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FUNDAMENTOS DE FARMACOTÉCNICA Keline Lang Incompatibilidades farmacotécnicas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar incompatibilidades farmacotécnicas. Selecionar a base mais apropriada em função dos ativos utilizados. Reconhecer problemas gerados por incompatibilidades causadas por ativos e excipientes. Introdução Neste capítulo, você vai compreender a importância de reconhecer antecipadamente as incompatibilidades farmacotécnicas a fim de evitá- -las e, assim, manter as propriedades físico-químicas e terapêuticas dos fármacos e preparações farmacotécnicas. Conseguirá, ainda, identificar os adjuvantes farmacêuticos mais adequados em função dos fármacos utilizados, além de reconhecer os problemas causados pelas incompa- tibilidades entre fármacos diferentes na mesma formulação e/ou entre fármacos e excipientes farmacêuticos. O que são incompatibilidades farmacotécnicas? A incompatibilidade é o resultado de uma interação física, química e/ou físico- -química entre dois ou mais componentes de uma preparação farmacêutica que pode prejudicar a ação farmacológica do fármaco, prejudicar o usuário devido ao surgimento de produtos tóxicos de reação, modifi car o conteúdo fi nal do fármaco no medicamento (e, por consequência, a sua dose), além de alterar o aspecto da formulação. Essas incompatibilidades podem ocorrer entre as substâncias ativas, entre os adjuvantes farmacêuticos (excipiente), entre as substâncias ativas e os excipientes, bem como entre o fármaco, o excipiente farmacêutico e o material de embalagem ou impurezas presentes na formulação (FERREIRA; BRANDÃO, 2011). Para desenvolver uma formulação, é necessário conhecer as características físicas, químicas, físico-químicas e biológicas de todas as substâncias ativas e adjuvantes a serem usadas na preparação. Para isso, o fármaco e os excipientes devem ser compatíveis uns com os outros para produzir um medicamento estável, eficaz, fácil de administrar e seguro. Além disso, esse medicamento deve ser acondicionado em recipientes que mantenham suas características iniciais (ALLEN JÚNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). As incompatibilidades farmacotécnicas podem ser químicas, físicas e/ou físico-químicas. Incompatibilidades físicas Conforme Ferreira e Brandão (2011), as incompatibilidades físicas de prepara- ções farmacêuticas podem ocasionar problemas na dispersão de componentes da formulação, o que poderia resultar em um paladar desagradável e acarretar erros de dose durante a administração (devido a não uniformidade de dose na formulação), além de modifi car as características biofarmacêuticas. Elas podem ser classifi cadas em: mistura heterogênea; precipitação do fármaco; separação de líquidos imiscíveis; liquefação de ingrediente sólido; características organolépticas desagradáveis. A seguir, veremos cada uma dessas incompatibilidades. Mistura heterogênea Ao combinar duas ou mais substâncias que resultariam em uma mistura ho- mogênea, essas substâncias passam a resultar em uma mistura heterogênea, devido à imiscibilidade (entre componentes líquidos) ou à insolubilidade (entre um componente sólido e um meio líquido). Por exemplo, silicone é imiscível em água e gomas são insolúveis em álcool. Incompatibilidades farmacotécnicas2 Entenda os conceitos de solubilidade, miscibilidade e dissolução. Solubilidade: máxima quantidade de soluto que pode ser dissolvida em certa quantidade de solvente à determinada temperatura (CHANG; GOLDSBY, 2013). As soluções são formadas por dois componentes: o soluto, que é a substância dissolvida, e o solvente, que é a substância que dissolve o soluto (ROSENBERG; EPSTEIN; KRIEGER, 2013). Dissolução: ato de misturar um soluto em um solvente. Miscibilidade: quando dois líquidos são completamente solúveis um no outro, em todas as proporções (CHANG; GOLDSBY, 2013). Precipitação do fármaco A precipitação do fármaco pode ocorrer devido a incompatibilidades físicas e físico-químicas. Geralmente, uma precipitação ocorre quando, em uma solução (mistura homogênea de duas ou mais substâncias), uma substância precipita devido à adição de outro solvente no qual ela é insolúvel. Porém, também pode ocorrer a precipitação do fármaco se uma solução supersaturada estiver em condições de estresse externo como agitação, calor ou trepidação dos frascos onde a solução está contida. Por exemplo, resinas que estão em solução alcoólica precipitam quando se adiciona água. Separação de líquidos imiscíveis É o caso dos líquidos que possuem pouca afi nidade em relação a ligações moleculares, porém, mantêm-se miscíveis até a adição de algum componente com maior afi nidade por parte de algum dos líquidos. Essa separação ocorre, por exemplo, com óleos dissolvidos em álcool quando se adiciona água, ou seja, há uma desestabilização da formulação com a adição de água, uma vez que a parte apolar do etanol liga-se ao óleo, que é apolar, porém, o etanol é infi nitamente solúvel em água e, por isso, com a adição da água, ocorre a separação de fases. 3Incompatibilidades farmacotécnicas Liquefação de ingredientes sólidos Ocorre quando misturas sólidas se liquefazem, ou seja, passam do estado sólido para o líquido. Isso acontece devido à formação de misturas eutéticas ou à liberação de água de hidratação. A mistura eutética resulta da mistura de componentes sólidos, conferindo a essa mistura um ponto de fusão inferior ao de qualquer outro componente isolado, ou seja, é uma mistura de sólidos que se liquefaz ou se torna pastosa em temperatura ambiente. Em inúmeras situações, esse tipo de evento físico pode objetivar uma posterior incorporação de dois componentes (antes sólidos) em forma líquida, como em uma formulação semissólida, por exemplo, na incorporação de mentol e cânfora em gel de carbopol® (ácido poliacrílico). Isso também ocorre em formulações sólidas do tipo misturas de pós ou comprimidos, com substâncias que absorvem a umidade do ar e se liquefazem parcial ou totalmente, as chamadas substâncias deliquescentes (FERREIRA, 2005). Como exemplo, estão os sais de amônio, brometo de cálcio, cloreto de cálcio, entre outros. Características organolépticas desagradáveis As características organolépticas analisadas em uma preparação farmacêutica são: aspecto, cor, odor e sabor. O aspecto é alterado, principalmente, quando ocorrem as reações citadas, que geram mistura heterogênea, precipitação do fármaco (quando visível), separação de líquidos imiscíveis e liquefação de ingredientes sólidos. Em caso de alteração de cor, pode-se citar a reação de Maillard, que ocorre entre a amina primária e o açúcar redutor, gerando um produto amarelo-amar- ronzado. A glicerina pode escurecer na presença de luz quando em contato com óxido de zinco ou nitrato básico de bismuto. Sabor e odor desagradáveis podem ocorrer em diversas reações químicas, como oxidação, fotólise e hi- drólise. A alteração das características organolépticas pode dificultar a adesão do paciente ao tratamento, por isso, devem ser controladas. Incompatibilidades farmacotécnicas4 O que são incompatibilidades químicas? Para Ferreira e Brandão (2011), pode-se caracterizar incompatibilidades quí- micas como uma transformação parcial ou total das substâncias presentes na formulação, gerando compostos secundários com novas propriedades químicas e, consequentemente, biofarmacêuticas. Para as definições de farmacocinética e farmacodinâmica, acesse o link a seguir (FARMACOCINÉTICA..., 2015). https://goo.gl/9VEVK5 Veja a seguir os tipos de incompatibilidades químicas. Formação de compostos muito pouco solúveis Há três situações em que pode ocorrer a precipitação. São elas: A adição de sais de reação ácida ou básica (sais provenientes de reações químicas) em soluções contendo substâncias ácidas ou básicas fracas, pouco solúveis, resulta na precipitação dessas substâncias pelo fato de ocorreralteração do pH da solução. Com isso, conhecer os pHs com- patíveis com os componentes da formulação é essencial para garantir a compatibilidade da preparação farmacêutica. A adição de um mesmo íon já presente na formulação. Isso ocorre em soluções saturadas ou quase saturadas, diminuindo a solubilidade do sal. Por exemplo: ocorre a precipitação em soluções que contenham substâncias em forma de cloridratos e que são isotonizadas (equilíbrio molecular) com cloreto de sódio. Na reação iônica entre os componentes de uma formulação que resulta na formação de um sal insolúvel ou pouco solúvel que, devido à diminuição da solubilidade do produto, provoca a precipitação ou turbidez. Por exemplo: o laurel sulfato de sódio, como outros tensoativos aniônicos, é 5Incompatibilidades farmacotécnicas incompatível e forma precipitado insolúvel com substâncias catiônicas, como cloridrato de procaína, cloridrato de tetracaína, e com íons como cálcio, bário e metais pesados. Reações de oxidação A reação de oxidação ocorre quando um átomo ou molécula perde elétrons que são aceitos por outros átomos ou moléculas. O processo de degradação de fármacos devido à oxidação ocorre pela presença da molécula de oxigênio que, estando na forma diradical (•O - O•), ou seja, com elétrons livres, pode iniciar reações em cadeia e resultar na quebra de moléculas do fármaco. Essas reações ocorrem, principalmente, pela ação de catalisadores como íons metais pesados, peróxidos, luz e calor. O pH alcalino aumenta os íons hidroxila, o que favorece a oxidação. Existem diversos fármacos susceptíveis à oxidação, como morfina, fenilefrina, óleos, gorduras, vitaminas, corticosteroides, entre outros. Veja a reação de oxidação do paracetamol. CH3 CH3 C N O O H2O2 NH OH paracetamol N-acetil-p-benzoquinonaimina Peroxidase C O Reação de redução Ao contrário da oxidação, na redução, o átomo ou molécula ganha elétrons. Essa reação causa menos incompatibilidades em relação à oxidação, mas cabe citar que os medicamentos que contêm fenóis (tensoativos, emulsifi cantes, antioxidantes, entre outros), ácido ascórbico e alguns outros são sensíveis à redução. Incompatibilidades farmacotécnicas6 Veja um exemplo da reação de redução de nitrazepam (benzodiazepínico). O2N Nitrazepam H2N H N H N O N O N Fotólise ou fotodegradação Fotólise é o processo de degradação de moléculas orgânicas por meio da radiação luminosa. Esse processo abrange, em geral, os radicais livres, que dão início ao rompimento das ligações químicas de uma molécula com a formação de íons. A luz é um catalizador de reações de degradação, principalmente, de reações de oxidação, pois, devido ao fato de a captação de luz provocar a ativação das moléculas, há emissão da frequência recebida, o que pode gerar a fluorescência, ou fosforescência, ou ainda, pode provocar a decomposição da molécula (fotólise). A intensidade da luz, seu comprimento de onda, além do tempo de exposição determinarão como será a reação. O peróxido de hidrogênio, conhecido como água oxigenada, também está sujeito à fotólise. Veja a equação química: H2O2 (aq) H2O2 (I) + 1/2 + O2 (g)-------> Luz Por causa de sua sensibilidade à luz, o peróxido de hidrogênio deve ser embalado em frascos de vidro escuro (âmbar) ou de plástico opaco. Caso contrário, será decomposto pela radiação e liberará oxigênio. 7Incompatibilidades farmacotécnicas Muitos fármacos são fotossensíveis como, por exemplo, a nifedipina (va- sodilatador), a vitamina A, o ácido fólico (vitamina B9), a prednisolona (anti- -inflamatório esteroidal), entre outros. Hidrólise A reação de hidrólise ocorre quando uma molécula reage com moléculas de água, gerando álcool e ácido carboxílico. Ésteres, amidas substituídas, lactonas e anéis lactâmicos são susceptíveis à hidrólise e, como estão presentes em grande parte dos fármacos, trata-se de uma reação de decomposição bastante frequente. A velocidade da reação de hidrólise é afetada não só pela presença de água, mas também do pH do meio em que o fármaco se encontra (no caso de estar diferente do pH ideal para todos os insumos utilizados), ácidos e bases (como tampões), concentração do fármaco, temperatura (o aumento de temperatura acelera a reação), além da presença de catalisadores que aceleram a reação. Veja três reações diferentes de hidrólise, com alguns exemplos de fármacos correspondentes. 1. Hidrólise de Éster O O O O O O N H OH OH OH OH HO H2N R1 R1 R1 R1 R2R2 R1 R2R2 R1 R2R2 Procaína Aspirina Succinilcolina Procainamida Lidocaína Indometacina Carbamazepina (metabólito epóxido) 2. Hidrólise de Amida 3. Hidrólise de Epóxida Complexação A complexação ocorre quando moléculas de um fármaco interagem com excipientes ou outros componentes da formulação, formando complexos com propriedades físico-químicas diferentes do composto de origem. Incompatibilidades farmacotécnicas8 O exemplo mais comum é o da tetraciclina, que reage com íons multiva- lentes presentes em matérias-primas farmacêuticas como magnésio, cálcio, ferro e alumínio e, com isso, torna-se inativa. Outro exemplo é a povidona, que pode formar complexos com outros excipientes como corantes aniônicos ou catiônicos, ou com alguns fármacos como cloridrato de clorpromazina e cloranfenicol. Veja a reação de complexação da tetraciclina, considerando que essa reação ocorre na presença de diversos cátions metálicos. H H H H NHO OH H H H NHO OH NH2 OH H H OH O O O CH3 OH OH tetracidina M = cátions metálicos di ou trivalentes (Fe+2, Ca+2, Mg+2, Al+3) O O O O -H* H HO OOOOOH OH H M OH CH3 NH2 H H N CH3 NH2 H O Reações de esterificação e substituição As reações de esterifi cação e substituição também podem levar à perda da atividade de um fármaco. São reações que ocorrem mais lentamente e que são detectáveis apenas de forma analítica. Como exemplo, na solução de cloridrato de procaína contendo glucose, ha- verá a produção de glicosídeo de procaína, que não possui atividade anestésica. 9Incompatibilidades farmacotécnicas A reação de esterificação ocorre entre um ácido carboxílico e álcool, produzindo éster e água. Veja a reação. ácido carboxilico O R1 R2–OH H2OR1 O O R2O H álcool éster O fármaco cloridrato de procaína é um éster, e a glucose possui hidroxilas (-OH), ocorrendo a reação contrária, uma vez que a reação de esterificação é reversível. Outras interações químicas Pode ocorrer a liberação de dióxido de carbono (CO2) em uma reação de bicarbonato ou carbonato com ácido ou substância fortemente ácida, podendo ocasionar explosão. Reações entre grupos aldeídicos da glicose ou outros açúcares redutores com aminas primárias (aminoácidos, anfetaminas) formam produtos amarronzados, caracterizando a chamada reação de Maillard. Existem diversas interações químicas que podem alterar as moléculas e, consequentemente, a ação far- macológica, a biodisponibilidade do fármaco, a toxicidade, a estabilidade de componentes na formulação, a alteração nas propriedades químicas e físicas do produto e, por consequência, a qualidade dos medicamentos finais. Com isso, é necessário o estudo e avaliação prévia (em nível de pré-formulação farmacêutica) dos componentes da preparação farmacêutica. Melhor base conforme os ativos utilizados Para desenvolver uma formulação farmacêutica, é necessário, inicialmente, investigar a estrutura química do fármaco e suas propriedades químicas, físicas e físico-químicas e, assim, antecipar as possíveis incompatibilidades entre os componentes, tanto entre fármacos presentes como entre excipientes farmacêuticos (ALLEN JÚNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Incompatibilidades farmacotécnicas10 Como saber quais são os excipientes e bases farmacêuticas (veículos de natureza líquida ou semissólida destinados à incorporação de substâncias ativas) mais apropriados, considerando o fármaco que deverá utilizar? Você só saberá isso se estudar também os excipientes eas bases que podem ser formuladas para incorporar os fármacos. Então, vamos ver as bases para emulsões! As emulsões são dispersões compostas por gotículas de um líquido, distribuídas em um veículo no qual é imiscível. Para que essa emulsão seja estável, é necessária a adição de um emulsificante, o chamado tensoativo. Esse tensoativo pode ser aniônico, catiônico, não iônico e anfótero, que possuem grupos hidrófilos (afinidade pela água), lipofílicos (afinidade pelo óleo) e anfóteros (pode se comportar como ácido ou como base). A parte lipofílica, geralmente, é a que determina a atividade do agente tensoativo. O tensoativo aniônico tem carga negativa na parte lipofílica, o tensoativo catiônico tem carga positiva e o não iônico não possui carga (ALLEN JÚNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Os tensoativos são moléculas anfifílicas (região hidrofílica e outra hidrofóbica) que reduzem a tensão interfacial entre líquidos imiscíveis, geralmente, oleosos e aquosos, e diminuem a energia necessária para manter disperso um líquido no outro, possibilitando a emulsificação e estabilização da formulação (GENNARO, 2004). Para mais informações, acesse o link a seguir (FARMACOTÉCNICA..., 2015). https://goo.gl/mRQixj Os tensoativos mais utilizados são os aniônicos e os não iônicos. Entre as incompatibilidades físico-químicas possíveis estão as emulsões aniônicas quando em contato com ácidos e cátions polivalentes, que tornam-se mais efe- tivos quando usados em conjunto com um tensoativo não iônico (GENNARO, 2004). São representadas pelos sabões (também denominados tensoativos e/ ou surfactantes) monovalentes, polivalentes e orgânicos, assim como o oleato de trietanolamina e os sulfonatos, além do laurilsulfato de sódio (ALLEN JÚNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Trata-se de uma emulsão de baixo custo utilizada em formulações de aplicação externa devido à sua toxicidade e à alta incidência de reações alérgicas (irritações cutâneas) (GENNARO, 2004). Os tensoativos não iônicos não têm muitos problemas de compatibilidade com outros materiais e insumos, possuem baixa toxicidade e são menos 11Incompatibilidades farmacotécnicas sensíveis a mudança e adição de eletrólitos (são mais estáveis e eficazes em todos os valores de pH) (JATO, 2001). São compatíveis quimicamente com tensoativos aniônicos, têm baixo custo, além de inocuidade dermatológica e, geralmente, possuem propriedades hidrofílicas. Como emulsionantes não iônicos, temos os ésteres de glicol e de glicerol, ésteres de sorbitano, polissorbatos, ésteres de álcoois graxos, ésteres de ácidos graxos e poliglicóis (GENNARO, 2004). Para que a emulsão se mantenha estável, é importante que as características físico-químicas do fármaco adicionado (como suas propriedades iônicas, por exemplo) sejam compatíveis com as dos tensoativos empregados na fabricação da emulsão. Também é necessária a compatibilidade entre o tensoativo e a solução em que está inserido, considerando que a parte hidrofílica do tensoativo deve ser suficientemente polar para solubilizar a parte apolar da solução. De maneira semelhante, a mesma molécula tensoativa, quando solubilizada em uma fase orgânica (como um óleo), tem a parte hidrofóbica (ou lipofílica) responsável pela sua solubilidade. Assim, a parte lipofílica do tensoativo deve ser suficientemente grande para manter solúvel a solução em óleo. Com isso, pode-se dizer que um tensoativo, por apresentar características hidrofílica e lipofílica na mesma molécula, nunca apresenta total estabilidade em sua dissolução, seja em meio polar (água) ou apolar (óleo). É essa instabilidade que proporciona aos tensoativos características diferenciadas dos outros compostos (DALTIN, 2011). Uma emulsão base aniônica comercialmente conhecida é a cera Lanette N®, constituída por álcool cetoestearílico, cetil estearil sulfato de sódio e laurel sulfato de sódio, e a emulsão base não iônica mais conhecida é a Polawax®, que contém álcool cetoestearílico e monoestearato de sorbitano polioxietileno 20 O.E.. São ceras autoemulsionantes utilizadas para a fabricação das bases em farmácias de manipulação. O Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2012) descreve algumas bases galênicas para o preparo de formulações como xampus, condicionadores, cremes, pomadas, géis, loções e cremes. Além da técnica de preparação, traz informações sobre os materiais mais adequados para o seu armazenamento (material de acomodamento e embalagem), assim como as propriedades e a aplicação de cada base. Veja alguns exemplos. Creme aniônico I: emulsão aniônica óleo em água (O/A), que apresenta baixa irritabilidade e oleosidade, compatível com fármacos como hidroquinona, di-hidroxiacetona e resorcina. Creme não iônico II: emulsão não iônica O/A, compatível com diversos fármacos, em que a viscosidade é uma propriedade a ser mantida no Incompatibilidades farmacotécnicas12 produto final. Indicado para preparações com cetoconazol e neomicina, entre outros fármacos, além de ser compatível com ampla gama de fármacos de uso ginecológico. Emulsão de silicone: emulsão água em silicone, com sensorial não oleoso. Compatível com ampla gama de fármacos, com baixa irritabilidade em peles sensíveis. Gel de carbômer: gel aquoso não iônico, estável em pH 5,5 - 7,3. Assim, essa é uma base que deve ser utilizada para fármacos estáveis dentro dessa faixa de pH. Para a maioria dos produtos farmacêuticos tópicos, a base de escolha é uma emulsão não iônica, principalmente, para a incorporação de fármacos com características ácidas e com cátions polivalentes. Já hidroquinona, di- hidroxiacetona, resorcina, ureia e outros, devem ser incorporados em bases aniônicas. Representação de emulsões O/A e A/O A representação a seguir demonstra que, em uma emulsão O/A, os grupos hidrofílicos ficam na parte externa da molécula, e os grupos lipofílicos, na parte interna. Em uma emulsão A/O, os grupos lipofílicos ficam na parte externa da molécula, e os hidrofílicos, na parte interna. Figura 1. A figura da esquerda representa a emulsão óleo/água (O/A), e a figura da direita, a emulsão água/óleo (A/O). Fonte: Adaptada de magnetix/Shutterstock.com. O/A A/O 13Incompatibilidades farmacotécnicas No caso das suspensões, que são dispersões de partículas sólidas insolúveis em um veículo líquido, o fármaco presente deve apresentar uma solubilidade mínima nesse veículo. Geralmente, é essa a forma farmacêutica escolhida, em que a administração deve ser feita por via oral e em forma líquida. Além disso, quando o fármaco não é estável em veículo aquoso, muitas vezes, é mantido em forma de pó, e apenas reconstituído no momento da administração (ALLEN JÚNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). As bases para supositórios (administração retal), óvulos (administração vaginal) e velas (administração uretral) têm papel importante na liberação de fármacos, assim como as bases de emulsões e pomadas. Essas preparações farmacêuticas precisam se manter sólidas à temperatura ambiente. Em alguns casos, podem fundir-se à temperatura corporal fazendo com que o fármaco fique disponível logo após a administração. Existem também bases para óvulos e supositórios que possuem o princípio de liberação do fármaco por dissolução da base nos fluidos das cavidades biológicas citadas, por exemplo, PEG 4000 (dissolve em contato com o fluido anal, por ser hidrofílica). Os principais adjuvantes utilizados como base para supositórios, óvulos e velas são a gelatina glicerinada ou os polietilenoglicois, que dissolvem-se lentamente nos líquidos corporais. Pode-se utilizar a manteiga de cacau como base apenas para fármacos hidrossolúveis, uma vez que não é uma boa base para incorporar substâncias oleosas ou fármacos lipofílicos, já que os óleos não são miscíveis nos líquidos corporais e, mesmo que a manteiga de cacau se funda, os óleos permanecerão na base (ALLEN JÚNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Problemas e incompatibilidades causados por ativos e excipientesO fármaco incorporado em uma base inadequada ou com adjuvantes farmacotécnicos incompatíveis pode ter a sua estabilidade química, física e/ ou físico-química reduzida (FERREIRA; BRANDÃO, 2011). Segundo Katdare e Chaubal (2006), há seis principais tipos de interações químicas entre os fármacos e os excipientes: 1. Insumos farmacêuticos ativos com a função química amina primária (antidepressivos) podem reagir com açúcares redutores (por exemplo: lactose, glucose, maltose, galactose e fructose), chamada de reação de Maillard, em que a hidroxila glicosídica do açúcar redutor interage com Incompatibilidades farmacotécnicas14 o grupo amina primária e forma uma imina, que é degradada na forma de compostos de Amadori (por exemplo: cetosamina), que tem uma coloração característica amarelo-amarronzada. A reação de Maillard pode ser acelerada pela presença de umidade e calor, além de catalizada na presença de íons de magnésio. 2. Insumos farmacêuticos ativos com a função química de aminas secundárias (antidepressivos) também podem interagir com açúcares redutores, no entanto, não ocorre a reação de Maillard, porém há redução da atividade do fármaco. Esse é o caso da reação de fluoxetina com lactose (material de enchimento e carga, diluente). 3. Insumos farmacêuticos ativos com função química de ésteres (anti- inflamatórios), assim como outros grupos funcionais, podem ser susceptíveis à hidrólise, tanto em pH alto como baixo, ou na presença de metais alcalinos ou sais alcalino-ferrosos. Essa hidrólise pode ser catalisada na presença de íon sódio e magnésio. 4. Insumos farmacêuticos ativos com a função química amina primária (antidepressivos) podem reagir com excipientes farmacêuticos que possuem insaturações em suas estruturas moleculares, por exemplo, o monooleato de sorbitano. 5. Insumos farmacêuticos ativos que possuam átomo ativo (ionizado) de hidrogênio ao se aproximarem de heteroátomos (átomos diferentes de carbono e hidrogênio) formam lactonas. Como exemplo, tem-se o benazepril (inibidor da enzima conversora da angiotensina). 6. Insumo ativo susceptível à oxidação (antidepressivos tricíclicos, corticosteroides, neurotransmissores, entre outros), na presença de dióxido de silício pode favorecer esta reação. Por exemplo, o fármaco atorvastatina na presença de Aerosil®. As vitaminas ficam susceptíveis à oxidação em preparações farmacêuticas, principalmente, em soluções e suspensões. Essa degradação é acelerada na presença de oxigênio, luz, temperatura, água e metais catalizadores, como ferro e cobre. As vitaminas podem interagir quimicamente entre si, porém, são produzidos polivitamínicos que possuem efeitos farmacológicos sinérgicos (simultâneos), além de suprirem a necessidade fisiológica de determinadas vitaminas que não são supridas devido a dietas deficitárias ou enfermidades específicas. Com isso, ao desenvolver uma formulação, deve-se levar em consideração as características físico-químicas das vitaminas como o pH de maior estabilidade, a termolabilidade (sensibilidade à temperatura) e as 15Incompatibilidades farmacotécnicas interações entre as vitaminas e entre as vitaminas e os excipientes e veículo. Para maior compreensão, observe o Quadro 1. Outra alternativa é reduzir ao máximo a quantidade de água, substituindo-a por glicerina ou propilenoglicol, após estudos de biodisponibilidade, para evitar que a mudança na formulação modifique também as propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas do fármaco, ou que apresente mudanças físicas e físico-químicas nas formulações, como alterações de viscosidade e de pH. É importante também escolher os sistemas conservante, antioxidante e sequestrante adequados, que sejam compatíveis com a vitamina da formulação. O antioxidante deve possuir maior potencial REDOX em relação à vitamina, para protegê-la. As embalagens devem ser em vidro âmbar, que reduz a passagem da luz, com capacidade volumétrica muito próxima a do volume formulado, para que o espaço vazio entre o produto e a tampa (head space) seja o menor possível. Se necessário, reduz-se o oxigênio de dentro da embalagem com gás inerte (N2) (FERREIRA; BRANDÃO, 2011). Incompatibilidades farmacotécnicas16 V it am in as Fa ix a d e p H d e m ai o r es ta b ili d ad e Te rm o la b ili d ad e Se n si b ili d ad e ao O 2 e à lu z In co m p at ib ili d ad es Vi ta m in a A .... ... Se ns ív el a te m p er at ur as m ai or es q ue 4 0º C e ao c on ge la m en to . M ui to o xi dá ve l ( o re tin ol é m en os e st áv el q ue os é st er es ). In at iv ad a p el os ra io s U V. M et ai s tr aç os (f er ro , c ob re ). PV C . Vi ta m in a D 2 Er go ca lc ife ro l .... ... Se ns ív el a te m p er at ur as m ai or es q ue 1 00 ºC . O xi dá ve l. M et ai s tr aç os . Vi ta m in a D 3 Co le ca lc ife ro l .... ... Se ns ív el a o ca lo r a te m p er at ur as ac im a de 4 0° C . Se ns ív el a o ox ig ên io , à lu z e à um id ad e. M et ai s tr aç os . Vi ta m in a E M ei o ác id o Se ns ív el a te m p er at ur as el ev ad as . O xi dá ve l ( so br et ud o em m ei o bá si co ). Se ns ív el ao s ra io s U V. O s és te re s sã o m ui to e st áv ei s. .... ... Vi ta m in a K1 Fi to na di on a (n at ur al ) M ei o ác id o Es tá ve l a o ca lo r. Se ns ív el a o ox ig ên io e à lu z. Á lc al is , s ai s al ca lin os e ca rb on at os a lc al in os . S ub st ân ci as re du to ra s em g er al . Vi ta m in a K3 M en ad io na (s in té tic a) M ei o ác id o Es tá ve l a o ca lo r. Se ns ív el a o ox ig ên io e à lu z. Á lc al is , s ai s al ca lin os . Su bs tâ nc ia s re du to ra s. Q u ad ro 1 . E st ab ili da de e in co m pa tib ili da de s de v ita m in as (C on tin ua ) 17Incompatibilidades farmacotécnicas V it am in as Fa ix a d e p H d e m ai o r es ta b ili d ad e Te rm o la b ili d ad e Se n si b ili d ad e ao O 2 e à lu z In co m p at ib ili d ad es Vi ta m in a C (á ci do as có rb ic o) 3, 5 – 4, 5 Te rm ol áb il. M ui to o xi dá ve l ( tr ab al ha r em a tm os fe ra in er te ) e se ns ív el à lu z. Fe rr o, c ob re (c at al is am o á ci do as có rb ic o pr om ov en do s ua o xi da çã o) . Vi ta m in a B1 2 (o á ci do a sc ór bi co de gr ad a a vi ta m in a B1 2 p or re du çã o) . A çú ca r, la ct os e e ou tr as s ub st ân ci as or gâ ni ca s (re du çã o le nt a) . S ai s m et ál ic os e m g er al (s ai s de fe rr o e co br e) . Á lc al is e s ai s al ca lin os . Bi ot in a Es tá ve l e m m ei o ác id o e ne ut ro .... ... Po uc o ox id áv el . Á lc al is e s ai s al ca lin os . I ns tá ve l em m ei o al ca lin o. Vi ta m in a B1 Ti am in a (c lo rid ra to ) Es tá ve l e m p H m ai s ác id o Te rm ol áb il. Se ns ív el à lu z. Á lc al is , s ai s e al ca lin os . M ei o bá si co . S ai s de io do . S ai s de fe rr o, c ob re e o ut ro s m et ai s. Vi ta m in a B2 Ri b of la vi na pH e nt re 4 ,0 – 5 ,0 Po uc o te rm ol áb il. M ui to s en sí ve l à lu z, so br et ud o em m ei o bá si co . P ou co o xi dá ve l. Á lc al is e s ai s al ca lin os . M et ai s p es ad os e s eu s sa is . S ub st ân ci as re du to ra s (re du çã o le nt a da vi ta m in a) . V ita m in a C . Q u ad ro 1 . E st ab ili da de e in co m pa tib ili da de s de v itam in as (C on tin ua çã o) (C on tin ua ) Incompatibilidades farmacotécnicas18 Fo nt e: A da pt ad o de F er re ira e B ra nd ão (2 01 1) . V it am in as Fa ix a d e p H d e m ai o r es ta b ili d ad e Te rm o la b ili d ad e Se n si b ili d ad e ao O 2 e à lu z In co m p at ib ili d ad es Vi ta m in a B3 N ia ci na M ui to e st áv el .... ... .... ... Á lc al is e c ar b on at os a lc al in os . Vi ta m in a B5 6, 0 – 7,0 Em s ol uç ão a lc al in a é de st ru íd o a 10 0° C . .... ... In st áv el e m p H á ci do (< 5, 0) e c om p H b ás ic o. Vi ta m in a B6 C lo rid ra to d e pi rid ox in a M ui to e st áv el .... ... Se ns ív el à lu z (o p iri do xa l é m ai s es tá ve l d o qu e ou tr as fo rm as ). D ec om p os iç ão c at al is ad a p or m et ai s. Vi ta m in a B1 2 C ia no co ba la m in a 4, 5 – 5, 0 Te rm oe st áv el q ua nd o nã o as so ci ad a (1 20 °C – 1h ). Q ua nd o as so ci ad a à vi ta m in a B1 , n es sa fa ix a de te m p er at ur a, a p er da d e at iv id ad e p od e ch eg ar a 6 0% . Se ns ív el à lu z em so lu çõ es d ilu íd as . G om a ar áb ic a (e m s ol uç ão aq uo sa ). Á ci do a sc ór bi co (f or te re du çã o, a nu la nd o a aç ão d os d oi s co m p on en te s) . S ai s fe rr os os . S ai s de m et ai s p es ad os . G lic os e. A ro m as al de íd ic os . V an ili na . V ita m in a B1 (n a te m p er at ur a de a ut oc la va çã o) . Á ci do fó lic o 5, 0 – 9, 8 Te rm ol áb il (p rin ci pa lm en te em m ei o ác id o) . Se ns ív el à lu z. Su bs tâ nc ia s re du to ra s. Ri b of la vi na , tia m in a (q ua nd o o ác id o fó lic o es tiv er s ol ub ili za do ). Q u ad ro 1 . E st ab ili da de e in co m pa tib ili da de s de v ita m in as (C on tin ua çã o) 19Incompatibilidades farmacotécnicas ALLEN JÚNIOR, L. V.; POPOVICH, N. G.; ANSEL, H. C. Formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos. 9. ed. 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