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O PROCESSO DE DITONGAÇÃO DO LATIN CLÁSSICO PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
DISCIPLINA DE LINGUÍSTICA ROMÂNICA
O PROCESSO DE DITONGAÇÃO DO LATIM CLÁSSICO PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO E DE DESPALATIZAÇÃO SOB A ÓTICA DAS CONVERGÊNCIAS FONÉTICAS NO FALAR DO INTERIOR DO RIO GRANDE DO NORTE
Camila Pinto dos Santos Silva
Henrique Eduardo de Oliveira
NATAL
2018
CAMILA PINTO DOS SANTOS SILVA
HENRIQUE EDUARDO DE OLIVEIRA
O PROCESSO DE DITONGAÇÃO DO LATIM CLÁSSICO PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO E DE DESPALATIZAÇÃO SOB A ÓTICA DAS CONVERGÊNCIAS FONÉTICAS NO FALAR DO INTERIOR DO RIO GRANDE DO NORTE
Trabalho de pesquisa apresentado na disciplina de Linguística Românica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção da nota da segunda unidade. 
Prof. Dr. Marcos Tindo
NATAL
2018
INTRODUÇÃO
A língua portuguesa, assim como todas as demais línguas faladas no mundo, não pode ser observada apenas a partir da sua gramática e da linguagem escrita. Toda língua em uso é dinâmica e o seu processo de transformação nem sempre ocorre de forma matematicamente previsível, uma vez que a sua evolução depende de várias características e fenômenos sociais, regionais, físicos e até mesmo subjetivos, adquiridos e transformados pelo homem em contato com o meio social em que vive e com pessoas de outros povos.
Neste sentido, voltar-se para o português brasileiro (PB) é mergulhar em um ambiente completamente heterogêneo, com seus substratos oriundos dos povos indígenas que aqui já habitavam nos tempos da colonização, como também, dos escravos que auxiliaram na formação do povo brasileiro, além dos superstratos observados pelo conjunto de elementos linguísticos que determinadas regiões do país adquiriram com as invasões francesas e holandesas, com a vinda dos americanos durante a Segunda Guerra Mundial e os avanços tecnológicos que através do processo de globalização, nos bombardeiam com palavras, frases e jargões, principalmente do idioma inglês, hoje considerado como a língua internacional. 
De acordo com a expansão demográfica do território brasileiro segundo a sua diversidade de recursos naturais, sua fauna e flora, entre outros, observa-se o desenvolvimento de algumas regiões em um ritmo mais acelerado em relação a outras, tanto em nível econômico como cultural, contribuindo dessa forma para o surgimento dos mais diversos falares em todo o território nacional, assim como aconteceu com o Latim durante o período de expansão e declínio do império Romano.
Diante dessas palavras introdutórias, este artigo tem como principal objetivo deste artigo é analisar o processo de ditongação do latim clássico para o português brasileiro, assim como o processo de despalatização ocorrido a partir do surgimento das línguas românicas sob a ótica das convergências fonéticas observadas no falar do interior do estado do Rio Grande do Norte em comparação com o falar das cidades mais desenvolvidas. Para que este objetivo seja alcançado, torna-se relevante apresentar alguns conceitos, aportes teóricos e definições necessárias que farão parte do corpus desta pesquisa, como também, exemplificar os fenômenos de ditongação e despalatização através de palavras que possa ser analisada a sua evolução do latim clássico para o português brasileiro, e mais precisamente, para a variante do português falado no interior do Estado do Rio Grande do Norte.
Como metodologia, foi utilizado para esta pesquisa um levantamento bibliográfico, onde os pesquisadores utilizaram como fontes de pesquisas estudos já realizadas sobre a temática, como artigos, monografias e teses, além de um aporte teórico através de livros, revistas eletrônicas e apontamentos em sala de aula, durante a disciplina de Linguística Românica, ministrada durante este semestre letivo, cujo artigo servirá como requisito parcial para avaliação da disciplina.
1 O PROCESSO DE DITONGAÇÃO E DESPALATIZAÇÃO DO LATIM CLÁSSICO PARA O PORTUGUÊS
A maioria dos estudos apresentados sobre os metaplasmos na língua portuguesa, costuma tratar o fenômeno da ditongação e da despalatização em blocos ou momentos separados, uma vez que o primeiro trata da transformação de uma vogal ou um hiato em ditongo, e a última, trata da transformação de um ou mais fonemas palatais em um fonema nasal ou oral, sendo ambos ao casos discutidos como processos fonológicos ocorridos pela transformação de um fonema. No entanto, necessita-se a priori identificar se ambos os fenômenos estão relacionados com os mesmos fatores ligados ao falante ou ao grupo no qual ele pertença.
A ditongação trata-se de um metaplasmo que consiste em transformar uma vogal em um ditongo, preservando o padrão vocálico (vogal e semivogal), como por exemplo, a primeira pessoa no singular do verbo caber, eu caibo. Também pode ser observado diante da junção de palavras na poesia, ao formar uma só sílaba métrica quando uma palavra termina com uma vogal átona e a palavra seguinte inicia com outra vogal átona, como na expressão meu grande amor. (SILVA, 2010).
A ditongação trata-se de um processo que ocorre em direção contrária à monotongação, uma vez que enquanto na monotongação existe a supressão da semivogal, na ditongação há uma inserção. Por essa razão pode-se afirmar que o processo de ditongação trata-se de um fenômeno essencialmente fonético, cuja sua realização acontece na fala e, por este motivo, está sujeita a variações sociolinguísticas, do tamanho do vocábulo, do contexto fonético, do nível de escolarização dos falantes, no nível de registro da fala, entre outros aspectos. De acordo com o pensamento de Coutinho (1978), no português brasileiro pode ser observado algumas causas que contribuíram para a manutenção e aparição de ditongos, como por exemplo:
1. A síncope ou queda de fonema medial: malu > mau, lege > lei, palu > pau.
2. A valorização ou transformação de consoantes em vogal, em certos grupos consonantais: alt(e)ru > autro > outro, factu > faito > feito, regnu > reino.
3. A metátese ou transposição de fonemas: primariu > primairo > primeiro, librariu, > livrario > livreiro.
4. A apêntese de vogal para desfazer hiatos: creo (< credo) >creio, tea > (< tela) > teia.
O processo de ditongação é observado desde o latim clássico, principalmente os ditongos originais ou primários e aos poucos foram perdendo suas características diante do processo de monotongação observado a partir do latim vulgar, como por exemplo: poena – poenam > /pena/, auscultare > ascultare > /escutar/. (HRICSINA, 2013).
No entanto, segundo o autor supracitado, é importante observar que este processo também ocorre no latim vulgar, o que podemos chamar de ditongos secundários, por um desses motivos abaixo:
1. Pela vocalização de uma consoante, isto é pela mudança de um elemento consonântico ao vocálico: fructu > /frujto/, cocta > /kojta/.
2. Pela apócope das consoantes finais: partivit > /partiwi/ > /partiw/.
3. Pela síncope de uma consoante sonora intervocálica: magis > /majs/.
4. Pela metátese, que é a transposição de fonemas na mesma sílaba dentro de uma palavra: primariu > /primajro/ > /primejro/.
Observa-se que a fala de Hricsna (2013) enfatiza os argumentos anteriormente defendidos por Coutinho (1978), quanto ao fenômeno do processo de ditongação observado desde o latim clássico, passando pelo latim vulgar e se fixando no português brasileiro.
Na fala das principais cidades brasileiras, observa-se a ditongação na fala, com vogal em posição final de palavras seguida de /s/ ou /z/, como nos seguintes casos observados, do latim clássico até o português regional estudado:
1. Rapax > rapaz – rapajs.
2. Gasium > gás – gajs.
3. Capax > capaz – capajs
4. Pax > paz – pajs.
5. Ferox > feroz – ferojs.
6. Atrox > atroz – atrojs.
De acordo com o estudo realizado por Aragão (2014) sobre a ditongação e monotongação nas capitais brasileiras, considerando-se como parâmetros linguísticos para a análise da ditongação, observa-se que o tipo de vogal quese ditonga trata-se das vogais orais /a, E, e, i, , o, u/ segundo os seguintes exemplos apresentados pelo autor:
· /a/ “paz” /‘paz/ [‘pajs]
· /E/ “dez” /‘dEz/ [‘dEjs]
· /e/ “três” /‘tPes/ [‘tPejs]
· /i/ “giz” /‘Ziz/ [‘Zijz]
· // “vós” /‘vs/ [‘vjs]
· /o/ “arroz” /a’oz/ [a’ojz]
· /u/ “luz” /‘luz/ [‘lujz]
Outra observação importante é que, segundo o critério de extensão da palavra, à medida que aumenta o número de sílabas, a possibilidade de ditongação diminui. Portanto, as palavras monossílabas e dissílabas são as que mais se ditongam (ARAGÃO, 2014).
Os estudos mais recentes sobre o português no Brasil revelam que existe em casos como esses apresentados, uma tendência para o surgimento de um glide, e que tal fenômeno ocorre somente em sílaba acentuada e em posição final de palavra. Nesse processo de ditongação, o que realmente ocorre é o desdobramento de um segmento vocálico em dois novos segmentos, produzindo um processo de diferenciação tímbrica, que os autores chamam de ditongação, no interior de uma semivogal em posição pré ou pós vocálica.
Sobre a questão da despalatização, necessário se faz observar o seu fenômeno oposto ou originário que é a palatização, que se trata de um fenômeno fonético através do qual um segmento fônico muda o seu ponto de articulação originário para assumir uma articulação ao nível da região do palato duro. Este tipo de metaplasmo ocorre de um fenômeno de assimilação, na medida em que um determinado som passa a influenciar o som vizinho, transmitindo-lhe a propriedade da articulação palatal (MATTOS E SILVA, 1996). 
Tal realização não pode ser observada durante a evolução do latim, uma vez que as consoantes palatais [S], [Z]. [L], [N] eram inexistentes, uma vez que estas letras resultaram, na maioria das vezes, da influência assimiladora da semivogal [j], que também possui um som palatal, como pode ser observado nos seguintes casos:
· Hodie > hoje
· Filiu(m) > filho
· Venio > venho
· Passione(m) > paixão
A partir da formação das línguas românicas, observa-se a formação do processo de palatização e, consequentemente, a despalatização diante dos processos de transformações dessas próprias línguas, como acontece com a língua portuguesa a partir do português arcaico (MATTOS E SILVA, 1996).
Nos casos apresentados a seguir, que acontece em algumas cidades do interior do Rio Grande do Norte, assim como em cidades de Estados vizinhos como Ceará e a Paraíba, o fenômeno que ocorre é a despalatização, que se trata da produção de fonema com a língua deixando de tocar o palato ou o céu da boca, com ditongação.
7. mulier > mulher – mujé
8. vetus > velho – véju.
9. filium > filho – fjo.
10. melior > melhor – mjó
11. taliare > talhar – tajá.
12. folium > folha – foja.
A despalatização pode ser definida como perda de traço palatal na articulação de um determinado fonema, mas pode ser observada também como variedade regional, social, estilística ou individual. Este fenômeno é observado quando se percebe a troca de um fonema palatal por um alveolar ou linguodental em consequência de não se apoiar devidamente a ponta da língua na abóbada palatina ou proferir aquele som desejado. Dessa forma, além de se tratar de um fato fonético, deve ser considerado como fato estilístico, visto que não é raro em linguagem descuidada de alguns indivíduos, verificar a mudança do NH ou LH por N ou L, e ainda regional em camadas mais distantes dos grandes centros urbanos, como no caso de [muyé] (mulher), [véju] (velho), etc. (BERGO, 1986).
De acordo com Aragão (2014), nem todo o processo de ditongação está relacionado com a hipótese regional, uma vez que nos exemplos 1 a 6 o processo de ditongação apresentado pode ser observado no falar de informantes das capitais brasileiras, fator este já comprovado através dos trabalhos de outros estudiosos que analisaram estes estudos regionais, como por exemplo, Amaral (1920), para São Paulo; Monteiro (1933) e Araújo (2000), para o Ceará; Teixeira (1938) e Veado (1983) para Minas Gerais; Nascentes (1953), Paladino Neto (1990) e Paiva (1996), para o Rio de Janeiro, entre outros.
No entanto, o processo de despalatização ou iotização apresentado nos exemplos 7 a 12, que transforma fonemas palatais em um nasal ou oral se encontra diretamente ligado a questão sociocultural de uma determinada comunidade ou grupo de pessoas falante da língua. Trata-se da variação social ou diastrática, que é o resultado da tendência para maior semelhança entre os atos verbais dos membros de um mesmo setor sócio cultural da comunidade que deve ser observado como aspectos de diversidade linguística social ou variações socioculturais que podem ser influenciadas por fatores ligados ao falante ou ao grupo no qual ele pertença, tais como: idade, sexo, raça, profissão, posição social, grau de escolaridade, classe econômica, grau de intimidade entre os falantes, entre outros (CAMACHO, 1980).
Dessa forma, torna-se claro a distinção das motivações para a ocorrência dos fenômenos de ditongação e despalatização, sendo este último o mais acentuado no contexto social utilizado para a realização desta pesquisa e que poderá ser relacionados com questões relacionadas a fatores como: classe socioeconômica e grau de escolaridade dos falantes que vivem distantes dos grandes centros urbanos, por exemplo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados desta pesquisa, observa-se que existe uma semelhança de fenômeno entre o processo de ditongação e a despalatização no português brasileiro, sem, no entanto, apresentar as mesmas motivações para a sua ocorrência. Tal observação serve como ponto de partida para possíveis classificações de metaplasmos segundo fatores socioculturais relacionados ao falante como forma de classifica-lo segundo a sua classe socioeconômica e grau de escolaridade, por exemplo. 
O estudo apresentado por Aragão (2014), torna-se bastante importante para a análise desta pesquisa, uma vez que exemplifica o processo da ditongação sendo realizado nos grandes centros urbanos onde predomina um grau de escolaridade mais acentuado, apontando para outros fatores sociolinguísticos na sua realização, mesmo sabendo que tal fenômeno também ocorre longe das grandes cidades, inclusive no contexto geográfico selecionado para esta pesquisa.
Finalmente, o metaplasmo que realmente pode ser relacionado com uma quantidade maior de aspectos de diversidade linguística social como baixo grau de escolaridade e condições socioeconômicas inferiores é processo de despalatização, pouco observado pelos falantes das grandes cidades brasileiras, como é discutido nos estudos apresentados por Camacho (1980) e Bergo (1986), e que não possui a sua origem no latim clássico, como é o caso do processo de ditongação.
Sobre a questão das convergências fonéticas no falar do interior do Rio Grande do Norte, essa pesquisa mostra talvez o principal metaplasmo sofrido no Português Brasileiro utilizado neste contexto, o processo de despalatização, mas que poderá existir outros fenômenos ainda não estudados de forma mais ampla, diante das dificuldades de acessos a muitas cidades, povoados e comunidades que se encontram mais afastada dos grandes centros urbanos, desenvolvendo e transformando seus próprios falares, assim como aconteceu com o latim e suas variedades e que sempre ocorrerá com todas as línguas faladas no mundo, diante do seu dinamismo, suas transformações linguísticas, novas necessidades de desenvolvimento no meio social, entre outros.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. São Paulo: O Livro, 1920.
ARAGÃO, Maria do Socorro Silva de. Ditongação e monotongação nas capitais brasileiras. XVII Congreso Internacional Asociación de Linguística y Filologia de América Latina (ALFA 2014). João Pessoa, Brasil. Disponível em: <https://alib.ufba.br/sites/alib.ufba.br/files/r0395-1.pdf> Acesso em: 15 mai. 2018.
ARAÚJO, Aluiza Alves de. A monotongação na norma culta de Fortaleza. (Dissertação de Mestrado). Fortaleza: UFC, 2000.
BERGO, Vitório. Pequeno dicionário brasileiro de gramática portuguesa. Rio de Janeiro:Francisco Alves, 1986.
CAMACHO, Roberto Gomes. Padrões Linguísticos e estratificação social. Alfa, São Paulo, n.24, p. 59-71, 1980. Disponível em: <https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/viewFile/3613/3382> Acesso em: 18 mai. 2018.
HRICSINA, Jan. Evolução do sistema vocálico do Latim Clássico ao Português moderno: tentativa da verificação in corpora. Études Romanes de Brno, vol. 34 n.2, 2013.p. 205-225. Disponível em: <https://digilib.phil.muni.cz/handle/11222.digilib/127345> Acesso em: 7 mai. 2018.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. O português arcaico: fonologia. 3.ed. São Paulo: Contexto, 1996.
MONTEIRO, Clóvis. A linguagem dos cantadores. Rio de Janeiro: Borsoi, 1933.
NASCENTES, Antenor. O linguajar carioca. Rio de Janeiro: Simões, 1953.
PALADINO NETO, Luís. Os ditongos do dialeto carioca. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: UFRJ, 1990.
PAIVA, M. C. Supressão das semivogais nos ditongos decrescentes. In: OLIVEIRA E SILVA, G. M.; SCHERRE, M. M. P. (Orgs.) Padrões sociolinguísticos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
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TEIXEIRA, José Aparecido. O falar mineiro. Revista do Arquivo Público Municipal, 1938.
VEADO, Rosa Maria Assis. Redução de ditongo: uma variável sociolinguística. In: ______. (Org,). Ensaios de linguística. Cadernos de linguística e teoria da literatura. Belo Horizonte: UFMG, n. 9, p. 208-229, 1983. Disponível em: <http://periodicos.letras.ufmg.br/index.php/cltl/article/view/7199> Acesso em: 18 mai. 2018.

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