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diarreia - Tratado de Pediatria 4ª Edição

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Introdução e conceito 
Diarreia aguda é a eliminação anormal de fezes amolecidas ou 
líquidas com uma frequência igual ou maior a três vezes por 
dia e duração de até 14 dias. Entretanto, neonatos e lactentes, 
em aleitamento materno exclusivo, podem apresentar esse 
padrão de evacuação sem que seja considerado diarreia aguda. 
Disenteria é a diarreia com a presença de sangue e/ou leucóci-
tos nas fezes. Denomina-se diarreia persistente quando o qua-
dro diarreico se estende além de 14 dias.
Estima-se que, anualmente, ocorram 2,5 bilhões de casos 
de diarreia entre as crianças menores de 5 anos.
Epidemiologia 
Desde 2000, os dados do Fundo das Nações Unidas para a In-
fância (Unicef) demonstraram uma redução de 50% na taxa 
de mortalidade por diarreia aguda em crianças menores de 5 
anos; entretanto, estimam-se 580.000 óbitos por ano, a maio-
ria em menores de 2 anos vivendo em países subdesenvolvi-
dos ou em desenvolvimento.
No Brasil, segundo publicação oficial do Datasus, a propor-
ção de óbitos por diarreia aguda em menores de 5 anos caiu de 
10,8% em 1990 para 1,6% em 2011. As regiões Norte e Nordes-
te ainda concentram os maiores índices de mortalidade.
Apesar da queda na taxa de mortalidade por doença diarrei-
ca aguda entre crianças menores de 5 anos, a morbidade tem 
se mantido constante nas duas últimas décadas, tanto em paí-
ses em desenvolvimento como nos países desenvolvidos, con-
sumindo recursos substanciais da saúde.
Etiologia 
A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. 
Mundialmente, as causas infecciosas apresentam uma maior 
prevalência e impacto na saúde das crianças, principalmente 
nas menores de 5 anos.
Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos 
medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais fre-
quentes.
C A P Í T U L O 4
DIARREIA AGUDA
Marisa Buriche Liberato
Roberta Paranhos Fragoso
As diarreias agudas de origem infecciosa têm como princi-
pais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários.
No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores 
das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotaví-
rus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Os 
vírus são altamente infectantes e necessitam de baixa carga vi-
ral para causar doença.
Os rotavírus têm ocorrência universal, sendo os principais 
responsáveis por episódios de diarreia aguda, tanto nos países 
desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, represen-
tando 40% dos casos graves com hospitalização. A infecção 
por rotavírus é autolimitada, com pico de incidência na faixa 
etária de 6 a 24 meses.
Os norovírus são os principais agentes de surtos epidêmicos 
de gastroenterites virais transmitidos por água ou alimentos, 
ocorrendo em todas as faixas etárias. Também podem ser en-
contrados em quadros esporádicos, e 30% dos casos são as-
sintomáticos.
Os adenovírus causam, com mais frequência, infecção do 
aparelho respiratório, mas, dependendo do sorotipo, podem 
causar quadros de gastroenterite.
Os astrovírus são menos prevalentes. Apesar de poder 
ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais 
acometidos. A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente 
provoca casos de diarreia leve e autolimitada.
As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são 
mais prevalentes nos países em desenvolvimento e têm pico 
de incidência nas estações chuvosas e quentes. O Quadro 1 re-
sume as características dos principais agentes bacterianos.
Os agentes parasitários mais frequentemente envolvidos 
na etiologia da diarreia aguda são: Cryptosporidium parvum, 
Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica e Cyclospora caye-
tanensis.
O Cryptosporidium e a Cyclospora são agentes observados 
em crianças nos países em desenvolvimento e com frequência 
são assintomáticos. Casos graves de infecção por esses parasitas 
podem ser encontrados nos pacientes imunodeprimidos.
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DIARREIA AGUDA • 727
A transmissão da maioria dos patógenos que causam diar-
reia é fecal-oral, podendo ocorrer de várias maneiras, como 
mostra o esquema da Figura 1.
Fisiopatologia e quadro clínico 
O pH ácido gástrico, a flora bacteriana normal, o peristaltismo 
intestinal, as mucinas presentes na camada de muco que reves-
te a superfície luminal dos enterócitos, fatores antimicrobianos 
como lisozimas e lactoferrina e o sistema imune entérico com-
põem a barreira de defesa do sistema digestório potencializado 
em crianças que usam leite materno exclusivo. Para que ocorra 
diarreia aguda infecciosa, os microrganismos precisam romper 
essa barreira e aderir à superfície mucosa, mecanismo este co-
mum a todos os patógenos. Depois da aderência à superfície 
celular, os microrganismos exercem seus fatores de virulência 
por meio da produção de enterotoxina, citotoxina e lesão da 
mucosa intestinal de intensidade variada, podendo até deter-
minar em alguns casos infecção generalizada.
Dependendo do fator de virulência do microrganismo, po-
dem ocorrer quatro mecanismos fisiopatológicos de diarreia 
aguda: mecanismo osmótico, secretor, inflamatório e de alte-
ração da motilidade. Em algumas situações, há sobreposição 
desses mecanismos, podendo a diarreia, nesses casos, apre-
sentar mais de uma forma clínica.
A diarreia osmótica predomina nos quadros virais. O rotaví-
rus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias 
apicais, que concentram as dissacaridases, principalmente a 
enzima lactase. Com a destruição desses enterócitos e a repo-
sição por células imaturas, há diminuição da atividade 
enzimática, reduzindo a absorção dos carboidratos, com 
ênfase na lactose. Os açúcares não absorvidos aumentam a 
pressão osmótica na luz intestinal, o que determina a maior 
Quadro 1 Principais características, quadro clínico e mecanismo de ação dos agentes bacterianos
Agente infeccioso Característica(s) Quadro clínico Mecanismo de ação
Escherichia coli 
enterotoxigênica (ETEC)
Diarreia do viajante
Diarreia do lactente
Diarreia líquida, abundante, sem 
sangue, dor abdominal e febre baixa
Diarreia secretora
Escherichia coli 
enteropatogênica (EPEC)
Lactentes e adultos Diarreia com muco, sem sangue, dor 
abdominal, vômitos e febre
Lesão de microvilosidade
Escherichia coli 
enteroinvasiva (EIEC)
> 2 anos de idade e adultos Disenteria, febre cólica, mal-estar; 
assemelha-se à Shigella
Invade o enterócito
Escherichia coli entero- 
-hemorrágica (EHEC)
Gado é o principal reservatório Enterocolite, colite hemorrágica, 
SHU
Lesão vilositária
Toxina Shiga 1 e 2, a última mais 
tóxica
Escherichia coli 
enteroagregativa 
(EagEC)
Crianças e adultos Diarreia líquida, persistente, 
portador assintomático
Ainda não completamente 
definido
Campylobacter spp Lactente
Aves domésticas são fonte de 
contaminação
Diarreia líquida ou disenteria, dor 
abdominal, náuseas, vômitos, 
cefaleia e dores musculares
Invasão da mucosa, penetração 
em lâmina própria
Shigella spp S. sonei mais frequente
S. flexneri endêmica em país em 
desenvolvimento, mais grave
S. dysenteriae tipo 1 (toxina Shiga)
Diarreia do viajante
Invasiva, inflamatória, enterocolite, 
SHU, febre alta, dor abdominal 
intensa
Acomete intestinos delgado e 
grosso
Toxina Shiga + invasão celular
Salmonella spp Mais de 2.000 sorotipos, lactentes 
idosos e imunocomprometidos
Animais são reservatórios
Diarreia, náuseas, vômitos, dor 
abdominal, febre moderada
Invasão de mucosa
Infecção sistêmica
Yersinia enterocolítica Países de clima frio 
Suínos são reservatórios
Ingestão de água e de alimentos 
contaminados ou de forma direta 
por transfusão de sangue
Pode sobreviver em alimentos 
congelados
Acentuado tropismo pelo sistema 
linfático 
Íleo terminal e tecido linfoide são 
alvos
Enterocolite, linfadenite mesentérica 
e inflamação do íleo;
pode mimetizar apendicite aguda;
pode também causar bacteremia 
com focos de metástases;
febre, diarreia, dor abdominal;
pode ter leucemia e mais raramente 
sangue
Invasão de mucosa
Aeromonas Ingestãode água e de alimentos 
contaminados
Diarreia secretora Enterotoxina, citotoxina, 
hemolisinas e proteases
Plesiomonas Beber água não tratada, lavar 
alimentos consumidos crus e para 
recreação 
Diarreia líquida, febre, calafrios, 
náusea e vômitos;
casos graves: disenteria
Enterotoxina termolábil, 
aumenta a secreção do tubo 
digestório
Clostridium difficille Uso prévio de antibiótico, diarreia 
nosocomial
Diarreia líquida ou disenteria Diarreia secretora, colite 
pseudomembranosa
Vibrio cholerae Início abrupto Vômitos e diarreia líquida 
semelhante à água de arroz, 
levando à desidratação e até ao 
choque hipovolêmico
Enterotoxina termolábil, 
aumento da secreção do 
sistema digestório
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728 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 12 GASTROENTEROLOGIA
passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para 
manter o equilíbrio osmótico. Esse tipo de diarreia caracteri-
za-se pela eliminação de fezes líquidas e volumosas, amarela-
das, com caráter explosivo e com grande perda hidreletrolítica. 
Os vômitos são frequentes e precoces, em 80 a 90% dos casos, 
precedendo a diarreia e causando a desidratação, principal-
mente nos lactentes, faixa etária em que se concentram os 
quadros mais graves. A febre, geralmente alta, ocorre em apro-
ximadamente metade dos casos.
A diarreia secretora caracteriza-se por perda de grande vo-
lume de água e de eletrólitos, por ação de enterotoxinas que 
estimulam os mediadores da secreção, a adenosina monofos-
fato cíclico (AMPc), guanosina monofosfato cíclico (GMPc) e 
o cálcio (Ca2+), levando à diminuição da absorção de água e 
íons e à secreção ativa pela criptas.
São exemplos típicos desse tipo de diarreia a ETEC e o Vi-
brio cholerae. Nesse tipo de diarreia, há poucos sintomas sistê-
micos, a febre está ausente ou é baixa e os vômitos surgem 
com a desidratação, que é a principal complicação pela perda 
rápida e volumosa de água e eletrólitos pelas fezes.
A diarreia inflamatória é causada por patógenos que inva-
dem a mucosa do intestino delgado ou grosso, ocasionando 
resposta inflamatória local ou sistêmica, dependendo da ex-
tensão da injúria.
O quadro clínico caracteriza-se por febre, mal-estar, 
vômitos, dor abdominal do tipo cólica e diarreia disentérica, 
com fezes contendo sangue, muco e leucócitos. Os sintomas 
sistêmicos serão tão mais intensos quanto maior for o poten-
cial invasivo do patógeno. Em algumas situações, os microrga-
nismos podem atingir a circulação sistêmica, afetando órgãos 
a distância como articulações, fígado, baço e sistema nervoso 
central.
A principal complicação da diarreia aguda é a desidratação, 
que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidre-
letrolítico e acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As 
crianças menores de 1 ano são as mais vulneráveis. Nas popu-
lações mais carentes, a diarreia aguda pode ser um fator deter-
minante ou agravante da desnutrição, que por sua vez aumen-
ta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de 
antibióticos.
Diagnóstico 
O diagnóstico da diarreia aguda é eminentemente clínico. Por 
meio de uma história e um exame físico detalhados, é possível 
levantar hipóteses quanto a determinados agentes etiológicos 
e orientar as medidas terapêuticas necessárias.
Deve constar na anamnese: duração da diarreia, caracterís-
ticas das fezes, número de evacuações diarreicas por dia, vô-
mitos (número de episódios/dia), febre, diurese (volume, cor 
e tempo decorrido da última micção), uso de medicamentos, 
sede, apetite, tipo e quantidade de líquidos e alimentos ofere-
cidos após o início da diarreia, doenças prévias, estado geral, 
presença de queixas relacionadas a outros sistemas, viagem 
recente, contato com pessoas com diarreia e ingestão de ali-
mentos suspeitos, além do uso prévio recente de antibióticos.
O exame físico deverá ser completo, incluindo avaliação 
nutricional, pois a desnutrição é fator de risco para quadros 
mais graves e evolução para diarreia persistente. É importante 
Pessoas tocadas por 
mãos contaminadas
Contaminação de 
objetos e outros
Utilização de água 
contaminada na 
agricultura
Água e alimentos não 
higienizados adequadamente 
para consumo
Ingestão de carnes 
contaminadas malcozidas
Contaminação da água e do 
solo com fezes de pessoas e 
animais infectados
Animais 
contaminados
Preparo de alimentos 
com mãos contaminadas
Contaminação das mãos na troca 
de fraldas de crianças infectadas ou 
falta de higiene pessoal após defecar
Figura 1 Modo de transmissão da maioria dos patógenos envolvidos na etiologia da diarreia aguda.
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DIARREIA AGUDA • 729
lembrar também que a diarreia, principalmente no lactente, 
pode acompanhar quadros de pneumonia, otite média, infec-
ção do trato urinário, meningite e septicemia bacteriana. De-
ve-se classificar o estado de hidratação do paciente, como 
mostra o Quadro 2.
A solicitação de exames laboratoriais não é necessária roti-
neiramente para o tratamento da diarreia aguda, habitual-
mente autolimitada, ficando reservada para os casos de evolu-
ção atípica, grave ou arrastada, presença de sangue nas fezes, 
lactentes menores de 4 meses e para os pacientes imunodepri-
midos.
O hemograma completo deve ser solicitado para avaliar 
anemia e padrão leucocitário; ionograma, ureia e creatinina, 
nos casos com distúrbio hidreletrolítico grave e impacto na 
função renal.
Nas fezes, pH fecal, substâncias redutoras, leucócitos, he-
mácias, sangue oculto e coprocultura, ELISA para vírus e pes-
quisa de toxina para Clostridium são os exames mais 
frequentemente solicitados.
O pH fecal igual ou menor de 5,5 e a presença de substân-
cias redutoras nas fezes indicam intolerância aos carboidratos, 
normalmente de natureza transitória. A ausência de leucóci-
tos fecais não exclui a presença de bactéria invasiva, mas a sua 
presença indica inflamação e organismos que invadem a mu-
cosa intestinal.
O exame de coprocultura geralmente tem uma positividade 
baixa. O material fecal deve ser transportado em meio especial 
ou cultivado até 2 horas após a coleta, com as fezes mantidas 
em refrigeração a 4°C.
Tratamento e prevenção 
Terapia de reidratação oral (TRO) e dieta
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Unicef preconi-
zam o uso da solução de reidratação oral (SRO) hiposmolar, 
que, comparado com a SRO padrão antigo (Quadro 3), mos-
trou-se mais eficaz, diminuindo os episódios de vômitos, o vo-
lume e a duração da diarreia em lactentes e também a probabi-
lidade de hipernatremia.
A criança com diarreia aguda sem desidratação pode ser 
tratada no domicílio. Orienta-se aumentar a oferta de líquidos 
e após cada evacuação diarreica oferecer a SRO, de 50 a 100 
mL para menores de 2 anos, 100 a 200 mL para crianças de 2 a 
10 anos, e, para aquelas acima de 10 anos, o quanto aceitar. 
Orientar aos familiares a observação de sinais de desidratação 
e gravidade. Sucos, refrigerantes, energéticos e outros não 
substituem a SRO, uma vez que são hiperosmolares.
Na criança com diarreia e desidratação leve a moderada (5 
a 10% de perda), realiza-se a reposição com 50 a 100 mL/kg 
em 3 a 4 horas, oferecendo a SRO em pequenos volumes, com 
copo, com frequência, de modo supervisionado por profissio-
Quadro 2 Avaliação do estado de hidratação segundo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS)
Sinais clínicos Hidratado Algum grau de desidratação 
– presença de dois ou mais 
dos sinais abaixo
Desidratação grave – presença de dois ou 
mais dos sinais abaixo, incluso um sinal 
que avalie perfusão*
Elasticidade Normal Diminuída Muito diminuída
Turgor da pele (sinal da 
prega)
Normal (ausente) Diminuído (desaparece 
lentamente, > 2 s)
Muito diminuído (desaparece muito 
lentamente, > 3 s)
Sede Bebe normalmente Bebe com avidez Bebe pouco/não consegue beber*
Mucosa oral Úmida Seca Muito seca
Olhos Normais Fundos Muito fundos
Lágrimas Presentes Ausentes Ausentes
Fontanela Plana Deprimida Muitodeprimida
Pulsos Cheios Finos Muito finos ou ausentes*
Sensório Alerta Irritado, sedento Letárgico, não consegue beber*
Enchimento capilar* < 3 s 3 a 6 s > 6 s
Diurese Presente Oligúria Oligoanúria
Déficit de fluidos/kg de 
peso (%)
< 50 mL/kg (< 5%) 50 a 100 mL/kg (5 a 10%) > 100 mL/kg (> 10%)
*O examinador comprime a mão do paciente por 15 segundos e, depois, verifica o tempo para o retorno da circulação.
Quadro 3 Composição das soluções de reidratação oral (SRO)
Componentes SRO padrão antigo (mOsm/L) SRO hiposmolar (padrão recente) (mOsm/L)
Sódio 90 75
Potássio 20 20
Cloro 80 65
Glicose 111 75
Osmolaridade 311 245
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730 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 12 GASTROENTEROLOGIA
nal de saúde. Em casos de vômitos persistentes, deve-se ten-
tar a administração da SRO por sonda nasogástrica (via eficaz), 
20 mL/kg/h, durante 4 a 6 horas. Durante o período de reidra-
tação, não alimentar a criança, exceto se estiver em aleitamen-
to materno. A criança com diarreia e desidratação grave (> 
10% de perda) necessita de hospitalização e hidratação endo-
venosa para restabelecer rapidamente a perfusão aos órgãos 
vitais.
Outros critérios para a hidratação venosa são: vômito intra-
tável, falha na TRO por via oral ou sonda nasogástrica, diarreia 
profusa, íleo paralítico, irritabilidade, sonolência ou ausência 
de melhora após 24 horas da administração da SRO.
Recomenda-se manter a alimentação normal para a idade 
nos casos sem desidratação e reintroduzi-la de forma gradati-
va, com refeições frequentes e leves, selecionando alimentos 
ricos em energia e micronutrientes (grãos, ovos, carnes, frutas 
e hortaliças), sem a necessidade de diluir o leite ou de substi-
tuí-lo por uma fórmula sem lactose. Os lactentes em aleita-
mento materno devem continuar a ser amamentados, mesmo 
durante o período de reidratação.
Medicações
Em 2002, a OMS e o Unicef revisaram suas recomendações 
para adicionar o zinco de rotina como terapia anexa à reidrata-
ção oral para o tratamento da diarreia infantil, independente-
mente da etiologia. Nas crianças que vivem nos países em de-
senvolvimento, o uso do zinco oral deve ser recomendado na 
dose de 20 mg por dia, durante 10 dias; e nos lactentes meno-
res de 2 meses, na dose de 10 mg por dia, também durante 10 
dias, para o tratamento da diarreia aguda.
Os antieméticos são desnecessários para o tratamento da 
diarreia aguda e não conferem benefício; além disso, têm 
efeitos sedativos, o que pode atrapalhar a TRO; entretanto, 
novas evidências indicam que crianças com vômitos persis-
tentes, tratadas com a ondansetrona, apresentam menor risco 
de admissão hospitalar.
Os probióticos podem ser úteis para reduzir a gravidade e a 
duração da diarreia aguda infecciosa infantil, abreviando em 
cerca de 1 dia a sua duração, principalmente nas diarreias de 
etiologia viral.
Os antiperistálticos, como a loperamida, não são recomen-
dados para tratar crianças, pois aumentam a gravidade e as 
complicações da doença, particularmente em crianças com 
diarreia invasiva. As evidências são maiores com o Sacaromi-
ces bulardi e Lactobacillus GG.
A racecadotrila é uma droga antissecretora que inibe a en-
cefalinase intestinal sem reduzir o transito intestinal ou pro-
mover o supercrescimento bacteriano. A medicação reduz a 
duração da diarreia e o volume de fezes. Os estudos recentes 
de metanálises apoiam o uso da racecadotrila, associado à 
SRO, para a conduta terapêutica da diarreia aguda em crianças.
Os quadros de diarreia aguda em geral são autolimitados e, 
portanto, o uso racional de antibióticos evita o aparecimento 
de complicações, bem como de resistência bacteriana, sendo 
excepcionalmente indicados.
Os antimicrobianos são indicados para os casos mais gra-
ves: na diarreia com sangue, nos pacientes imunodeprimidos 
e em lactentes jovens, menores de 4 meses; sua escolha deve 
se basear nos padrões de sensibilidade das cepas dos patóge-
nos presentes na localidade ou região.
Os antimicrobianos de escolha para os principais agentes 
bacterianos e parasitários são:
• cólera: azitromicina, ciprofloxacino;
• Shigella: azitromicina, ceftriaxona e ácido nalidíxico;
• ameba invasiva (presença de hematófago em microscopia de 
fezes ou disenteria sem outro patógeno): metronidazol se-
guido do uso da nitazoxanida para a total eliminação dos cis-
tos. A nitazoxanida é um antiparasitário eficaz para o 
tratamento da diarreia provocada por parasitas como Giardia 
lamblia, Entamoeba hystolitica e Cryptosporidium parvum. Al-
guns estudos têm demonstrado a ação da nitazoxanida redu-
zindo a replicação do rotavírus no hospedeiro;
• giardíase: metronidazol, tinidazol, secnidazol;
• Campylobacter: azitromicina, ciprofloxacino;
• E. coli enteropatogênica, enterotoxigênica e invasiva: cipro-
floxacino, ceftriaxona;
• Clostridium difficile: metronidazol, vancomicina.
Prevenção da diarreia 
O aleitamento materno exclusivo durante os 6 primeiros me-
ses e após esta idade, acompanhado de alimentação comple-
mentar adequada para a idade, o uso de água tratada, de ali-
mentos adequadamente preparados e acondicionados e 
esgotamento sanitário apropriado previnem a incidência de 
diarreia. Uma metanálise de 30 estudos revelou que o hábito 
de lavar as mãos reduziu a incidência de doença diarreica em 
até 31%, mas outro estudo mostrou pouco efeito quanto à 
transmissão do rotavírus.
A vacinação é a melhor maneira de prevenir a infecção por 
rotavírus. A OMS recomenda duas vacinas: a vacina humana 
monovalente de vírus vivo atenuado RV-A (Rotarix®) e a vaci-
na pentavalente bovino-humana (RotaTeq®).
A Rotarix® foi introduzida no Brasil em 2006, por meio do 
Programa Nacional de Imunização, com um esquema de duas 
doses aos 2 meses de vida (mínima de 6 e máxima de 14 sema-
nas de vida) e 4 meses (mínima de 14 semanas e máxima de 
24 semanas de vida), podendo ser coadministrada com outras 
vacinas.
As duas vacinas, quando comparadas, demonstram ser al-
tamente efetivas para prevenir a infecção por rotavírus e suas 
complicações, principalmente as internações.
A imunização contra o sarampo pode reduzir a incidência e 
a gravidade das doenças diarreicas; por isso, essa vacinação 
deve ser feita para todos os lactentes na idade recomendada.
Considerações finais 
Apesar de a mortalidade por diarreia aguda ter diminuído em 
50%, a morbidade continua inalterada.
Os rotavírus são os principais agentes etiológicos, tanto nos 
países desenvolvidos como nos em desenvolvimento.
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DIARREIA AGUDA • 731
A desidratação e a desnutrição, com seu impacto no cresci-
mento e desenvolvimento cognitivo, são as principais compli-
cações da diarreia aguda.
O diagnóstico da diarreia aguda é basicamente clínico, ba-
seado em uma anamnese e um exame físico completos.
A terapia de reidratação oral, a administração de zinco e a 
manutenção de uma dieta adequada para a idade continuam 
como as opções terapêuticas mais eficazes.
Incentivo ao aleitamento materno, orientação para uma 
alimentação complementar adequada para cada faixa etária, 
melhoria nas condições sanitárias, boas práticas de higiene 
pessoal e alimentar, vacinação contra o rotavírus e o sarampo 
são os pontos-chave para a prevenção da diarreia aguda.
Ao final da leitura deste capítulo, o pediatra deve estar apto a:
• Conceituar diarreia aguda.
• Conhecer os dados epidemiológicos de mortalidade e 
morbidade causados por diarreia aguda.
• Identificar os principais agentes etiológicos.
• Descrever os mecanismos etiopatogênicos da diarreia 
aguda.
• Reconhecer os sinais de desidratação e classificar a sua 
gravidade.
• Prevenir e tratar a desidratação por via oral e via 
endovenosa.
• Solicitar exames laboratoriais em casos específicos.
• Conhecer as indicações de antimicrobianos e outras 
medicações na diarreia aguda.
• Conhecer as medidas de prevenção para diarreia aguda.
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