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TEORIA GERAL DO DIREITO EMPRESARIAL E CAMIBIÁRIO Prof. Mestre Gustavo Aurélio Martins Prof. Guilherme Bernardes Filho Diretor Presidente Prof. Aderbal Alfredo Calderari Bernardes Diretor Tesoureiro Prof. Frederico Ribeiro Simões Reitor UNISEPE – EaD Prof. Me. Igor Gabriel Lima Prof. Me. Ricardo Nakamura Prof. Dr. Jozeildo Kleberson Barbosa Prof. Me. Leonardo José Tenório Mourão Torres Material Didático – EaD Equipe editorial: Fernanda Pereira de Castro - CRB-8/10395 Isis Gabriel Alves Laura Lemmi Di Natale Pedro Ken-Iti Torres Omuro Prof. Dr. Renato de Araújo Cruz Apoio técnico: Alexandre Meanda Neves Anderson Francisco de Oliveira Gustavo Batista Bardusco Matheus Eduardo Souza Pedroso Vinícius Capela de Souza Equipe de diagramação: Laura Michelin de Oliveira Machado Equipe de revisão: Ana Beatriz Torres Omuro, Prof.ª Camila Santos Seimaru, Prof.ª Fabíola Löwenthal, Marcela Gonçalves Ferreira Camillo. SOBRE O(A) AUTOR(A): Graduado em Direito, mestre em Direitos Difusos e Coletivos, docente do curso de graduação em Direito da UNIFIA e autor de artigos científicos na área do Direito. SOBRE A DISCIPLINA: A disciplina Teoria Geral do Direito Empresarial e Cambiário tem o iniciativo de introduzir o estudo da matéria voltado ao ramo empresarial. No início, como visto, o Direito é dividido em vários ramos, Constitucional, Civil, Penal, Ambiental e, entre estes, encontra-se do Direito Empresarial, ramo destacado para cuidar das relações de cunho comercial, onde somente as regras civis não seriam suficientes, em virtude das especificidades que permeiam os negócios de relações jurídicas empresariais. Assim, para aprofundar o estudo das citadas relações, como em todas as disciplinas, é necessário introduzir as bases, nas quais serão construídos todos os conceitos e ensinamentos do ramo, o qual se tem a finalidade de estudar, neste caso, o Empresarial e Cambiário. Portanto, esta disciplina irá apresentar as informações conceituais e necessárias para compreender toda a ciência deste ramo do Direito. Os ÍCONES são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de linguagem e facilitar a organização e a leitura hipertextual. SUMÁRIO UNIDADE I .............................................................................................05 1º Nascimento e evolução do Direito Empresarial.......................05 2º A teoria da empresa.................................................................16 3º Princípios do Direito Empresarial.............................................27 4º Fontes do Direito Empresarial..................................................38 5 UNIDADE I CAPÍTULO 1 – NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO DIREITO EMPRESARIAL No término deste capítulo, você deverá saber: ✓ A terminologia adotada para a disciplina de Direito Empresarial; ✓ O que é o Direito Empresarial; ✓ A origem do Direito Empresarial; ✓ A definição contratual na antiguidade; ✓ A evolução percorrida pelo Direito Empresarial; ✓ A teoria dos atos de comércio; ✓ A aplicação da teoria dos atos de comércio no Brasil; ✓ A transição entre as maiores teorias de disciplina da atividade empresarial. Introdução O Direito Empresarial tem suas bases fundadas nas relações de comércio desenvolvidas pelo homem. No entanto, o Direito é uma ciência em constante evolução e sofre diretamente as influências da mutação da sociedade. Assim, quando os seres humanos alteram as condições em que vivem, sobretudo as relações comerciais, as regras impostas acabam também sendo alteradas, o que nos leva a estudar a evolução do ramo do Direito Empresarial, sendo certo de que este dos dias atuais, não é o mesmo do passado. A incorporação do direito consuetudinário, baseado em usos e costumes da prática mercantil, deu lugar ao direito legislado pelo Estado soberano, onde não há possibilidade de aplicação dos Estatutos das Corporações de Ofício, outrora utilizados para solucionar, em tribunais próprios, os litígios que surgissem da prática comercial. O segundo momento de evolução, que ocorre no Direito francês, com o Código Civil em 1804 e o Código Civil em 1808, nos traz a teoria dos atos do comércio, revolucionado a prática usual de atividades comerciais, mas com muitas críticas pela doutrina da época. O Brasil, acompanhando o movimento internacional da época, adota esta teoria em sua legislação, o Código Comercial em 1850. Ao estudarmos a evolução do Direito Empresarial, conhecemos as bases de institutos que, desde a antiguidade até os dias atuais, estão sendo utilizados, sobretudo, conhecemos os embasamentos que a sociedade utilizou para criação deste ramo do Direito e podemos refletir acerca de sua aplicação na atualidade. O Direito enquanto ciência traz a necessidade do conhecimento histórico de seus institutos, é neste caminho que se inicia o percurso do Direito Empresarial, do passado e de sua evolução, transitando por legislações e conceitos, e chegando ao método atual de disciplina normativa do ramo da atividade econômica que é campo de atuação da norma empresarial. 6 1.1 A nomenclatura: Direito Empresarial A questão da nomenclatura a ser adotada pela disciplina ganha importante contorno quando não há um consenso construído em volta de uma única referência. O Direito Empresarial cuida da atividade mercantil, que, por sua vez, possui vários objetos. Não há um único tipo de negócio jurídico a ser cuidado por este ramo do Direito, mas inúmeras possibilidades. Em virtude disso ao longo dos séculos, várias foram as nomenclaturas adotadas pelos estudiosos e profissionais. As denominações mais utilizadas são: Direito Mercantil, Direito Comercial e Direito Empresarial. Ao estudarmos as citadas nomenclaturas, podemos perceber que há determinada ligação com as evoluções históricas da norma a serem estudadas em futuro próximo. Originariamente, em uma linguagem mais culta, os primeiros doutrinadores e estudiosos da matéria utilizavam a expressão ius mercatorum. A utilização dessa denominação residia no fato de ser um direito construído de forma consuetudinária, através dos costumes dos mercadores, aqueles que praticavam a atividade da mercancia. Quando traduzimos a expressão citada, temos o Direito dos Mercadores, ou seja, nos traz a definição de um conjunto de regras que foi criado pela própria classe dos mercadores, não uma imposição de regras para disciplinar suas atividades, mas escolhas efetuadas por eles próprios para organizarem suas relações de comércio. Com o passar do tempo, o Estado enquanto ente soberano a todos os sujeitos assumiu o poder de disciplinar as relações jurídicas por intermédio da Lei. Assim, as regras que eram costumeiras passaram a estar contidas em diplomas legais, momento em que se passou a adotar as nomenclaturas: Direito Mercantil ou Direito Comercial. O Direito, por excelência, é um conjunto de regras que define as atividades de seu tempo, portanto, podemos dizer que o Direito Mercantil ou Comercial, naquele momento, tratava-se de um conjunto de regras que buscava disciplinar as atividades comerciais definidas como “atos de comércio”, sendo aqueles que os exerciam de forma profissional chamados de comerciantes. Assim, a evolução da norma nos traz uma nova definição, não em volta do ato praticado, mas sim da forma de organização de quem o pratica, a “atividade econômica organizada”. Voltada ao estudo da produção ou circulação de bens ou serviços, remete-nos aos primórdios da construção das normas, ao direito consuetudinário praticado pelos mercantes. Nesse modelo, os doutrinadores têm adotado, na atualidade, também em virtude da nova teoria adotada pelo Código Civil, a nomenclatura de Direito Empresarialpara definir o ramo do Direito que cuida das relações jurídicas oriundas da atividade empresarial. 1.2 O Direito Empresarial A regra imposta pela legislação é no sentido de disciplinar as atividades desenvolvidas no âmbito das relações jurídicas comerciais. Nesse sentido, a definição de forma breve nos traz um conjunto específico de normas que visam a disciplinar a atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços e aqueles que a exercem profissionalmente. 7 Quando falamos em conjunto de normas específicas, é necessário entender que estamos tratando de regras e princípios, estes últimos são valores que permeiam não somente a atividade empresarial, mas toda a ciência do Direito, há princípios, valores máximos, para todo o ordenamento, e outros que são específicos para a atividade empresarial. O campo de atuação do Direito Empresarial é a própria vida da empresa, seus contratos internos, suas relações empresariais, mas não as relações que pertencem a outros ramos do direito, como já citado, portanto, não podemos fazer uma presunção equivocada de aplicação irrestrita das normas do Direito Empresarial, quando, na verdade, seu campo de atuação é limitado aos fatos já destacados. Enfim, a origem do ius mercatorum (hoje Direito Empresarial) está intrinsicamente relacionada às mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais vivenciadas no início do período de transição da baixa Idade Média para a Idade Moderna (séculos XII a XVI), com destaque para a gradativa substituição do feudalismo por uma economia pré-capitalista, para a ascensão social da burguesia e para o deslocamento da sociedade do campo para a cidade. (SANTA CRUZ, 2019, p.7) 1.3 Origem do Direito Empresarial Ao analisarmos a atividade empresarial, o campo de atuação, a atividade desenvolvida pelos empresários, a criação de um regime autônomo do Direito para cuidar dessas relações, a aplicação de princípios próprios, ao estudar as características deste ramo do Direito, percebemos que a atividade que ele regula, há muito tempo já existia na sociedade, ou seja, a mercancia já havia nascido muito antes das regras e princípios do Direito Empresarial. O que falta na antiguidade, tendo delimitado que o comércio já existia naquele tempo, são regras uniformes, pois haviam disposições confusas, esparsas, havia comércio, mas não conhecimento de regras claras e precisas que o organizassem. O Direito Comercial somente ganha contornos na Idade Média, muito em virtude das relações comerciais desenvolvidas nas cidades italianas. Alguns doutrinadores destacam que o desenvolvimento tardio de um ramo de ciência autônomo para cuidar das relações comerciais, muito particularmente, aconteceu devido ao fato de algumas regras existentes estarem incluídas em outros diplomas, como na Roma antiga, onde regras estavam contidas dentro do Direito comum, ou seja, do Direito Civil. No período da Idade Média, temos o renascimento dos burgos, florescimento do comércio, mais especificamente o marítimo, nasce uma nova civilização, mas focada nas relações de mercancia, mais livre, o que permitia um rápido desenvolvimento econômico, portanto, a primeira fase do Direito Comercial. 8 O fortalecimento do Direito Comercial se deu em virtude da troca de regime aplicado, a evolução do feudalismo para uma política pré-capitalista, onde há a ascensão social da burguesia, alterações econômicas, sociais, fortalecimento das cidades com a mudança das pessoas do campo para a vida em sociedade, todos esses fatores auxiliaram o fortalecimento do comércio, e consequentemente a formação do Direito Comercial. As Corporações de Ofício, formadas por profissionais de determinadas classes, acabavam reunindo suas próprias regras, tendo em vista a falta de um poder central que pudesse disciplinar, de forma geral, as atividades envolvidas. Essas Corporações criavam seus estatutos, regimentos internos que disciplinavam todas as suas atividades mercantis, bem como quando havia a necessidade de resolver alguma disputa, acabavam recorrendo aos tribunais próprios, criados com a finalidade de aplicar as regras já delimitadas nos estatutos citados. Temos aqui um critério, como destaca a doutrina, subjetivista. O direito construído no Direito Mercantil valeria somente para aqueles que eram associados às Corporações de Ofício, não atingia todos aqueles que pudessem talvez realizar a atividade da mercancia, o que o levou a se tronar um direito de determinada classe, um direito privado, um direito feito pelos comerciantes para os comerciantes. Com o passar dos anos, as regras dos estatutos das Corporações de Ofício passaram a ser aplicadas em maior abrangência, alcançando comerciantes que não estavam associados e elas, bastando que uma das partes da relação estivesse filiada, a aplicação dos estatutos seria possível. Nesse período do Direito Comercial, temos o surgimento de institutos conhecidos, como a letra de câmbio, contrato de seguros e registros contábeis. Outrossim, a atividade ganha grandes contornos de informalidade e celeridade. Procure saber sobre as Corporações de Ofício e seus estatutos, origem da primeira fase de evolução do Direito Mercantil. 1.4 A definição contratual No Direito romano, a defesa da propriedade é de grande valor e importância, tendo aplicação imediata das normas da época. Sendo assim, a forma contratual, durante a evolução do Direito Comercial, sofreu forte influência desse período na história do Direito. Em Roma, como a questão a ser discutida era a propriedade em si, o contrato assumiria o papel de transmissão de uma coisa, não propriamente de circulação ou prestação de serviços. No Direito romano, temos a estabilidade da relação como algo primordial, o contrato deveria ser respeitado e era algo rígido entre as partes, não possibilitando alterações, os pactos deveriam ser cumpridos. 9 Para a classe mercantil, o contrato era algo advindo de um mercado instável, com constantes mudanças de preços, formas de prestação de serviços e vendas dos produtos. Portanto, uma forma estática de contrato não poderia mais ser aplicada no que tangia ao mundo mercantil, haja vista a necessidade de maior velocidade e elasticidade das relações contratuais. Nesse sentido, estava aberta a porta para a introdução do princípio da liberdade na forma de celebração dos contratos. O Direito Mercantil, como já visto, transforma a situação contratual da época, retirando da rigidez e dando maior especulação, resultando em atos negociais por excelência. A teoria dos atos de comércio vai de encontro ao direito consuetudinário aplicado anteriormente. No entanto, temos que refletir se, apesar da tentativa de objetivar o Direito Comercial, este não continua sendo classista, ou seja, aplicado a uma determinada classe. Parece-nos que é o que ocorreu, apesar de evoluir em matéria legal, não deixou o caráter subjetivo para trás. 1.5 A evolução histórica Após o período anteriormente destacado, quando se iniciou a construção de um ramo do Direito autônomo para cuidar das relações jurídicas negociais, o Direito Comercial tomou grandes contornos de evolução de normas e princípios, pairando sobre todas as etapas, dois grandes marcos, a “teoria dos atos de comércio” de origem francesa e a “teoria da empresa” de origem italiana. Vários acontecimentos pressionaram as alterações do Direito Comercial da época, novos Estados nascendo, uma figura central de poder que acabava disciplinando todas as matérias normativas, a intensificação do comércio que ultrapassou fronteiras e assumiu posição internacional, todos esses fatores contribuíram para um novo momento das normas mercantis. Com isso, as Corporações de Ofício, outrora fortalecidas e detentoras da capacidade de criar estatutos e julgaros litígios, foram perdendo espaço, uma vez que os Estados assumiram papel importante em dizer como o Direito que deveria ser aplicado aos fatos mercantis. Ora, se as Corporações perdem espaço, a liberdade de exercício das profissões acaba ganhando o momento de florescer, e com a liberdade vem uma intensificação da prática comercial. O movimento de reunião das normas nas mãos do Estado fez com que ele também trouxesse para si o poder de julgar os conflitos oriundos das relações comerciais, onde anteriormente eram aplicados os Estatutos das Corporações de Ofício. É no Direito francês que temos o início da segunda fase do Direito Comercial, precisamente em 1804 e 1808, quando, respectivamente, tivemos a edição do Código Civil de Napoleão e posteriormente o Código Comercial. Definitivamente, estávamos agora frente a um Direito estatal 10 primário, onde o Estado, através do exercício de seus poderes, introduzia as normas jurídicas que seriam aplicadas em todos os âmbitos da sociedade. Para conferir as atividades mercantis do Regulamento 737 de 1850, publicado no Brasil, visitem o endereço eletrônico a seguir: http://legis.senado.leg.br/norma/389155/publicacao/15633387 e confiram o artigo 19. 1.6 Os atos de comércio O Código Civil Francês trouxe a necessidade de colocar uma norma no sistema jurídico que tratasse somente das relações mercantis, haja vista que a norma civilista trabalhou o campo do direito privado, isolando-o do direito público. Assim, a saída foi criar a teoria dos atos do comércio, cuja finalidade era atribuir a quem praticasse os atos de comércio a alcunha de comerciante, e com ela todos os benefícios que lei trazia para este. Ora, o Código Comercial francês de 1808 somente poderia ser aplicado para os que recebessem a denominação de comerciantes que, como citado, seriam aqueles que praticassem os atos de comércio definidos pela legislação. A incidência da denominação separava o julgamento dos litígios, tendo em vista que as causa comuns eram decididas pelos tribunais civis, e as causas envolvendo o Código Comercial eram decididas pelos Tribunais do Comércio. A teoria dos atos de comércio tem origem francesa, fruto das codificações napoleônicas, Código Civil em 1804 e Código Comercial em 1808, e influenciaram as legislações da época, inclusive o Código Comercial do Brasil em 1850. Os atos de comércio deveriam ser definidos pelo legislador, este poderia descrever condutas que seriam consideradas como mercancia ou simplesmente enumerar uma séria de atividades que considerava como de comércio, sendo que a última, como veremos à frente, foi a escolha do nosso legislador. O importante salto é a questão do estudo do objeto do Direito Comercial, pois não mais usamos um direito de classe, voltado para os sujeitos, como eram as Corporações de Ofício, mas passa-se a avaliar o objeto em si da conduta praticada, qual era a atividade de mercancia desenvolvida, independente de quem a desenvolvia. Não havia na listagem nenhum tipo de ligação entre as atividades e condutas, outras que poderiam constar como movimentações mercantis não estavam contempladas, o que colocava http://legis.senado.leg.br/norma/389155/publicacao/15633387 11 seus praticantes sem a benesse da aplicação do Código Comercial, acabando resolvendo os litígios pelo Código Civil. O Estado não conseguia, portanto, com eficácia definir quais eram os atos do comércio, pois a lista não condizia com os anseios da classe e com a realidade vivida entre os sujeitos. Por exemplo, atividades importantes não estavam na lista, como a prestação de serviço, que veio a se desenvolver posteriormente, e não acabou sendo incluída, fazendo com que os prestadores de serviços não fossem considerados comerciantes à luz da legislação. 1.7 Atos de comércio no Brasil No Brasil, o Código Comercial francês serviu de inspiração para a criação de nossa legislação própria, sendo que até a edição do Código Comercial brasileiro em 1950, as legislações aplicadas ainda eram as portuguesas. O Código brasileiro, como grande parte da legislação comercial dos anos 1800, tomou como base para sua edição a legislação francesa, importando na adoção da teoria dos atos de comércio. O Código brasileiro definiu como comerciante o sujeito que exercia a mercancia de forma habitual, como sua profissão. No entanto, a legislação não dizia o que era a mercancia, não trazia nada que pudesse levar à identificação de quem seriam os sujeitos chamados de comerciantes, pois diziam quais eram os atos de comércio. Assim, o legislador editou o Regulamento 737 de 1850, onde colocou quais eram as atividades consideradas atos de comércio, por exemplo, compra e venda ou troca de móveis, operações de câmbio, banco, corretagem, empresas de fábricas e transporte de mercadorias. A crítica realizada à época era a mesma efetuada na legislação francesa, atividades importantes ficaram de fora da lista, o que gerava uma insatisfação e insegurança. Não foram colocadas atividades como prestação de serviço, negociação imobiliária e atividades rurais. O Regulamento 737 foi revogado em 1875, mas como não foi colocado nada no lugar, o seu rol continuou sendo relevante para solucionar os problemas e dizer quem era comerciante. Com o tempo, outras atividades foram sendo incluídas, como a letra de câmbio e notas promissórias. 1.8 A transição dos atos de comércio Com a evolução ocasionada pelas falhas impostas no mercado em virtude da lacuna na lei, o sistema dos atos de comércio precisava ser substituído por uma nova doutrina, por um novo conceito que pudesse abarcar todos os modelos de atividades comerciais, e que não trouxesse prejuízo para nenhuma das partes envolvidas. Ora, no Brasil, como no mundo todo, a teoria dos atos de comércio sofreu grandes ataques e considerações, justamente em virtude de não conseguir alcançar o modelo proposto, tornando-se mais uma vez um direito de determinada classe, aqueles que estavam contidos dentro das atividades consideradas pela lei. 12 Contudo, todos aqueles que eram colocados fora da listagem, por questão óbvia, estavam prejudicados e pleiteavam alteração na legislação. O Direito Comercial, apesar de ter evoluído, ainda encontrava falhas em seu sistema, o que resulta em uma nova fase, uma transição do modelo francês para o modelo italiano de Direito Empresarial, o que será estudado no próximo capítulo. Considerações Finais O Direito Comercial assume, como vimos, importante contorno para a definição da prática mercantil, não podemos pensar em uma existência do comércio sem que tenhamos uma legislação para disciplinar suas condutas. O sistema comercial de legislação reflete a aplicação de um florescimento do mercado, ou seja, das atividades comerciais. O renascimento do comércio na Idade Média, portanto, faz com que novas normas sejam editadas em virtude da necessidade de disciplinar as atividades desenvolvidas. Ora, é a ciência do Direito que entra em cena na evolução da humanidade, quando o homem social necessita de estabilização do sistema de práticas, o Direito assume determinante papel de manutenção da ordem. Contudo, a legislação deve refletir a velocidade do sistema, motivo que levou a transição do modelo de atos de comércio para um novo modelo, o italiano. Anteriormente, tínhamos um direito consuetudinário, firmado pelas bases negociais dos próprios comerciantes, após a criação do Estado soberano, passamos a ter um direito disciplinado universal, sendo que a intenção era despersonalizar e objetivar o Direito Comercial. A aplicação da teoria dos atos do comércio não ficou como esperavam os doutrinadores da época, o que resultou na necessidade de mudança. As críticas foram intensificando, atividades importantes não foram incluídas, e mais uma vez, como afirmado, o Direito Comercialera personalizado para atender a vontade de alguns em detrimento de muitos. Os atos do comércio precisavam estar alicerçados na prática do mercado, mas como não condiziam com os movimentos mercantis da época, muitos negócios praticados foram colocados de lado, o que resultou em uma legislação ineficiente, defrontando, mais uma vez, a necessidade de alteração do Direito para estabilização do sistema. Portanto, o Direito Comercial continua sua evolução, buscando avaliar uma teoria que conseguisse alcançar todas as propostas de todas as áreas, e desenvolver um regime mais justo e igualitário para todos os comerciantes. O Direito assume, neste estudo, várias nomenclaturas ao longo de sua evolução, como Direito Mercantil, Direito Comercial, e mais recentemente o Direito Empresarial. As nomenclaturas podem ser ligadas ao período de seu surgimento, como destacado na evolução histórica do instituto. 13 A ramificação do Direito que é responsável por estruturar e disciplinar as relações empresariais é o Direito Empresarial. Assim, afastam-se as demais legislações, aplicando-se este ramo do Direito para tratar dos atos e negócios praticados pelos empresários, sendo certo que não cuida de todas as relações, como as trabalhistas e consumeristas que ficam a cargo de suas próprias legislações. A origem do campo de estudo do Direito Mercantil é muito antiga, pois a prática comercial é anterior à própria criação das regras comerciais. No entanto, é com o renascimento do comércio na Idade Média, que iremos falar na criação das Corporações de Ofício e de seus estatutos, normas consuetudinárias que serviam para disciplinar a atividade mercantil da época, dando origem aos tribunais consulares, que eram compostos por membros eleitos das mesmas Corporações. O contrato praticado no Direito Empresarial ganha novos contornos. No Direito Romano, o importante era a estabilidade da relação, fruto da incidência do direito de propriedade. Portanto, contrato era o instrumento capaz de transferir a propriedade de determinada coisa, seguindo regras rígidas e devendo ser cumprido. No Direito Mercantil, o contrato reflete contornos de celeridade e deve ser adaptado para os novos negócios, pois nem sempre há transferência de propriedade, como na prestação de serviços. A evolução do Direito Mercantil continua a ocorrer, levando-nos ao estudo das teorias adotadas em dois momentos, na França, a teoria dos atos de comércio e na Itália, a teoria da empresa. Ambas possuíam como objetivo disciplinar as atividades comerciais, uma vez que o Estado soberano assumiu o dever de cuidar do comércio, em detrimento das Corporações de Ofício que passaram a perder influência e deixaram de existir. A teoria dos atos de comércio, adotada pelo Código Comercial francês em 1808, traz uma definição de atividades que seriam consideradas como comerciais, sendo que os sujeitos que as exercessem seriam considerados comerciantes. A definição poderia ocorrer com a descrição da atividade, ou com a simples citação em uma listagem. O Brasil, em 1850, adotou em seu Código Comercial, a teoria francesa dos atos de comércio, disciplinado as atividades através do Regulamento 737 de 1850, pois o próprio Código não trazia o que seria considerado como exercício de comércio, mas definia como comerciante quem o exercesse de forma habitual. Os doutrinadores em todo o mundo passaram a criticar a teoria dos atos de comércio, pois não refletia muitas atividades que eram praticas, como a prestação de serviço, que por não estar na lista, acabou não sendo considerada como comercial, o que resultou na necessidade de uma nova transição no modelo adotado, o que ocorreu com a criação da teoria da empresa no Direito Italiano. O Direito Empresarial, nos dias atuais, assume grandes contornos de aplicabilidade no mercado de negócios. Novas atividades acabam surgindo diariamente no mercado, sendo que os empreendedores têm buscado revolucionar o mundo financeiro. Neste sentido, importante olhar para a origem deste ramo do Direito, que hoje assumiu importante papel. Ora, se hoje precisamos olhar para a realidade, qual das alternativas guarda maior ligação com as características de origem do Direito Empresarial? a) Obrigatoriedade. b) Liberdade. c) Onerosidade. d) Consuetudinário. e) Amplitude. 14 O Direito Empresarial realmente assume um papel importante nos dias atuais. A celeridade das informações e condições de possibilidades de novos negócios influenciam a dinâmica do comércio. Assim, como no passado, o Direito precisa olhar para as relações, portanto, a base continuará sendo o direito consuetudinário, construído através das práticas mercantis, fazendo a alternativa “d” a resposta correta. Questão Objetiva Em relação ao Direito Comercial, indique qual a legislação que influenciou as normas elaboradas nos anos 1800 com a criação da teoria dos atos de comércio: a) Código Comercial brasileiro de 1850. b) Código Comercial francês de 1808. c) Código de Comércio português de 1833. d) Código Comercial espanhol de 1885. e) Decreto brasileiro 737 de 1850. Em relação à evolução do Direito Empresarial, aponte a assertiva correta. a) A teoria dos atos de comércio, de origem francesa, permite a amplitude de aplicação da norma empresarial, inclusive para novas atividades. b) A teoria dos atos de comércio, desenvolvida na época das Corporações de Ofício, não vislumbrava uma aplicação para todas as atividades, sendo um direito classista. c) A teoria dos atos de comércio, de origem francesa, trazia um rol de atividades que poderiam ser entendidas como atividades mercantis, o que engessava o sistema e não incluía novas atividades. d) A teoria dos atos de comércio não foi adotada no Brasil, pois o Código Comercial de 1850, quando editado, já o foi com a referida teoria ultrapassada pelos estudiosos. e) A teoria dos atos de comércio, de origem desconhecida, trazia um rol de atividades a serem aplicados no Direito Empresarial, sendo que as atividades comerciais seriam somente aquelas que estivessem na listagem desenvolvida pelo poder público. A nomenclatura adotada no início do desenvolvimento do Direito Empresarial era: a) Direito Empresarial. b) Direito Comercial c) Direito Cambiário d) Direito Mercantil. e) Ius mercatorum. Questão Discursiva O que é a teoria dos atos de comércio? Explique a origem do Direito Empresarial. 15 Direito Empresarial, André Santa Cruz Ramos – Excelente doutrina para o aprofundamento do Direito Empresarial, desde a origem até os institutos específicos, muito utilizada por acadêmicos na graduação e por profissionais que prestam concurso público. SANTA CRUZ, André. Direito Empresarial. 9ª Ed. São Paulo, Método. 2019. 16 UNIDADE I CAPÍTULO 2 – A TEORIA DA EMPRESA No término deste capítulo, você deverá saber: ✓ A necessidade de um novo momento no Direito Empresarial; ✓ A teoria da empresa; ✓ Como ocorreu a evolução da aplicação da teoria da empresa no Brasil; ✓ A adoção da teoria da empresa no Brasil, oficialmente pela legislação; ✓ O Direito Empresarial como ciência autônoma; ✓ As características do Direito Empresarial; ✓ Os institutos do Direito Empresarial; ✓ A necessidade de diálogo do Direito Empresarial com o ramo civilista. Introdução A evolução do Direito Empresarial continua na história, a aplicação da legislação atual é diferente dos atos de comércio. A teoria francesa não conseguia alcançar todas as atividades desenvolvidas pelo homem, muitos comerciantes ficavam de fora dos benefícios trazidos pela legislação comercial. Foi nesse momento que surge nova teoria no mundo empresarial, visando a avançar no Direito, como ciência e com características próprias, mas ao mesmo tempo alcançar todas as atividades possíveis. O novo momento passava pela necessidadede entendimento do Direito como disciplinador de um fenômeno econômico, mais célere e eficaz. As dificuldades de adaptação do Direito como lei em relação ao mundo o qual está inserido motivaram os doutrinadores a elaborarem uma nova teoria. A teoria da empresa não pode ser confundida como mera repetição da anterior, pois renova os institutos e altera a forma de aplicação. Ao adotar a teoria da empresa, o Direito não mais visa a uma atividade, mas ao fenômeno dessa atividade, como ela é exercida, sobretudo de forma profissional e organizada, entregando elementos, institutos e características próprias. Ora, se não fosse assim, não poderíamos pensar no ramo empresarial com uma doutrina autônoma dos demais ramos jurídicos. Sua autonomia não retira a necessidade de enquadramento dentro de um ordenamento jurídico. Portanto, o Direito Empresarial deve sempre dialogar com outros ramos, para juntos formarem um complexo mecanismo de disciplina da vida humana e de suas atividades dentro de uma sociedade. Dessa forma, é necessário compreender essa nova teoria do Direito Empresarial, pois é ela que vai determinar os caminhos a serem seguidos e disciplinar o fenômeno da atividade econômica dentro do Estado, bem como trazer para dentro do mundo jurídico, a celeridade das relações empresariais, com características e institutos próprios que o diferenciam dos demais ramos, dando- lhe autonomia e exigindo adequação ao mesmo tempo. 17 2.1 Um novo momento no Direito Empresarial O avanço da história, sobretudo a Revolução Industrial, culminou com o surgimento de inúmeras outras atividades que não estavam elencadas nos atos de comércio. Assim, recordando que a crítica em relação à teoria dos atos de comércio era a não previsão de todas as atividades comerciais, no momento em que acontece a Revolução Industrial e infinitas novas atividades surgem, a real necessidade de uma teoria ficou explicitamente demonstrada. Portanto, o Estado, que passou a ser detentor do poder de normatizar as relações jurídicas comerciais, frente a esse processo de industrialização, necessitou transformar a norma até então aplicada e, mais uma vez, o Direito Empresarial passaria por uma grande evolução. No ano de 1942, exatamente 134 anos após a entrada no mundo da teoria dos atos de comércio com o Código Comercial francês em 1808, temos a edição, na Itália, de um novo Código Civil, e este por sua vez traz uma nova realidade para o Direito Empresarial, uma teoria que abarcaria todas as atividades comerciais, sem, contudo, trazer qualquer tipo de listagem, uma norma que idealizada em momento anterior, continua atual para as novas experiências comerciais que surgirem no futuro. O Código Civil italiano trouxe ainda uma unificação do direito privado, percebam que o Direito francês realizou uma separação, havia o Código Comercial e Código Civil, no Direito italiano há a junção em uma mesma codificação de ambos os assuntos. O Direito Comercial, no Código Civil italiano, não mais será uma lei do comerciante, mas uma norma que disciplina a empresa, avançando na questão da objetividade do Direito Empresarial, que não deve olhar o sujeito que pratica a atividade, mas sim cuidar de todas as relações empresariais desenvolvidas. A teoria da empresa, ao contrário da teoria dos atos do comércio, não cuida de disciplinar atividades listadas, mas expõe uma atividade econômica organizada, um complexo de situações que são desempenhadas para obtenção da classificação como empresa, buscando romper a barreira da limitação imposta pelos atos de comércio disciplinados, e dando maior amplitude aos métodos empregados de normatização do Direito Empresarial. A teoria da empresa revoluciona o Direito Empresarial, pois atinge exatamente o ponto de crítica da teoria anterior, trazendo para dentro da realidade da norma empresarial, todas as atividades possíveis, tornando igualitária a aplicação dos institutos e elementos do Direito Empresarial. 18 2.2 A teoria da empresa Definir o que é uma empresa é muito difícil para o Direito, estamos tratando com uma situação que é extremamente célere, novas modalidades surgem todos os dias, sendo que o Direito como legislação não consegue acompanhar todos esses movimentos. No entanto, ao tratar da empresa, vamos acompanhar alguns fatores de produção: natureza, capital, trabalho e tecnologia. A norma empresarial tem a função de trazer o fenômeno econômico da empresa para dentro do Direito, e com isso discutir as fases e etapas que estão envolvidas dentro desse fenômeno. A doutrina italiana observou a empresa por várias frentes, destacando os seguintes elementos: a) Perfil subjetivo: a empresa seria uma pessoa, seja ela física ou jurídica, trazendo a figura do empresário. b) A empresa seria uma força em movimento, onde sua atividade é dirigida para alguma finalidade econômica organizada. c) Perfil objetivo: conjunto de bens destacado para que a empresa realizasse a atividade econômica organizada. d) Perfil corporativo: onde teremos a união do empresário e dos seus funcionários para a busca de um fim econômico em comum. Nos dias atuais, não mais utilizamos a última definição, própria de outra época, mais voltada para o sentido de colaboração na corporação dos auxiliares. Atualmente, os três primeiros elementos, subjetivo, objetivo e funcional acabam se relacionado com as definições de empresário, estabelecimento empresarial e atividade empresarial. Assim, a empresa, fenômeno do mundo comercial, acaba sendo absorvida pelo Direito, onde ganha a expressão de atividade econômica organizada. Neste meio de atividade organizada, a empresa realiza a administração dos fatores de produção, natureza, trabalho, capital e tecnologia. Procure saber mais sobre os ramos do direito privado, como a junção deles que cuida da vida dos indivíduos que compõem o Estado. 2.3 A adoção da teoria da empresa no Brasil Após a edição da teoria da empresa, no Código Civil italiano em 1942, o Direito brasileiro se voltou para estudar essa nova realidade. Na década de 60 já podemos visualizar a opção pela teoria formulada na Itália. Ora, a mudança é que a noção de ato de comércio vai dando lugar à disciplina de atividade empresarial. 19 O poder judiciário brasileiro, na contramão da legislação, passou a adotar a teoria da empresa, deferindo medidas, como a concordata, para atividades que não estavam contempladas nos atos do comércio previstos no Regulamento 737 de 1850. Nesse aspecto, importante destacar que a adequação de determinada atividade como comerciante era importante para dar direito a determinadas medidas, como a renovatória compulsória do contrato de aluguel. Assim, a mudança pela jurisprudência de aplicação da teoria prevista na legislação passou a auxiliar e proteger maior número de interesses. Outras legislações que foram editadas no Brasil após 1942 tomaram como base a teoria da empresa, como o Código de Defesa do Consumidor, lei 8.078/1990, que trouxe um conceito de fornecedor bem amplo, onde já se enquadravam inúmeras atividades que anteriormente eram negligenciadas. Portanto, como podemos observar, a passagem da teoria dos atos de comércio para a teoria da empresa no Brasil demorou um determinado período de tempo, não ocorrendo imediatamente ao mesmo tempo da formulação na doutrina italiana. 2.4 O novo Código Civil de 2002 O Código Comercial de 1850, na parte da teoria dos atos de comércio, ficou vigente até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que seguindo a inspiração do Código Civil italiano de 1942, adotou em seu texto a teoria da empresa de forma explícita, não deixando mais dúvidas acerca de sua adoção em território brasileiro. Na nova lei desaparece a figura de comerciante e surge um novo personagem, o empresário. A incidênciada norma empresarial foi definitivamente delimitada pela teoria da empresa. Dessa forma, os elementos caracterizadores de empresa a serem estudados em capítulo futuro passaram a identificar o campo de atuação da norma de Direito Empresarial. Não se falando mais em comerciante, pois não há atividade comercial, mas fala-se, agora, em empresário, pois temos atividade empresarial, aquela onde existe o exercício profissional de atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, conforme o artigo 966 do Código Civil de 2002. Portanto, o Código Civil de 2002, afastando o deficiente critério da teoria dos atos do comércio, acaba finalizando um período de transição no Direito Empresarial brasileiro, permitindo que atue devidamente em compasso com os padrões internacionais de legislação e segurança das atividades empresariais. 2.5 Autonomia do Direito Empresarial Primeiramente, fazemos a divisão entre direito objetivo e subjetivo, o primeiro é o conjunto de normas, o segundo, a possibilidade de o sujeito agir em conformidade com essas normas. Assim, direito objetivo compreende a junção de todas as normas de um determinado país, formando o que chamamos de ordenamento jurídico. 20 Assim, o ordenamento jurídico deve ser organizado para uma melhor aplicação. Portanto, temos a divisão das normas, segundo determinados critérios de aglutinação. São esses os critérios que permitem a divisão do Direito em ramos diferentes, como Direito Civil, Penal, Processo Civil e Direito Empresarial. Assim, após estabelecer as premissas históricas do Direito Empresarial, podemos concluir que, através de sua evolução, ele recebe status de disciplina autônoma, ou seja, ramo autônomo do Direito, onde há a possibilidade de formar um conjunto de normas que disciplinam o mesmo aspecto de atuação da vida social, ou seja, as atividades econômicas e aqueles que a exercem. No entanto, não podemos jamais afirmar que por ser o Direito Empresarial um ramo autônomo, ele não possui diálogo com outras áreas do Direito, principalmente o Direito Civil. A ligação entre os ramos do direito privado, principalmente, são imensas, muitas vezes o Direito Empresarial se utiliza dos conceitos emanados do Direito Civil, como o conceito de capacidade, fazendo com que exista uma harmonia entres os setores do Direito e ordenamento jurídico como um todo, ressaltando que todos devem obedecer à norma suprema, que é a Constituição Federal de 1988. O Direito Empresarial, apesar de autônomo, deve dialogar com outros ramos do Direito, sobretudo o Direito Civil, pois é dele que são retirados muitos conceitos para concretizar os seus institutos, ambos os ramos fazem parte do direito privado. Assim, pode-se dizer que cabe ao Direito Civil, como bem destacava o art. 1° do Código Civil de 1916, a disciplina geral dos direitos e obrigações de ordem privada, concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações, sendo, ademais, fonte normativa subsidiária para os demais ramos do Direito. Já ao Direito Empresarial cabe, por outro lado, a disciplina especial dos direitos e obrigações de ordem privada, concernentes às atividades econômicas organizadas (antes: atos de comércio; hoje: empresas). (SANTA CRUZ, 2019, p. 33) Ora, o direito privado possui uma imensa ligação, enquanto o Código Civil disciplina de forma geral as relações subjetivas mantidas pelas pessoas. Por outro lado, o Direito Empresarial cuidará do fenômeno econômico, o que exige normas próprias que não podem ser colocadas em conjunto com outras disciplinas. Muito vimos da evolução histórica do Direito Empresarial, enquanto discutimos Corporações de Ofício, teoria dos atos de comércio, até chegarmos à teoria da empresa. Percebemos que os elementos que são discutidos no ramo empresarial são outros daqueles utilizados pela norma geral civilista. 21 Portanto, a Direito Empresarial se torna um ramo especial para disciplinar a atividade econômica, integrando o rol das disciplinas do direito privado, apoiando-se em conceitos do Direito Civil e dialogando com diversas normas e áreas do Direito, mas sempre mantendo sua autonomia enquanto ciência e disciplina. Durante muito tempo, antes do florescimento das atividades comerciais, o Direito Civil foi o ramo predominante no direito privado. Contudo, as mudanças das condições fáticas vividas pela sociedade, acabaram exigindo a separação de institutos e criando novos meios de disciplinar a atividade econômica, que conforme crescia, precisava ser estudada de forma separada. Dessa forma, a autonomia do Direito Empresarial, fato comprovado, foi uma conquista e necessidade do ordenamento jurídico, trazendo mais segurança jurídica para as relações empresariais. 2.6 Características do Direito Empresarial Desde sua origem, como vimos, o foco do Direito Empresarial já recebeu contornos diferentes daqueles exarados na norma geral civilista, o que o fizeram receber o status de disciplina autônoma. Portanto, faz-se necessário estudar tais elementos formadores das características do ramo empresarial. Imediatamente, quando nos referimos ao Direito Empresarial, estamos falando de um ramo que tem caráter de união econômica, e consecutivamente de união de povos diferentes. Esse fato nos traz a característica do cosmopolitismo do Direito Empresarial, fator de demonstração da intensa relação internacional entre os sujeitos, prova disso são os inúmeros acordos internacionais de comércio existentes, como a Convenção de Genebra, que criou uma unificação de disciplina sobre títulos de crédito. A onerosidade também é característica importante, uma vez que há a necessidade de gastos para o exercício da atividade econômica, a busca pelo lucro é consequência óbvia do exercício da atividade empresarial, não podendo ser diferente, já que o sistema é criado para aferição de lucratividade. O informalismo, que nos remete aos primórdios do Direito Mercantil, faz com que entendamos a agilidade e flexibilidade do ramo empresarial, onde as relações são construídas com uma dinâmica muito maior que em outros tipos de relação, como no direito público, onde existem diversos métodos e caminhos a serem seguidos. Podemos afirmar que o Direito Empresarial é fragmentado, essa característica é fruto de outros sub-ramos que nascem do primeiro, como o direito falimentar, societário, cambiário, entre outros. O Direito Empresarial está, pela sua evolução histórica, em constante mudança, o que traz a característica da elasticidade, pois deve sempre acompanhar as alterações sociais e do mercado o qual está inserido e, ao mesmo tempo, dialogar com outros ramos do direito privado. Portanto, percebemos que o Direito Empresarial possui características marcantes próprias, que reforçam a sua autonomia, apesar de ter que dialogar com outras divisões, guarda 22 independência em seus institutos jurídicos, mantendo sempre sua disciplina própria das atividades econômicas e das relações empresariais. 2.7 Institutos jurídicos Como é característico do todos os ramos do Direito, quando falamos nas relações empresariais é preciso destacar alguns institutos que compõem o objeto de estudo. Ora, os institutos serão estudados ao longo da disciplina de Direito Empresarial, pois todos eles merecem destaque próprio, pois compõem o fenômeno econômico aqui disciplinado. Assim, no Direito Empresarial, possuímos as sociedades anônimas, os títulos de crédito, falência, recuperação judicial, marcas e patentes, todos recebem disciplina própria, mas fazem parte deste, que disciplina todos os aspectos da atividade econômica e de quem a exerce. 2.8 O Direito Civil e o Direito Empresarial Estudar o Direito Empresarial é olhar também para o Direito Civil. Após ter visto as características e elementos que afirmam a independênciadeste ramo, não podemos esquecer que o Direito Civil é importantíssimo para complementar as lacunas contidas na relação empresarial. Ora, na realização de um contrato, a necessidade de partes capazes para sua concretização, leva-nos a olhar o que o Código Civil aponta como capacidade, quem são os capazes na vida civil, e assim olharemos para os artigos 3° e 4° da legislação civilista. Dessa forma, não há participação sozinha do ramo empresarial no mundo jurídico. O fenômeno comercial disciplinado pelo Direito Empresarial deve ser visto como um todo, ou seja, olhado desde suas características, e passando pelas relações com outros ramos, percebendo que sua autonomia não o torna supremo aos demais, mas sim igualitário, complementando e sendo complementado. O ordenamento jurídico deve ser pensando como um todo, não pode haver diferenças entre as normas que não permitam suas existências simultâneas. Assim, todos os direitos previstos no ramo empresarial, devem, antes de tudo, serem inseridos em consonância com as demais áreas do Direito, não ocasionado uma instabilidade no sistema. Destacar a necessidade de aplicação simultânea do Direito Civil e do Direito Empresarial é necessário para entender que, ainda que o segundo tenha vindo do primeiro, e mesmo após a decretação da sua autonomia como ciência, não podemos vislumbrar um Direito Empresarial que não esteja apoiado e que necessite do Direito Civil para dar maior segurança jurídica e estabilidade ao sistema. Apesar terem princípios próprios, como veremos no próximo capitulo, não podemos separar ambos os ramos sob a pena de invalidade do sistema. Portanto, a melhor técnica exige uma coesão entre as regras do Direito Empresarial e do Direito Civil, proporcionado, como afirmado anteriormente, maior segurança jurídica para as atividades empresariais e para quem as exerce. 23 Considerações Finais Ao olhar o estudo do Direito Empresarial, bem como sua evolução, já passamos a notar a importância que este ganha no mundo jurídico. O fenômeno econômico a ser disciplinado, não poderia ser tratado por outro ramo do Direito, o que nos trouxe até à criação da norma empresarial e sua autonomia enquanto ciência própria. Olhar o Direito Empresarial sozinho não produz o efeito correto, precisamos perceber que este é uma engrenagem no meio de todo o ordenamento jurídico, deve dialogar com outros ramos, como outras normas, sobretudo com a Constituição Federal de 1988, que é a norma máxima de todo o ordenamento jurídico. Portanto, esta área não mais é olhada como meros atos a seres disciplinados que, como já analisamos no capítulo anterior, não passava de uma continuação de um direito classista, pois favorecia a uns, enquanto prejudicava outros. A mudança deveria ser capaz de alcançar o maior número possível de indivíduos e atividades. Nesse sentido, a norma se renova até a teoria da empresa, um novo modelo do Direito Empresarial, visando à atividade econômica desenvolvida, e não ao ato praticado. A organização ganha papel importante, não podemos pensar em uma atividade a ser disciplinada pelo Direito Empresarial que não seja organizada, que não possua uma linha de pensamento por quem a pratica, o empresário. No entanto, a teoria da empresa demorou determinado tempo para ser aplicada em larga escala, tendo em vista que sua formação se deu em 1942, com o Código Civil italiano. No Brasil, ainda antes da reforma do Código Civil, já sentíamos a necessidade de alteração, o que levou os doutrinadores e o poder judiciário a defenderem a aplicação da teoria, alterando a forma de aplicação da lei vigente à época, para transformar o Direito em um modelo mais justo e igualitário dentro do ramo empresarial. Importante destacar que, o que se busca com as alterações legislativas e adoção de uma teoria, nada mais é que a segurança jurídica, a igualdade entre os sujeitos, que os atores do mundo empresarial possam exercer suas atividades com igualdade de direitos, podendo todos utilizar dos mesmos institutos e situações da norma empresarial. Restringir a norma para determinadas atividades, ao contrário, atrasaria a evolução econômica e sobrecarregaria o sistema judiciário. Portanto, a alteração foi necessária e correta, um novo Direito Empresarial focado na atividade econômica organizada, nos elementos e características que são próprios deste ramo específico, dialogando com outras áreas, mas mantendo sua autonomia de disciplinar o fenômeno da atividade econômica. 24 Após a teoria dos atos do comércio, havia a necessidade de um novo momento no Direito Empresarial, uma forma de trazer para dentro da regra, inúmeras atividades que não eram beneficiadas pela norma comercial anterior, o que gerava uma dificuldade de igualdade e de evolução no universo econômico. Assim, o Código Civil italiano de 1942 inaugura uma nova etapa no mundo do Direito Empresarial, pois apresentou ao mundo jurídico a teoria da empresa, não focada em atos de comércio, como a teoria antiga, mas na atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços, forma que seria capaz de adequar as inúmeras atividades existentes dentro da norma empresarial. No Brasil, a teoria foi muito bem vista, mas o Código Comercial ainda adotava a teoria dos atos de comércio, motivo que levou, após 1942, os doutrinadores e juristas a adotarem a teoria da empresa, ainda que não estivesse formalmente na legislação. As decisões judiciais passaram a observar que teorias e novas legislações foram surgindo com esse conceito, como o Código de Defesa do Consumidor, em 1990. Com o Código Civil de 2002, o Brasil adotou oficialmente a teoria da empresa, passando a disciplinar a atividade econômica organizada, e não olhar mais para os atos de comércio praticado. A instalação do novo regime trouxe inúmeros benefícios para o Direito Empresarial, pois alargou a possibilidade de utilização de institutos, como falência e recuperação judicial, para muitas atividades que antes viviam à margem da legislação. O Direito Empresarial foi, ao longo da história, desenvolvendo inúmeros conceitos e atributos próprios, o que o levou a ser considerado uma ciência autônoma, uma disciplina própria do Direito, com legislações e institutos que fazem parte deste ramo que visa a disciplinar o fenômeno da atividade econômica. Por ser uma ciência própria, guarda características e elementos identificadores específicos, são eles: cosmopolitismo, onerosidade, informalismo, fragmentarismo e elasticidade. Tais elementos não podem ser retirados da disciplina empresarial, pois fazem parte daquilo que a diferencia dos demais ramos, tornando-a própria e autônoma. Além dessas características, o Direito Empresarial possui institutos próprios, formando sub-ramos dentro desta disciplina, como a falência, títulos de crédito, recuperação judicial, entre outros. Esses institutos, muitas vezes regulados por leis próprias, continuam dentro do ramo do Direito Empresarial, pois é ele que regula a atividade econômica organizada. Apesar dessa autonomia, o Direito Empresarial deve dialogar com outras legislações, sobretudo com o Código Civil, pois retira dele muitos conceitos para concretizar seus institutos, sendo que ambas as legislações pertencem à divisão do direito privado, disciplinando a vida dos sujeitos, o Código Civil, as obrigações e deveres dos indivíduos e do Direito Empresarial e a atividade econômica praticada pelos empresários. Para saber um pouco mais e ter contato com um instituto de Direito Empresarial, a falência, você pode visitar o seguinte link e visualizar a lei que trata de forma específica sobre ele. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm 25 O Direito Empresarial enquanto ciência autônoma cuida de um determinadoaspecto da vida social. Ora, o Direito é idealizado para cuidar de todos os indivíduos que compõem uma determinada sociedade, bem como disciplinar suas atividades. É exatamente neste momento que entra em cena a norma empresarial, cuidando do aspecto econômico dentro de um determinado Estado. Indique abaixo a teoria e o aspecto que importam ao Direito Empresarial; a) O Direito Empresarial cuida da formação da empresa, ficando as relações por ele mantidas à luz de outros ramos, a teoria por ele adotada nos dias atuais é a teoria dos atos de comércio. b) A teoria da empresa foi adotada pelo Direito Empresarial moderno, sendo que este somente cuida, conforme esta teoria, de determinadas atividades listadas no Código Civil de 2002. c) A teoria dos atos de comércio, de criação italiana, disciplina um número de atividades específicas, e é utilizada pelo Direito moderno no ramo empresarial. d) A teoria da empresa, de criação italiana, foi adotada pelo Código Civil de 2002 no Brasil, e tem como objeto, para o Direito Empresarial, a disciplina do fenômeno das atividades econômicas. e) O Brasil adota atualmente a teoria dos atos de comércio, de origem francesa, sendo que as atividades praticadas são conceituadas de forma aberta, não havendo listagem, como era na teoria da empresa. Para resolver esta questão, as informações importantes residem nas teorias aplicadas: a teoria dos atos de comércio, de origem francesa, visa a somente determinadas atividades eleitas em uma lista própria, enquanto a teoria da empresa tem origem italiana, e visa à atividade econômica organizada, aplicando-se todas as atividades. O Brasil adota no Código Civil de 2002, a teoria da empresa. Dessa forma, a alternativa correta seria a letra “d”. Questão Objetiva Assinale a alternativa que corresponda à teoria adotada pelo Código Civil de 2002. a) Teoria dos atos de comércio. b) Teoria da empresa. c) Estatutos comerciais. d) Tribunais consulares. e) Direito subjetivo. Assinale a assertiva que melhor se amolda às diretrizes do Direito Empresarial. a) A teoria da empresa, anterior à teoria dos atos de comércio, trazia um rol de atividades a serem seguidas pelo universo econômico, somente seria atividade comercial aquela que estivesse na listagem definida. b) A teoria da empresa foi devidamente adotada já no Código Comercial de 1850, pois este já foi editado com a queda da teoria dos atos do comércio. 26 c) A teoria da empresa, de origem italiana, traz um rol de atividade que podem ser consideradas como comerciais e já foi adotada pelo Código Civil de 2002. d) A teoria da empresa, adotada no Código Civil de 2002, tem origem italiana, e amplifica o alcance da norma empresarial, visando a disciplinar a atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens e serviços. e) A teoria da empresa não substitui a teoria dos atos de comércio, mas a complementa, tendo o ordenamento jurídico brasileiro adotado ambas as teorias em suas legislações. Assinale a alternativa que aponta a assertiva incorreta. a) A teoria da empresa, de origem italiana, traz a disciplina da atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços. b) A teoria da empresa, adotada no Brasil no Código Civil de 2002, é posterior à teoria dos atos de comércio e a substitui nas legislações de Direito Empresarial. c) A teoria da empresa, adotada no Brasil no Código Civil de 2002, não substitui a teoria dos atos de comércio, mas a complementa, pois traz novas atividades comerciais. d) A teoria da empresa aumenta o campo de incidência da norma de Direito Empresarial, permitindo que seus institutos possam ser aplicados a mais atividades. e) A teoria da empresa, posterior à teoria dos atos do comércio, substitui esta nas legislações, retirando as listagens de atividades e inserindo um conceito amplo de regramento da atividade econômica em si, e não mais visando a disciplinar o comerciante, mas sim a empresa. Questão Discursiva Descreva a teoria da empresa. Indique a adoção da teoria da empresa no Brasil. Direito Empresarial, André Santa Cruz Ramos – Excelente doutrina para o aprofundamento do Direito Empresarial, desde a origem até os institutos específicos, muito utilizada por acadêmicos na graduação e por profissionais que prestam concurso público. SANTA CRUZ, André. Direito Empresarial. 9ª Ed. São Paulo, Método. 2019. 27 UNIDADE I CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIOS DO DIREITO EMPRESARIAL No término deste capítulo, você deverá saber: ✓ Necessidade da existência de princípios no Direito; ✓ Livre-iniciativa; ✓ Função social da empresa; ✓ Livre concorrência; ✓ Existência de diversos tipos de empresas; ✓ Tratamento da microempresa e empresa de pequeno porte; ✓ Preservação da empresa; ✓ Demais princípios a serem aplicados no Direito Empresarial. Introdução Todo ramo do Direito tem uma ligação imediata com princípios. Não podemos pensar em um ordenamento jurídico que não possua princípios capazes de resolver litígios e de nortear as criações de leis pelo poder legislativo. Dessa forma, o Direito Empresarial possui seus princípios próprios, voltados para a disciplina do mercado e construção de uma atividade empresarial com segurança e condições de concorrência por diversos atores. Ora, a preocupação do Estado vai além de simplesmente fazer leis que tratam como as empresas devem funcionar, ou até mesmo como seria o mercado empresarial. O poder público deve pensar no mercado como um todo, visualizando os consumidores e sujeitos que estarão participando da criação do fenômeno econômico. Para tanto, os princípios empresariais permitem que o mercado cresça, mas com justiça e igualdade, com inúmeras atividades, pois não poderá o Estado limitar a quantidade de profissões, nem favorecer determinadas empresas mais fortes economicamente em detrimento dos menores empresários, a lei deve olhar para todos e possuir elementos que consigam permitir que todos participem da construção do mercado financeiro. “O particularismo do Direito Mercantil revela-se também pela existência de princípios próprios, impostos pelas exigências econômicas, que lhe atribuem almejada dignidade científica”. (SANTA CRUZ, 2019, p. 35) O consumidor deve possuir ampla oferta de produtos e serviços. Os princípios do Direito Empresarial visam a garantir tal direito, não apenas sendo aplicados no momento do litígio, mas durante todo o caminho do mercado econômico, na criação das empresas, início de determinadas profissões, impedimento de condutas, realização de legislações e resolução de conflitos. Os princípios estão em todo o momento, auxiliando e construindo o sistema. 28 Portanto, é de extrema importância conhecer os princípios a serem aplicado na Teoria Geral do Direito Empresarial, pois a construção do sistema de normas que disciplinam o fenômeno da atividade econômica organizada, sem dúvidas, passa pela aplicação de princípios específicos deste ramo do Direito que irão controlar, juntamente com a legislação, as condutas das empresas e dos empresários. 3.1 A necessidade de princípios Antes de iniciarmos as discussões dos princípios empresariais, precisamos compreender a importância que estes possuem dentro de um sistema. Já falamos que o Direito é composto de um ordenamento jurídico, este é a reunião de todas as legislações de um determinado território. Assim, a união dessas leis deveria ser capaz de resolver todos os problemas da vida em sociedade. Ora, o ser humano naturalmente irá desenvolver conflitos, a vida em sociedade é produtora de litígios, em virtude das pretensões dos indivíduos encontrarem obstáculo nas expectativas dos demais indivíduos. Dessa forma, é necessário pacificar os conflitos, momento em que a norma é acionada. Nesse sentido, a norma é criada de forma genérica, não tem porbase um caso concreto, mas deve solucionar estes quando do momento de sua aplicação. Portanto, temos uma lei genérica para solucionar casos concretos, o que traz a dificuldade de imaginação da infinidade de problemas e casos que podem surgir e que talvez a norma não se adeque. Assim, o princípio assume papel importante na adequação da norma, pois são valores muito específicos, criados pelo próprio sistema para dar validade e propiciar a aplicação correta das normas. É verdade que a preferência de aplicação é da norma em si, mas ela própria recebe em sua criação a influência dos princípios, pois eles balizam todo o sistema. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170, traz os princípios a serem aplicados no Direito Empresarial, importantes para a consecução da atividade econômica, são citados a livre- iniciativa, livre concorrência, propriedade privada e autonomia da vontade, todos devem ser aplicados conjuntamente, não somente na criação das leis, sobretudo nas relações cotidianas desempenhadas pelos próprios indivíduos. Portanto, faz-se importante estudar todos esses princípios que ganham notoriedade própria dentro do Direito Empresarial, que como ciência autônoma e célere, utiliza-se destes para melhorar as relações empresariais e manter a segurança jurídica nas atividades econômicas desenvolvidas. 3.2 A livre-iniciativa À luz de Fábio Ulhoa Coelho, podemos citar quatro importantes aspectos da livre-iniciativa (SANTA CRUZ, 2019): a) Necessidade de existência da empresa privada para que os indivíduos possam ter acesso aos bens e serviços que desejam; 29 b) Lucratividade como combustível para o exercício da atividade econômica pelos empresários; c) Importância da criação de normas que protejam os investimentos realizados pelos empresários; d) Reconhecer a empresa como fenômeno econômico que gera empregos e riqueza para a sociedade que está inserida. A livre-iniciativa pode ser restringida dependendo da exigência de qualificação profissional, no caso de profissões regulamentadas, e na necessidade de autorização do poder público para funcionamento de determinada atividade. O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 nos traz que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa”, ou seja, temos uma disposição constitucional expressa acerca da necessidade de livre-iniciativa no mundo empresarial, recordando que o Direito aqui estudado deve se curvar às disposições das normas constitucionais, pois estas lhe são superiores. No próprio artigo citado, em seu parágrafo único, temos a previsão de “livre exercício de qualquer atividade econômica”, garantindo, mais uma vez, a necessidade de permitir que os indivíduos possam iniciar seus projetos empresariais, independente do gênero, de forma livre, sem que o poder público faça restrições indevidas e impeça o desenvolvimento econômico do país. Contudo, como nenhuma outra garantia, a livre-iniciativa não é absoluta, pois o próprio texto constitucional, artigos 5°, XIII e 170, parágrafo único, trazem possibilidades de limitação, quando houver exigência de determinada qualificação profissional, ou, excepcionalmente, autorização do poder público para desenvolvimento da atividade. 3.3 Função social da empresa A combinação da proteção constitucional da propriedade privada e da função social da propriedade remete-nos ao princípio da função social da empresa, este muito discutido entre os doutrinadores, pois não há maiores definições, dependendo de forte caráter interpretativo para seu entendimento. Precisamos compreender que a empresa é uma atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, sendo a pessoa que a exerce, o empresário e este pode ser pessoa jurídica ou física. Em outro aspecto, temos o estabelecimento empresarial, conjunto de bens organizados para a persecução do objetivo econômico em comum, este conjunto é utilizado no exercício da empresa. Ao falar de função social da empresa, temos que olhar para a atividade empresarial, e em que sentido ela ficaria satisfeita nos aspectos de busca da lucratividade pelo empresário. Ora, tem- se entendido que para respeitar esse princípio seria necessário que a empresa produzisse determinados tipos de comportamento, como geração de empregos, pagamento de tributos, 30 contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural daqueles que estão à sua volta, respeito aos direitos dos consumidores, entre outros. Assim, a empresa precisa estar inserida na vida da comunidade que está ao seu redor. Em um primeiro momento, funcionários e trabalhadores, e posteriormente, dependendo de sua extensão, na vida da comunidade em si, com criação de projetos e métodos de desenvolvimento da sociedade através de sua atividade econômica, contribuindo, por meio de seu crescimento, para o de todos os indivíduos. Concretizando esse princípio, podemos citar o artigo 116, parágrafo único da Lei 6.404/76 (Lei da Sociedade Anônima): “o acionista controlador deve usar seu poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social”. Portanto, empresa não deve mirar somente nos interesses individuais do empresário, mas também nos difusos e coletivos. Na verdade, todos os elementos do Direito devem buscar, de uma forma ou de outra, o bem comum, pois é o principal meio de desenvolvimento da sociedade, permitir que todos possam alcançar a realização de seus projetos, sem prejudicar as idealizações dos demais. 3.4 Livre concorrência O inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal de 1988 traz de forma expressa o princípio da livre concorrência, sendo este uma criação de um sistema que coíba práticas desleais entre os empresários e que venham a dificultar o desenvolvimento econômico. Podemos citar como meios de proteção da concorrência a Lei de Propriedade Industrial (9.279/96) e a Lei de Defesa da Concorrência (12.529/11). As duas legislações trabalham sanções para condutas que atentem contra o sistema, como a formação de cartel para obter monopólio de produção ou circulação de bens ou serviços, o que possibilitaria um tabelamento de preço, prejudicando o consumidor e o nascimento de empresas concorrentes. Assim, as bases que se montam para proteção da livre concorrência estão em dois aspectos, a coibição de práticas desleais, por intermédio de criação de crimes de concorrência desleal, bem como a caracterização de condutas que seriam consideradas como abuso de poder econômico, o que atentaria contra a ordem econômica em si e o desenvolvimento do Estado. A livre concorrência tem poder para garantir uma melhor qualidade nas prestações de serviços no cenário econômico, é um direito do universo empresarial, existindo, inclusive, crimes de concorrência desleal. O artigo 173, § 4° da Constituição Federal de 1988 é explícito ao afirmar que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”, o que evidentemente é cumprido pelo legislador na edição das leis citadas anteriormente. 31 3.5 Identificação dos tipos de empresas Ao analisarmos os princípios do Direito Empresarial, precisamos compreender que em todos os seus aspectos, as iniciativas legislativas precisam concentrar forças para a formação de um bloco legislativo que permita o florescimento econômico do Estado. Assim, faz-se importante identificar os tipos de empresas que existem no mercado, pois este é formado por grandes e pequenos empresários. O legislador necessita, portanto, encontrar medidas que apoiem o florescimento, sobretudo, dos pequenos empresários, pois grande parte do consumo depende deles, não podendo somente favorecer o domínio econômico dos grandes conglomerados, sob a pena da criação deum monopólio, o que, como vimos, é vedado pela livre concorrência. Ora, só haveria um caminho a ser seguido, garantir por medidas legislativas o bom andamento do mercado econômico, inserindo direitos e garantias para os pequenos empresários, possuindo um olhar mais estratégico e específico sobre a atividade destes, não podendo compreender que os movimentos realizados seriam iguais aos dos grandes empresários. Nesse sentido é extremamente proposital o mandamento constitucional de observância das particularidades de um sistema que procure as partes mais fracas, garantindo o desenvolvimento do universo econômico como um todo, e não somente das partes mais fortes economicamente. Portanto, teremos regras que beneficiam e dispensam determinados empresários do cumprimento de algumas obrigações, não por serem melhores, mas para terem condições de competir e concorrer em igualdade com todos os outros indivíduos inseridos no mercado econômico. Procure saber sobre princípios dos institutos do Direito Empresarial, como a limitação da responsabilidade dos sócios no Direito Societário. 3.6 Microempresa e empresa de pequeno porte: tratamento Por imposição constitucional, artigo 170, IX, temos um princípio que obriga o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”, ou seja, a maior norma do ordenamento jurídico brasileiro determina o tratamento diferenciado, cabendo ao legislador infraconstitucional, somente obedecer e impor as regras a serem seguidas. Não obstante, o artigo 179 da Constituição de 1988 determina, mais explicitamente, que União, estados e municípios dispensem o tratamento diferenciado à microempresa e empresa de pequeno porte, incentivando o florescimento e desenvolvimento destas, simplificando obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou até mesmo eliminando tais obrigações. 32 A edição da lei complementar 123 de 2006 é fruto desse mandamento constitucional. Nesse diploma legislativo, temos a reunião de todo o tratamento diferenciado a ser dispensado às empresas de pequeno porte e às microempresas, onde os impostos federais, estaduais e municipais acabaram sendo reunidos para recolhimento conjunto, facilitando a administração do sistema. O Simples Nacional, regime tributário simplificado e diferenciado, proporciona às microempresas e empresas de pequeno porte, a possibilidade de uma carga tributária reduzida e com menos burocracia, permitindo que possam focar em outras áreas de desenvolvimento de seus projetos, haja vista que muitas vezes são carentes de funcionários para desempenhar todas as funções necessárias em uma empresa. O favorecimento é aplicado ainda em outras áreas, como trabalhista, previdenciária, acesso ao crédito no mercado financeiro, preferência nas aquisições de bens ou serviços pelo poder público, entre outros. As medidas impostas são para impedir que o mercado seja dominado pelo poder econômico de alguns, mas que tenhamos uma concorrência que permita, ao mesmo tempo, oferta de produtos e serviços e desenvolvimento econômico para todos. 3.7 Preservação da empresa A preservação da empresa é um princípio importante do Direito Empresarial, do ponto de vista que ele deve regular todos os aspectos da vida das atividades empresariais desenvolvidas. Assim, não basta garantir o nascimento e simplificações, mas também deve o legislador olhar para as empresas do ponto de vista de sua manutenção, criando institutos que facilitem, em tempos difíceis, a continuidade das atividades. Portanto, o poder judiciário e a legislação têm voltado seus olhos para essa necessidade que foi imposta pelo sistema, e construindo um método de preservação das empresas, podendo citar a Lei 11.101 de 2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas). Esse princípio é utilizado ainda para fundamentar determinadas decisões judiciais em casos complexos, por exemplo, dissolução societária. Percebam que a necessidade do princípio está em não permitir que a empresa deixe de existir, o que resultaria em uma perda da capacidade de investimentos no mercado, diminuição de recolhimentos e principalmente fechamento de posições de trabalho. Quando uma empresa fecha, temos todo um impacto econômico e social no mundo a sua volta. Em virtude disso, famílias perdem acesso à renda, a taxa de desemprego aumenta, os demais empresários perdem lucratividade, pois haverá menor quantidade de fluxo de capital no mercado. Portanto, é melhor preservar a empresa, colocar meios para que ela não feche abruptamente, mas que tenha condições de restaurar sua saúde financeira, crescer e contratar mais e devolver ao mercado mais fluxo de capital. No entanto, a ressalva é que esse princípio jamais garanta a determinados empresários, que nunca possam falir, se assim fosse, as empresas poderiam ser terrivelmente administradas e nunca sofrerem a consequência da falência, pois sempre haveria um método de salvar os investimentos do empresário. A empresa que não tem uma boa administração traz muitos prejuízos 33 ao mercado, pois seus credores não recebem, consequentemente pode levar outras empresas a terem problemas financeiros, portanto, em certos casos, a falência será a melhor situação a ser aplicada. 3.8 Princípios complementares Como já destacamos, o Direito Empresarial possui diversos pontos inferiores, como Direito Societário, Cambiário, entre outros. Assim, é necessário entender que existem outros princípios específicos de cada ponto da existência dos institutos deste ramo do Direito. Ora, no Direito Societário, temos o princípio da limitação da responsabilidade dos sócios, este não está contido na relação dos que estudamos agora. No entanto, existe no instituto para dar maior eficácia a sua aplicação. Contudo, é preciso entender que os estudados aqui são os princípios gerais do Direito Empresarial, ou seja, serão aplicados juntamente com os demais princípios que existirem dentro desta disciplina, todos eles serão empregados para proteger o sistema econômico, o qual a norma está inserida. Considerações Finais A aplicação de princípios no sistema normativo traz, sem sombra de dúvidas, maior estabilidade para todas as pessoas. Não podemos vislumbrar uma norma que alcance todas as possibilidades de litígios no mundo, e por isso, os princípios recebem o fator de ligação entre a norma e a realidade, não podendo existir um sistema jurídico sem princípios legais. Nesse sentido, o Direito Empresarial não poderia ser diferente, olha para a realidade do comércio, desde sua evolução, e acaba produzindo princípios que não somente possam favorecer a estabilidade das relações já existentes, mas garantir as relações futuras, através de métodos eficazes que possam garantir a existência do mercado. O mercado em si possui muitas particularidades, e quando olhamos para os princípios empresariais, percebemos que eles acabam atingindo todos os detalhes da relação jurídica. Podemos citar a livre concorrência, ter um princípio dessa envergadura que permite a vedação de formação de cartel e monopólio econômico é sem dúvida um grande avanço e de grande importância para todos os indivíduos, sendo certo que proporcionará um maior número de variedades de empresas, com maior concorrência e mais circulação de riquezas e desenvolvimento. Ora, não basta termos a noção dos princípios, temos que saber que eles foram criados para serem utilizados, para estarem presentes nas legislações que forem realizadas pelo poder legislativo, mantendo um mercado ativo e igualitário para todos os seus participantes. O caráter dos princípios é garantir, como vimos, maior estabilidade ao sistema, entregando um mercado que funcione, não para alguns, mas para todos, não permitindo que uns tenham
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