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08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 1/10 Aula 02 Normas Sociais Caro(a) estudante, é hora de estudar as normas sociais. Iremos de�ni-las, entender sua construção e a relação dessas normas com a cultura. Atenção e boa aula! O que são as normas sociais? O que elas signi�cam? A literatura está cada vez mais próxima de um consenso de que a norma se refere a aspectos descritivos (i.e. o que é feito, o comportamento mais popular) e a aspectos injuntivos (i.e. o que todos deveriam fazer). Essa distinção, feita a mais de 50 anos, vem sendo amplamente utilizada por diversos pesquisadores (AJZEN, 2005). Um aspecto importante dessa discussão é se normas são capazes de predizer comportamento, ou pelo menos intenção em se comportar. Este ponto parece estar relacionado à fatores culturais e do comportamento em si. Parece haver uma espécie de troca entre normas sociais e atitudes na explicação do comportamento humano (RODRIGUES, 1982), sendo que a relação entre esses dois conceitos é vital para a compreensão da nossa realidade. A literatura tem buscado cada vez mais descobrir que tipo de comportamento é mais in�uenciado por atitudes ou normas sociais. De�nição de Normas 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 2/10 As normas sociais têm sido bem sucedidas em programas como para a redução da quantidade de lixo jogado no chão em lugares públicos (e.g. CIALDINI, 2003), prevenção e diminuição da ocorrência de alcoolismo em colégios e universidades (BORSARI; CAREY, 2003), redução da quantidade de fumo consumido (BERKOWITZ, 2004), preferência por diferentes marcas de cerveja (YANG; ALLENBY; FENNEL, 2002), para citar apenas alguns. Nesses estudos, as normas e os modelos utilizados variam, não sendo sempre semelhantes. Aliás, é importante notar que (de modo similar ao que acontece com o conceito de cultura) diferentes autores enfatizam diferentes aspectos da norma nas suas de�nições e modelos utilizados. O que se tem de concordância é que as normas sempre signi�cam uma obrigação coletiva ou algum tipo de dever. Elas são crenças compartilhadas de como o indivíduo necessita agir com relação aos outros. Essa pode ser a maior diferença entre normas e valores, que estudamos anteriormente: Valores não se referem apenas a comportamento, mas também a uma grande gama de outros objetos (tais como opiniões e objetivos) e não indicam o que é obrigatório, mas sim o que é desejável. Normas seriam regras estabelecidas pelos grupos pra regularizar o comportamento de seus membros. São padrões de condutas, aplicáveis aos membros do grupo. Desse modo, as normas provêm meios para a conexão entre indivíduos. Elas prescrevem como determinadas pessoas de um certo grupo se comportam para receberem aprovação dos seus colegas, ou para evitar punições sociais. Além do mais, normas são parte do sistema de crenças de qualquer grupo. Uma norma é apenas uma norma de verdade quando é compartilhada por duas ou mais pessoas que concordam que existe uma maneira certa de agir e sentir. 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 3/10 Conforme vimos, a cultura nada mais é do que um sistema de ideias padronizadas. Uma maneira de entender a cultura de um povo é através das suas normas. Isto porque as normas representam uma unidade de cultura, isto é, são um dos componentes de cultura. Por isso, uma vez que as normas podem ser compreendidas como uma unidade de cultura, então elas podem ser de�nidas como um padrão abstrato de ideias, que são aprendidas pelos membros de uma cultura ou de um grupo. A de�nição de cultura leva à de�nição de norma. A norma, logo, é um conceito grupal e não um conceito individual, tal como atitude, que veremos a seguir. Isto é importante porque signi�ca que a norma requer um mínimo de consenso entre pessoas para poder existir. Quando queremos estudar o comportamento humano, é importante observar que aquilo que as pessoas fazem, frequentemente é mais importante do que elas dizem. Contudo, Hall (1977) sugeriu que quando ocorre o contato entre pessoas de duas culturas diferentes, entender e aceitar a realidade de uma das culturas não é uma tarefa fácil, é algo que precisa ser vivido ao invés de lido ou planejado. Uma pessoa pode relatar conhecer e respeitar as normas de uma certa cultura, e, mesmo assim, nem sempre conseguir agir de acordo com esse conhecimento. Nessas situações, as pessoas buscam realizar o comportamento mais popular, aquilo que “todo mundo está fazendo”, com base na crença de que esse seria o comportamento mais socialmente aceito. Esse fenômeno também é conhecido como heurística de maioria (ANDERSON, 1996). VÍDEO Veja a relação entre normas e cultura no vídeo: 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 4/10 Normas sociais vêm sendo estudadas em diversas áreas das ciências sociais, tais como a Psicologia, Antropologia e Sociologia. Contudo, para DeRidder, Schruijer e Tripathi (1992), normas têm uma importância primária para a psicologia, pois da existência de normas sociais provém a base para a comunicação entre grupos. Essa importância é ainda mais marcante em culturas como a brasileira, que tem as normas sociais como um importante fator de determinação de pensamento e comportamento, podendo, inclusive, ter uma maior in�uência do que as opiniões pessoais. A despeito dessa importância que a norma tem para culturas coletivistas, observa-se que diversas teorias são desenvolvidas especialmente nos Estados Unidos e Europa, onde as pesquisas apontam uma menor in�uência das normas sociais. Poucos modelos ou teorias são testados – ou desenvolvidos – em outras culturas. Desse modo, a norma social tende a não receber muita atenção e não são muitos os estudos que investigam a norma social. Suh, Diener, Oishi e Triandis (1998), por exemplo, compararam a importância da emoção versos normas no que se refere à satisfação com a vida entre 61 países individualistas e coletivistas. Eles encontraram que em culturas coletivistas, normas sociais e emoções são fortemente relacionadas com satisfação, o que não ocorre em países individualistas. A socialização é um conceito chave quando se estuda a construção de normas nas ciências sociais. Pode-se a�rmar que a socialização é a matéria prima para as regras e papéis, além da conformidade para com as normas é o aspecto central do processo de socialização. Um dos modos pelos quais grupos e pessoas constroem suas normas é através da observação do comportamento de outras pessoas que pertencem ao grupo do qual elas pertencem – ou gostariam de pertencer. Em situações onde os indivíduos buscam pertencer a um novo grupo, ou então, de permanecer nos seus grupos, Estudos Sobre Normas 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 5/10 eles buscam as formas corretas de se comportar naquele grupo. Estas maneiras de se comportar são muitas vezes transmitidas oralmente, mas também através da observação e inferência dos comportamentos dos outros membros dos grupos. Por exemplo, Buffalo e Rodgers (1971) notaram que o comportamento de delinquentes juvenis é contra suas próprias normas morais (que na verdade, são surpreendentemente socialmente aceitáveis), sendo que eles se comportam com base na sua percepção de quais seriam as normas de seus colegas. Nesse exemplo o interesse em pertencer/permanecer no grupo faz com que eles se comportem de maneiras muitas vezes diferentes do que todos no grupo acreditam. Isso ilustra que, não apenas as normas sociais, mas a percepção das normas dos outros, é importante, pois o modo como as pessoas pensam sobre os outros é um processoimportante da construção da norma. Veja, nós temos que aceitar que toda situação tem uma multiplicidade de normas, então as pessoas usam dicas ambientais para se comportarem de forma apropriada a cada situação. Alguns pesquisadores (CIALDINI et al., 1991; KALGREEN et al., 2000), ao estudarem o comportamento de se jogar lixo no chão, notaram que a norma só afeta o comportamento quando é tornada clara na situação, ou seja, quando é ativada pelo ambiente. Esses pesquisadores encontraram que, tornando clara a norma de não se jogar lixo no chão (através placas e cartazes), a quantidade de lixo jogada no chão diminuiu, não importando a quantidade de lixo que já existia no ambiente. Esses autores também observaram que a ativação das normas transcendia a situação, pois a norma ativada em um cenário continuava efetiva em um outro cenário. É importante ressaltar que a construção e o estabelecimento de normas só podem acontecer pelo encontro de duas ou mais pessoas. Para a construção de normas, os indivíduos começam com alguma representação de pensamentos, emoções e comportamentos de outros no seu ambiente. Então, quando os indivíduos constroem normas sociais, eles levam em consideração as causas dos seus próprios comportamentos quando analisam o quanto o comportamento dos outros re�ete as escolhas que os outros fazem. Por exemplo, a linguagem é adquirida e mantida substancialmente pelos mesmos processos que as normas sociais. Indivíduos são socializados em uma determinada língua, e o reforço do seu grupo social é frequentemente um processo sutil. Feldman (1991) sugere que existem quatro diferentes maneiras para a construção das normas. As normas podem ser desenvolvidas: Como as Normas são Construídas? 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 6/10 1. por um líder de um grupo social, para garantir a sobrevivência do grupo; 2. por um acontecimento crítico na história do grupo, clari�cando quais comportamentos seriam consistentes com os valores do grupo; 3. pelos primeiros comportamentos exibidos no grupo, indicando rotina; e 4. por comportamentos que já ocorriam antes da formação do grupo, e que são considerados como a “maneira certa” de se comportar naquele grupo. Existe uma boa concordância na literatura no que concerne ao período da vida onde as principais normas sociais de uma cultura são construídas. O desenvolvimento das normas sociais ocorre principalmente entre as idades de 3 e 7 anos, sendo que a construção de normas sociais para amizade e pertencimento ocorre quando a criança está na terceira série, com idades entre 7 ou 8 anos (GREENFIELD et al., 2003). Esses e outros estudos, aparentemente, indicam que as normas que são moldadas na primeira infância tendem a acompanhar os indivíduos pelo resto de suas vidas. Desse modo, normas relativas a diferentes comportamentos podem vir a serem desenvolvidas também nos primeiros relacionamentos das crianças com seus pais. É importante lembrar que o desenvolvimento de normas sociais só ocorre num determinado contexto cultural. Como mencionando anteriormente, um indivíduo sozinho não pode construir uma norma. A pessoa precisa de contato com outros indivíduos, precisa saber (ou imaginar) quais são as expectativas dos outros numa determinada situação especí�ca. Independentemente do modo como é construída, a formação da norma sempre vai depender de uma in�uência considerável da cultura no desenvolvimento da cultura no grupo. 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 7/10 Diversos autores consideram que existe uma relação entre normas sociais e cultura. Eles consideram que a de�nição de cultura inclui a noção de crenças e normas compartilhadas. Uma boa de�nição de cultura é aquela que tem aspectos normativos para os diferentes papéis, o que signi�ca que a de�nição de normas é intrínseca à de�nição de cultura. Como discutido anteriormente, a maioria das de�nições de cultura se baseia na análise dos comportamentos e ações dos seus membros. Uma vez que a de�nição das normas se referem a quais comportamentos “devem” ser mantidos em uma situação, pode-se entender com clareza como normas sociais estão claramente inseridas na de�nição de cultura. Deste modo, quando estudandomos um mesmo grupo, em diferentes culturas, podermos inferir como as diferentes culturas entendem esses comportamentos e o que signi�ca o comportamento ideal em cada cultura. Em culturas diferentes, os indivíduos podem desempenhar papéis sociais idênticos. Entretanto, eles frequentemente têm diferentes históricos em cada grupo de culturas, o que irá afetar o modo como eles desempenham os seus papéis em cada cultura. Desse modo, o mesmo papel pode ser de�nido de modo similar em cada cultura, mas as normas que guiam o comportamento dos atores sociais podem ser diferentes. Por exemplo, dois indivíduos podem ter exatamente o mesmo cargo (ex.: analista de produção) com as mesmas atribuições em duas culturas, mas o modo como esses indivíduos executam as suas tarefas é atrelado à cultura. É necessário estudar os diferentes contextos culturais desses indivíduos para poder entender o que cada norma social implica em cada contexto. No entanto, qual aspecto da cultura é responsável pela variação em uma parte especí�ca do comportamento humano? A�rmar que qualquer diferença entre dois grupos especí�cos é devido à cultura é de pouca utilidade prática, pois no �nal não se sabe o que realmente causou a diferença. Além disso, considerando que cultura só pode ser medida indiretamente, através das crenças, Normas e Cultura 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 8/10 valores e normas compartilhadas que as constitui e que existe uma considerável di�culdade em se medir essas crenças e valores na sua completude, uma solução para o estudo de culturas pode ser através das normas. Sabemos que estudos realizados em culturas mais coletivistas apresentam resultados diferentes daqueles realizados em culturas mais individualistas. Participantes de culturas mais coletivistas (ex.: Brasil) tendem a perceber os outros e a si mesmos em termos situacionais. Uma vez que as normas se relacionam com o comportamento apropriado para uma situação especí�ca e que indivíduos de uma cultura mais coletivista tendem a perceber a si nos termos da situação, então há uma considerável chance de que estes indivíduos se apoiem mais em normas sociais ao escolherem como se comportar numa determinada situação. O relacionamento entre seres humanos e dimensões culturais é uma via de “mão dupla” onde indivíduos e ambiente moldam um ao outro. Hall (1969) a�rma que pessoas in�uenciam a norma do seu grupo cultural e são in�uenciadas por ela. Ele também propõe que normas, de modo similar às leis, são essenciais para a sobrevivência de uma cultura e para a manutenção das pessoas em uma cultura. Desse modo, pode-se notar que normas sociais sempre �zeram parte de qualquer grupo social e podem ser demonstradas por suas dimensões culturais. Quando indivíduos de diferentes culturas entram em contato, eles vivenciam as diferentes normas que se aplicam a cada um. Contudo, diversas di�culdades podem ocorrer, levando ao fracasso na compreensão correta da norma que se aplica a cada um. Isto pode gerar diversos mal-entendidos. Um grupo social pode reforçar normas por diferentes motivos. Estes podem ser mecanismos para aumentar a predição dos comportamentos de seus membros, uma forma de expressar os valores do grupo (para justi�car as atividades do grupo para os membros), ou mesmo uma forma de especi�car as fronteiras do grupo, facilitando sua sobrevivência (FELDMAN, 1991). 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula29/10 A severidade das punições do grupo é uma função do grau de desvio e da relevância da norma (TRIANDIS, 1994). Culturas aparentemente diferem na extensão em que uma particular norma é considerada relevante para seus membros. Por exemplo, embora todas as culturas reconheçam a necessidade da liberdade, esta norma não é igualmente relevante em todas as culturas. O que é interessante de notar é que essas normas se tornam muito mais claras, quanto mais os indivíduos desviam delas. Normas podem ser entendidas nos termos de o que uma pessoa supostamente deve fazer em uma determinada situação por causa da sua posição/status social. Se normas são de�nidas como o comportamento ideal de um indivíduo, determinado por sua posição ou situação, o que faz com que seu comportamento se torne independente do comportamento de outras pessoas? Como normas se tornam recíprocas? O contexto ou situação na qual a norma ocorre é extremamente importante, para medirmos as normas sociais. Para Hall (1977), contextos situacionais são uma função do a) indivíduo, b) sua construção psíquica e c) instituições que vão desde o casamento até grandes corporações e cultura, a qual fornece o signi�cado para as duas anteriores. O que faz com que uma pessoa se comporte de uma maneira e não de outra depende de vários fatores. Nesta aula, abordamos apenas um dos aspectos, as normas sociais. Contudo, ela trás à tona uma discussão importante: o quanto que nossas decisões e pensamento podem ser guiados por normas sociais e por que não se deve importar modelos desenvolvidos em outras culturas e aplicá-los no Brasil, sem pelo menos uma breve “tradução”. 08/08/2020 IESB https://iesb.blackboard.com/bbcswebdav/institution/Ead/_disciplinas/template/new_template/#/EADG588/unidade-3/aula2 10/10 Mesmo sendo um país considerado moderadamente coletivista, diversos fatores vêm indicando que intervenções baseadas apenas em atitudes podem levar a ações inadequadas, até mesmo os modos como lidar com as pessoas e estabelecer uma hierarquia. Faz-se necessária a adoção de modelos brasileiros de tomada de decisão, liderança e outros fenômenos que ocorram num cenário tipicamente brasileiro. Intervenções baseadas – e muitas vezes copiadas – de outras culturas levam a, no mínimo, um desperdiço de tempo e dinheiro. Cada vez mais, vemos estratégias que se baseiam no modo como as pessoas se comportam e tomam suas decisões (i.e. gestão de pessoas; marketing) sendo aplicadas no Brasil, sem nenhum cuidado de “tradução”, considerando os seus achados como uma verdade que não pode ser questionada. Esquece-se que nas culturas onde elas foram desenvolvidas houve um estudo por trás, baseado num corpo teórico que descreve o modo de pensamento dos indivíduos membros daquela cultura, e não da “nossa”. A utilização de normas sociais como um instrumento que poderia ajudar a mapear “modos de funcionamento” do brasileiro, ajudaria a produzir um novo corpo teórico que auxilie na compreensão desse grande povo, e na construção de uma ciência psicológica realmente nacional, que retrate o povo brasileiro e toda a sua diversidade.