Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Sabores, Cores, Sons e Aromas: a organização dos espaços na educação infantil Maria da Graça Souza Horn O olhar tem algo de estranho, de paradoxal: a total facilidade de olhar contrasta com a dificuldade de olhar bem. Se há luz, só de abrir os olhos as coisas que nos rodeiam nos aparecem, mas em compensação, é preciso prestar atenção, reparar bem, para perceber conforme que aspectos da realidade e, sobretudo, para perceber as coisas de outra maneira... (ESQUIROL, 2008, p.11). Todas as crianças possuem modos diferenciados, face aos adultos, de interpretação do mundo e de simbolização do real. São esses modos que constituem as “culturas da infância”. (Manuel J. Sarmento) Para o trabalho com crianças pequenas, é fundamental compreender a diversidade das culturas infantis. As crianças precisam ser olhadas não apenas na sua aparente UNIDADE, mas também na sua DIVERSIDADE. Elas não só formam um conjunto social cujo principal atributo é o de ser constituído por indivíduos pertencentes a uma certa fase da vida, mas também como conjunto social com atributos sociais que diferenciam os adultos. Por isso, O Olhar de um educador atento é sensível a todos os elementos que estão postos em uma sala de aula. O modo como organizamos materiais e móveis, e a forma como crianças e adultos ocupam esse espaço e como interagem com ele são reveladores de uma concepção pedagógica. Aliás, o que sempre chamou minha atenção foi a pobreza frequentemente encontrada nas salas de aula, nos materiais, nas cores, nos aromas; enfim, em tudo que pode povoar o espaço onde cotidianamente as crianças estão como poderiam desenvolver-se nele e por meio dele se fosse mais bem organizado e mais rico em desafios. (Horn, 2004, p.15) O espaço da sala de aula e de toda a escola de educação infantil devem ser estruturados e pensados para garantir a segurança e o desenvolvimento afetivo, social, físico, motor e cognitivo das crianças pequenas. Nesse sentido, ele deve ser pensado a partir do entendimento de infância de das necessidades/potencialidades das crianças em cada etapa de seu desenvolvimento. Assim, o espaço deve oportunizar à criança: Momentos de atividades individuais e coletivas; Momentos para o faz-de-conta; Momentos de interação com outras crianças; Momentos de interação com adultos; Momentos de interação com o ambiente; Momentos de trocas de experiências; Momentos de atividades ao ar livre; Momentos de atividades livres e dirigidas; Entre muitos outros. Loris Malaguzzi; educador italiano, pesquisador da relevância dos espaços para o desenvolvimento infantil; nos convida a entender a escola como um encontro entre ambiente (espaço físico e tempo) e o homem. Sob essa perspectiva, a escola é compreendida como um espaço para as múltiplas experiências. A Escola como encontro do ambiente com o homem. “A criança tem cem linguagens, cem mãos, cem pensamentos, cem maneiras de pensar, brincar e conversar, cem, sempre cem formas de ouvir, de compreender, de amar, cem alegrias para cantar e entender. ” (Loris Malaguzzi) Um ambiente na Educação Infantil, verdadeiramente comprometido com o desenvolvimento integral das crianças pequenas, é, necessariamente, povoado de registros, memórias, fotos, produções das crianças, recursos, materiais e desafios. Malaguzzi (1999) afirma que, em algumas escolas, as paredes, por exemplo, são usadas como espaços para exposições do que as crianças e os professores criaram, ou seja, as paredes falam e documentam um trabalho. (Horn, 2004, p .40) É fundamental ter em mente que o espaço educativo, seja dentro ou fora da sala de aula, deverá refletir, revelar e reavivar todos os aspectos as culturas das crianças. Além disso, a estética deve ser levada em consideração para a construção do espaço para a educação infantil. Sendo assim, o ambiente deverá ser agradável aos olhos da criança, para isso, consideramos relevante: Espaços harmônicos em cores, formas, objetos; Construir o espaço junto com as crianças e Presença sensibilidade estética (ambiente limpo, cheiroso, arejado, colorido, agradável...) Conforme já vimos, para que o espaço da sala de aula e toda a escola esteja voltado para o desenvolvimento integral da criança, numa perspectiva construtiva de conhecimento, é preciso romper com a perspectiva de controle do ambiente herdada do iluminismo. O ambiente deixa de ser elaborado para o controle do adulto e passa a ter seu enfoque na criança: suas necessidades, desejos e interesses. O espaço escolar como ambiente de controle Fischer (1999, p. 48) afirma que as construções de diferentes instituições como quartéis, hospitais e escolas, inspiravam-se em modelos que evidenciavam a premissa de que o importante era a possibilidade de o vigilante ver a todos e ser visto; porém, provocando a sensação nos observados de estarem sempre vigiados, instalando o controle dentro de cada um. (Horn, 2004, p. 25) Como nós já estudamos em linhas anteriores, não é possível pensar na construção e organização da escola sem refletir sobre as contribuições de Foucault a respeito do controle dos ambientes. Foucault nos faz refletir sobre a estrutura pensada para as instituições. Para ele, escolas, hospitais, prisões, etc. foram construídas seguindo o modelo da panóptico. No final do Séc. XVIII o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham concebeu pela primeira vez a ideia do panóptico. Para isto Bentham estudou “racionalmente”, em suas próprias palavras, o sistema penitenciário. Criou então um projeto de prisão circular, onde um observador central poderia ver todos os locais onde houvesse presos. Eis o Panóptico. Ele também observou que este mesmo projeto de prisão poderia ser utilizado em escolas e no trabalho, como meio de tornar mais eficiente o funcionamento daqueles locais. Foi naquele período da história que, segundo o francês Michel Foucault, iniciou-se um processo de disseminação sistemática de dispositivos disciplinares, a exemplo do panóptico. Um conjunto de dispositivos que permitiria uma vigilância e um controle social cada vez mais eficientes, porém, não necessariamente com os mesmos objetivos “racionais” desejados por Bentham e muitos de seus antecessores e contemporâneos. Dos anos 60, do Séc. XX, quando Foucault escreveu suas primeiras obras, até o início do Séc. XXI, novas tecnologias de comunicação e informação surgiram, permitindo novas formas de vigilância que por vezes se tornam tão dissimuladas que não são facilmente percebidas pelos indivíduos. Tornam-se também naturalizadas, não deixando claros todos os objetivos de quem se utiliza daquelas novas técnicas de vigilância. Nestes novos tempos a vigilância também vem adquirir uma nova característica. A possibilidade de observação de todos sobre todos. Hoje é possível ao patrão ler mensagens de correio eletrônico de seu empregado, mas também existe a possibilidade de colegas lerem mensagens de colegas, maridos de esposas, pais de filhos, a partir de ferramentas gratuitas disponíveis na Internet, por exemplo. Empresas conseguem, a partir de celulares, monitorar o local onde se encontram seus empregados. Governos e crackers podem, com o instrumental adequado, ter as informações bancárias de qualquer cidadão, a partir de banco de dados individuais (como aqueles referentes a antiga CPMF, por exemplo) e câmeras digitais vigiam cada metro quadrado de aeroportos. O panóptico se disseminou. E como afirmou enfaticamente em meados dos anos 90 outro filósofo francês, Gilles Deleuze, isso gerou a criação de uma Sociedade de Controle. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pan%C3%B3ptico) O panóptico é uma estrutura, criada para uma prisão, em que uma única pessoa ao centro é capaz de vigiar e controlar todos os encarcerados. E os encarcerados têm a sensação de estarem serem vistos o tempo todo. Para Foucault o espaço organizado sob o modelo do panóptico assegura o controlecoercivo externo sem o uso de correntes ou grades. Nesse sentido, a escola tradicional tem, na organização do espaço educativo um aliado para controlar e vigiar a ação infantil. Sabendo que a escola é herdeira dessa maneira de conceber o espaço, a formação dos pequenos somente se torna significativa se rompe com essa perspectiva. Para isso, o professor e a escola devem ter em mente que “A criança, na realidade, é uma construção social, ‘um ser que existe’ em plenitude no ‘aqui e agora’, produzindo ‘enredos’ e inserindo-se em ‘cenários’ que, muitas vezes, não são feitos para ela. ” (Horn, 2004, p. 26. Grifos da autora) “Em nome da economia, muitos prédios escolares eram construídos com corredores e passagens com pouca largura, induzindo os alunos a andarem em filas. Ao lado, as janelas pequenas impediam um maior contato com o mundo exterior, cuja existência era justificada sob a égide da segurança. É importante destacar que tais constatações não refletem apenas a realidade do Brasil e não estão distantes de nossa atualidade. Recentemente, a mídia divulgou que, em uma localidade dos Estados Unidos, foram instalados na escola sistemas eletrônicos de controle sobre os espaços. Isso caracteriza a implantação do que podemos chamar de panóptico tecnológico.” (Horn, 2004, p. 26-27) Há de se ter em mente, entretanto, que mesmo quando rompemos com a estrutura tradicional de organização do espaço pensado para o controle; e as salas de aula se tornam um espaço que possibilita à criança a imaginação, interação, convívio, troca, descobertas e autonomia; é preciso que o professor tenha se libertado da perspectiva tradicional de ensino. Caso contrário, mesmo que o espaço físico aponte para mil possibilidades, o professor irá limitá-las com sua postura e prática cotidiana. A maioria das escolas brasileiras ainda oferece um espaço que determina a disciplina, em uma relação de mão única, na qual a criança é mantida em uma imobilidade artificial. Na educação infantil, é comum os arranjos espaciais não permitirem a interação entre as crianças, impossibilitando sua apropriação dos espaços através de objetos, desenhos e nomes.” (Horn, 2004, p. 27) “A dificuldade de alguns educadores em trabalhar ‘com corpos que se movimentam’ é muitas vezes evidente. Por muito tempo, se afirmou a estratégia de se controlar o pensamento das crianças por meio do controle dos movimentos. (...) Sobre essa premissa, Horn afirma que: A dificuldade de alguns educadores em trabalhar ‘com corpos que se movimentam’ é muitas vezes evidente. Por muito tempo, se afirmou a estratégia de se controlar o pensamento das crianças por meio do controle dos movimentos. (...) A maioria das escolas brasileiras ainda oferece um espaço que determina a disciplina, em uma relação de mão única, na qual a criança é mantida em uma imobilidade artificial. Na educação infantil, é comum os arranjos espaciais não permitirem a interação entre as crianças, impossibilitando sua apropriação dos espaços através de objetos, desenhos e nomes. (2004, p. 27) “O espaço é o retrato da relação pedagógica.” (Madalena Freire, apud Horn, 2004, p. 37) Para Horn, é no espaço físico que os pequenos estabelecem as relações entre eles e mundo, entre eles e as pessoas e entre as pessoas e mundo “transformando-o em um plano de fundo no qual se inserem emoções. Essa qualificação do espaço é que o transforma em ambiente. ” (Horn, 2004, p. 28) Forneiro (1998) afirma que um dos critérios que devem ser considerados quando pensamos em espaços desafiadores e provocadores de interações e aprendizagens na educação infantil é a possibilidade dessa organização espacial ser transformada. Para isso, os móveis devem ser flexíveis, os objetos e os materiais devem estar diretamente relacionados às situações imprevisíveis que ocorrem ao longo da jornada de trabalho e que não foram necessariamente planejadas. (Idem) O Espaço formador na educação infantil Privilegia mesas e cadeiras; A movimentação das crianças é tutelada pelo professor; A atividades são, prioritariamente, desenvolvidas nas mesas e cadeiras, utilizando materiais como papel e lápis e Toda ação educativa emana do professor que é o centro da prática pedagógica. Vejamos, pois, as diferenças entre o espaço centrado no adulto e o espaço centrado na criança. Um espaço centrado na figura do professor: A organização do espaço diversificada em diferentes cantos e áreas; Arranjos semiabertos; A movimentação das crianças regida pelo desafio dos materiais e objetos colocados ao seu alcance; Atividades realizadas em espaços diferenciados, permitindo ricas interações sociais e O espaço como parceiro pedagógico do educador, permitindo a construção da autonomia moral e intelectual das crianças. Já um espaço centrado no aluno: Flexibilidade no ambiente físico, ou seja, é importante que o ambiente possa ser modificado e transformado tanto pelo professor quanto pela criança; Conforto e segurança a crianças e adultos, é fundamental que o ambiente não exponha às crianças a nenhum risco e Oportunidade de interação com as diferentes linguagens da criança, o espaço deve possibilitar que a criança se desenvolva em todos os aspectos de sua vida que esse relacione com uma gama de possibilidades (adultos, crianças e objeto). Na busca pela organização da sala de aula como espaço centrado nas crianças, destacamos alguns princípios: Sintetizando o que foi exposto, concluímos que o espaço é algo socialmente construído, refletindo normas sociais e representações culturais que não o tornam neutro e, como consequência, retrata hábitos e rituais que contam experiências vividas. Até então, na história, os espaços foram se construindo como uma das formas de controlar a disciplina, constituindo-se como umas das dimensões materiais do currículo. (Horn, 2004, p. 37) A partir dessas premissas, podemos afirmar que o lugar da sala de aula está organizado com suas paredes, aberturas, com sua iluminação, com seu arejamento. Entretanto, existe um espaço a ser povoado, com cores, com objetos, com distribuição de móveis. Ele deveria ser definido pelo professor e por seus alunos em uma construção solidária fundamentada nas preferências das crianças, nos projetos a serem trabalhados, nas relações interpessoais, entre outros fatores. (Idem) SUGESTÕES DE ESPAÇOS DE SALA DE AULA PARA CRIANÇAS DE ZERO E 2 ANOS DE IDADE. CRIAR ORDEM E FLEXIBILIDADE NO AMBIENTE FÍSICO: Áreas diferenciadas para o cuidado e para as interações; Espaço de chão livre, preferencialmente constituído de colchonete ou tatame de EVA; Mobiliário, equipamento e recursos de fácil mobilidade e Fácil acesso ao ambiente externo (jardim, pátio, parque). Assim, o espaço deve ser pensado a partir de diferentes cantos e recantos, possibilitando que os pequenos explorem diversos espaços que possibilitem: Esconder; Aninhar-se (aconchegar-se); Subir; Descer; Se relacionar com diferentes materiais; Se relacionar com outras crianças; Se relacionar com os adultos; Descansar tranquilamente e E ter experiências diferenciadas. SUGESTÕES DE ESPAÇOS DE SALA DE AULA PARA CRIANÇAS ENTRE 3 E 5 ANOS DE IDADE. CRIAR ORDEM E FLEXIBILIDADE NO AMBIENTE FÍSICO: Áreas diferenciadas para os diferentes momentos da aula; Espaço de chão livre, para contação de histórias e outros momentos de sentar em roda e Mobiliário, equipamento e recursos de fácil mobilidade. Assim, o espaço deve ser pensado a partir de diferentes cantos e recantos, possibilitando o desenvolvimento pleno das crianças e a interação com diferentes possibilidades: Escrever e desenhar; Imaginar e brincar de faz-de-conta; Leitura e contação de histórias; Pintar e fazer atividades artísticas (pintura, teatro, dança, etc.); Interagir uns com os outros e Interagir com o professor em pequenos grupos. O Ambiente Externo A áreaexterna da sala de aula, seja ela o pátio, o jardim, ou o parquinho, apesar de muitas vezes, ser encarado como espaço de desafogo e atividades livres, deve ser visto como parte da ação educativa de cunho intencional com foco no desenvolvimento das crianças pequenas. Nesse sentido, o ambiente externo é um espaço de múltiplas aprendizagens. Ao contrário das práticas que tradicionalmente vemos, onde o horário ao ar livre é também o horário para atividades não dirigidas, temos como perspectiva que os espaços externos têm tanto para contribuir para o desenvolvimento das crianças quanto os espaços internos. O banho de sol faz parte das necessidades básicas para a saúde das crianças sobretudo das crianças menores e como tal deve ser tratado com rigor pelos professores. Além disso, relacionar-se com espaços amplos e abertos auxilia às crianças a desenvolverem sua capacidade de auto regulação e oferece a possibilidade de interação com o meio ambiente. Além do parque, pátio, ou quadra da escola, sugerimos que os pequenos tenham a oportunidade de ocupar outros espaços da escola como os corredores externos, por exemplo. A hora da história é um bom momento para desenvolver uma atividade em um espaço diferente. Ou ainda, brincadeiras de roda, atividades que envolvam movimento, atividades de arte, etc. são atividades que são passíveis de serem realizadas fora da sala de aula. Por último, acreditamos que o parque não deve ser visto apenas como momento de atividades livres. É possível, que o professor escolha um dia ou dois da semana para as atividades no parque sejam dirigidas, proporcionando assim, às crianças, possibilidades diferentes de aprendizado. É comum que crianças pequenas repitam exaustivamente as brincadeiras já experimentadas. Quando o professor intervém trazendo outras possibilidades de brincadeiras amplia seu universo de interações com o ambiente e com os outros. O espaço externo pode ser organizado com uma infinidade de recursos que tornarão o aprendizado das crianças rico e significativo. Dentre os elementos a serem disponibilizados trazemos aqui algumas sugestões: o Cabana; o Casinha; o Caixa de areia; o Canos com água; o Piscina, fonte ou similar; o Troncos grandes; o Túneis ou tubos; o Rodas fixas no chão; o Bancos para crianças e adultos; o Rampas de cimento; o Caixas para os brinquedos do pátio; o Montes de terra, cordas para subir; o Ônibus, carro ou trem de madeira; o Circuitos e jogos pintados no solo; o Zona para animais e o Plantas de jardinagem ou horta. Elementos Fixos: o Rodas de carro; o Caixas plásticas; o Tábuas, o Motocas; o Caixa com rodas; o Potes plásticos; o Materiais da caixa de areis; o Cordas; o Brinquedos de faz de conta (bonecas, carrinhos, telefone, instrumentos musicais, etc.) o Bolas, o Aros, o Regadores, e outros. Elementos Móveis:
Compartilhar