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A OBRA “DINÂMICA DO CAPITALISMO” DE FERNAND BRAUDEL E A ESCOLA DOS ANNALES1 Ana P. B. Ruppenthal INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo apresentar, de maneira breve, a obra “A dinâmica do capitalismo”, de Fernand Braudel, que buscou retratar o surgimento do capitalismo através do crescimento gradual das relações comerciais – desde re- lações em vilas e comunidades na Europa medieval até o comércio em um sistema internacional. A obra é importante para as discussões da disciplina, em primeiro lugar, pelo seu objeto – o retrato do advento do capitalismo, o que integrou o mundo contempo- râneo. Por outro lado, não apenas a obra em si, mas também o contexto de sua cri- ação é relevante: A escola dos Annales, que propunha uma ruptura com as formas de se fazer e interpretar as ciências tradicionais, dando escopo a novas epistemolo- gias. Assim, será abordado o surgimento e desenvolvimento da escola dos Anna- les, o seu contexto político e a obra em si. 1. A ESCOLA DOS ANNALES A escola dos Annales, também conhecida como Escola Francesa ou “nouvelle histoire”, foi um movimento historiográfico francês instituído a partir da fundação da revista dos Annales (LesAnnalesd’HistoireÉconomique et Sociale)2, em 1929 – daí a origem do nome. Seus precursores – Marc Bloch e LucienFebvre – propunham-se a superar a sistematização engessada e restrita, típica do positivismo, transformando a história numa ciência multidisciplinar e multidimensional, que poderia buscar sem restrições fontes em outras ciências – como as ciências sociais, a antropologia, a linguística, a geografia, entre outros – bem como observaria, no registro histórico ou 1 Trabalho acadêmico apresentado à disciplina de Modernidades, Estados Nacionais e Capitalismo na Europa na graduação em Ciência Política e Sociologia, como requisito avaliativo. 2 FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à história do Direito. 1ª ed. Editora Juruá, Curitiba, 2012. historiográfico, vários aspectos da história – aspectos culturais, religiosos, arqueoló- gicos, entre outros – e não apenas os aspectos políticos e oficiais como se fazia até então. O referido movimento se desenvolveu em três fases: uma fase inicial, de 1929 a 1945, quando o movimento se propunha principalmente a fazer “guerra” contra a história tradicional; uma segunda, que vai de 1945 a 1968, quando o movimento se transforma em escola, com conceitos próprios e métodos inovadores; e por fim a terceira fase, mais abrangente, que vai de 1968 até hoje, onde há uma diversidade metodológica e temática ainda maior. Neste trabalho será dada maior ênfase à obra de Fernand Braudel, que se insere na segunda fase dos Annales. 2. CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICODA ESCOLA Buscando contextualizar historicamente o movimento dos Annales, com espe- cial ênfase na contribuição de Fernand Braudel, José D'Assunção Barros3 situa o surgimento da escola no período de guerras mundiais (considerando como marco a primeira e segunda grande guerra), e a segunda e terceira geração se inserem no período de guerra fria e queda da União Soviética. Num contexto mais precisamente intelectual, O contexto geral é o de uma expansão econômica, à qual muitos economis- tas do futuro referir-se-iam como “anos de ouro”. As ciências sociais conhe- cem nesta época um novo impulso, afirmando-se em algumas delas uma corrente teórica que ficaria conhecida como Estruturalismo, e que terá uma sensível influência na nova historiografia que começa a ser afirmada com a chamada segunda geração da Escola dos Annales. Nesse mesmo contexto, ademais, constatava-se uma expansão do marxismo nos meios populares e instituições. Dessa forma, os pensadores dos Annales nem sempre eram adeptos de tendências marxistas; muitas vezes intencionavam preci- samente articular-lhes ou opor uma visão crítica sobre os movimentos. 3BARROS, José D’Assunção. Fernand Braudel e a geração dos Annales. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados, v. 6, n. 11, jul. 2012. ISSN 1981-2434. Disponível em: <http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/1883>. Acesso em: 10 Dez. 2017. 3. A OBRA Escrita por Fernand Braudel em 1977, “A dinâmica do Capitalismo” é o relato histórico, numa perspectiva eminentemente econômica e social, dos quatro séculos que moldaram a civilização moderna – de 1400 a 1800. Muito embora se centre na Europa Ocidental, o relato abrange todo o mundo. Na parte I,intitulada "Repensando a vida material e a vida econômica", o autor aborda as restrições materiais da vida cotidiana. Assim, Braudel partiu do cotidiano: o hábito, a rotina, costumes inconscientes que o autor chama de vida material. Seria a vida ativa dos homens. Essa matéria humana em perpétuo movimento comanda, sem que os indi- víduos tomem consciência disso, uma boa parte dos destinos de conjunto de seres vivos. Alternadamente, o jogo demográfico tende para o equilíbrio, por serem demasiadamente numerosos os seres vivos, mas o equilíbrio ra- ras vezes se atinge4. Nesta parte, Braudel esboça o que é quase uma história social do mundo. Ini- cia com um capítulo sobre demografia, que ele vê como fundamental para a com- preensão da história. Dois capítulos são dedicados à alimentação: um para a subsis- tência básica, sob a forma das três grandes culturas de cereais - trigo, arroz e milho - que alimentam a maioria das pessoas do mundo; o outro para os "luxos" - coisas como modas de mesa, sal, carne e especiarias. Mais dois capítulos abordam fontes de energia, metalurgia, transporte e as inovações tecnológicas críticas – pólvora, impressão e, acima de tudo, navegação marítima – o que contribuiu para o a expan- sãoeuropeia. O último capítulo examina o crescimento das cidades, que Braudel considera um instrumento e um claro marcador de mudança. Em seguida, a parte II, intitulada“Os jogos da troca”,fala sobre o comércio e a economia de mercado (que é sinônimo de capitalismo). O autor inicia com a cultura material de câmbio, desde lojas, mercados e mascates (ou vendeores ambulantes) até feiras e bolsas de valores. Ele então explora os mais altos níveis de comércio: redes de comerciantes, circuitos comerciais, letras de câmbio, oferta e demanda, saldos comerciais, a relação entre moedas de ouro e prata e assim por diante. Dois capítulos lidam com o capitalismo. O primeiro explora seu alcance e sua relação com a agricultura e as primeiras formas de indústria e, em particular, por que não conse- 4 BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do Capitalismo.Tradução Álvaro Cabral. Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1987. guiu se apoderar desses domínios. O segundo considera o capitalismo no seu lar em finanças e comércio internacional, em um mundo de parcerias e empresas, de monopólios e controle, com uma influência muito desproporcional ao seu tamanho relativo. Oúltimo capítulo coloca a vida econômica no contexto da sociedade como um "conjunto de conjuntos", conectando-a com as hierarquias sociais, o estado e a ampla dinâmica da mudança cultural. Por fim, a parte III, intitulada "O tempo do mundo" tem uma abordagem global, que vê o mundo como um sistema. Braudel começa argumentando pela existência de múltiplas "economias mundiais" e descrevesuas dimensões geográficas e tempo- rais. Ele então traça o desenvolvimento da economia mundial europeia e das "cida- des do mundo" que o governaram sucessivamente: Veneza, Antuérpia, Gênova, Amsterdã e, por fim, Londres. Isto é seguido por uma análise das economias emer- gentes nacionais e sua relação com o capitalismo internacional, com uma compara- ção detalhada da França e da Inglaterra. Braudel volta para o resto do mundo - as Américas, a África negra, a Rússia, o Islã, o Extremo Oriente- e sua relação com a Europa, antes de retornar para uma análise da revolução industrial à luz da análise anterior do capitalismo. Aqui Braudel parece um pouco mais especulativo sobre suas conclusões do que ele tinha escrito nos volumes anteriores. CONCLUSÃO No presente trabalho foram estudados, de início, a escola dos Annales – movimento historiográfico francês que se propunha a fazer uma nova forma de história, com a superação do positivismo e de outras escolas tradicionais. Em seguida, analisou-se o contexto em que essa escola surgiu: O contexto do século XX, em que as guerras mundiais e guerra fria exponencializaram ainda mais a expansão europeia, permitindo, desta forma, um contato ainda maior com outras regiões globais. Ainda no contexto do século XX, notou-se uma expansão das teorias marxistas, ainda mais nas regiões mediterrâneas, onde tais teorias integraram movimentos sociais – justamente onde os pensadores dos Annales buscaram se entrosar teórica e criticamente. Em seguida, analisou-se a obra “A dinâmica do Capitalismo”, onde o historiador Fernand Braudel esmiuçou a consolidação do capitalismo através do gradual crescimento do comércio, a partir de uma perspectiva temporal (num intervalo de quatro séculos) e global. A escola dos Annales foi muito importante para se pensar a história e as ciências sociais a partir de uma perspectiva não eurocêntrica, ou não apenas; permitiu considerar a diversidade do conhecimento na análise de cada aspecto da vida social – como na obra mencionada, em que Braudel considera muito os aspectos sociais e até mesmo culturais que contribuíram para a evolução de uma economia de subsistência em capitalismo. Num contexto latino-americano, essa perspectiva permite refletir-se sobre a realidade social específica dos países que integram e a sua modernidade, rompendo-se gradualmente com o pensamento eurocêntrico. REFERÊNCIAS BARROS, José D’Assunção. Fernand Braudel e a geração dos Annales. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados, v. 6, n. 11, jul. 2012. ISSN 1981-2434. Disponível em: <http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/1883>. Acesso em: 10 Dez. 2017. BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do Capitalismo.Tradução Álvaro Cabral. Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1987. FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à história do Direito. 1ª ed. Editora Juruá, Curitiba, 2012.