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MÓDULO 1 - direito civil

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DIREITO CIVIL – MÓDULO 1
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
O Direito Civil encontra-se codificado (Código Civil brasileiro vigente - Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) e tem em suas disposições legais o objetivo de regular as relações privadas entre pessoas físicas, pessoas jurídicas e entes despersonalizados. Foi dividido preliminarmente da seguinte maneira:Pessoas: Pessoas físicas e jurídicas.
Bens: Bens classificados, basicamente, entre móveis, imóveis e semoventes.
Entes despersonalizados: Entes como espólio, condomínio, massa falida, nascituro.
Embora tais classificações e relações jurídicas estejam sistematizadas e reguladas no plano infraconstitucional, a leitura dessas proposições legislativas deve ser interpretada a partir do texto da Carta Magna de 1988, em face do princípio da supremacia da Constituição e da interpretação conforme o texto constitucional. Interpretar o Código Civil conforme a Constituição Federal, como nos recomenda o referido princípio, promove não apenas uma importante organização do sistema jurídico em seu aspecto evolutivo, mas também uma notória segurança jurídica a respeito da eficácia e incidência das normas infraconstitucionais (ex. leis federais).
Justapõe-se ao princípio da supremacia da Constituição outro princípio apontado pelos constitucionalistas, especificamente como interpretativo de seu texto, o chamado princípio da força normativa da Constituição.
Eticidade, socialidade e operacionalidade são as novas diretrizes teóricas propostas pelo atual Código Civil brasileiro.
Quanto à eticidade, há uma preocupação evidente do legislador infraconstitucional com a ética como fator regente das relações jurídicas constituídas entre os particulares, justificando os princípios da boa-fé objetiva e subjetiva nas relações contratuais.
A socialidade, por sua vez, rompe com o individualismo exacerbado no Código Civil brasileiro de 1916, propondo uma ressignificação das relações entre particulares. Isso é evidenciado, por exemplo, na função social da propriedade privada, que perde seu caráter absoluto e dá lugar a uma visão menos privatística, pois o proprietário ou possuidor deverá cumprir as diretrizes coletivas para exercer legitimamente o seu direito fundamental à propriedade.
Operacionalidade, terceiro princípio regente, estabelece o desapego à linguagem rebuscada, ou seja, a legislação proposta deve ser em uma linguagem clara, concisa, objetiva e de fácil entendimento para a sociedade civil. Esse cuidado manifesta a preocupação do legislador com a acessibilidade do texto legal, promovendo mais democraticidade no exercício dos direitos civis previstos no plano legislativo.
A despatrimonialização do Direito Civil é fenômeno jurídico contemporâneo que coincide com a sua constitucionalização. Compreender o Direito Civil e interpretá-lo sob a ótica constitucionalizada é um meio de romper com as premissas patrimonialistas da legislação civil brasileira do início do século XX, a qual deixava claro o interesse do legislador em proteger a propriedade privada em detrimento da pessoa humana.
O regime dotal de casamento, por exemplo, evidenciava a intenção patrimonialista da legislação – do artigo 278 ao 288 havia uma autorização ao pai para pagar um dote a quem se casasse com sua filha, manifestando o desprestígio da pessoa humana no contexto da legislação civil e patrimonialista vigente no início daquele século.
O inciso III do Art. 1º da Constituição assegura a institucionalização da dignidade humana como um dos fundamentos da República. A partir de então, o Direito Civil deixou de ser lido e interpretado na perspectiva patrimonialista, pois o eixo central do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro passa a ser a ampla e integral proteção da pessoa humana.
A natureza principiológica da dignidade humana “decorre de seu conteúdo aberto, utilizado como referencial teórico à compreensão sistemática do direito que prioriza a proteção jurídica das pessoas na sua maior amplitude possível, seja no aspecto individual ou coletivo” (COSTA, 2019, p. 216).
O advento dos direitos fundamentais, como tratados no texto constitucional, é o referencial lógico-jurídico de interpretação das normas previstas no Código Civil brasileiro vigente, pois os direitos fundamentais são “concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, consagrado expressamente em nossa Lei Fundamental” (SARLET, 2004, p. 81).
A proposta de constitucionalização do Direito Civil demonstra que seu objeto não pode ficar adstrito às questões patrimoniais. Além de privilegiar a dignidade humana como critério regente das relações privadas, a liberdade e a igualdade também são consideradas referenciais hábeis à interpretação dos direitos civis. Significa dizer, por exemplo, que as pessoas são livres na forma de constituição de família; os filhos são iguais no exercício de direitos; homens e mulheres possuem os mesmos direitos e deveres no âmbito do casamento e da união estável; é juridicamente inadmissível tratamento discriminatório entre cônjuges e companheiros para fins sucessórios; proíbem-se designações discriminatórias no âmbito das relações contratuais, além do direito conferido às pessoas de optarem de modo autônomo se escolherão ou não se submeter a tratamento médico-terapêutico em caso de doenças graves.
Atenção:
A releitura do Direito Civil a partir do texto da Constituição de 1988 advém do Estado Democrático de Direito, com o objetivo central de assegurar a liberdade individual, a igualdade jurídica nas relações privadas, o tratamento digno da pessoa humana e a autonomia nas relações contratuais, cujo eixo central deixa de ser o patrimônio e passa a ser a ampla e integral proteção jurídica da pessoa humana.
Assim, “a dignidade humana corretamente compreendida está relacionada ao autorrespeito, como a ideia segundo a qual toda e qualquer vida é importante e tem o mesmo valor, e à autenticidade, relacionada à ideia segundo a qual cabe a cada ser humano desenvolver livremente seus projetos de felicidade” (OMMATI, 2018, p. 23). O centro gravitacional do direito contemporâneo é a preservação e o exercício dos direitos fundamentais, representando:
“Em geral o estabelecimento de limites negativos e positivos ao processo democrático, uma vez que tais direitos exercem uma função negativa ou restritiva quando proíbem a prática de determinadas condutas ao Estado e a particulares, e exercem uma função positiva ou diretiva quando impõem, principalmente ao Estado, a prática de outras condutas” (MELLO, 2004, p. 143)
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais materializa proposições teóricas para proteger constitucionalmente as relações jurídicas entre particulares. Em outras palavras, “os direitos fundamentais também poderão ser opostos aos próprios particulares, sejam pessoas naturais ou jurídicas, isto é, os direitos fundamentais devem ser aplicados às relações privadas” (QUEIROZ, 2020, p. 45).
A horizontalidade aproxima as garantias constitucionais de seus verdadeiros protegidos, no caso, a população brasileira, posto que de nada adianta a sofisticação de um texto constitucional quando ele se limita a ser um conjunto de folhas de papel. A eficácia deve ser notada nos direcionamentos da República e na solução de casos concretos entre particulares.
APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS RELAÇÕES JURÍDICAS
Como garantir efetivamente a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares? Vamos conhecer a seguir algumas situações fáticas e jurídicas para ilustrar tal indagação:
IGUALDADE JURÍDICA ENTRE FILHOS
O Código Civil brasileiro de 1916, Art. 355 a 366, admitia designações discriminatórias entre filhos. O legislador infraconstitucional à época reconhecia como legítimo apenas o filho concebido na constância do casamento, os demais eram categorizados como adulterinos, espúrios, incestuosos e ilegítimos, além de não serem titulares de iguais direitos em comparação aos legítimos. A ciência do Direito reconhecia e legitimava esse tratamento jurídico desigual,contudo, com o advento da Constituição de 1988, o Código Civil passou a ser interpretado sob a ótica do direito fundamental à igualdade e dignidade humana. A partir de então, não se admitiu mais qualquer tratamento desigual e discriminatório, uma vez que os direitos civis assegurados aos filhos passaram a ser iguais, independentemente da forma de sua concepção.
O direito à herança, ao reconhecimento de paternidade, aos alimentos e à convivência com o pai, com a mãe, avós e tios passaram a ser inerentes à dignidade humana. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) e o atual Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002) ratificaram a igualdade dos filhos estabelecida pelo texto da Constituição.
IGUALDADE JURÍDICA ENTRE CÔNJUGES
O Código Civil brasileiro de 1916, Art. 6º, considerava a mulher casada como sujeito relativamente incapaz, legitimando a sua desigualdade jurídica em relação ao homem. A institucionalização patriarcado, com homem sendo considerado chefe da família, era refletida no Art. 36, parágrafo único, o qual estabelecia o domicílio do marido como também sendo o da mulher casada, robustecendo ainda mais o tratamento desigual. As normas jurídicas que vigoraram no Direito brasileiro legitimavam o desigual tratamento conferido aos cônjuges, e somente após a aprovação do Estatuto da Mulher Casada a esposa deixou a condição de relativamente incapaz rem relação ao marido.
A Constituição brasileira de 1988, Art. 5º, caput, é categórica ao estabelecer, perante a lei, a igualdade de todos e o exercício dos direitos fundamentais previstos no plano constituinte e instituinte. Nesse contexto propositivo, institucionalizou-se a igualdade jurídica entre homens e mulheres no âmbito das relações privadas, sendo proibido qualquer tratamento desigual ou discriminatório.
Ao menos no plano normativo, a Constituição democrática desconstruiu o patriarcado no casamento. As premissas do legislador constituinte de 1988 são confirmadas em legislações infraconstitucionais posteriores, como o atual Código Civil brasileiro, que ratifica, no plano normativo, a igualdade jurídica de ambos os sexos no âmbito do casamento.
PROIBIÇÃO DE RELAÇÕES CONTRATUAIS CUJO OBJETO É O COMÉRCIO DE ÓRGÃOS HUMANOS
A autonomia privada, corolário do direito fundamental à liberdade e autodeterminação da pessoa humana, confere aos contratantes a legitimidade jurídica de escolherem o que contratarão e como será planejado e executado o contrato realizado. Contudo, essa liberdade não é irrestrita, em vista do dirigismo contratual, ou seja, os contratos não poderão ser instituídos de modo a permitir a violação de direitos fundamentais ou da dignidade humana de um dos sujeitos que integram a relação contratual. Isso é refletido no Art. 199, § 4, da Constituição de 1988, que vedou expressamente todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante.
Apesar de ser livre e ter autonomia quanto ao seu próprio corpo, um indivíduo não pode vender, por exemplo, um de seus rins. A limitação jurídica no que tange à realização de contratos se justifica constitucionalmente a partir do princípio da dignidade, que veda expressamente a coisificação e a patrimonialização da pessoa humana no âmbito das relações jurídicas constituídas entre particulares.
Essa conclusão somente é viável mediante a interpretação constitucionalizada, sistemática e integrativa do Direito Civil, cuja finalidade central deverá ser sempre a ampla e integral proteção da pessoa humana.
IGUALDADE JURÍDICA NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
As relações contratuais no âmbito do direito privado são regidas pela liberdade conferida às partes concernente à definição do objeto e da forma como estabelecerão a relação contratual. A legislação civil brasileira vigente estabelece em normas específicas tanto a forma como o objeto a ser contratado. A realização do contrato de casamento, por exemplo, deve ser solene e pública. Isso evidencia o dirigismo contratual.
Os artigos 423 e 424 do atual Código Civil brasileiro são categóricos ao estabelecer que, quando houver contrato de adesão com cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente. O estabelecimento dessa interpretação constitui uma forma adotada pelo legislador infraconstitucional de garantir igualdade dos sujeitos integrantes da referida relação contratual.
Ao aderente, foram impostas todas as cláusulas contratuais como condição à realização do contrato, portanto nada mais justo lhe garantir a interpretação mais favorável e digna.
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA E DOS CONTRATOS
A liberdade de contratar não pode ser exercida ampla e irrestritamente, e sim nos limites da função social do contrato, conforme estabelecido pelo artigo 421 do atual Código Civil.
Embora o contrato seja reflexo do exercício da liberdade conferida às partes de contratar, tais relações jurídicas não podem atentar contra o princípio da dignidade da pessoa humana.
Por exemplo, não é admitido firmar contratos que autorizem exploração da mão de obra escrava, mesmo com consentimento, pois tal modalidade vai de encontro à função social dos contratos e ofende o princípio da dignidade humana. No mesmo sentido, a legislação infraconstitucional e constitucional estabelece a função social da propriedade com um dos parâmetros regentes ao exercício do respectivo direito fundamental.
Assim, evidencia-se que a propriedade privada não possui caráter absoluto, pois seu proprietário ou possuidor tem o deve de cumprir sua função social, dando-lhe utilidade para atender os interesses privado e público.
Exemplo: o Estado institui no âmbito urbano a destinação a ser dada a cada propriedade (imóvel residencial ou comercial), como também proíbe o cultivo de plantas psicotrópicas em propriedades privadas rurais (cultivo de maconha, por exemplo). As limitações legais previstas ao exercício do direito fundamental de propriedade objetivam evidenciar a superação de seu caráter eminentemente individual e absoluto, regulamentando a obrigatoriedade quanto ao cumprimento da função social.
PROTEÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA DA PESSOA CURATELADA
A curatela prevê a possibilidade de nomear um curador para pessoa comprovadamente incapacitada de praticar os atos da vida civil de maneira autônoma. Para isso, é necessária a propositura de ação judicial (do artigo 747 ao 763 do Código de Processo Civil de 2015), quando o magistrado analisará se a pessoa demandada possui ou não autonomia em relação ao exercício dos atos da vida civil. Se ficar comprovada essa incapacidade, será nomeado um curador. Todos possuem capacidade para gerir os atos da sua vida civil, seja no âmbito patrimonial ou no âmbito existencial.
O instituto da curatela, previsto no plano infraconstitucional, deverá ser compreendido e analisado sob a ótica do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
É estabelecido que os limites judiciais para a atuação do curador restringem-se às questões de ordem material, preservando a autonomia do curatelado nas escolhas existenciais, e à gestão das questões materiais (patrimoniais) do curatelado.
LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE TESTAR
O testamento é um instituto jurídico que oportuniza ao testador o direito de planejar a destinação de seus bens após seu falecimento. A liberdade de testar não é irrestrita, pois há previsão legal que delimita o exercício da autonomia e do direito fundamental à liberdade de escolha do testador.
O Art. 1.846 do atual Código Civil brasileiro estabelece que pertence aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou cônjuges), de pleno direito, a metade dos bens da herança. Nesse caso, o testador somente poderá testar 50% do seu patrimônio.
A leitura constitucionalizada desse dispositivo legal leva-nos a concluir que o Estado intervém na autonomia privada e na liberdade das pessoas ao não permitir que seja objeto de testamento 100% de seu patrimônio em caso de existência de herdeiro necessário. Tal leitura sugere que esse dispositivo legal poderia ser considerado inconstitucional,pois atenta contra o direito fundamental de liberdade do testador. O testamento é pouquíssimo utilizado no Brasil, posto que o cidadão brasileiro não possui um bom diálogo com a morte e, por consequência, com os seus efeitos, em especial na organização de sua sucessão patrimonial.
DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE NA FORMA DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIAS
A liberdade é um dos direitos fundamentais mais densos, importantes e necessários à construção da sociedade democrática. Indivíduos livres exercem com legitimidade democrática todos direitos previstos no plano normativo, de maneira igual e digna. No âmbito do direito das famílias, deve-se reconhecer o direito de cada um escolher livremente a forma como constituirá sua entidade familiar, sem intervenção ilegítima e arbitrária do Estado. Em uma sociedade democrática, o papel do Estado é o de legitimar e reconhecer as formas livres e plurais de constituição familiares.
A partir da interpretação sistemática e extensiva do texto da Constituição, o conceito de família, no Estado Democrático de Direito, é aberto, plural, inclusivo e marcado pela diversidade.
Devido a essa liberdade, não se admite a interferência do Estado na vida privada, segregando modelos familiares não encontrados nas diretrizes impostas aprioristicamente por padrões morais e religiosos, caso contrário seria legitimar a ofensa sistematizada do texto constitucional.
Os critérios jurídicos para a definição de família são: reunião de duas ou mais pessoas, vinculadas ou não afetivamente, que possuem o animus de viver em família, não podendo tais sujeitos sofrer qualquer intervenção do Estado quanto às suas escolhas individuais. Nesse contexto, destacam-se as chamadas famílias unipessoais, pois as pessoas que vivem sozinhas devem ser juridicamente consideradas como membro familiar para gozarem, por exemplo, do direito à impenhorabilidade do bem de família.
A amplitude desse conceito é exemplificada nas espécies de família admitidas constitucionalmente no direito brasileiro:
Família matrimonial: Constituída por pessoas casadas. Na atual sistemática jurídica adotada pelo direito brasileiro, poderão contrair matrimônio tanto indivíduos heterossexuais quanto homossexuais.
União estável: Sociedade de fato constituída por duas pessoas (casais heterossexuais e pares homoafetivos) que livremente se apresentam na sociedade como se casados fossem. A produção dos seus efeitos jurídicos se condiciona ao reconhecimento judicial.
Família monoparental: Constituída por qualquer dos genitores (pais) juntamente com seus descendentes (filhos), biológicos ou adotivos (trata-se das entidades familiares constituídas por pais e mães solteiros, respectivamente na companhia de seus filhos);
Família homoafetiva: Constituída por pessoas do mesmo sexo (dois homens ou duas mulheres) via casamento ou união estável.
Família substituta: Constituída pela adoção, guarda ou tutela de menores. Essa modalidade de família independe da existência de vínculos biológicos entre os seus integrantes.
Família anaparental: Constituída por pessoas com vínculos parentais. Não se incluem nessa modalidade os pais (genitores). São exemplos de famílias anaparentais aquelas constituídas por primos, irmão, tios e sobrinhos.
Família mosaico, pluriparental, recomposta ou reconstituída: Entidades familiares constituídas por genitores que possuem a guarda de filhos de relacionamentos anteriores e resolvem constituir uma nova família. São exemplos dessa modalidade de família: a mãe solteira que se casa com um homem divorciado que possui a guarda de sua filha menor. Essa modalidade permite a convivência entre padrastos e madrastas com seus respectivos enteados (considera-se família reconstituída quando apenas um dos genitores possui filho de relacionamento anterior, como é o caso do homem solteiro que se casa com uma mãe solteira, dispensando-se que ambos possuam filhos de relacionamentos anteriores).
Família eudemonista: Etimologicamente, eudemonia significa felicidade. Essa modalidade de família é constituída por duas ou mais pessoas que não possuem vínculo de parentesco (consanguíneo, afetivo ou civil), mas, em razão do estreito laço afetivo existente, reconhecem-se como membros integrantes de uma mesma entidade familiar, possuindo como objetivo comum a felicidade. Esse é o caso, por exemplo, de amigos que resolvem não se casar e nem constituir relações afetivas com parceiros(as) e, por isso, optam por viverem juntos.
Família multiparental: A multiparentalidade é um instituto jurídico que reconhece a possibilidade de uma mesma pessoa possuir mais de um vínculo de filiação com pai ou mãe. É o caso, por exemplo, do filho que possui em seu registro de nascimento o nome do pai biológico e do pai afetivo (padrasto), situação essa já reconhecida pelo Direito brasileiro. Nesse sentido, a família multiparental é constituída por filhos que possuem, simultaneamente, múltiplos vínculos de filiação com mais de um pai ou mais de uma mãe em seu registro de nascimento.
Famílias poliafetivas: Entidades familiares constituídas por mais de duas pessoas (homens, mulheres e pessoas trans) que decidem viver afetivamente como família, haja vista o afeto e o interesse que possuem em conviver umas com as outras. Importante ressaltar que essa modalidade de entidade familiar decorre da interpretação extensiva e sistemática do direito fundamental à liberdade e dignidade humana, não se admitindo que o Estado proíba um novo modo de viver em família, até porque qualquer intervenção estatal nesse sentido pode ser caracterizada como ofensa ao princípio constitucional da não discriminação, expressamente previsto no artigo 3, inciso IV da Constituição brasileira de 1988.
Tal classificação de entidades familiares somente se torna viável com a constitucionalização do Direito Civil, cujas bases estão no direito fundamental à liberdade, inclusive a de escolha da forma e do meio de constituição dos vínculos familiares, priorizando-se a construção digna e igualitária de modos diversos de relacionamentos afetivos protegidos juridicamente.
DIREITO DE GAYS DOARAM SANGUE E A PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO NAS RELAÇÕES PRIVADAS
O Art. 5, caput, da Constituição brasileira de 1988, assegura a todos o exercício dos direitos fundamentais à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. O Art. 199, § 4, prevê o direito de qualquer indivíduo de ser doador de órgãos, sangue ou qualquer parte do corpo humano, sendo proibido qualquer tipo de comercialização.
O Art. 3, inciso IV, prevê como um dos objetivos fundamentais da República Federativa a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nosso ordenamento jurídico-constitucional explicita o direito fundamental à igualdade e o princípio da não discriminação como nortes interpretativos do Código Civil brasileiro, o que justifica a construção de leituras constitucionalizadas dos direitos civis considerados essenciais ao exercício da cidadania.
A doação de sangue é considerada um Direito Civil que deverá ser indistintamente assegurado a todos os brasileiros, independentemente de sua orientação sexual.
Mesmo diante desse contexto propositivo, a Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e a Resolução 34/2014 da ANVISA são claras ao proibirem homens declaradamente gays de doarem sangue.
O estudo crítico dessa Portaria constitui um meio de demonstrar que a legislação brasileira vigente é responsável por reproduzir o discurso de ódio, segregação e tratamento desigual conferido aos homossexuais, naturalizando o preconceito mediante a estigmatização de pessoas em razão de sua orientação sexual. O Art. 64, inciso IV, da Portaria 158 evidencia a institucionalização da homofobia quando considera o homem gay como integrante do grupo de risco para fins de doação de sangue. O Art. 129 estabelece que “o serviço de hemoterapia realizará testes para infecções transmissíveis pelo sangue, a fim de reduzir riscos de transmissão de doenças e em prol da qualidade do sangue doado”.
Se a finalidadedos bancos de doação de sangue é auferir previamente a qualidade do sangue doado, mediante exames específicos, por que ainda há a estigmatização do homem gay doador? Certamente, pelo fato de o próprio Estado reconhecê-lo como parte de um grupo de risco.
Simbolicamente, isso se relaciona com a premissa de que tais sujeitos seriam promíscuos e mais aptos às doenças sexualmente transmissíveis somente devido à sua condição e orientação sexual.
O Art. 2, § 3, da Portaria 158, define que o objetivo dos serviços de hemoterapia é promover a melhoria da atenção e acolhimento dos candidatos à doação de sangue, mediante triagem clínica com vistas à segurança do receptor, “porém com isenção de manifestações de juízo de valor, preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, hábitos de vida, atividade profissional, condição socioeconômica, cor ou etnia, dentre outras, sem prejuízo à segurança do receptor” (BRASIL, 2016). A incongruência da portaria revela a institucionalização legal de práticas homofóbicas ao pôr o homem gay no grupo de risco dos doadores de sangue, pois, “se por um lado a portaria garante um acolhimento isento de discriminação em razão da orientação sexual dos doadores, por outro exclui deliberadamente homens gays que tenham uma vida minimamente ativa, mesmo que em relações estáveis e com uso de preservativos” (CARDINALI, 2016, p. 116).
Em 09 de maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as normas que proíbem gays de doarem sangue.
A proibição estatal, além de inconstitucional por violar o direito à igualdade, os princípios da dignidade humana e não discriminação, constituía ofensa direta aos direitos da personalidade, expressamente previstos no Código Civil brasileiro vigente.
A sistematização legal dos direitos da personalidade objetiva a proteção jurídica do patrimônio existencial da pessoa humana. A doação de sangue e a liberdade sexual são dois exemplos de direitos da personalidade que objetivam proteger a pessoa humana quanto ao exercício legítimo da autonomia privada de querer ou não ser doador de sangue. Quando o Estado proíbe pessoas de serem doadoras em razão de sua orientação sexual, interfere na esfera da autodeterminação do sujeito, além de robustecer a institucionalização do preconceito e da discriminação sexual.

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