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17 Hialo-hifomicoses FUNGOS FILAMENTOSOS SEPTADOS HIALlNOS Fungos filamentosos septados hialinos são incolores por não possuírem melanina em sua parede celular. Pertencem à classe Hy- phomycetes e estão amplamente distribuídos na natureza. São fungos sapróbios ou por ve- zes parasitam vegetais. Em raras porém cres- centes ocasiões, estão envolvidos em infecção humana e animal. São considerados fungos contaminantes e podem se dispersar por diferentes vias. Quan- do sua dispersão é feita pelo ar atmosférico, são também chamados de fungos anemófilos. Além de serem importantes como contami- nantes de substratos diversos, são responsá- veis por desencadear alergias respiratórias, asma brônquica e rinites alérgicas e, even- tualmente, são agentes primários de lesões cutâneas, onicomicoses, lesões oculares, oti- tes, entre outras micoses. Com o contínuo desenvolvimento humano e aumento da expectativa de vida, é conse- Clarisse Zaitz quente o aumento de possibilidades de imu- nodepressão. Nessas circunstâncias, esses fungos originalmente anemófilos e sapróbios são cada vez mais considerados responsáveis por infecções,desde superficiais até invasivas, tanto em indivíduos hígidos como em imuno- deprimidos. HIALO-HIFOMICOSES Introdução o termo hialo-hifomicose foi proposto por Ajello em 1982,1 para agrupar diversas infec- ções fúngicas que se caracterizam pela pre- sença de hifas hialinas septadas em tecidos. Essa terminologia tem sido utilizada com sucesso para evitar a criação de nomes des- necessários para caracterizar cada uma das inúmeras micoses causadas por esses fungos. Se um fungo causa infecção com certa re- gularidade e essa micose é conhecida e con- sagrada, devemos manter o seu nome e po- demos classificá-Ia separadamente, como por 174 exemplo as dermatofitoses e as aspergiloses. Tecnicamente, no entanto, essas entidades são consideradas hialo-hifomicoses. A denominação hialo-hifomicoses é abran- gente por se tratar de infecções causadas por diferentes fungos que apresentam caracte- rísticas clínicas heterogêneas, porém facilita o diagnóstico precoce e permite o início do tratamento, mesmo antes do isolamento do fungo. Quando um fungo septado hialino forma estruturas especiais no tecido, como grãos de eumicetomas, a micose não é classificada como hialo-hifomicose.é Vale a pena ressaltar que o mesmo fungo pode ser agente etiológi- co de micetomas ou hialo-hifomicoses, depen- dendo de fatores do hospedeiro. Epidemiologia e patogênese Hialo-hifomicoses podem ser adquiridas por inoculação traumática do fungo, por inalação de esporos, através de ingestão de alimentos e/ou água contaminada, através de suprimen- tos hospitalares contaminados, entre outras formas. O principal fator predisponente para as hialo-hifomicoses cutâneas e subcutâneas é a exposição a materiais contaminados com esse grupo de fungos presente no ambiente, associada a perda da integridade da barreira imunológica do hospedeiro. Já nas hialo-hifomicoses invasivas e sis- têmicas, cuja frequência tem aumentado nas últimas décadas, algum grau de imunodefi- ciência tem sido responsabilizado. O uso de agentes antineoplásicos e imunossupressivos, antibióticos de amplo espectro e cirurgias mais agressivas são fatores predisponentes. Pacientes transplantados, grandes queima- dos, neutropênicos e com infecção pelo HIV também são mais predispostos.ê Etiologia O isolamento de fungos filamentosos septa- dos hialinos é variável conforme a região geo- gráfica e está relacionado a sua presença no Hialo-hifomicoses meio ambiente. Segundo a literatura, o fungo mais frequentemente isolado como agente de hialo-hifomicoses é Aspergillus spp., mas nos últimos anos o isolamento de Fusarium spp., Scedosporium spp., Penicillium spp. e outros tem aumentado.f Neste capítulo, dar-se-á ênfase aos aspec- tos clínicos, micológicos e terapêuticos das hialo-hifomicoses causadas pelos fungos mais comum ente isolados em nosso meio. Classificação clínica • Hialo-hifomicoses superficiais - derma- tofitoses e dermatomicoses • Hialo-hifomicoses subcutâneas • Hialo-hifomicoses alérgicas • Hialo-hifomícoses invasivas - infecções pulmonares, do sistema nervoso central, oculares, peritonite etc. • Hialo-hifomicoses sistêmicas - funge- mia Abordaremos as hialo-hifomicoses subcu- tâneas, alérgicas, invasivas e sistêmicas. As hialo-hifomicoses superficiais serão estuda- das em seus capítulos tradicionais: Dermato- fitoses e Dermatomicoses por fungos filamen- tosos septados hialinos. HIALO-HIFOMICOSES SUBCUTÂNEAS Hialo-hifomicoses subcutâneas ocorrem prin- cipalmente em indivíduos expostos a material contaminado por fungos septados hialinos, presentes no ambiente. Esses hospedeiros podem ser imunologicamente competentes ou não. Manifestações clínicas Podem apresentar-se como lesões tumorais, como no caso de paciente jovem e hígida em que foi isolado Aspergillus spp. (Fig. 17.1), ou como lesão micetoma-símile, em paciente tam- bém hígida, porém idosa, na qual foi isolado Acremonium recifei" (Fig. 17.2). Também po- Hialo-hifomicoses dem apresentar lesões císticas ou com outras características clínicas. A lesão pode ocorrer em qualquer localização e é 'devida à implan- tação traumática do fungo. O diagnóstico muitas vezes é feito através do exame anatomopatológico (Fig. 17.3), pois clinicamente as manifestações não remetem à hipótese diagnóstica de micose, sendo o Fig. 17.1 Hialo-hifomicose subcutânea por Acremonium recifei - forma micetoma-símile. Fig. 17.2 Hialo-hifomicose subcutânea por Aspergillus spp. - forma tumoral. 175 Figo 1703 Hialo-hifomicose subcutânea - Anatomopatoló- gico (HE) - hifas septadas hialinas. paciente submetido a biópsia sem se proceder ao exame micológico. Vale ressaltar que um exame microscópico direto isolado tem pouca utilidade, pois o fungo pode ser um contami- nante do material examinado. Diagnóstico laboratorial Exame micológico direto Quando a realização do exame direto é possí- vel, obtém-se material através de raspado da lesão ou de esfregaço de material de biópsia. Após clarificação de escamas pelo KOR, visua- lizam-se hifas septadas hialinas (Figo17.4). Figo 1704 Hialo-hifomicose - Exame direto (KOH) - hifas septadas hialinas. 176 Para podermos considerar que essa positi- vidade ao exame micológico não se trata de uma simples contaminação, o exame deve ser repetidamente positivo em três coletas rea- lizadas na mesma lesão, em diferentes oca- siões. Anatomopatológico o encontro de hifas septadas hialinas com an- gulação de 45° em lesões clinicamente suspei- tas faz o diagnóstico (Fig. 17.5). Cultura e microcultivo A cultura e o microcultivo ou cultivo em lâ- mina permitem a identificação do fungo, uma vez que o exame microscópico direto e o ana- tomopatológico são semelhantes em todas as infecções por fungos septados hialinos. O material deve ser semeado em meio de ágar Sabouraud-dextrose acrescido de elo- ranfenicol e incubado em temperatura am- biente. O crescimento em geral é rápido. No nosso meio, foi possível o isolamento de As- pergillus spp. (Figs. 17.6 e 17.7), Penicillium spp. (Figs. 17.8 e 17.9), Fusarium spp. (Figs. 17.10 e 17.11) eAcremonium spp. (Figs. 17.12 e 17.13). Fig. 17.5 Hialo-hifomicose subcutânea - Anatomopatoló- gico (HE) - hifas septadas hialinas. Hialo-hifomicoses Fig. 17.6 Aspergíllus spp. - Cultura filamentosa pulveru- lenta e pigmentada. Fig. 17.7 Aspergillus spp. - Microcultivo - conidióforos longos com vesícula globosa na extremidade, coberta por fiálides, que dão origem aos conídios. Fig. 17.8 Penícíllíum spp. - Cultura filamentosa aveludada. A coloração, inicialmente branca, torna-se esverdeada. Hialo-hifomicoses Fig. 17.9 Penicíllium spp. - Microcultivo - conidióforos perpendiculares que se dividem em ramos e fiálides em forma de "pincel". Fig. 17.10 Fusarium spp. - Cultura filamentosa pulveru- lenta branca com reverso pigmentado de colorações variáveis. Fig. 17.11 Fusarium spp. - Microcultivo - macroconídios septados, fusiformes, encurvados ecom extremidades afiladas. 177 Fig. 17.12 Acremonium recitei - Cultura filamentosa pul- verulenta creme. Fig. 17.13 Acremonium recife! - Microcultivo - conídios em forma de "salsicha", não septados, mantendo-se em pequenos aglomerados. Tratamento o tratamento, quando possível, é a excisao cirúrgica da lesão. A utilização de antifúngi- cos de amplo espectro é necessária em lesões não acessíveis cirurgicamente. Nesses casos, a droga de escolha é o itraconazol, nas doses de 200 a 600 mg/dia. HIALO-HIFOMICOSES ALÉRGICAS Os fungos septados hialinos podem atuar como precipitantes alérgicos e estão associa- dos a rinites e asma brônquica. Penicillium, 178 Fusarium e Aspergillus são os principais gê- neros responsáveis pela alta positividade de testes cutâneos com alérgenos de fungos ane- mófilos em pacientes com essas morbidades, no nosso meio. HIALO-HIFOMICOSES INVASIVAS E SISTÊMICAS Fungos em geral têm sido cada vez mais reco- nhecidos como patógenos em pacientes imu- nodeprimidos e em estado grave. Das micoses invasivas, um número crescente de gêneros de fungos filamentosos hialinos septados tem sido isolado. Aspergillus spp. e Fusarium spp. são os mais recuperados e estudados, porém Pe- nicillium spp., Scedosporium spp., e outros também têm sido implicados na etiologia de hialo-hifomicoses invasivas.f Abordaremos as hialo-hifomicoses causadas por espécies de Aspergillus e Fusarium. Aspergiloses ou hialo-hifomicose invasiva por Aspergillus spp. Introdução Como aspergilose é denominação consagrada, muitos autores continuam a utilizá-lo, mas tecnicamente trata-se de uma hialo-hifomi- cose. Aspergilose é um termo que engloba um grupo variado de doenças como: intoxicação por ingestão de alimentos contaminados; pro- cessos pulmonares alérgicos por inalação de conídios; colonização de cavidades preexis- tentes (geralmente pulmonares); aspergiloses cutânea, subcutânea, invasiva e sistêmica. Epidemiologia e patogênese Os fatores de risco para a aspergilose inva- siva incluem neutropenia prolongada (» 3 semanas) ou disfunções neutrofílicas, cortico- terapia, malignidades hematológicas, drogas citotóxicas, AIDS e transplantes, principal- mente nos de medula óssea." Hialo-hifomicoses Etiologia Aspergillus spp. é o fungo sapróbio mais co- mum no meio ambiente e também o mais isolado entre os responsáveis por infecções no homem." Apenas poucas das 200 ou mais espécies de Aspergillus são patogênicas para o homem, entre elas Aspergillus fumigatus, Aspergillus flavus e Aspergillus niger. Vale ressaltar que o fungo é frequentemente isola- do no ar hospitalar." Manifestações clínicas Raramente, pode haver colonização sem in- fecção, mas Aspergillus spp. pode ser respon- sável por manifestações clínicas em diversos órgãos e sistemas.ê Em pacientes imunodeprimidos, a pele pode ser acometida por disseminação hematogêni- ca do fungo. Nesses casos, as lesões são difusas e constituídas por pápulas eritematovinhosas, pústulas e ulcerações com centro necrótico. A apresentação clínica das aspergiloses in- vasiva e sistêmica é variável, e, com a piora do estado geral do paciente, bem como do seu estado imunológico, os sintomas de infecção se tornam menos óbvios. A aspergilose invasiva pode ser assintomática em mais de 1/3 dos pa- cientes, dificultando seu diagnóstico." As asper- giloses invasivas mais comuns são a pulmonar e a do sistema nervoso central. Outras formas menos comuns de acometimento são descritas, todas elas graves e muitas vezes fatais.f Diagnóstico laboratorial A presença de hifas hialinas septadas no teci- do faz o diagnóstico de hialo-hifomicose. Se a cultura for realizada e houver crescimento de Aspergillus spp., odiagnóstico será de hialo-hi- fomicose por Aspergillus spp. ou aspergilose. Tratamento Para o tratamento das formas invasivas e sis- têmicas anfotericina B lipossomal, fluconazol e itraconazol são as drogas de escolha. Vorico- nazol e caspofungina são drogas de segunda linha.f Hialo-hifomicoses Profilaxia com fluconazol 400 mg/dia é co- mum em pacientes internados em unidades de transplante de medula Óssea, mostrando redução da incidência dessa infecção quando comparado com placebo.? Hialo-hifomicose invasiva por Fusarium spp. Fusarium spp. é fungo de distribuição univer- sal cujo habitat é o meio ambiente em geral. Seus conídios se dispersam pelas correntes aéreas e são encontrados no ar, principalmen- te no verão e outono, particularmente imedia- tamente após chuvas. Algumas espécies como Fusarium solani, Fusarium oxysporum e Fusarium monilifor- me são os agentes mais comuns de hialo-hi- fomicoses.l? A rota de disseminação da infecção é pro- vavelmente o trato respiratório, mas algumas vezes a pele (onicomicoses, celulites, etc.) pode ser a fonte da infecção." As formas disseminadas são principalmen- te relacionadas a estados neutropênicos e têm sido cada vez mais descritas associadas a leu- cemia.ê Fusarium spp. pode determinar peritoni- tes por cateter de diálise contaminado.? Pode também causar doenças invasivas a partir de foco de colonização de pele em grandes quei- mados.? A infecção disseminada tem alta morta- lidade, e as respostas aos antifúngicos são variáveis, embora haja relatos de sucesso te- rapêutico com a associação de anfotericina B lipossomal e voriconazol.? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ajello, L. Hyalohyphomycosis. A disease entity whose time has come. Medical Mycological 80- ciety of New York, Newsletter 1982; 20:3-5. 179 2. McGinnis MR et aloMycotic disease. A proposed nomenclature. lnt J Dermatoll985; 24:9-15. 3. Ajello L. 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