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prova Prof Cristina D1

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Questão A1
a) O caso clínico nos apresenta uma paciente com vida sexual ativa, com múltiplos parceiros e que apresenta ao exame colposcópico área acetobranca em zona de transição, sinal sugestivo de neoplasia intraepitelial. A análise citológica evidencia presença de células escamosas atípicas e grumos de células displásicas, com aumento do volume nuclear, hipercromasia e cromatina dispersa, fortalecendo a hipótese de lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL).
b) Em lesões pré-cancerosas, a maioria dos genomas virais do HPV persiste no interior do núcleo celular, sob a forma circular, não integrado ao genoma celular (forma epissomal). Por outro lado, em lesões de alto grau como no caso descrito, o genoma do HPV (comumente dos subtipos 16 e 18 nesses casos) está frequentemente integrado ao genoma da célula hospedeira, podendo induzir a transformação maligna do epitélio infectado através da expressão de oncoproteínas.
c) 	Existem algumas possibilidades para essa discrepância: problemas pré-analíticos no exame anterior, como coleta inadequada do esfregaço ou amostra insuficiente para análise. Problemas analíticos, como inexperiência do examinador durante a análise, erro de escrutínio, ou até problemas pós-analíticos, como confusão de laudos, erros de identificação. No entanto, existe também a hipótese de infecção do HPV por subtipos mais oncogênicos associado à imunossupressão, apesar de não possuir nenhum dado na história (possível infecção por HIV?). Essa falha do sistema imunológico em eliminar uma infecção persistente ou aguda por alta carga viral pode gerar transformação maligna em período incomumente mais curto.
d) 	No diagnóstico do papiloma vírus humano, o estudo citológico é uma análise indireta que permite identificar alterações celulares sugestivas de infecção, não permitindo a identificação viral em si e nem o seu tipo. Esses dados são importantes para identificação das cepas mais oncogênicas, mas só podem ser obtidos através das técnicas de detecção molecular. Deste modo, o exame citológico estabelece-se como um método importante no diagnóstico do HPV pela alta sensibilidade para detecção de lesões e por permitir uma análise mais completa das transformações decorrentes da infecção, podendo ser considerado o exame de rotina inicial para o rastreio. Todavia, por não ser capaz de identificar o vírus em si, torna-se necessária a confirmação da infecção viral pelas técnicas de biologia molecular, seja por captura híbrida ou principalmente por PCR, que é a mais sensível das técnicas moleculares para detecção e genotipagem viral, possibilitando assim uma melhor estratificação de risco.
e) 	Como dissertado na questão anterior, as técnicas de biologia molecular identificam a presença do vírus mesmo em pacientes assintomáticos, podendo separálos em grupos com vírus de alto e baixo risco. São, por isso, úteis na identificação de mulheres com potencial para desenvolvimento de lesões précancerosas, auxiliando no combate ao câncer do colo e sendo utilizadas como métodos complementares na tomada de decisão sobre o acompanhamento e tratamento de pacientes com lesões induzidas por HPV, principalmente em casos controversos. Por possuir sensibilidade superior à citologia cervical, tem sido proposto o uso do teste para detecção do DNA do HPV como rastreamento primário, permanecendo a citologia para casos em que o teste molecular foi positivo. A detecção por meio de PCR, quando comparados à captura híbrida, é mais complexa e mais cara, entretanto possui a vantagem de conseguir identificar vários tipos de HPV e não apenas separálos em grupos oncogênico e não oncogênico, além de quantificar a carga viral com maior exatidão e reprodutibilidade. Contudo, alguns autores salientam que para a inclusão de testes de HPV no rastreamento do câncer do colo do útero deve-se levar em consideração o custo-benefício e os aspectos psicossociais gerados quando uma mulher é informada que é portadora do HPV, um vírus sexualmente transmissível, cuja infecção pode regredir ou progredir e que não há cura ou medicamento que possa ser prescrito. Além disso, são métodos menos específicos para detecção de lesões precursoras. A utilização desses testes pode melhorar o rastreio, mas a realização da citologia e da colposcopia ainda é necessária para excluir falsospositivos e falsosnegativos.
Questão 2
a) 	O HPV trata-se de um vírus de DNA de fita dupla, com cerca de 8000 pares de bases. Possui forma icosaédrica determinada por capsídeo proteico com cerca de 72 capsômeros, não possuindo envelope. Em seu genoma, são encontradas cerca de 8 janelas aberta de leitura (ORF), regiões de DNA capazes de serem transcritas e resultarem na síntese de proteínas. As ORFs podem ser divididas em 3 porções funcionais: 
· LCR (long control region): é a região onde não ocorre transcrição. Trata-se de um sítio de ligação específico para integração do genoma viral, propiciando a ligação de fatores transcricionais, especialmente o fator E1, o principal responsável por desencadear o início da replicação viral. 
· E (early - precoce): região que codifica os fatores que atuam precocemente no processo de carcinogênese, fazendo controle do ciclo celular. Esses fatores induzem as células parasitadas a trabalharem a favor de aumentar a replicação viral, ou seja, de modo a duplicar seu potencial genético. Após um tempo determinado, diminuem sua função para que as próximas ORF’s (tardias) possam passar a atuar. 
· L (late - tardia): essa porção propicia tempo hábil para a diferenciação celular e completa a replicação do genoma viral adsorvido ao genoma da célula parasitada. Portanto, os códons desse grupo permitem a formação de proteínas estruturais responsáveis pela formação do capsídeo viral, tendo como finalidade a liberação de partículas virais capazes de infectar novas células e VLPs. 
b) 	Cerca de 40 tipos de HPV infectam a região anogenital e podem ser classificados em HPV de baixo risco oncogênico (HPV 6, 11, 40, 42, 43, 44, 55) e de alto risco oncogênico (HPV 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58 e 59). A integração dos epissomos virais e interrupção da expressão de E2 parecem desencadear o processo carcinogênico, levando à expressão das proteínas virais E6 e E7 que desempenham o papel central. A proteína E7 é capaz de ligar-se à forma subfosforilada da proteína supressora de tumor pRb, inativando-a, enquanto a E6 liga-se à p53, acelerando sua degradação proteolítica. No entanto, a afinidade dessas proteínas virais pelos produtos dos genes supressores de tumor varia de acordo com o potencial oncogênico do HPV. A capacidade de degradação da p53 pela proteína E6 parece estar presente somente nos HPV pertencentes às espécies 5, 6, 7, 9 e 11 do gênero Alpha-papillomavirus e pode estar associada à ausência de aminoácido básico na posição 31 de E6. HPVs que não degradam a p53, como por exemplo, HPV 6 e 11, possuem lisina ou arginina nessa posição. Embora a combinação de E6 e E7 possam alterar o ciclo celular e aumentar a probabilidade de ocorrência de mutações, a transformação maligna também exige inúmeras passagens ou a expressão de outros oncogenes, como v-RAS ou v-FOS. Isso é especialmente relevante para entender porque a maioria das pessoas infectadas por tipos oncogênicos de HPV não desenvolve neoplasias anogenitais. Apesar de ser necessária, a expressão de E6 e E7 não é suficiente para a indução do fenótipo maligno.
c) 	Geralmente na infecção com transformação de alto grau há a integração do DNA do vírus ao genoma da célula, levando a uma disfunção de E2, não havendo a supressão de E6 e E7. Portanto, não ocorre a maturação do epitélio, para que L1 e L2 possam funcionar. Pode-se realizar a dosagem de E6 e E7 nesses casos, constatando-se elevação de seus níveis. O resultado de todo esse processo é a perda da diferenciação terminal celular (células imaturas com proliferação descontrolada) e a não sustentação do ciclo de vida viral devido a perda da fase L de síntese do capsídeo, interrompendo o ciclo de replicação e formação de vírions.As células do epitélio infectado tornam-se atípicas, ficam abauladas, com citoplasma cheio de vacúolos, há coilocitose, disceratose e núcleos hipercromáticos. No entanto, as células parasitadas continuam a replicar o DNA viral com a atuação contínua de E6 e E7. O aumento de E6 e E7 bloqueia a ação de p53 e pRB, o que resulta em instabilidade genômica nas células epiteliais e aumenta a replicação celular. Em consequência, a célula acumula mais e mais danos no DNA, que não são reparados. O acúmulo de mutações que surgem ao acaso (evento aditivo) ao longo do tempo contribui para a transformação celular, levando a formação de epitélio displásico.
Questão 3
a) O material genético dos eucariotos é representado pelo DNA, ácidos nucléicos que geralmente se arranjam na forma de dupla-hélice. Esse material encontra-se no núcleo celular sob a forma de moléculas descondensadas ou associadas a proteínas histonas em dobramentos fibrilares, constituindo um complexo de DNA e proteínas que denominamos de cromatina. Este arranjo é capaz de reduzir o tamanho total da molécula de DNA, permitindo a compactação em arranjo microscópico no núcleo celular. No período interfásico a cromatina pode ser diferenciada em duas porções: a eucromatina, correspondendo a regiões desenoveladas dispersas no nucleoplasma que permitem ação do maquinário celular para transcrição ativa, e a heterocromatina, regiões do material genético que não estão envolvidas na transcrição, podendo mostrar-se bastante densa nas colorações ao microscópio. A heterocromatina pode ainda ser divida em constitutiva, sequências repetitivas nunca transcritas, e na heterocromatina facultativa, parte inativada mas que pode possuir papel na transcrição.A formação da cromatina geralmente ocorre pelo processo de mais comum de metilação, sinalizando que uma região específica do DNA não deve ser lida ou inativada no momento e organização é dinâmica, podendo ser alterada de acordo com a fase do ciclo celular. A heterocromatina tem localização variável, podendo se mostrar dispersa, em grumos associadas ao nucléolo e, freqüentemente, se dispõem em delgada camada associada à lâmina nuclear, na superfície carioplasmática da carioteca interna. Nas células em divisão as moléculas de DNA mostram-se em níveis de condensação superior, formando os assim os famosos cromossomos.
b) Um material genético exógeno é capaz de causar intensas alterações na dinâmica celular de uma unidade hospedeira. A integração do material extrínseco de maneira estável ao genoma de um organismo pode modificar o genoma original em um ou mais loci que sejam transcricionalmente ativos, resultando na transcrição de fatores antes não codificados. Esse fenômeno permite a criação de organismo transgênicos capazes de realizar funções específicas introduzidas extrinsecamente, antes não previstas. No entanto, o DNA exógeno pode integrado no genoma ao acaso, ou seja, sem uma localização definida, ocasionando em transcrições disfuncionais com possíveis alterações do ciclo celular, favorecendo aparecimento de mutações e tumores. Além disso, metilações das cadeias e modificação das histonas podem ser consequências dessas interações, podendo levar a alterações epigenétias com alto grau de imprevisibilidade.
c) A genética e a investigação do genoma humano nas últimas duas décadas tem aumentado consideravelmente o conhecimento científico acerca da influência das alterações gênicas no surgimento e desenvolvimento das doenças. Como exemplo claro e atual, vemos que a pandemia da COVID-19 impôs um contexto emergencial, evidenciando de forma ímpar os avanços na automação da sequenciação genética. Fato é que o genoma do desconhecido SARS-CoV-2 foi sequenciado e disponível mundialmente para estudo em menos de 6 meses do seu surgimento, velocidade inédita na história da medicina.
Diante desse quadro, os testes de detecção molecular emergem com grande destaque na prática clínica e laboratorial por analisarem e detectaram material genético. Os métodos moleculares têm sido utilizados no diagnóstico de um número crescente de patologias, evitando realização de exames invasivos. As metodologias mais empregadas atualmente são a hibridização e a reação em cadeia polimerase (PCR). O primeiro trata-se de solução hibridizadora que utiliza anticorpos na captura dos híbridos, moléculas de DNA fita dupla na qual uma das fitas é de origem viral e outra é uma sonda RNA. Os híbridos RNA/DNA são capturados sobre a superfície da microplaca sensibilizada com anticorpos específicos. As sondas não reagentes são lavadas e a detecção da reação é feita por meio de adição de substrato quimioluminescente da fosfatase alcalina. A consequente emissão de luz é que confirma a presença do material genético pesquisado. Já a PCR é uma técnica polimerização de ácidos nucleicos em que um segmento específico de DNA é amplificado sem a necessidade do organismo vivo na amostra, tendo potencial para a detecção de níveis muito baixos de material genético em células e tecidos. A PCR em tempo real (qPCR) é uma variação do método convencional cuja metodologia permite análise quantitativa, possibilitando determinação da carga viral em infecções. 
Assim, conclui-se que o diagnóstico molecular tem ganhado cada vez mais espaço no cenário da saúde pela sensibilidade e especificidade, auxiliando fortemente no raciocínio clínico. Os maiores empecilhos atuais são os alto custos dos equipamentos e insumos. Seguindo a tendência dos estudos cada vez mais profundos dos genomas, podemos esperar que os métodos moleculares se estabelecerão como ferramentas básicas comumente empregadass no futuro da medicina e pesquisa.

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