/dia), devendo-se manter o tra-
tamento oral indefinidamente.
Devido ao risco de disseminação, todas as
formas clínicas da coccidioidomicose em pa-
cientes com infecção por HIV e contagem de
linfócitos CD4 < 250 células/pl, devem ser
tratadas. Nesses casos, o tratamento deve ser
mantido até elevação da contagem de linfóci-
tos CD4 e melhora clínica evidente. No caso
337
de meningite, o tratamento segue por toda a
vida.
Devido ao risco de doença disseminada e
elevada taxa de mortalidade associada, re-
comenda-se o tratamento da doença em pa-
cientes grávidas. Nesse caso, a abordagem
terapêutica depende do trimestre gestacio-
nal, da gravidade da doença, da presença de
disseminação e do sítio de disseminação. Em
geral, pacientes com doença pulmonar grave
ou doença disseminada devem ser tratadas
com anfotericina B. Os derivados azólicos são
contraindicados no 1º trimestre gestacional,
devido ao risco de efeitos teratogênicos, bem
comono 2º trimestre, devido ao risco de parto
prematuro.
Dados obtidos de infecções experimentais
em animais e relatos clínicos em humanos têm
mostrado que a deficiência na resposta imune
(TH1) está relacionada a maior suscetibilida-
de do hospedeiro à infecção por Coccidioides
spp., além de maior dificuldade de remissão
clínica. Acredita-se, assim, que o desenvolvi-
mento de uma vacina ou imunoterápico seja
uma estratégia importante na prevenção e/ou
no tratamento da coccidioidomicose.Atual-
mente, diversas moléculas antigênicas estru-
turais e metabólicas estão em estudo quanto
ao potencial vacinal na coccidioidomicose.No
entanto, tais antígenos têm mostrado efeito
protetor limitado, e a ausência de testes in-
terlaboratoriais compromete o entendimento
dos dados consolidados até o momento.
BIBLIOGRAFIA
Ampel NM, Giblin A, Mourani JP, Galgiani JN.
Factors and outcomes associated with the decision
to treat primary pulmonary coccidioidomicosis.
Clin lnfect Dis 2009; 48(2):172-178.
Cordeiro RA, Brilhante RSN, Rocha MFG, Ban-
deira SP, Fechine MAB, Camargo ZP, Sidrim JJC.
Twelve years of coccidioidomycosis in Ceará State,
Northeast Brazil: epidemiologic and diagnostic
aspects. Diagn Microbiol lnfect Dis 2008 Dec 29
[Epub ahead of print],
Cordeiro RA, Brilhante RSN, Rocha MFG, Fechine
MAB,Camara LMC, Camargo ZP,Sidrim JJC. Phe-
338
notypic characterization and ecological features of
Coccidioides spp. from Northeast Brazil. Medical
Mycology (Oxford) 2006; 44:631-639.
Cordeiro RA, Brilhante RSN, Rocha MFG, Fechi-
ne MAB, Camargo ZP, Sidrim JJC. In vitro inhibi-
tory effect of antituberculosis drugs on clinical and
environmental strains of Coccidioides posadasii.
Jaurnal of Antimicrobial Chemotherapy 2006;
58(3):575-579.
Cordeiro RA, Brilhante RSN, Rocha MFG, Fechi-
ne MAB, Costa AKF, Camargo ZP, Sidrim JJC. In
vitro activities of caspofungin, amphotericin B and
azoles against Coccidioides posadasii strains from
Northeast, Brazil. Mycapathologia 2006; 161(1):
21-26.
Cordeiro RA, Brilhante RSN, Rocha MFG, Mou-
ra FEA, Camargo ZP, Sidrim JJC. Rapid diagno-
sis of coccidioidomycosis by nested PCR assay of
sputum. Clinical Microbiology and lnfection 2007;
13:449-451.
Cordeiro RA, Fechine MAB, Brilhante RSN, Rocha
MFG, Costa AKF, Nagao MA, Camargo ZP, Sidrim
JJC. Serologic detection of coccidioidomycosis anti-
Coccidioidomicose
bodies in Northeast Brazil. Mycopathalogia 2009
Jan 1 [Epub ahead of print],
Diogenes MJN, Jamacaru VF, Fechine MAB, Car-
valho FF. Inquérito epidemiológico com esferulina
em Jaguaribara-CE, Brasil, 1993. Anais Brasilei-
ros de Dermatalogia 1995; 70(6):525-529.
Kuhl IA, Kuhl G, Londero A, Diógenes MJ, Ferreira
MF. Coccidioidomicose laríngea: relato de caso. Rev
Bras de Otorrinolaringologia 1996; 62(1):48-52.
Parish JM, Blair JE. Coccidioidomycosis. Mayo
Clin Prac 2008; 83(3):343-349.
Saubolle MA. Laboratory aspects in the diagno-
sis of coccidioidomycosis. Ann N Y Acad Sei 2007;
1111:301-314.
Saubolle MA, McKellar PP, Sussland D. Epide-
miologic, clinical, and diagnostic aspects of coe-
cidioidomycosis. Journal of Clinical Microbiology
2007; 45(1):26-30.
Sidrim JJC, Silva LCI, Nunes JMA, Rocha MFG,
Paixão GC. Le Nord-est Brésilien région d'endémie
de coccidioidomicose? J Mycol Med 1997; 7:37-39.
Zonios DI, Bennett JE. Update on azole antifungals.
Semin Respir Crit Care Med 2008; 29(2):198-210.

Continue navegando