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GUIA DE ESTUDO UNIDADE II Hermenêutica Jurídica 1 DISCIPLINA: HERMENÊUTICA JURÍDICA UNIDADE 2 A problemática da interpretação ante o conceito de norma jurídica Para início de conversa Olá caro(a) aluno(a), fico feliz em mais uma vez receber você para darmos inicio ao seu segundo guia de estudos de “Hermenêutica Jurídica”. Na unidade passada, realizamos uma análise sobre conceitos fundamentais para esta disciplina – os conceitos de “hermenêutica”, “interpretação” e “direito”. Para tanto, fizemos uma reflexão sobre a linguagem e sobre a própria atividade de conceituar, e observamos algumas críticas à tradição do es- sencialismo – postura filosófica segundo a qual as palavras designam “essências” e espelham a realidade (a estrutura ontológica do mundo). Neste segundo guia, lançaremos o nosso foco de investigação sobre um dos temas basilares da Teoria do Direito e da Hermenêutica Jurídica: o conceito de norma jurídica. Com efeito, você deve ter em vista que o conceito de norma jurídica representa um tema recorrente na história das ideias jurídicas, mas não há consenso entre os juristas em relação a esse conceito. Se você seguir uma orientação pragmática em relação à linguagem, e observar o “uso” dado à expressão “norma jurídica”, prova- velmente perceberá uma pluralidade de sentidos. A percepção pragmática da linguagem pode demonstrar que os signos linguísticos (como a expressão “norma jurídica” ou qualquer outra), de um modo geral, não têm sig- nificados definitivos, e são marcados, ordinariamente, pela vagueza e ambiguidade. Não é possível conhecer, de modo definitivo, todos os casos de aplicação de uma palavra, e as palavras e conjuntos de palavras podem apresentar ao intérprete diversas possibilidades de interpretação. Orientações da Disciplina Entretanto, reconhecendo os diferentes sentidos que são dados ao termo “norma jurídica”, examinaremos, inicial- mente, algumas características que são, no âmbito da Teoria do Direito, usualmente atribuídas à norma jurídica: a bilateralidade, a coercibilidade e a exterioridade. Posteriormente, refletiremos sobre as seguintes questões: a interpretação jurídica é uma atividade produtiva de normas jurídicas? Existe uma diferença entre produzir e aplicar normas jurídicas? Para tratar de tais questões, serão consideradas orientações teóricas (a Escola da Exegese e o Realismo Jurídico Norte-Americano) que oferecem abordagens distintas a esse respeito, e buscaremos observar a problemática da interpretação ante o cenário recente da teoria do direito. Você está mais uma vez disposto a me acompanhar? Então vamos em frente. Só gostaria de lembra que caso surja alguma dúvida, entre em contato com seu tutor para que ele também possa realizar um bom trabalho com você. 2 CARACTERÍSTICA DA NORMA JURÍDICA E DISTINÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL Conforme observou Herbert Hart (um dos mais importantes juristas do século XX), uma das questões mais per- sistentes na busca de conceituar o direito é a seguinte: “o que é uma norma jurídica”? Contudo, as respostas a esse respeito são muito variadas, e as diferentes definições de “norma jurídica” implicam, por vezes, um dissenso em relação ao conceito de direito. No entanto, ante um amplo cenário teórico marcado pela ausência de acordo quanto ao conceito de norma jurídica, não pretendemos analisar as múltiplas visões que existem a respeito desse conceito, nem apresentaremos uma “única” definição correta de norma jurídica (pois o juízo de que uma definição é “correta” representa algo relativo, dependente do contexto social em que o termo é usado). Bus- caremos investigar algumas características que, na história das ideias jurídicas, tiveram destaque no conjunto das tentativas de conceituar a norma jurídica: a bilateralidade, a coercibilidade e a exterioridade. Leitura complementar: Contudo, antes de desenvolver tal investigação, gostaria que você fizesse uma leitura obrigatória acerca dessas características: REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva 2011. Capítulos XLII (Exterioridade, Coerc- ibilidade e Heteronomia – da página 653 até a 663), XLIII (Análise do Problema da Exterioridade do Direito da página 664 até a 671) e XLIV (Coercitividade e Coercibilidade da página 672 até a 684); No livro texto da disciplina, o seguinte tópico: “Teoria da Norma Jurídica e Ordenamento Jurídico” (da página 8 até a 17). A BILATERALIDADE DA NORMA JURÍDICA Caro(a) aluno(a), podemos fazer o seguinte questionamento: as normas jurídicas regulam qual tipo de conduta? Buscando responder essa questão, você pode perceber que as normas jurídicas tratam da conduta humana. Contudo, para apresentar uma resposta mais precisa mediante tal questionamento, podemos fazer outras perguntas: 1. O direito trata apenas da conduta humana? 2. O direito regula qual tipo de conduta humana? Em relação à primeira pergunta, podemos argumentar que, no cenário atual da Teoria do Direito, prevalece o entendimento de que o direito regula apenas a conduta (ação ou omissão) humana. Todavia, em diferentes contextos sociais, já foi firmado o entendimento de que o direito não regula apenas a conduta humana, e incide sobre o comportamento de outros seres como outros animais e seres inanimados. Nesse sentido, por exemplo, Hans Kelsen (um dos mais importantes juristas do século passado) indicou, na sua “Teoria Pura do Direito”, que, em Atenas, na antiguidade, era possível mover um processo contra uma pedra 3 ou uma lança que, presumivelmente, tivessem sido usadas como instrumentos para a prática de um homicídio. O mesmo autor também cita que, na Idade Média, existiram tribunais na Europa perante os quais era possível mover processos contra animais que não pertencem à espécie humana contra um touro que tivesse provocado a morte de um ser humano, por exemplo. Fica a Dica! Esses exemplos mencionados por Kelsen – os quais podem figurar como absurdos diante de determinados con- textos culturais – são analisados por ele como expressões de uma mentalidade “animista” segundo a qual os seres não humanos são providos de consciência e, portanto, devem ser regulados pelo direito. Você sabia? Você sabia que no cenário recente das ideias jurídicas, há uma série de debates que dão espaço ao entendi- mento de que seres não humanos devem ser protegidos pelo direito não apenas como “objetos” de interesse humano? Pois é, nesse sentido, há a defesa de que seres não humanos tenham a possibilidade de figurar como titulares de direitos, mas não como titulares de deveres (pois isso exigiria um grau de consciência que os seres não humanos presumivelmente não apresentam). Assim, a Constituição do Equador dispõe que a natureza (Madre Tierra, Pacha Mama) é sujeito de direitos, e que os seus direitos devem ser protegidos pela sociedade. Contudo, você deve ter em vista que o entendimento que prevalece ante o ordenamento jurídico brasileiro é ainda ligado a uma visão antropocêntrica segundo a qual apenas os seres humanos têm personalidade jurídica (possibilida- de de adquirir direitos e contrair deveres). Por outro lado, podemos examinar a segunda pergunta sugerida: o direito regula qual tipo de conduta humana? Nesse ponto, é firmado o entendimento de que as normas jurídicas regulam a conduta humana interpessoal. O direito é uma forma de controle social, e regula a conduta humana na medida em que ela é projetada no plano da intersubjetividade, na esfera de interesses de outros seres humanos. Desse modo, sob o entendimento de que as normas jurídicas regulam relações entre pessoas, a bilateralidade é apresentada como uma característica das normas jurídicas. O termo “bilateralidade” decorre da percepção de que as condutas juridicamente relevantes envolvem uma relação entre duas ou mais pessoas. Nesse sentido, podemos argumentar que as normas jurídicas tratam da conduta humana na medida em que se referem ao “outro” e a “alteridade” (termo usado como sinôni- mo de bilateralidade) também é apresentadacomo uma característica do direito. É cabível dizer, entretanto, que a bilateralidade não é uma característica exclusiva do direito. Diversos fenômenos normativos, como a moral e as regras de jogos, por exemplo, apresentam também a bilateralidade. ??? 4 NORMA JURÍDICA E COERCIBILIDADE Como outra característica dos enunciados normativos jurídicos, há a coercibilidade. Para examinar essa carac- terística, podemos refletir sobre o conceito de sanção. Com efeito, “qualquer garantia para que haja o cumpri- mento de um enunciado normativo” pode ser vista como sanção. As sanções podem se expressar sob a forma de vantagens ou de desvantagens, sob a forma de consequências positivas ou negativas. Assim, as sanções premiais representam convites para que haja cumprimento da norma, e pode ser oferecido, por exemplo, um desconto para aqueles que pagam regularmente um determinado tributo. Por outro lado, as sanções punitivas buscam garantir a conformidade aos preceitos normativos por meio da possível imposição de conse- quências negativas em caso de descumprimento do enunciado normativo. Entretanto, você deve perceber que não apenas a ordem jurídica apresenta sanções. Praticando É questionável se existe algum sistema de controle social que não apresente sanções. Entre outras expressões da ética, podemos observar na moral a existência de sanções que visam a garantir o cumprimento dos preceitos normativos. Considere, por exemplo, o enunciado normativo moral que dispõe que “as pessoas não devem men- tir”. Se você mentir, e, portanto, descumprir tal determinação moral, é possível que você sofra consequências negativas que podem advir da mentira como o desprezo dos seus colegas ou da sua família. Nesse caso, o desprezo dirigido ao mentiroso serviria como uma sanção para o enunciado normativo moral. Porém, a coercibilidade – a possibilidade de imposição da força, da violência física (ou seja, imposição de uma sanção punitiva) para que haja o cumprimento de um enunciado normativo – é uma característica típica do direito, e representa um elemento que serve para distinguir o direito das outras ordens sociais. Portanto, você deve considerar que as diversas expressões da ética (como o direito, a moral e a etiqueta) apresentam sanções, mas a coercibilidade é uma nota distintiva do direito. Guarde essa ideia! Deve-se ressaltar, todavia, que a característica marcante do direito não é a efetiva imposição da força, da coa- ção, mas sim a “possibilidade” de coação. Com efeito, o cumprimento das disposições normativas jurídicas é, ordinariamente, garantido pela “possível” coação, mas nem sempre a coação é “concretizada”. Nesse sentido, se o preceito normativo é respeitado, não deve haver coação. Assim, por exemplo, o Código Penal brasileiro es- tabelece que o homicídio é um crime que deve ser punido com uma pena privativa de liberdade. Porém, se você não praticar tal delito, não deverá ser imposta sobre você uma sanção punitiva que visa a garantir a proteção à vida. Portanto, você deve ter em vista que o direito é marcado pela coercibilidade (a qualidade do que “pode trazer coação”), e não pela coercitividade (qualidade do que “efetivamente traz a coação no momento atual”). 5 Ademais, você também deve ter em mente que nem todo enunciado normativo jurídico é coercível. Assim, por exemplo, não haverá punição para os deputados estaduais que desrespeitarem a Constituição Federal ao aprovarem uma lei que trata de uma matéria de competência exclusiva do legislador federal. Nesse caso, não são coercíveis os enunciados normativos da Constituição Federal que regulam as competências legislativas. Todavia, a lei estadual será inválida, inconstitucional. Ufa! Muita informação concorda? Mas como lhe disse no início desse guia de estudo, nós temos um propósito muito importante, o de crescimento acadêmico. Vamos continuar? NORMA JURÍDICA, EXTERIORIDADE E INTERIORIDADE Além da bilateralidade e da coercibilidade, a exterioridade é apontada como uma característica das normas jurídicas. Christian Thomasius, na passagem entre século XVII e o século XVIII, foi o primeiro a desenvolver uma análise sistemática acerca das diferenças entre o direito e a moral, e considerou que o direito e a moral regulam diferentes esferas da conduta humana. Segundo esse autor, caberia ao direito regular a conduta externa, enquanto a moral regularia a conduta interior. Leitura complementar: Caro aluno, caso você se interesse saer mais a respeito de Thomasius, recomendo a leitura do texto que pode ser encontrado no seguinte endereço : http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8422 Desse modo, as normas jurídicas teriam uma incidência restrita ao âmbito da “exterioridade”. Todavia, você deve perceber que é problemática a afirmação de que apenas a conduta externa é relevante para o direito. Do ponto de vista jurídico, é importante saber, por exemplo, se um crime foi consumado sob a intenção deliberada de praticar o delito, ou se a prática do crime foi culposa, e ocorreu como um resultado de uma falta de cuidado. Há, nesse caso, relevância jurídica da conduta interna, e a fixação da pena não poderá desconsi- derar a dimensão interior da ação ou da omissão. Todavia, a conduta interna só pode ser juridicamente relevante na medida em que ela for projetada na conduta externa. É juridicamente irrelevante a conduta que é plenamente re- presada na dimensão da consciência, e não apresenta qualquer projeção na conduta (ação ou omissão) exterior. Praticando Podemos citar por exemplo, que é irrelevante para o direito se um indivíduo deseja matar outro indivíduo, mas não projeta esse desejo na sua conduta exterior. Para que tal desejo assuma uma relevância jurídica, é necessária a sua projeção exterior (sob a forma de ameaça, homicídio ou tentativa de homicídio, por exemplo). http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8422 6 Por outro lado, também é problemática a afirmação de que a moral cuida apenas da conduta interna do ser humano. Observe, por exemplo, os seguintes enunciados normativos morais: a) As pessoas não devem mentir; b) As pessoas devem ser honestas; c) As pessoas devem ser corajosas. Palavras do Professor Ao considerar tais enunciados, você poderá perceber que tais prescrições não são restritas à regulação da conduta interna, e incidem também sobre a conduta externa. Para que você não minta, seja honesto e corajoso, deverá assumir determinados comportamentos exteriores que são condizentes com esses imperativos morais. Por- tanto, podemos concluir que a conduta externa e a conduta interna são relevantes tanto para a moral quanto para o direito. A Interpretação Jurídica e a (In)Distinção entre as atividades de produzir e aplicar o Direito Após tratar das noções de bilateralidade, coercibilidade e exterioridade, podemos fazer os seguintes questionamen- tos: a) A interpretação jurídica é uma atividade produtiva de normas jurídicas? b) Existe uma diferença entre produzir e aplicar normas jurídicas? Palavras do Professor Efetivamente, você pode encontrar diferentes respostas que foram dadas a essas perguntas no decurso da história das ideias jurídicas. Passaremos, então, a examinar algumas posturas teóricas que apresentam abordagens diferentes em relação a esses questionamentos. Todavia, antes de realizar tal exame, indicamos algumas lei- turas obrigatórias que tratam da problemática que será abordada: 1. ADEODATO, João Maurício. A Retórica Constitucional. São Paulo: Saraiva 2009 (Capítulo sétimo: Adeus à separação dos poderes? – da página 155 até a 166). 2. No livro texto da disciplina, o seguinte tópico: “Métodos de interpretação jurídica e escolas hermenêuticas” (da página 88 até a 96). 7 Liberalismo Clássico, separação dos poderes e Escola da Exegese O liberalismo surgiu como um conjunto de ideias que atendiam a anseios políticos e sociais da burguesia eu-ropéia, se desdobrando, entre outras características, como proposta de afirmação de liberdade individual diante do Estado e de enquadramento da atividade estatal em normas jurídicas. Na maioria dos países da Europa continen- tal, o liberalismo passou a ter grande expressão no século XIX, o que já ocorria na Inglaterra desde o século XVII. Em tal horizonte histórico do século XIX, no qual foi marcante a influência da experiência revolucionária francesa e floresceu o liberalismo e a sua forma de Estado (o Estado liberal), teve grande prestígio a doutrina da separação dos poderes. Você sabia? Você sabia que na obra de Montesquieu (um dos mais importantes pensadores do liberalismo po- lítico), essa doutrina ganhou os seus contornos mais célebres, e foi estabelecida sobre a compreensão de que existência da liberdade só é possível quando não houver reunião dos poderes do Estado (legislativo, executivo e judiciário) em uma mesma pessoa ou mesmo órgão? Ufa, muita informação. Mas desse modo, tenha em vista que o princípio da separação dos poderes foi erguido, em seus moldes clássi- cos, sobre a ideia da separação entre a criação e a aplicação do direito. A atividade de criar o direito foi enten- dida como algo pertinente à competência do Poder Legislativo, cabendo ao Judiciário e ao Executivo as outras funções do poder político, que deveriam ser exercidas nos limites da lei. Desse modo, você deve perceber que a distinção entre as atividades de produzir e aplicar o direito representa uma ideia que foi posta a serviço do valor da segurança jurídica, do ideal da previsibilidade da atuação estatal. Entretanto, o positivismo jurídico surgiu, na passagem dos séculos XVIII e XIX, diante do contexto histórico de ascensão do liberalismo na Europa, e acolheu o ideal liberal de previsibilidade da ação estatal. Você deve considerar que a fase inicial do juspositivismo foi marcada pela ideia da separação dos poderes traçada sobre uma perspectiva legalista, segundo a qual o legislador tem o monopólio da criação do direito. Neste sentido, a Escola da Exegese (que abriu caminhos do positivismo jurídico nascente e dominou o pensamento jurídico francês no século XIX) teve como traço fundamental a ideia de que o direito positivo se identifica por completo com a lei, e dispôs que o Judiciário tem apenas o papel de descobrir, elucidar o sentido exato e verdadeiro da lei havendo, sob tal entendimento, uma rígida separação entre as atividades de produzir (vista como exclusiva do legis- lador) e de aplicar o direito. Com efeito, a Escola da Exegese sustentou a ideia da completude do ordenamento jurídico sob o entendimento de que as leis oferecem respostas para todos os problemas que forem apresentados aos aplicadores do direito. Perceba que a jurisdição, sob tal compreensão, é concebida como uma atividade que não deve envolver as escolhas do julgador, mas apenas as escolhas do legislador. Caberia ao juiz, desse modo, conhecer e aplicar as escolhas éticas que o legislador firmou na lei. Assim, a aplicação do direto é considerada como uma atividade estritamente lógica que é realizada sob a forma de subsunção dos fatos às normas (como silogismo judicial). Sob tal visão, não cabe qualquer produção normativa na interpretação, que é vista como uma atividade restrita à apreensão do sentido da norma prévia. ??? 8 Realismo Jurídico Norte-Americano e Protagonismo do Judiciário Depois de considerar a Escola da Exegese, faremos algumas considerações sobre o Realismo Jurídico Nor- te-Americano – uma corrente teórica que desenvolveu perspectivas muito diferentes das que foram sustentadas no âmbito do legalismo exegético. Efetivamente, tal corrente do pensamento jurídico ofereceu, sobretudo nas décadas de 20 e 30 do século passado, um conjunto de concepções sobre o direito e sobre a prática judicial que romperam com o entendimento de que os aplicadores do direito apenas realizam uma operação lógica de subsunção dos fatos às normas previamente estabelecidas. Caro(a) aluno(a), você deve levar em consideração, todavia, que o Realismo Jurídico Norte-Americano foi consti- tuído como um movimento heterogêneo, e envolveu um conjunto de juristas que apresentaram diferentes orienta- ções teóricas. Todavia, entre os teóricos desse movimento (como Karl Llewellyn e Jerome Frank), foi marcante a postura de tratar a atividade dos tribunais como o elemento central do pensamento jurídico, e, em virtude da influência exercida pelo pensamento de Oliver Wendell Holmes Jr. (que foi um dos principais inspiradores do Realismo Jurídico Norte-Americano, e um dos mais importantes juristas dos Estados Unidos), ganhou destaque a concepção de que, para entender o direito, tudo o que importava era o que as cortes faziam e a possibilidade de predizer o que iriam fazer. Fique atento! Com efeito, é importante que você saiba que, no âmbito do Realismo Jurídico Norte-Americano, foi realçado o entendimento de que os critérios determinantes nos julgamentos não são, ordinariamente, os textos normati- vos, mas outros elementos como os valores pessoais do juiz ou a necessidade de satisfação de um determinado interesse social. Neste sentido, ganhou espaço a compreensão de que as decisões judiciais muitas vezes são tomadas antes que sejam consideradas as premissas normativas jurídicas que são aplicáveis ao caso concreto. Dessa maneira, há uma descrença a respeito da adequação da mentalidade silogística para descrever todo o funcionamento da jurisdição. A aplicação do direito não é vista como algo que se limita a uma mera operação lógica que parte do conhecimento de normas prévias aplicáveis ao caso. Caro estudante, perceba que, sob tal perspectiva firmada no âmbito do Realismo Jurídico Norte-Americano, os juízes não são reduzidos ao papel secundário de reproduzir o direito pré-existente, mas são observados como protagonistas na dinâmica da produção do direito. Por outro lado, você deve ter em mente que o Realismo Ju- rídico Norte-Americano não teve como eixo a problemática da interpretação, mas deu ênfase ao questionamento sobre o real papel dos textos normativos nas decisões judiciais. Portanto, é relevante que você considere como o papel do intérprete aplicador do direito é visto de maneiras diferentes na Escola da Exegese e no Realismo Jurídico Norte-Americano. Perante a Escola da Exegese, confor- me analisamos, não cabe ao aplicador do direito fazer escolhas éticas e produzir normas jurídicas. A jurisdição, assim, é vista como uma atividade de conhecimento do direito prévio (a lei). Por outro lado, o Realismo Jurídico Norte-Americano enfatiza a importância do papel dos juízes ao realçar o entendimento de que o direito é cons- truído no âmbito do Judiciário (compreensão esta que não oferece suporte a uma rígida visão da separação dos poderes). 9 Leitura complementar: Se você quiser saber mais sobre o Realismo Jurídico Norte-Americano, recomendo a leitura complementar do texto que pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.conjur.com.br/2012-jul-15/embargos-culturais-realismo-juridico-norte-americano-intrigante A guinada interpretativa no cenário recente da Teoria Jurídica: a consciência da composição interpretativa do Direito Palavras do Professor Você pode se questionar, entretanto, como a questão da interpretação é vista no horizonte recen- te das ideias jurí- dicas. Em relação a essa indagação, podemos responder que a problemática da interpretação é vista de muitas maneiras distintas, e não há uma visão uniforme que seja compartilhada por todas as tendências teóricas que compõem o panorama atual da Hermenêutica Jurídica. Porém, você deve ter em vista que a concepção de que o direito é constituído por processos interpretativos pode funcionar como um ponto de articulação entre abordagens heterogêneas que constituem o cenário recente da Teoria do Direito e da Hermenêutica Jurídica. Com efeito, abordagens como a de Hart e a de Kelsen abriram caminhos para além da separação entrea criação e a aplicação do direito. Kelsen compreendeu que as palavras e as sequências de palavras têm uma pluralidade de significações, e que o julgador se encontra diante de várias significações possíveis em relação à “norma”. Os textos normativos, assim, são percebidos como “molduras” que comportam várias possibilidades inter- pretativas. Dessa maneira, entre as várias significações possíveis (as que podem ser inscritas na moldura interpretativa), não há uma que possa ser identificada como a única correta. No entanto, tenha em vista que, para Kelsen, é juridicamente correta qualquer interpretação cabível nos limites do enunciado normativo, e cabe ao intérprete aplicador do direito escolher algum caminho interpretativo entre outros possíveis. Por sua vez, Hart compreendeu que a linguagem dotada de autoridade em que a regra é expressa pode guiar apenas de modo incerto, e que o aplicador do direito realiza, ordinariamente, escolhas interpretativas ante um conjunto de diversas interpretações possíveis. Leitura complementar: Se você desejar conhecer mais as perspectivas de Hart e de Kelsen a respeito da interpretação jurídica recomen- damos a leitura complementar dos textos que podem ser encontrados nos seguintes materiais: http://www.conjur.com.br/2012-jul-15/embargos-culturais-realismo-juridico-norte-americano-intrigante 10 1 - Hermenêutica Jurídica e a questão da textura aberta: http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67814/70422 2 - Hermenêutica Jurídica em Kelsen Apontamentos Críticos: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176576/000860624 Fica a Dica! Entretanto, é importante que você saiba que, no cenário recente da Teoria do Direito e da Filosofia do Direito, a insistência nos problemas da interpretação e a ênfase na indeterminação do direito provocaram uma “guinada interpretativa”. Desse modo, nessas duas esferas do pensamento jurídico, o centro de análise do direito passou a ser a decisão e a aplicação. Entre os fatores que contribuíram para que as questões sobre a interpretação ocupassem um lugar central na Teoria do Direito e na Filosofia do Direito, podemos destacar a guinada linguística (linguistic turn) da Filosofia no século XX – que tornou a linguagem o eixo dos problemas filosóficos, os quais passaram a ser realçados como problemas em torno da linguagem ou, ao menos, como problemas dependentes de questões relativas à lingua- gem. Esse “giro linguístico” da Filosofia repercutiu no âmbito das ideias jurídicas recentes, no qual as reflexões acerca da linguagem e da interpretação manifestam significativa influência de filósofos como Gadamer e Witt- genstein (autores que foram mencionados no primeiro guia de estudo). Ademais, ao lado da guinada linguística da Filosofia, também podemos destacar a constitucionalização do di- reito – ocorrida na Europa continental e na América Latina na segunda metade do século XX – entre os fatores que contribuíram para o surgimento da crise de indeterminação dos textos normativos. Com tal processo, a constituição passou a ter uma força normativa com contornos firmes, deixando de ser um mero programa para o Estado, e os princípios gerais do direito (então relegados ao papel secundário de algo que não se sobrepõe à lei, mas que é depreendido da lei para preencher as obscuridades e omissões do direito) foram convertidos em princípios constitucionais, assumindo a superioridade e hegemonia na pirâmide normativa. No entanto, você deve ter em mente que o Poder Judiciário passou a desempenhar o Protagonismo no controle de constitucionalidade, e esse papel foi disposto em um plano constitucional em que textos com amplo grau de abertura (os princípios) passaram a ter uma importância central, o que acentuou a visibilidade da incerteza dos textos normativos e da atividade construtiva de significados que exerce o julgador. Leitura complementar: Que tal você fazer uma leitura complementar? Caso você quiser saber mais a respeito da constitucionalização do direito, recomendamos como leitura complementar o texto que pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67814/70422 11 Você deve perceber, nesse sentido, que a interpretação é hoje realçada como uma atividade que se desdobra sobre o que é incerto, tendo a função de apresentar um entendimento sobre o que pode ser visto de diversas maneiras, sem que a variedade de perspectivas represente falhas dos intérpretes. Nesse sentido, por exemplo, Friedrich Müller (jurista alemão que integra a chamada Jurisprudência Hermenêutica corrente teórica sobre a qual você já leu no guia de estudos anterior) fez uma separação entre “texto” e “norma”. Esse autor entendeu que os textos normativos são “significantes” e as normas são “significados” que surgem apenas como resultado da interpretação. Dessa maneira, os textos legais são considerados somente como “pré-formas legislatórias” da norma jurídica, que está por ser produzida no decurso temporal da decisão. Leitura complementar: Caso você se interesse em saber mais a respeito do pensamento de Friedrich Müller, indicamos a leitura complementar do texto que pode ser encontrado no seguinte link: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-teoria-estruturante-de-friedrich-muller,50638.html. Com esses argumentos, concluímos este guia de estudos. Recomendamos, novamente, que você faça todas as atividades que forem propostas no ambiente virtual de apren- dizagem. Nos encontraremos em breve ! Guarde essa ideia! No livro texto da disciplina, os seguintes tópicos: “teoria da norma Jurídica e Ordenamento Jurídico” (da página 8 até a 17) e “Métodos de interpretação jurídica e escolas hermenêuticas” (da página 88 até a 96). 12 Referências Bibliográficas: ADEODATO, João Maurício. A Retórica Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009 (Capítulo sétimo: Adeus à separação dos poderes? – da página 155 até a 166). REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. Capítulos XLII (Exterioridade, Coercibilidade e Heteronomia – da página 653 até a 663), XLIII (Análise do Problema da Exterioridade do Direito – da página 664 até a 671) e XLIV (Coercitividade e Coercibilidade – da página 672 até a 684) A nova Constituição equatoriana. Newsletter – em foco (Supremo Tribunal Federal). Disponível: http://www2. stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalFoco&idConteu- do=195972 ANDRADE, José Maria Arruda de. Hermenêutica jurídica e a questão da textura aberta. Revista da Fa- culdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/ files/67814-89245-1-pb.pdf BARROSO, Luís Roberto. neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Disponível: http://www. luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_ direito_pt.pdf CADEMARTORI, Sérgio Urquhart; GOMES, Nestor Castilho. A teoria da interpretação jurídica de Hans Kelsen: uma crítica a partir da obra de Friedrich Müller. Revista Sequência. Disponível: https://periodicos.ufsc.br/ index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2008v29n57p959
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