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Introdução e conceito Diarreia aguda é a eliminação anormal de fezes amolecidas ou líquidas com uma frequência igual ou maior a três vezes por dia e duração de até 14 dias. Entretanto, neonatos e lactentes, em aleitamento materno exclusivo, podem apresentar esse padrão de evacuação sem que seja considerado diarreia aguda. Disenteria é a diarreia com a presença de sangue e/ou leucóci- tos nas fezes. Denomina-se diarreia persistente quando o qua- dro diarreico se estende além de 14 dias. Estima-se que, anualmente, ocorram 2,5 bilhões de casos de diarreia entre as crianças menores de 5 anos. Epidemiologia Desde 2000, os dados do Fundo das Nações Unidas para a In- fância (Unicef) demonstraram uma redução de 50% na taxa de mortalidade por diarreia aguda em crianças menores de 5 anos; entretanto, estimam-se 580.000 óbitos por ano, a maio- ria em menores de 2 anos vivendo em países subdesenvolvi- dos ou em desenvolvimento. No Brasil, segundo publicação oficial do Datasus, a propor- ção de óbitos por diarreia aguda em menores de 5 anos caiu de 10,8% em 1990 para 1,6% em 2011. As regiões Norte e Nordes- te ainda concentram os maiores índices de mortalidade. Apesar da queda na taxa de mortalidade por doença diarrei- ca aguda entre crianças menores de 5 anos, a morbidade tem se mantido constante nas duas últimas décadas, tanto em paí- ses em desenvolvimento como nos países desenvolvidos, con- sumindo recursos substanciais da saúde. Etiologia A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. Mundialmente, as causas infecciosas apresentam uma maior prevalência e impacto na saúde das crianças, principalmente nas menores de 5 anos. Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais fre- quentes. C A P Í T U L O 4 DIARREIA AGUDA Marisa Buriche Liberato Roberta Paranhos Fragoso As diarreias agudas de origem infecciosa têm como princi- pais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários. No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotaví- rus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Os vírus são altamente infectantes e necessitam de baixa carga vi- ral para causar doença. Os rotavírus têm ocorrência universal, sendo os principais responsáveis por episódios de diarreia aguda, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, represen- tando 40% dos casos graves com hospitalização. A infecção por rotavírus é autolimitada, com pico de incidência na faixa etária de 6 a 24 meses. Os norovírus são os principais agentes de surtos epidêmicos de gastroenterites virais transmitidos por água ou alimentos, ocorrendo em todas as faixas etárias. Também podem ser en- contrados em quadros esporádicos, e 30% dos casos são as- sintomáticos. Os adenovírus causam, com mais frequência, infecção do aparelho respiratório, mas, dependendo do sorotipo, podem causar quadros de gastroenterite. Os astrovírus são menos prevalentes. Apesar de poder ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais acometidos. A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente provoca casos de diarreia leve e autolimitada. As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são mais prevalentes nos países em desenvolvimento e têm pico de incidência nas estações chuvosas e quentes. O Quadro 1 re- sume as características dos principais agentes bacterianos. Os agentes parasitários mais frequentemente envolvidos na etiologia da diarreia aguda são: Cryptosporidium parvum, Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica e Cyclospora caye- tanensis. O Cryptosporidium e a Cyclospora são agentes observados em crianças nos países em desenvolvimento e com frequência são assintomáticos. Casos graves de infecção por esses parasitas podem ser encontrados nos pacientes imunodeprimidos. Tratado de Pediatria 4ed.indb 726 5/4/17 18:09 DIARREIA AGUDA • 727 A transmissão da maioria dos patógenos que causam diar- reia é fecal-oral, podendo ocorrer de várias maneiras, como mostra o esquema da Figura 1. Fisiopatologia e quadro clínico O pH ácido gástrico, a flora bacteriana normal, o peristaltismo intestinal, as mucinas presentes na camada de muco que reves- te a superfície luminal dos enterócitos, fatores antimicrobianos como lisozimas e lactoferrina e o sistema imune entérico com- põem a barreira de defesa do sistema digestório potencializado em crianças que usam leite materno exclusivo. Para que ocorra diarreia aguda infecciosa, os microrganismos precisam romper essa barreira e aderir à superfície mucosa, mecanismo este co- mum a todos os patógenos. Depois da aderência à superfície celular, os microrganismos exercem seus fatores de virulência por meio da produção de enterotoxina, citotoxina e lesão da mucosa intestinal de intensidade variada, podendo até deter- minar em alguns casos infecção generalizada. Dependendo do fator de virulência do microrganismo, po- dem ocorrer quatro mecanismos fisiopatológicos de diarreia aguda: mecanismo osmótico, secretor, inflamatório e de alte- ração da motilidade. Em algumas situações, há sobreposição desses mecanismos, podendo a diarreia, nesses casos, apre- sentar mais de uma forma clínica. A diarreia osmótica predomina nos quadros virais. O rotaví- rus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias apicais, que concentram as dissacaridases, principalmente a enzima lactase. Com a destruição desses enterócitos e a repo- sição por células imaturas, há diminuição da atividade enzimática, reduzindo a absorção dos carboidratos, com ênfase na lactose. Os açúcares não absorvidos aumentam a pressão osmótica na luz intestinal, o que determina a maior Quadro 1 Principais características, quadro clínico e mecanismo de ação dos agentes bacterianos Agente infeccioso Característica(s) Quadro clínico Mecanismo de ação Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC) Diarreia do viajante Diarreia do lactente Diarreia líquida, abundante, sem sangue, dor abdominal e febre baixa Diarreia secretora Escherichia coli enteropatogênica (EPEC) Lactentes e adultos Diarreia com muco, sem sangue, dor abdominal, vômitos e febre Lesão de microvilosidade Escherichia coli enteroinvasiva (EIEC) > 2 anos de idade e adultos Disenteria, febre cólica, mal-estar; assemelha-se à Shigella Invade o enterócito Escherichia coli entero- -hemorrágica (EHEC) Gado é o principal reservatório Enterocolite, colite hemorrágica, SHU Lesão vilositária Toxina Shiga 1 e 2, a última mais tóxica Escherichia coli enteroagregativa (EagEC) Crianças e adultos Diarreia líquida, persistente, portador assintomático Ainda não completamente definido Campylobacter spp Lactente Aves domésticas são fonte de contaminação Diarreia líquida ou disenteria, dor abdominal, náuseas, vômitos, cefaleia e dores musculares Invasão da mucosa, penetração em lâmina própria Shigella spp S. sonei mais frequente S. flexneri endêmica em país em desenvolvimento, mais grave S. dysenteriae tipo 1 (toxina Shiga) Diarreia do viajante Invasiva, inflamatória, enterocolite, SHU, febre alta, dor abdominal intensa Acomete intestinos delgado e grosso Toxina Shiga + invasão celular Salmonella spp Mais de 2.000 sorotipos, lactentes idosos e imunocomprometidos Animais são reservatórios Diarreia, náuseas, vômitos, dor abdominal, febre moderada Invasão de mucosa Infecção sistêmica Yersinia enterocolítica Países de clima frio Suínos são reservatórios Ingestão de água e de alimentos contaminados ou de forma direta por transfusão de sangue Pode sobreviver em alimentos congelados Acentuado tropismo pelo sistema linfático Íleo terminal e tecido linfoide são alvos Enterocolite, linfadenite mesentérica e inflamação do íleo; pode mimetizar apendicite aguda; pode também causar bacteremia com focos de metástases; febre, diarreia, dor abdominal; pode ter leucemia e mais raramente sangue Invasão de mucosa Aeromonas Ingestãode água e de alimentos contaminados Diarreia secretora Enterotoxina, citotoxina, hemolisinas e proteases Plesiomonas Beber água não tratada, lavar alimentos consumidos crus e para recreação Diarreia líquida, febre, calafrios, náusea e vômitos; casos graves: disenteria Enterotoxina termolábil, aumenta a secreção do tubo digestório Clostridium difficille Uso prévio de antibiótico, diarreia nosocomial Diarreia líquida ou disenteria Diarreia secretora, colite pseudomembranosa Vibrio cholerae Início abrupto Vômitos e diarreia líquida semelhante à água de arroz, levando à desidratação e até ao choque hipovolêmico Enterotoxina termolábil, aumento da secreção do sistema digestório Tratado de Pediatria 4ed.indb 727 5/4/17 18:09 728 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 12 GASTROENTEROLOGIA passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para manter o equilíbrio osmótico. Esse tipo de diarreia caracteri- za-se pela eliminação de fezes líquidas e volumosas, amarela- das, com caráter explosivo e com grande perda hidreletrolítica. Os vômitos são frequentes e precoces, em 80 a 90% dos casos, precedendo a diarreia e causando a desidratação, principal- mente nos lactentes, faixa etária em que se concentram os quadros mais graves. A febre, geralmente alta, ocorre em apro- ximadamente metade dos casos. A diarreia secretora caracteriza-se por perda de grande vo- lume de água e de eletrólitos, por ação de enterotoxinas que estimulam os mediadores da secreção, a adenosina monofos- fato cíclico (AMPc), guanosina monofosfato cíclico (GMPc) e o cálcio (Ca2+), levando à diminuição da absorção de água e íons e à secreção ativa pela criptas. São exemplos típicos desse tipo de diarreia a ETEC e o Vi- brio cholerae. Nesse tipo de diarreia, há poucos sintomas sistê- micos, a febre está ausente ou é baixa e os vômitos surgem com a desidratação, que é a principal complicação pela perda rápida e volumosa de água e eletrólitos pelas fezes. A diarreia inflamatória é causada por patógenos que inva- dem a mucosa do intestino delgado ou grosso, ocasionando resposta inflamatória local ou sistêmica, dependendo da ex- tensão da injúria. O quadro clínico caracteriza-se por febre, mal-estar, vômitos, dor abdominal do tipo cólica e diarreia disentérica, com fezes contendo sangue, muco e leucócitos. Os sintomas sistêmicos serão tão mais intensos quanto maior for o poten- cial invasivo do patógeno. Em algumas situações, os microrga- nismos podem atingir a circulação sistêmica, afetando órgãos a distância como articulações, fígado, baço e sistema nervoso central. A principal complicação da diarreia aguda é a desidratação, que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidre- letrolítico e acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As crianças menores de 1 ano são as mais vulneráveis. Nas popu- lações mais carentes, a diarreia aguda pode ser um fator deter- minante ou agravante da desnutrição, que por sua vez aumen- ta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de antibióticos. Diagnóstico O diagnóstico da diarreia aguda é eminentemente clínico. Por meio de uma história e um exame físico detalhados, é possível levantar hipóteses quanto a determinados agentes etiológicos e orientar as medidas terapêuticas necessárias. Deve constar na anamnese: duração da diarreia, caracterís- ticas das fezes, número de evacuações diarreicas por dia, vô- mitos (número de episódios/dia), febre, diurese (volume, cor e tempo decorrido da última micção), uso de medicamentos, sede, apetite, tipo e quantidade de líquidos e alimentos ofere- cidos após o início da diarreia, doenças prévias, estado geral, presença de queixas relacionadas a outros sistemas, viagem recente, contato com pessoas com diarreia e ingestão de ali- mentos suspeitos, além do uso prévio recente de antibióticos. O exame físico deverá ser completo, incluindo avaliação nutricional, pois a desnutrição é fator de risco para quadros mais graves e evolução para diarreia persistente. É importante Pessoas tocadas por mãos contaminadas Contaminação de objetos e outros Utilização de água contaminada na agricultura Água e alimentos não higienizados adequadamente para consumo Ingestão de carnes contaminadas malcozidas Contaminação da água e do solo com fezes de pessoas e animais infectados Animais contaminados Preparo de alimentos com mãos contaminadas Contaminação das mãos na troca de fraldas de crianças infectadas ou falta de higiene pessoal após defecar Figura 1 Modo de transmissão da maioria dos patógenos envolvidos na etiologia da diarreia aguda. Tratado de Pediatria 4ed.indb 728 5/4/17 18:09 DIARREIA AGUDA • 729 lembrar também que a diarreia, principalmente no lactente, pode acompanhar quadros de pneumonia, otite média, infec- ção do trato urinário, meningite e septicemia bacteriana. De- ve-se classificar o estado de hidratação do paciente, como mostra o Quadro 2. A solicitação de exames laboratoriais não é necessária roti- neiramente para o tratamento da diarreia aguda, habitual- mente autolimitada, ficando reservada para os casos de evolu- ção atípica, grave ou arrastada, presença de sangue nas fezes, lactentes menores de 4 meses e para os pacientes imunodepri- midos. O hemograma completo deve ser solicitado para avaliar anemia e padrão leucocitário; ionograma, ureia e creatinina, nos casos com distúrbio hidreletrolítico grave e impacto na função renal. Nas fezes, pH fecal, substâncias redutoras, leucócitos, he- mácias, sangue oculto e coprocultura, ELISA para vírus e pes- quisa de toxina para Clostridium são os exames mais frequentemente solicitados. O pH fecal igual ou menor de 5,5 e a presença de substân- cias redutoras nas fezes indicam intolerância aos carboidratos, normalmente de natureza transitória. A ausência de leucóci- tos fecais não exclui a presença de bactéria invasiva, mas a sua presença indica inflamação e organismos que invadem a mu- cosa intestinal. O exame de coprocultura geralmente tem uma positividade baixa. O material fecal deve ser transportado em meio especial ou cultivado até 2 horas após a coleta, com as fezes mantidas em refrigeração a 4°C. Tratamento e prevenção Terapia de reidratação oral (TRO) e dieta A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Unicef preconi- zam o uso da solução de reidratação oral (SRO) hiposmolar, que, comparado com a SRO padrão antigo (Quadro 3), mos- trou-se mais eficaz, diminuindo os episódios de vômitos, o vo- lume e a duração da diarreia em lactentes e também a probabi- lidade de hipernatremia. A criança com diarreia aguda sem desidratação pode ser tratada no domicílio. Orienta-se aumentar a oferta de líquidos e após cada evacuação diarreica oferecer a SRO, de 50 a 100 mL para menores de 2 anos, 100 a 200 mL para crianças de 2 a 10 anos, e, para aquelas acima de 10 anos, o quanto aceitar. Orientar aos familiares a observação de sinais de desidratação e gravidade. Sucos, refrigerantes, energéticos e outros não substituem a SRO, uma vez que são hiperosmolares. Na criança com diarreia e desidratação leve a moderada (5 a 10% de perda), realiza-se a reposição com 50 a 100 mL/kg em 3 a 4 horas, oferecendo a SRO em pequenos volumes, com copo, com frequência, de modo supervisionado por profissio- Quadro 2 Avaliação do estado de hidratação segundo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) Sinais clínicos Hidratado Algum grau de desidratação – presença de dois ou mais dos sinais abaixo Desidratação grave – presença de dois ou mais dos sinais abaixo, incluso um sinal que avalie perfusão* Elasticidade Normal Diminuída Muito diminuída Turgor da pele (sinal da prega) Normal (ausente) Diminuído (desaparece lentamente, > 2 s) Muito diminuído (desaparece muito lentamente, > 3 s) Sede Bebe normalmente Bebe com avidez Bebe pouco/não consegue beber* Mucosa oral Úmida Seca Muito seca Olhos Normais Fundos Muito fundos Lágrimas Presentes Ausentes Ausentes Fontanela Plana Deprimida Muitodeprimida Pulsos Cheios Finos Muito finos ou ausentes* Sensório Alerta Irritado, sedento Letárgico, não consegue beber* Enchimento capilar* < 3 s 3 a 6 s > 6 s Diurese Presente Oligúria Oligoanúria Déficit de fluidos/kg de peso (%) < 50 mL/kg (< 5%) 50 a 100 mL/kg (5 a 10%) > 100 mL/kg (> 10%) *O examinador comprime a mão do paciente por 15 segundos e, depois, verifica o tempo para o retorno da circulação. Quadro 3 Composição das soluções de reidratação oral (SRO) Componentes SRO padrão antigo (mOsm/L) SRO hiposmolar (padrão recente) (mOsm/L) Sódio 90 75 Potássio 20 20 Cloro 80 65 Glicose 111 75 Osmolaridade 311 245 Tratado de Pediatria 4ed.indb 729 5/4/17 18:09 730 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 12 GASTROENTEROLOGIA nal de saúde. Em casos de vômitos persistentes, deve-se ten- tar a administração da SRO por sonda nasogástrica (via eficaz), 20 mL/kg/h, durante 4 a 6 horas. Durante o período de reidra- tação, não alimentar a criança, exceto se estiver em aleitamen- to materno. A criança com diarreia e desidratação grave (> 10% de perda) necessita de hospitalização e hidratação endo- venosa para restabelecer rapidamente a perfusão aos órgãos vitais. Outros critérios para a hidratação venosa são: vômito intra- tável, falha na TRO por via oral ou sonda nasogástrica, diarreia profusa, íleo paralítico, irritabilidade, sonolência ou ausência de melhora após 24 horas da administração da SRO. Recomenda-se manter a alimentação normal para a idade nos casos sem desidratação e reintroduzi-la de forma gradati- va, com refeições frequentes e leves, selecionando alimentos ricos em energia e micronutrientes (grãos, ovos, carnes, frutas e hortaliças), sem a necessidade de diluir o leite ou de substi- tuí-lo por uma fórmula sem lactose. Os lactentes em aleita- mento materno devem continuar a ser amamentados, mesmo durante o período de reidratação. Medicações Em 2002, a OMS e o Unicef revisaram suas recomendações para adicionar o zinco de rotina como terapia anexa à reidrata- ção oral para o tratamento da diarreia infantil, independente- mente da etiologia. Nas crianças que vivem nos países em de- senvolvimento, o uso do zinco oral deve ser recomendado na dose de 20 mg por dia, durante 10 dias; e nos lactentes meno- res de 2 meses, na dose de 10 mg por dia, também durante 10 dias, para o tratamento da diarreia aguda. Os antieméticos são desnecessários para o tratamento da diarreia aguda e não conferem benefício; além disso, têm efeitos sedativos, o que pode atrapalhar a TRO; entretanto, novas evidências indicam que crianças com vômitos persis- tentes, tratadas com a ondansetrona, apresentam menor risco de admissão hospitalar. Os probióticos podem ser úteis para reduzir a gravidade e a duração da diarreia aguda infecciosa infantil, abreviando em cerca de 1 dia a sua duração, principalmente nas diarreias de etiologia viral. Os antiperistálticos, como a loperamida, não são recomen- dados para tratar crianças, pois aumentam a gravidade e as complicações da doença, particularmente em crianças com diarreia invasiva. As evidências são maiores com o Sacaromi- ces bulardi e Lactobacillus GG. A racecadotrila é uma droga antissecretora que inibe a en- cefalinase intestinal sem reduzir o transito intestinal ou pro- mover o supercrescimento bacteriano. A medicação reduz a duração da diarreia e o volume de fezes. Os estudos recentes de metanálises apoiam o uso da racecadotrila, associado à SRO, para a conduta terapêutica da diarreia aguda em crianças. Os quadros de diarreia aguda em geral são autolimitados e, portanto, o uso racional de antibióticos evita o aparecimento de complicações, bem como de resistência bacteriana, sendo excepcionalmente indicados. Os antimicrobianos são indicados para os casos mais gra- ves: na diarreia com sangue, nos pacientes imunodeprimidos e em lactentes jovens, menores de 4 meses; sua escolha deve se basear nos padrões de sensibilidade das cepas dos patóge- nos presentes na localidade ou região. Os antimicrobianos de escolha para os principais agentes bacterianos e parasitários são: • cólera: azitromicina, ciprofloxacino; • Shigella: azitromicina, ceftriaxona e ácido nalidíxico; • ameba invasiva (presença de hematófago em microscopia de fezes ou disenteria sem outro patógeno): metronidazol se- guido do uso da nitazoxanida para a total eliminação dos cis- tos. A nitazoxanida é um antiparasitário eficaz para o tratamento da diarreia provocada por parasitas como Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica e Cryptosporidium parvum. Al- guns estudos têm demonstrado a ação da nitazoxanida redu- zindo a replicação do rotavírus no hospedeiro; • giardíase: metronidazol, tinidazol, secnidazol; • Campylobacter: azitromicina, ciprofloxacino; • E. coli enteropatogênica, enterotoxigênica e invasiva: cipro- floxacino, ceftriaxona; • Clostridium difficile: metronidazol, vancomicina. Prevenção da diarreia O aleitamento materno exclusivo durante os 6 primeiros me- ses e após esta idade, acompanhado de alimentação comple- mentar adequada para a idade, o uso de água tratada, de ali- mentos adequadamente preparados e acondicionados e esgotamento sanitário apropriado previnem a incidência de diarreia. Uma metanálise de 30 estudos revelou que o hábito de lavar as mãos reduziu a incidência de doença diarreica em até 31%, mas outro estudo mostrou pouco efeito quanto à transmissão do rotavírus. A vacinação é a melhor maneira de prevenir a infecção por rotavírus. A OMS recomenda duas vacinas: a vacina humana monovalente de vírus vivo atenuado RV-A (Rotarix®) e a vaci- na pentavalente bovino-humana (RotaTeq®). A Rotarix® foi introduzida no Brasil em 2006, por meio do Programa Nacional de Imunização, com um esquema de duas doses aos 2 meses de vida (mínima de 6 e máxima de 14 sema- nas de vida) e 4 meses (mínima de 14 semanas e máxima de 24 semanas de vida), podendo ser coadministrada com outras vacinas. As duas vacinas, quando comparadas, demonstram ser al- tamente efetivas para prevenir a infecção por rotavírus e suas complicações, principalmente as internações. A imunização contra o sarampo pode reduzir a incidência e a gravidade das doenças diarreicas; por isso, essa vacinação deve ser feita para todos os lactentes na idade recomendada. Considerações finais Apesar de a mortalidade por diarreia aguda ter diminuído em 50%, a morbidade continua inalterada. Os rotavírus são os principais agentes etiológicos, tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Tratado de Pediatria 4ed.indb 730 5/4/17 18:09 DIARREIA AGUDA • 731 A desidratação e a desnutrição, com seu impacto no cresci- mento e desenvolvimento cognitivo, são as principais compli- cações da diarreia aguda. O diagnóstico da diarreia aguda é basicamente clínico, ba- seado em uma anamnese e um exame físico completos. A terapia de reidratação oral, a administração de zinco e a manutenção de uma dieta adequada para a idade continuam como as opções terapêuticas mais eficazes. Incentivo ao aleitamento materno, orientação para uma alimentação complementar adequada para cada faixa etária, melhoria nas condições sanitárias, boas práticas de higiene pessoal e alimentar, vacinação contra o rotavírus e o sarampo são os pontos-chave para a prevenção da diarreia aguda. Ao final da leitura deste capítulo, o pediatra deve estar apto a: • Conceituar diarreia aguda. • Conhecer os dados epidemiológicos de mortalidade e morbidade causados por diarreia aguda. • Identificar os principais agentes etiológicos. • Descrever os mecanismos etiopatogênicos da diarreia aguda. • Reconhecer os sinais de desidratação e classificar a sua gravidade. • Prevenir e tratar a desidratação por via oral e via endovenosa. • Solicitar exames laboratoriais em casos específicos. • Conhecer as indicações de antimicrobianos e outras medicações na diarreia aguda. • Conhecer as medidas de prevenção para diarreia aguda. Bibliografia 1. Applegate J, Walker C, Ambikapathi R et al. Systematicreview of probi- otics for the treatment of community-acquired acute diarrhea in chil- dren. BMC Public Health 2013; 13(Suppl 3):S16. 2. Binder HJ, Brown I, Ramakrishna BS et al. Oral rehydration therapy in the second decade of the twenty-first century. Curr Gastroenterol Rep 2014; 16:376. 3. Brasil. 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