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Cole & Cole Estudo do Desenvolvimento Humano (1)(1)

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PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES
A ascensão de uma nova disciplina
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO MODERNA
QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
Questões sobre continuidade
Questões sobre as fontes de desenvolvimento
Questões sobre as diferenças individuais
Estudo do
Desenvolvimento Humano
1
A DISCIPLINA DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Critérios de descrição científica
Métodos de coleta de dados
Delineamentos da pesquisa
Delineamentos da pesquisa e técnicas de coleta de
dados em perspectiva
O papel da teoria
ESTE LIVRO E O CAMPO DA PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
24 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Jean-Marc Itard, que tentou transformar
o Menino Selvagem em um francês
civilizado.
Victor, o Menino Selvagem de Aveyron.
A pessoa madura é um dos produtos mais notáveis que qualquer sociedade pode produzir. É uma catedral viva, a
obra de muitos indivíduos durante muitos anos.
DAVID W. PLATH, Long Engagements
�
O estudo do desenvolvimento da criança é o estudo das mudanças físicas, cognitivas
e psicossociais que as crianças sofrem a partir do momento da concepção. Cada um
de nós inicia a vida como uma única célula, não maior que a cabeça de um alfinete.
Quando nascemos, nove meses depois, somos organismos inacreditavelmente com-
plexos, compostos de bilhões de células de muitos tipos diferentes. Respiramos por
nós mesmos, exploramos o mundo com nossos sentidos, comemos, e começamos a
assumir o nosso lugar na família e na comunidade que nos criou. Mas somos total-
mente indefesos. Não conseguimos nos virar na cama, nos alimentar, nos manter
limpos e aquecidos, ou nos comunicar, exceto para demonstrar nosso incômodo
através do choro e da inquietação.
Dois anos depois, conseguimos andar, falar, alimentar-nos (com ajuda, certamen-
te) e brincar de faz-de-conta. Quando atingimos os sete, oito anos de idade, conse-
guimos transmitir recados, participar de jogos organizados sem a supervisão de adultos,
e começar a aprender as habilidades especializadas que precisaremos como adultos.
Alguns anos mais tarde, conseguimos raciocinar hipoteticamente, assumir a responsa-
bilidade por nós mesmos e pelos outros, e até gerar nossos próprios filhos.
A tarefa científica básica da psicologia do desenvolvimento é entender como
esse processo notável acontece.
PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES
Embora muitos eventos pudessem ser identificados como o ponto de partida do
estudo do desenvolvimento da criança, nossa história começa certa manhã, na Fran-
ça, no inverno de 1800, quando um menino nu e sujo entrou em uma aldeia na
província de Aveyron, procurando por comida. Há alguns meses, algumas pessoas
do local já haviam percebido o menino enquanto ele escavava procurando raízes,
subia em árvores e corria sobre os quatro membros. Diziam que ele era um animal
selvagem. A notícia espalhou-se rapidamente quando o menino apareceu na aldeia
e todos foram vê-lo.
Entre os curiosos estava um funcionário do governo, que levou o menino para
casa e o alimentou. A criança, que parecia ter cerca de 12 anos de idade, parecia
ignorar os costumes e os confortos da civilização. Quando lhe puseram roupas, ele
as rasgou. Recusava-se a comer qualquer coisa que não fossem batatas cruas, raízes
e nozes. Urinava e defecava quando e onde surgisse a necessidade. Os únicos sons
que produzia eram gritos sem significado, e ele parecia indiferente às vozes humanas.
Em seu relatório, o oficial responsável por ele concluiu que o menino havia vivido
sozinho desde o início da sua infância: “um estranho às necessidades e práticas
sociais ... Há ... algo extraordinário em seu comportamento, que o faz parecer próximo
à condição dos animais selvagens” (citado em Lane, 1976, p. 8-9).
Quando o relatório do funcionário chegou a Paris causou sensação. As pessoas
ficaram fascinadas pela história bizarra da criança que os jornais aclamavam como
o “Menino Selvagem de Aveyron”. Os estudiosos esperavam que, estudando a manei-
ra como essa criatura não-civilizada mudou quando passou a participar da sociedade,
pudessem resolver questões há muito tempo em busca de respostas sobre a nature-
za e o desenvolvimento dos seres humanos – perguntas como, por exemplo: Como
nos diferimos dos outros animais? O que aconteceria se crescêssemos totalmente
isolados da sociedade humana? Até que ponto somos produtos da nossa criação e
experiência, e até que ponto nosso caráter é uma expressão de traços inatos?
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 25
No entanto, os planos para estudar o Menino Selvagem quase malograram. Os
primeiros médicos a examiná-lo diagnosticaram-no como mentalmente deficiente
e especularam que, por isso, seus pais o haviam abandonado para morrer. Recomen-
daram que ele fosse colocado num hospício. E, inicialmente, foi lá colocado, até que
Jean-Marc Itard (1744-1838), um jovem médico, discutiu o diagnóstico de retardo.
Itard argumentava que o menino só parecia ser deficiente porque havia sido isolado
da sociedade e, por isso, impedido de se desenvolver normalmente. Na França do
final do século XVIII, pelo menos uma em cada três crianças normais era abandonada
por seus pais, em geral porque a família era pobre demais para sustentar mais uma
criança (Kessen, 1965). Itard acreditava que o menino fosse uma dessas crianças. O
fato de ele ter sido capaz de sobreviver sozinho nas florestas de Aveyron argumentava
contra a suposição de ele ser mentalmente deficiente.
Itard assumiu pessoalmente o encargo de cuidar do menino. Achou que podia
ensiná-lo a se tornar um francês totalmente competente, com o domínio da língua
francesa e o melhor do conhecimento civilizado. A França havia recentemente derru-
bado a monarquia e abraçado as idéias políticas de liberdade, igualdade e fraterni-
dade. Itard e outros defensores da república queriam demonstrar que era possível
melhorar o desenvolvimento dos filhos dos camponeses, educando-os. Para testar
sua teoria de que o ambiente social é o responsável pelo desenvolvimento das crian-
ças, Itard criou um conjunto elaborado de procedimentos experimentais de treina-
mento para ensinar o Menino Selvagem a categorizar objetos, raciocinar e se comuni-
car (Itard, 1801/1982).
No início, Victor, como Itard chamou o Menino Selvagem, fez um progresso
rápido. Ele aprendeu a comunicar necessidades simples, assim como a reconhecer e
a escrever algumas palavras. Aprendeu a usar um urinol. Também desenvolveu
afeição pelas pessoas que cuidavam dele. Mas Victor jamais aprendeu a falar e a
interagir normalmente com as outras pessoas.
Após cinco anos de trabalho intenso, Itard abandonou sua experiência. Victor
não havia feito progresso suficiente para satisfazer os superiores de Itard, e o próprio
Itard estava em dúvida se o menino poderia fazer mais progressos. Victor foi man-
tido sob os cuidados de uma mulher que era paga para cuidar dele. Morreu em
1828, ainda chamado de o Menino Selvagem de Aveyron. Suas experiências inco-
muns na vida deixaram sem resposta importantes questões sobre a natureza huma-
na, sobre a influência da sociedade civilizada e sobre o grau em que os indivíduos
são moldados por uma ou outra dessas forças que os estudiosos esperavam que
fossem respondidas pela sua descoberta.
A maior parte dos médicos e estudiosos da época finalmente concluíram que
Victor, realmente, havia nascido com uma deficiência mental. Mas até hoje ainda
há dúvidas quanto a isso. Alguns estudiosos modernos acham que Itard podia estar
certo em sua pressuposição de que Victor era normal quando nasceu, mas que foi
retardado em seu desenvolvimento como resultado do seu isolamento social (Lane,
1976). Quando foi encontrado, Victor já havia passado muitos de seus anos de for-
mação sozinho. Ele já ultrapassara a idade que atualmente se considera ser o limite
máximo para a aquisição normal da linguagem. Outros acreditam que Victor sofria
de autismo, uma condição mental patológica cujos sintomas incluem um déficit de
linguagem e uma incapacidade para interagirnormalmente com as outras pessoas
(Frith, 1989). Também é possível que os métodos de ensino de Itard tenham falhado
e que abordagens diferentes pudessem ter tido sucesso. Não podemos ter certeza.
As tentativas de Itard para educar Victor marcam o ponto de partida da ciência
da psicologia do desenvolvimento porque Itard estava entre os primeiros estudio-
sos a ir além da especulação e a conduzir experiências para testar suas idéias.
A ASCENSÃO DE UMA NOVA DISCIPLINA
Embora na época de Itard ainda não houvesse uma especialidade científica chamada
psicologia do desenvolvimento, o interesse nas crianças e no seu desenvolvimento
26 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
estava começando a aumentar entre os reformadores sociais e também entre os
cientistas (Cairns, 1998). Durante o século XIX, a industrialização da Europa e da
América do Norte transformou a organização social das pessoas. A industrialização
também transformou o papel das crianças na sociedade e os ambientes em que elas
se desenvolviam. Em vez de crescer em fazendas, onde contribuíam com sua mão-
de-obra e eram cuidadas por suas mães e pais até atingirem a idade adulta, muitas
crianças foram empregadas em fábricas nas cidades industriais que se expandiam,
juntamente – e às vezes no lugar – de seus pais (Clement, 1997).
Foi nessa época que o ensino foi disseminado. As crianças urbanas que não
trabalhavam eram, em geral, encaradas como uma responsabilidade da comunidade,
que as encaravam como desordeiras. As escolas públicas foram criadas tanto para
aumentar o controle social sobre as crianças quanto por qualquer razão acadêmica.
Elas consistiam em locais para supervisionar o desenvolvimento das crianças, quando
nem os pais nem os empregadores as estavam supervisionando.
Para aquelas crianças que faziam parte da força de trabalho, o trabalho fre-
qüentemente envolvia longas horas em fábricas ou minas, sob condições perigosas
e insalubres. Quando essas condições se tornaram uma preocupação social, provo-
caram maior atenção social e aumentaram a atividade científica. O Comitê de In-
vestigação das Fábricas na Inglaterra, por exemplo, realizou um estudo em 1833
para descobrir se as crianças conseguiam trabalhar 12 horas por dia sem sofrer
danos. A maioria dos membros do comitê decidiu que 12 horas era um período de
trabalho aceitável para as crianças. Outros, que achavam que seria preferível um
período de trabalho de 10 horas, estavam menos preocupados com o bem-estar
intelectual ou emocional das crianças pequenas do que com a sua conduta moral.
Eles recomendavam que as duas horas remanescentes fossem dedicadas à educa-
ção religiosa e moral das crianças (Lomax et al., 1978).
Essa pesquisa inicial envolveu mais que uma resposta prática às preocupações
sociais. Os primeiros psicólogos do desenvolvimento e os médicos usaram os dados
coletados para esclarecer questões básicas sobre o desenvolvimento humano e sobre
como estudá-lo. Os primeiros estudos sobre o crescimento e a capacidade de trabalho
A mão-de-obra infantil proporcionava
uma contribuição vital para a renda
familiar em muitas famílias do século
XIX. Estes meninos e meninas,
fotografados em um apartamento em
Nova York em torno de 1890, faziam
flores artificiais. Se trabalhassem
regularmente desde de manhã até a
noite, conseguiam ganhar US$ 1,20 por
dia.
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 27
As crianças constituíam mão-de-obra
essencial em muitas indústrias, até
mesmo no início do século XX. Estes
meninos trabalhavam nas minas de
carvão da Pennsylvania, em 1911.
Alguns deles tinham apenas seis anos de
idade.
das crianças, por exemplo, chegaram à importante conclusão teórica de que o efeito
do ambiente sobre o desenvolvimento pode ser mensurado. Os pesquisadores des-
cobriram que devido às suas longas horas de trabalho, e ao repouso e à nutrição
inadequados, as crianças que trabalhavam em moinhos têxteis tinham menor estatu-
ra e menos peso do que as crianças locais da mesma idade, que não eram submetidas
a essas condições de vida. As avaliações de desenvolvimento intelectual mostraram
grandes variações nas aquisições das crianças, que pareciam depender da origem
familiar e da experiência individual. Tais achados estimularam a continuação de
um debate científico e social sobre os fatores primariamente responsáveis pelo desen-
volvimento.
Um acontecimento crucial que estimulou um maior interesse no estudo científico
das crianças foi a publicação, em 1859, de A origem das espécies, de Charles Darwin. A
tese de Darwin, de que os seres humanos evoluíram a partir de espécies anteriores
mudou fundamentalmente a maneira de pensar das pessoas a respeito das crianças.
Em vez de adultos imperfeitos – para serem vistos, mas não ouvidos –, as crianças
passaram a ser encaradas como cientificamente interessantes porque seu comporta-
mento proporcionava indícios sobre as maneiras como os seres humanos estão
relacionados a outras espécies. Tornou-se moda, por exemplo, comparar o comporta-
mento das crianças com o comportamento de primatas mais evoluídos para ver se
as crianças passavam por um “estágio de chimpanzé” similar àquele através do
qual imaginava-se que a espécie humana havia evoluído (ver Figura 1.1). Embora
esses paralelos entre as espécies tenham se comprovado supersimplificados, a idéia
de que o desenvolvimento humano deve ser estudado como uma parte da evolução
humana tem conquistado aceitação geral.
Mais para o final do século XIX, a psicologia do desenvolvimento tornou-se
uma forma legítima de pesquisa e prática. Institutos e departamentos especiais
dedicados ao estudo do desenvolvimento começaram a surgir nas principais univer-
sidades norte-americanas e tanto agências governamentais quanto fundações filan-
28 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
trópicas começaram a subvencionar esforços de pesquisa em desenvolvimento infantil,
assim como a apoiar revistas especializadas no cuidado infantil e no papel dos pais.
Atualmente, há uma ampla aceitação popular da idéia de que a condução de pesquisas
científicas sobre crianças seja uma boa maneira de “tornar este mundo um mundo
melhor através do desenvolvimento de pessoas melhores” (Young, 1990, p. 17).
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO MODERNA
A principal preocupação dos psicólogos do desenvolvimento contemporâneos é
adquirir um entendimento sistemático do desenvolvimento da criança, ou seja,
da seqüência de mudanças físicas, cognitivas e psicossociais que as crianças
experimentam à medida que vão crescendo – mudanças que começam com a con-
cepção e que continuam durante a vida toda. O interesse no desenvolvimento da
criança baseia-se na antiga pressuposição de que, se conseguirmos entender nossas
raízes e a história das mudanças que nos trouxeram até o presente momento, pode-
remos entender melhor a nós mesmos e, assim, antecipar o futuro e nos preparar-
mos para enfrentá-lo.
A disciplina da psicologia do desenvolvimento transforma esses objetivos pes-
soais em procedimentos sistemáticos para estudar, prever e dar forma ao processo
de desenvolvimento. Os psicólogos do desenvolvimento também estão reunindo
conhecimento que contribua para – e se beneficie de – os insights das disciplinas
afins, como a biologia, a antropologia, a lingüística e a sociologia.
No século XX, desde que começaram as preocupações com o estudo sistemático
do desenvolvimento humano, os psicólogos descobriram muito sobre os seres huma-
nos em todas as faixas etárias, começando mesmo antes do nascimento. Nas duas
últimas décadas, o progresso desse trabalho, auxiliado por importantes avanços na
tecnologia, acelerou-se muito. Os psicólogos estão atualmente investigando uma
vasta série de questões interessantes, como as seguintes:
� Mudanças na dieta e na educação podem compensar anormalidades genéticas?
� Como os fetos ainda no útero são influenciados pelos acontecimentos do
mundo exterior, e como essas influências afetam o seu desenvolvimento após
o nascimento?� O que possibilita aos bebês aprender sua língua natal tão depressa, sem treina-
mento especial?
� De que maneira o desenvolvimento cerebral é afetado pela experiência?
� O que provoca diferenças marcantes nos níveis e nas formas de agressão
entre meninos e meninas desde bem pequenos?
� Quando as crianças se tornam conscientes de que outras pessoas também
pensam, e o que possibilita essa consciência?
� Quando as crianças começam a raciocinar sistematicamente, e o que possibilita
essa forma de pensamento?
� O que faz com que algumas crianças sejam agressivas?
� Por que algumas crianças aprendem a ler com pouco esforço, enquanto outras
requerem bastante ajuda?
� O conflito pais-filhos é uma parte necessária da adolescência?
Além de buscar as respostas para essas questões, os psicólogos do desenvolvimen-
to são ativos na promoção do desenvolvimento saudável das crianças. Eles trabalham
em hospitais, em centros de atenção à criança, em escolas, em locais de recreação e
em clínicas. Avaliam a situação do desenvolvimento infantil e prescrevem medidas
para ajudar as crianças que estão experimentando dificuldades. Eles auxiliam na
criação de ambientes e objetos especiais, como berços que permitem que bebês pre-
maturos se desenvolvam normalmente fora do útero materno, por exemplo. Criam
terapias para crianças que têm dificuldade para controlar seu temperamento e desen-
volvem técnicas mais eficientes para ensinar as crianças a ler.
FIGURA 1.1
Os primeiros evolucionistas pesquisaram
o desenvolvimento motor das crianças
em busca de evidências que
recapitulassem os estágios
evolucionários. Aqui, um bebê (a)
engatinha sobre os quatro membros,
como muitos animais, (b) usa seus pés
para agarrar os objetos, como fazem os
primatas e (c) dorme enroscado como
um animal (segundo Hrdlicka, 1931).
(a)
(b)
(c)
desenvolvimento da criança
A seqüência de mudanças físicas,
cognitivas, psicológicas e sociais que as
crianças experimentam à medida em
que vão crescendo.
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 29
Os conhecimentos detalhados que os psicólogos do desenvolvimento têm acu-
mulado no decorrer da sua pesquisa através de seus métodos e achados são importan-
tes. É essencial ter em mente que o objetivo mais geral da investigação do desenvolvi-
mento é: agregar os fatos acumulados a padrões maiores, chamados teorias ou estru-
turas, para aumentar o entendimento da natureza humana e o seu desenvolvimento
como um todo.
QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Apesar da grande variedade de trabalho que realizam e das teorias que orientam
sua pesquisa, os psicólogos do desenvolvimento compartilham interesse em três
questões fundamentais sobre o processo de desenvolvimento:
1. Continuidade. O desenvolvimento é um processo gradual de mudança ou é
pontuado por períodos de rápida mudança e da repentina emergência de
novas formas de pensamento e de comportamento?
2. Fontes de desenvolvimento. Quais são as contribuições da hereditariedade genéti-
ca e do ambiente para o processo da mudança desenvolvimental?
3. Diferenças individuais. Não há dois seres humanos exatamente iguais. Como
uma pessoa vem a possuir características individuais estáveis que a tornam
diferente de todas as outras pessoas?
Os psicólogos estão profundamente divididos sobre muitos aspectos dessas três
questões fundamentais. Suas suposições diferentes sobre continuidade, fontes de
mudança e diferenças individuais deram origem a estruturas teóricas concorrentes.
QUESTÕES SOBRE A CONTINUIDADE
Os psicólogos do desenvolvimento formulam três questões básicas sobre a conti-
nuidade: (1) Qual a semelhança entre os princípios do desenvolvimento dos seres
humanos e os de outras espécies? Em outras palavras, quanta continuidade existe
Embora os chimpanzés e os seres
humanos compartilhem mais de 99%
do seu material genético, as diferenças
entre as duas espécies são enormes.
30 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
entre o desenvolvimento dos seres humanos e de outra vida animal? (2) O desen-
volvimento individual é contínuo, consistindo na acumulação gradual de pequenas
mudanças quantitativas, ou é descontínuo, envolvendo uma série de transforma-
ções qualitativas à medida que vamos ficando mais velhos? (3) A maneira que o
ambiente afeta o desenvolvimento é contínua ou há períodos na vida de uma pes-
soa durante os quais algumas experiências são críticas para dar continuidade ao
desenvolvimento normal?
Os princípios do desenvolvimento humano são distintos?
Durante séculos, as pessoas têm debatido a extensão em que nós humanos nos
diferimos das outras criaturas e a extensão em que estamos sujeitos às mesmas leis
naturais que outras formas de vida. O estudo da singularidade humana diz respeito
à filogenia, a história evolucionária de uma espécie.
A questão da continuidade e da descontinuidade entre os humanos e outras
espécies é fundamental para a maneira como os psicólogos pensam sobre as leis
que regem o desenvolvimento humano. Considerando similaridade na relação do
Homo sapiens com outras espécies, o estudo de outros animais pode proporcionar
evidências úteis sobre o processo do desenvolvimento humano, quando estão em
ação os mesmos princípios. Em aspectos nos quais os seres humanos são distintos,
os achados de pesquisa concernentes ao desenvolvimento de outras espécies po-
dem ser enganosos quando a eles aplicados.
Quando Charles Darwin (1809-1882) publicou A origem das espécies, a idéia de
evolução já era um tema de grande especulação. Darwin acreditava firmemente na
continuidade entre as espécies. Ele via a evolução como um processo de acumulação
de mudança. Em sua opinião, a diferença entre Homo sapiens e nossos quase vizinhos
evolutivos é “uma diferença de grau, não de tipo” (Darwin, 1859/1958, p. 107).
Para testar a afirmação de Darwin de que a nossa espécie evoluiu continuamente
como parte da ordem natural, os cientistas buscaram evidências de elos evolucionários –
formas intermediárias que nos conectam com outras formas de vida – e compararam
nossa composição genética e o nosso comportamento com aqueles de outros organis-
mos. Do lado da continuidade entre nós mesmos e entre outros animais, foi verificado
que compartilhamos 99% do nosso material genético com os chimpanzés (D’Andrade
e Morin, 1996). Não obstante, está claro que há algo distinto no que se refere às
características da nossa espécie. A questão difícil é: Qual é esse algo?
Várias características que distinguem os humanos de outros primatas foram
observadas por Michael Tomasello (1999). Em seus hábitats naturais, os primatas
não-humanos:
� não apontam objetos para outros;
� não seguram objetos para mostrá-los a outros;
� não tentam levar outros a lugares onde possam observar eventos;
� não oferecem ativamente objetos a outros indivíduos, entregando-os;
� não ensinam intencionalmente os outros.
Essas características parecem estar intimamente relacionadas a dois fenômenos
gerais que há muito têm sido associados ao caráter distinto dos humanos.
Em primeiro lugar, o Homo sapiens desenvolve-se em um ambiente singular que
foi moldado por inúmeras gerações anteriores de pessoas em sua luta pela sobrevivên-
cia (Bruner, 1996; Cole, 1996). Esse ambiente especial consiste de artefatos (como
instrumentos, roupas, palavras), conhecimento sobre como construir e usar esses arte-
fatos, crenças sobre o mundo e valores (idéias sobre o que vale a pena), e tudo o que
guia as interações dos adultos com o mundo físico, um com o outro e com seus
filhos. Os antropólogos chamam esse acúmulo de artefatos, conhecimento, crenças
e valores, de cultura. Cultura é a parte do ambiente “feita pelo homem” que nos
saúda no nascimento (Herskovitz, 1948) e o “padrão de vida” que adquirimos da
nossa comunidade (Kluckhohn e Kelly, 1945).
filogenia A história evolucionária de uma
espécie.
cultura O padrão de vida de uma pessoa
codificado na sua linguagem e
observado nos produtos físicos, nas
crenças, nos valores,nos costumes e nas
atividades que foram transmitidos de
geração para geração.
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 31
Em segundo lugar, o Homo sapiens molda e transmite a sua cultura para as gera-
ções que se seguem principalmente através da linguagem. Não surpreende, portanto,
que, desde a Antigüidade, a linguagem tenha sido proposta como uma característica
definidora da nossa espécie. No século XVII, o filósofo René Descartes expressou
eloqüentemente a perspectiva tradicional:
A linguagem é, na verdade, o único sinal seguro do pensamento latente no corpo; todos
os homens a usam, mesmo aqueles que são obtusos ou perturbados, que não têm língua
ou carecem dos órgãos da voz, mas nenhum animal consegue usá-la, e, por isso, é permis-
sível considerar a linguagem a verdadeira diferença entre o homem e a besta (Citado em
Lane, 1976, p. 23).
Até mesmo Darwin, que acreditava tanto na continuidade da espécie, concordava
que o nosso caráter distinto, na medida em que o Homo sapiens é único, fosse o
resultado da nossa capacidade de nos comunicar através da linguagem. Nos últimos
anos, os cientistas demonstraram que os chimpanzés e outros primatas têm rudimen-
tos de cultura e de linguagem (Savage-Rumbaugh, Shanker e Taylor, 1998; Tomasello,
1999). Entretanto, como veremos nos últimos capítulos, as habilidades para usar a
cultura e a linguagem, consideradas como um conjunto, são bem maiores nos huma-
nos que em outras espécies.
O desenvolvimento individual é contínuo?
A segunda questão mais importante diz respeito à ontogenia, o desenvolvimento
de um organismo durante seu tempo de vida. Via de regra, os psicólogos que acredi-
tam que a ontogenia é, antes de tudo, um processo de acumulação contínua e gradual
de pequenas mudanças, enfatizam que a mudança quantitativa ocorre pelo aumento
do vocabulário ou da capacidade de memória. Aqueles que encaram a ontogenia
como um processo pontuado por mudanças abruptas e descontínuas enfatizam a
emergência de padrões qualitativamente novos em pontos específicos do desenvolvi-
mento, como na mudança do balbucio para a fala. Os padrões qualitativamente
novos que emergem durante o desenvolvimento são chamados de estágios de de-
senvolvimento. O contraste entre as perspectivas da continuidade e da desconti-
nuidade está ilustrado na Figura 1.2.
O psicólogo John Flavell (1971) sugere quatro critérios que são fundamentais
para o conceito de um estágio de desenvolvimento:
1. Os estágios de desenvolvimento são distinguidos por mudanças qualitativas. A mudança
na atividade motora associada com a transição do engatinhar para o andar
ereto ilustra o que significa uma mudança qualitativa para um novo estágio
de desenvolvimento. O andar não se origina do aperfeiçoamento dos movi-
mentos usados para engatinhar. Para andar, a criança passa por uma total
reorganização do movimento, usando diferentes músculos em diferentes com-
binações.
2. A transição de um estágio para o seguinte é marcada por mudanças simultâneas em
muitos aspectos – se não em todos – do comportamento de uma criança. A transição
do engatinhar para o andar é acompanhada por uma nova qualidade de ligação
emocional entre as crianças e seus cuidadores, assim como por novas formas
de relação entre a criança e o cuidador, requerida pelo aumento da mobilidade
da criança.
3. Quando acontece a mudança de um estágio para o seguinte, ela é rápida. A transição
do engatinhar para o andar ocorre, caracteristicamente, no espaço de cerca
de 90 dias.
4. As muitas mudanças comportamentais e físicas que marcam o surgimento de um
estágio constituem um padrão coerente. O andar ocorre quase ao mesmo tempo
que o apontar, que o acompanhar ao olhar de outra pessoa, que o expressar
das primeiras palavras e que o estabelecimento de um novo relacionamento
entre as crianças e seus pais.
ontogenia O desenvolvimento de um
organismo durante seu tempo de vida.
estágio de desenvolvimento Um padrão
de comportamento qualitativamente
distinto e coerente em si mesmo que
emerge no decorrer do desenvolvimento.
32 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Os proponentes do conceito de estágio declaram que uma perspectiva de estágio
é fundamental para se entender o desenvolvimento, pois, na medida em que o desen-
volvimento é caracterizado por mudanças qualitativas descontínuas, a maneira como
a criança experimenta o mundo e a maneira como o mundo influencia a criança vai
diferir de um estágio para o seguinte. Por exemplo, os bebês são especialmente
sensíveis a diferenças nos sons da linguagem (Aslin, Jusczyk e Pisoni, 1998), mas
não entendem o que está sendo dito. Quando começam a entender e a produzir lingua-
gem própria, a maneira como percebem o mundo parece mudar fundamentalmente
e assim também a natureza da sua interação com os outros. A descontinuidade
representada pela emergência da participação ativa da criança na conversa é tão
notável que determina o final da etapa de bebê no desenvolvimento em um grande
número de sociedades.
Alguns psicólogos negam que o conceito de estágio seja crucial para entender o
desenvolvimento. Albert Bandura (1986), por exemplo, declara que a mudança de-
senvolvimental é basicamente contínua, porque os processos pelos quais as pessoas
aprendem novos comportamentos permanecem os mesmos em todas as idades. Na
sua opinião, as descontinuidades no desenvolvimento são ocorrências relativamente
raras produzidas por mudanças abruptas no ambiente (por exemplo, as mudanças
que ocorrem quando as crianças começam a freqüentar a escola) ou na composição
biológica das crianças (por exemplo, as mudanças associadas com a maturação se-
xual). Robert Siegler, psicólogo especializado no estudo do desenvolvimento do pen-
samento das crianças, faz uma declaração similar: “O pensamento das crianças”,
escreve ele, “está continuamente mudando, e a maior parte das mudanças parece
ser mais gradual do que repentina” (1991, p. 8).
Durante a maior parte do século XX, as teorias dos estágios do desenvolvimento
foram mais numerosas e mais influentes que as teorias da continuidade, mas as
FIGURA 1.2
(a) Os cursos contrastantes do
desenvolvimento da estrela-do-mar e dos
insetos proporcionam exemplos
idealizados de desenvolvimento contínuo
e descontínuo. Na perspectiva da
continuidade, o desenvolvimento é um
processo de crescimento gradual
(estrela-do-mar pequena, estrela-do-mar
média, estrela-do-mar grande). Na
perspectiva da descontinuidade, o
desenvolvimento é uma série de
transformações que se processam por
meio de estágios (larva, pupa, adulto).
(b) O desenvolvimento humano inclui
elementos de continuidade e de
descontinuidade.
Primeira infância
Idade (anos)
Segunda infância
Idade Idade
N
ív
e
l 
d
e
 d
e
se
n
vo
lv
im
e
n
to
N
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im
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to
N
ív
e
l 
d
e
 d
e
se
n
vo
lv
im
e
n
to
Bebê
Pupa
Larva
Libélula
adulta
Estrela-do-mar: continuidade desenvolvimental Libélula: descontinuidade desenvolvimental
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
(a)
(b)
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 33
teorias dos estágios são confrontadas com vários fatos que parecem violar um ou
mais dos critérios para o desenvolvimento propostos por Flavell.
Um problema grave das teorias modernas dos estágios é que, ao contrário da
sua descrição de mudanças qualitativamente consistentes e abrangentes no compor-
tamento e no modo de pensar, as crianças freqüentemente parecem estar em estágios
diferentes, dependendo da ocasião. Segundo uma importante teoria dos estágios
do desenvolvimento cognitivo, por exemplo, as crianças de quatro anos de idade
estão em um estágio em que o seu pensamento é, em grande parte, egocêntrico,
tornando muito difícil enxergar outro ponto de vista que não o seu próprio. E, na
verdade, as crianças de quatro anos de idade freqüentemente parecem limitadas à
sua própria perspectiva – elas, em geral, não conseguem entender que alguém que
está olhando um objeto de um local diferente do seu pode não enxergar o objeto damesma forma que elas mesmas enxergam, ou que alguém que acabou de entrar na
sala não sabe, como elas, o que aconteceu ali antes de ter entrado. Mas, quando
estão falando com uma criança de dois anos de idade, em geral, simplificam sua
fala, aparentemente assumindo a perspectiva da criança menor e compreendendo
que, do contrário, ela pode ter dificuldade para entendê-las. Aos quatro anos de
idade, é provável também que as crianças ignorem as necessidades de um irmão
mais moço, mas freqüentemente se tornem solícitas quando a criança menor parece
perturbada (Dunn, 1988; Eisenberg, 1992). O fato de, em determinado ponto do
seu desenvolvimento, uma criança exibir comportamentos associados com diferentes
estágios parece rebater a idéia de que estar em um estágio particular define as capaci-
dades gerais da criança e sua composição psicológica.
Há períodos de desenvolvimento “críticos” ou “sensíveis”?
Outra questão sobre a continuidade do desenvolvimento humano individual é se
há períodos de crescimento durante os quais os eventos ambientais ou biológicos
específicos devem ocorrer para que o desenvolvimento proceda normalmente. Em
alguns animais, esses períodos de prontidão biológica e de sensibilidade aos eventos
do ambiente são referidos como períodos críticos porque eles, com freqüência,
ocorrem no decorrer de algumas horas. Por exemplo, em algumas aves que podem
caminhar assim que nascem – e, por isso, poderiam ficar separadas de suas mães –,
há um período crítico imediatamente após o choco, durante o qual os filhotes ficam
ligados ao primeiro objeto em movimento que eles vêem – que, é claro, em geral é a
período crítico Um período durante o
qual eventos específicos, biológicos ou
ambientais são requeridos para que
ocorra um desenvolvimento normal.
FIGURA 1.3
O etologista Konrad Lorenz propôs a
existência de um período crítico no
desenvolvimento de gansos recém-
chocados, durante o qual eles criam
uma ligação com o primeiro objeto em
movimento que eles vêem. Estes filhotes
de gansos, que foram colocados na
situação de ver Lorenz, em vez de um
ganso adulto, quando saíram da casca,
seguiram-no na água enquanto ele
nadava.
34 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Quando os europeus tomaram conhecimento sobre os povos da
África e da Ásia, nos séculos XV e XVI, eles debateram a fonte das
diferenças físicas e comportamentais óbvias entre esses povos e eles
próprios. Será que essas criaturas eram humanas, pensaram eles?
Será que eram também filhos de Deus, e se eram, por que tinham
uma aparência tão diversa e agiam tão diferente deles? Nos tem-
pos modernos, esse debate questionaria se essas pessoas de fora
eram diferentes em sua natureza básica ou se eram diferentes devi-
do às condições da sua educação.
Os europeus faziam perguntas similares uns sobre os outros. Os
camponeses e os príncipes eram diferentes por que Deus quis as-
sim? Ou eram diferentes por que tinham sido expostos a experiências
diferentes depois que entraram no mundo? Essas não eram questões
abstratas, de interesse apenas para os filósofos. Eram questões de
profundo significado político. Durante séculos, os reis e os nobres
declararam que tinham um direito concedido por Deus de governar
os outros, pelo fato de serem naturalmente superiores em virtude
do seu nascimento.
No início da era moderna, dois filósofos cujos escritos teriam gran-
de influência na história do desenvolvimento da criança, John Locke
e Jean-Jacques Rousseau, desafiaram o ponto de vista segundo o
qual as diferenças humanas eram determinadas principalmente pelo
nascimento. Suas opiniões sobre as diferenças humanas e a
desigualdade social estavam diretamente relacionadas às suas cren-
ças sobre o desenvolvimento da criança.
John Locke
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) propôs que a mente da
criança é uma tábula rasa, uma folha em branco sobre a qual a
experiência escreve a sua história. Em Some thoughts concerning
education (1699/1938), Locke expressou o pressuposto central que
guiou seu pensamento:
As pequenas e quase insensíveis Impressões sobre a nossa mais
tenra Infância têm Conseqüências muito importantes e duradou-
ras: E são elas, como acontece nas Fontes de alguns Rios, em
que uma suave Aplicação da Mão transforma as águas flexíveis
em Canais, que as fazem seguir Cursos totalmente contrários e,
por esta pequena Direção a elas dada de início na Fonte, elas
recebem diferentes Tendências, e chegam finalmente a Locais
muito remotos e distantes. (p. 1-2)
Locke não negava que há limites que a “Aplicação da Mão” pode
alcançar. Não se pode fazer a água correr rio acima. Ele acreditava
que as crianças nasciam com “temperamentos e propensões” dife-
rentes e aconselhava que a instrução fosse adaptada de modo a se
adequar a essas diferenças, uma visão que permanece central às
modernas teorias da educação. Mas Locke afirmou claramente que
a educação, na forma de adultos que “canalizam” os impulsos iniciais
das crianças, é o fator-chave na criação das principais diferenças
entre as pessoas.
Jean-Jacques Rousseau
O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) também de-
clarou que as diferenças entre as pessoas são fundamentalmente
resultado da experiência, mas sua visão das crianças e do papel dos
adultos no seu treinamento diferia daquela de Locke. Rousseau afir-
mava que as crianças não nascem como folhas em branco nem –
como era comumente defendido por muitos pensadores da época –
como seres pecadores por natureza. Em vez disso, Rousseau dizia
que, em um estado natural, o homem nasce puro e vai ser corrompido
pela exposição à civilização moderna. Além disso, declarava que as
crianças nascem com uma percepção inata da virtude que gradual-
mente emergeria com o tempo, não fosse sua exposição à civilização.
Em Emile (1762/1911), livro que era em parte novela e em parte
um tratado sobre educação, Rousseau apresentou sua opinião so-
bre as tentativas dos adultos de educar as crianças para a virtude:
Deus faz todas as coisas boas. O homem se mistura com elas e
elas se tornam más. Ele obriga um solo a produzir os produtos
de outro, uma árvore a dar os frutos de outra. Ele confunde e
mistura tempo, lugar e condições naturais. Ele mutila o seu cão,
o seu cavalo e o seu escravo. Ele destrói e desfigura todas as
coisas; ... ele não terá nada como a natureza fez, nem mesmo o
próprio homem, que deve aprender o seu caminho como um
cavalo selado e ser moldado segundo o gosto do seu dono, como
as árvores do seu jardim. (p. 5)
Nessa história da educação de Emile, Rousseau proporcionou uma
visão da infância e da educação em que o papel do cuidador é
proteger a criança das pressões da sociedade adulta. Emile, que
representa Toda Criança, é descrito não como um adulto incompleto
que precisa ser aperfeiçoado através da instrução, mas como um
ser humano integral cujas habilidades são adequadas à sua idade.
Emile passa por vários estágios naturais de desenvolvimento. Em
cada um deles, suas atividades são apropriadas às suas necessidades
na época e elas são guiadas por um adulto que usa práticas educa-
cionais adequadamente reguladas. Como declarou William Kessen
(1965), essas idéias sobre estágios de desenvolvimento foram, mais
tarde, assumidas por psicólogos do desenvolvimento e permane-
cem influentes até hoje.
Locke, Rousseau e o mundo moderno
A noção de tábula rasa de Locke e a visão do homem natural de
Rousseau têm sido corretamente criticadas e, às vezes, ridicularizadas
nos séculos decorridos desde que os dois filósofos morreram. A pes-
quisa moderna deixa claro que não somos folhas em branco quando
nascemos; entramos no mundo com cérebros extremamente
estruturados. Nem é plausível que algum dia tenha existido um esta-
do puramente “natural” da humanidade, que o mundo moderno
corrompe. Quando Victor, o Menino Selvagem que realmente cres-
ceu em um “estado de natureza”, comportou-se de maneira ultrajan-
te durante uma de suas saídas com Itard, as pessoas brincaram:
“Se Rousseau pudesse ver seu nobre selvagem agora!”
No entanto, asabedoria comum subjacente às visões de Locke e de
Rousseau sobre o papel crucial da experiência na moldagem do
comportamento humano permanece válida. Em 1776, os Estados
Unidos da América foram fundados como uma república baseada
em uma profunda fé na verdade “auto-evidente” de que “todos os
homens são criados iguais”. Em uma época anterior, quando reis e
nobres eram regulados pelo “direito divino”, a expressão aberta
dessas idéias teria sido impensável. Uma indicação clara da impor-
tância política da crença de que os seres humanos podem moldar o
curso do seu desenvolvimento organizando seus ambientes é o fato
de que, quando o arcebispo de Paris leu Emile, fez tudo para que
prendessem Rousseau. Alertado por amigos, Rousseau fugiu da
França.
Com a aceitação da idéia de que as crianças nascem boas, ou pelo
menos não más, veio uma profunda obrigação de confrontar desi-
gualdades óbvias nas condições de desenvolvimento das vidas das
crianças. Finalmente, a maioria das pessoas passou a aceitar a idéia
de que a sociedade deve assumir alguma responsabilidade pelo bem-
estar das crianças – e, na verdade, pelo bem-estar de todo o povo.
DESTAQUE 1.1 ANTECEDENTES FILOSÓFICOS DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 35
sua mãe – e, em seguida, seguem o objeto para onde ele vá. A natureza crítica desse
período é ilustrada pelo fato de que, se o primeiro objeto em movimento que eles
virem for um homem (como o etologista Konrad Lorenz, mostrado na Figura 1.3),
os filhotes ficam ligados àquela pessoa como ficariam à sua mãe. Se forem impedidos
de ver qualquer objeto em movimento durante um determinado número de horas
após o choco, eles não ficam ligados a nada.
Embora a noção de períodos críticos de “tudo-ou-nada” pareça restritiva com
relação ao desenvolvimento humano, muitos psicólogos do desenvolvimento defen-
dem a idéia de períodos “sensíveis”. Um período sensível é uma época propícia
para a ocorrência de algumas mudanças evolutivas e é quando as influências am-
bientais têm maior probabilidade de ser eficientes no estímulo da sua ocorrência.
Por exemplo, para as crianças desenvolverem habilidades de linguagem normais, é
essencial que elas estejam expostas à linguagem durante a infância, mas não há
um período específico durante a infância em que se saiba que a produção de lingua-
gem seja essencial. As crianças parecem ser mais sensíveis à produção de linguagem
nos primeiros anos da vida, mas, mesmo que não sejam regularmente expostas à
linguagem até os seis ou sete anos de idade, parece que ainda são capazes de adquiri-
la. Depois disso, o risco de não conseguir adquirir linguagem aumenta (Grimshaw
et al., 1998; Johnson e Newport, 1989).
Os períodos sensíveis podem não se limitar a mudanças evolutivas que envolvem
a prontidão biológica. Yasuko Minoura (1992) relata a existência de um “período
sensível cultural”. Ela descobriu que as crianças japonesas que haviam residido nos
Estados Unidos durante quatro anos, entre as idades de 9 e 13 anos, tiveram grande
dificuldade em se reincorporar à sociedade japonesa quando voltaram à sua terra
natal como adolescentes. Elas haviam aprendido e aceitado uma maneira de pensar
e sentir americana que fazia a maneira de interagir e pensar japonesa parecer estra-
nha. Por exemplo, aquelas que retornaram ao Japão relatavam que achavam difícil
evitar ser abertos e explícitos sobre seus sentimentos, e isso lhes causava problemas
com as crianças japonesas que encontravam. Não aconteceu o mesmo com as crianças
menores que passaram um período de tempo igual nos Estados Unidos, mas que
voltaram ao Japão antes dos 11 anos de idade. A reinserção das crianças menores
na cultura japonesa, embora não isenta de problemas, foi rápida e completa.
QUESTÕES SOBRE AS FONTES DE DESENVOLVIMENTO
A segunda questão importante que preocupa os psicólogos do desenvolvimento é a
maneira pela qual os fatores biológicos geneticamente determinados interagem com
os fatores ambientais para produzir resultados desenvolvimentais. Esta questão é
freqüentemente colocada como um debate sobre a importância relativa da “natureza”
(nature) e da “educação”(nurture). Natureza refere-se às predisposições biológicas
herdadas do indivíduo; educação refere-se às influências do ambiente social e cul-
tural sobre o indivíduo, particularmente aquelas advindas da família e da comuni-
dade. Grande parte das discussões sobre Victor, o Menino Selvagem de Aveyron,
dizia respeito às influências relativas da natureza e da educação: Victor era incapaz
de falar e de expressar outros comportamentos normais para um menino da sua
idade devido a uma dotação biológica deficiente (natureza) ou por causa de uma
educação inadequada? (As primeiras formulações filosóficas dessa questão estão
discutidas no Destaque 1.1.)
As crenças sobre as contribuições da natureza e da educação para o desenvolvi-
mento podem ter efeitos de longo alcance sobre a maneira como a sociedade trata
as crianças. Se, por exemplo, supõe-se que as meninas, por natureza, têm pouco
interesse por matemática e ciências, não é provável que sejam encorajadas por seus
pais, professores e outros membros da sociedade a se tornarem matemáticas ou
cientistas. Se, por outro lado, supõe-se que os talentos matemático e científico são,
em grande parte, resultado da educação, uma sociedade pode treinar meninas e meni-
nos igualmente nessas atividades.
período sensível Um período ideal para
que ocorram alguns desenvolvimentos
porque os eventos ambientais são mais
eficazes para estimular seu
desenvolvimento naquele período.
natureza As predisposições biológicas
herdadas do indivíduo.
educação A influência do ambiente
social e cultural sobre o indivíduo.
36 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Os psicólogos modernos enfatizam que não podemos descrever adequadamente
o desenvolvimento considerando a natureza ou a educação isoladas uma da outra
porque o organismo e seu ambiente constituem um único processo de vida (Gottlieb,
1997). Não obstante, é prática comum estudar os sistemas de vida tentando sepa-
rar os efeitos dessas duas influências e analisá-las independentemente. O proble-
ma, então, é duplo: (1) determinar as contribuições relativas da natureza e da edu-
cação para vários tipos de comportamento e (2) descobrir como a criança em desen-
volvimento é criada a partir da interação da natureza com a educação.
QUESTÕES SOBRE AS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS
Cada pessoa é, em alguns aspectos, como todas as outras pessoas, como alguma
outra pessoa e como nenhuma outra pessoa. Todos os humanos são parecidos por-
que todos nós somos membros da mesma espécie; todos os humanos são parecidos
com algumas pessoas, mas não com outras, na medida em que compartilham impor-
tantes características biológicas (os homens são parecidos um com o outro e diferen-
tes das mulheres) ou características culturais (os aborígenes australianos são pareci-
dos se em comparação com o povo Inuit da América do Norte); e toda pessoa é
psicologica e fisicamente única. Até gêmeos idênticos, que têm exatamente as mes-
mas constituições genéticas, não são parecidos em todos os aspectos.
Para se tentar entender a natureza do desenvolvimento devem ser levadas em
conta duas questões sobre as diferenças individuais: (1) o que torna os indivíduos
diferentes um do outro e (2) em que extensão as características individuais são
estáveis no decorrer do tempo?
A questão sobre o que torna os indivíduos diferentes uns dos outros é realmen-
te outra forma de discutir as fontes de desenvolvimento: Somos diferentes um do
outro principalmente por causa da nossa natureza ou por causa da nossa educação?
Se o bebê Sam é extremamente inquieto é porque ele herdou uma tendência a ficar
facilmente irritado ou porque seus pais o estimulam o tempo todo em excesso? Se
o bebê Georgia está extremamente gorda, isso é por que ela herdou uma tendência
para a obesidade ou por que seus pais lhe dão alimentos que contêm muitagordura
e açúcar? Embora importantes técnicas estatísticas e engenhosos métodos de coleta
de dados tenham sido usados em um esforço para separar as fontes de variação
fundamentais entre os indivíduos, persistem os desacordos entre a teoria e o fato
(Gottlieb et al., 1998; Lewontin, 1994; Plomin et al., 1997).
Na medida em que as características individuais são inatas e estáveis, elas pro-
porcionam um vislumbre do que as crianças deverão ser no futuro. Se o bebê Sam é
um inquieto inato, talvez venha a se tornar uma criança irritável. Se o bebê Georgia
herdou uma taxa de metabolismo baixa, talvez seja uma adolescente com excesso
de peso. Determinar a extensão em que o passado proporciona um guia para o
futuro é uma tarefa importante enfrentada pelos psicólogos do desenvolvimento.
A idéia que algumas das nossas características psicológicas permanecem estáveis
durante períodos extensos de tempo é sugestiva. Os pais, às vezes, comentam que
seus filhos são amigáveis, ou tímidos, ou atentos desde bebês. No entanto, demons-
trar essa estabilidade cientificamente – pelo menos desde muito cedo – tem-se mos-
trado difícil. O problema é que medidas que parecem apropriadas para avaliar traços
psicológicos, como a memória ou a afabilidade quando bebê, provavelmente não
são apropriadas para avaliar os mesmos traços aos oito anos de idade ou em um
adolescente. Talvez por isso muitos estudos tenham falhado na observação de traços
psicológicos estáveis na infância (Eaton, 1994). Contudo, o aprimoramento das
técnicas de pesquisa, nos últimos anos, tem permitido que alguns investigadores
encontrem diferenças individuais moderadamente estáveis em várias características
psicológicas. Há evidências, por exemplo, de que as crianças que eram tímidas e
inseguras aos 21 meses de idade ainda têm probabilidade de ser tímidas e cautelosas
aos 12 anos ou mais (Kagan, 1994), e que os bebês que processavam rapidamente
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 37
as informações visuais aos sete meses de idade exibem um processamento perceptual
rápido quando testados aos 11 anos de idade (Rose e Feldman, 1997).
A estabilidade das características psicológicas das crianças, no decorrer do tempo,
depende do ambiente e da composição genética (Aspendorf e Valsiner, 1992). Alguns
estudos revelaram que crianças que permanecem em um orfanato, que só proporcio-
na um cuidado mínimo desde bebês até a adolescência, são letárgicas e pouco
inteligentes. Elas também correm o risco de experimentar dificuldades intelectuais
e emocionais quando adultas. Mas se o ambiente das crianças pequenas institucio-
nalizadas é modificado – ou seja, se elas recebem uma atenção extra e estimulante
por parte da equipe do orfanato ou se são adotadas por famílias carinhosas –, sua
condição melhora significativamente e muitas delas tornam-se adultos intelectual-
mente normais (Clarke e Clarke, 1986).
A DISCIPLINA DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Entre as ciências que estudam o desenvolvimento, a psicologia é aquela que focaliza
o ser humano individual. Em contraste, a sociologia e a antropologia concentram
sua atenção nos grupos humanos, enquanto as ciências biológicas estudam nossa
espécie como um todo, encarando-a em relação a outras formas de vida. Essa divisão
do trabalho científico cria um paradoxo. Por um lado, os psicólogos tentam entender
o desenvolvimento em termos da pessoa como indivíduo; por outro lado, a tradição
das ciências naturais, que dominou a psicologia durante o século passado, estuda
as pessoas em geral ou como membros de grupos, não como indivíduos isolados e
únicos (Danzinger, 1990). Esse paradoxo é eloqüentemente descrito pelo romancista
e filósofo Walker Percy:
Há um segredo a respeito do método científico que cada cientista conhece e assume
como um fato lógico, mas que o leigo não sabe ... O segredo é: a ciência não pode proferir
uma única palavra sobre uma molécula, coisa ou criatura individuais, na medida em
que sejam um indivíduo, mas somente na medida em que forem parecidas com outros
indivíduos. (1975, p. 22)
A diferença entre estas duas formas de saber – uma baseada no conhecimento
íntimo dos indivíduos e de suas biografias, e a outra baseada nas características
comuns a muitas pessoas – é uma fonte de constante tensão nas tentativas dos
psicólogos de entender o desenvolvimento. Quanto mais os psicólogos querem saber
sobre os indivíduos, mais precisam saber sobre a história de vida de cada pessoa e
as circunstâncias atuais. Mas, quanto mais se concentram nas histórias individuais
e nos padrões de influência, menos podem generalizar seus achados para outros
indivíduos.
Por exemplo, se o objetivo de um determinado projeto de pesquisa é criar um
ambiente benéfico para os bebês nascidos prematuramente ou entender o papel do
jogo simbólico no desenvolvimento intelectual das crianças entre um e três anos de
idade, pode ser apropriado tratar todas as crianças como equivalentes no que
concerne à questão referida. Mas se o objetivo é ajudar Johnny, que de repente
começou a faltar à escola e a se comportar mal na classe, o psicólogo pode querer
saber as circunstâncias do nascimento de Johnny, mudanças recentes em sua vida
familiar e, talvez, até a mistura específica de crianças e atividades com que Johnny
está lidando na escola. As dúvidas sobre como tirar conclusões corretas com refe-
rência ao relacionamento entre as tendências gerais e os casos individuais ocorrem
por todo o amplo espectro dos métodos que os psicólogos usam em sua pesquisa.
CRITÉRIOS DE DESCRIÇÃO CIENTÍFICA
Seja lidando com uma criança ou com um grupo de crianças, os psicólogos do desen-
volvimento, como qualquer outro cientista, iniciam sua pesquisa com observações
38 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
e especulações do senso comum. Depois, tentam testar suas idéias de maneira que
proporcionem respostas claras e que permitam às outras pessoas comprovar seu
raciocínio e seus procedimentos. Os psicólogos usam quatro critérios gerais para
julgar as conclusões derivadas de investigações do comportamento das crianças:
objetividade, confiabilidade, validade e replicabilidade.
 Para serem úteis na construção de um relato disciplinado do desenvolvimento
humano, os dados devem ser coletados e analisados com objetividade, ou seja,
não devem ser distorcidos por preconceitos do investigador. A objetividade total é
impossível de ser conseguida na prática porque todos os seres humanos – inclusive
os psicólogos – já chegam ao estudo do comportamento com crenças que influenciam
suas interpretações a respeito do que vêem. Mas a objetividade continua sendo um
ideal importante com o qual trabalhar.
Os dados de pesquisa devem exibir a propriedade da confiabilidade em dois
sentidos. Em primeiro lugar, a cada vez que as condições que produziram os dados
originais são repetidas, elas devem produzir os mesmos resultados. Em segundo
lugar, observadores independentes devem concordar em suas descrições dos resulta-
dos. Suponhamos que um queira saber como bebês inquietos comportar-se-ão quan-
do uma chupeta for retirada deles enquanto estiverem sugando-na (Goldsmith e
Campos, 1982). As declarações sobre o grau de aflição do bebê são consideradas
confiáveis no primeiro sentido, caso o primeiro nível de aflição (medido em termos
do choro ou da inquietação) encontrado seja mais ou menos o mesmo em ocasiões
sucessivas em que a sucção do bebê for interrompida. As declarações são considera-
das confiáveis no segundo sentido se observadores independentes concordam so-
bre a maneira como o bebê se torna aflito cada vez que se tira a chupeta dele.
A validade significa que os dados que estão sendo coletados realmente refletem
o fenômeno que o pesquisador declara estar estudando. Digamos, por exemplo, que
um pesquisador tenha formulado a hipótese de que a aflição que os bebês exibem
quando sua sucção é interrompida reflita uma permanente predisposição para se
tornar irritável quando frustrados. Paratestar essa hipótese, o pesquisador deve
observar como os bebês reagem quando um chocalho é removido da sua mão ou
quando eles não são alimentados na hora. Se não se tornam aflitos nessas condições,
isso pode significar que a hipótese está incorreta. Contudo, poderia também signifi-
car que retirar um chocalho ou não manter um horário de alimentação não seja
uma medida válida da frustração infantil.
Na pesquisa científica, a replicabilidade, a quarta exigência, significa que outros
pesquisadores podem usar os mesmos procedimentos que um investigador inicial
utilizou e obter os mesmos resultados. Nos estudos da capacidade de imitação dos
recém-nascidos, por exemplo, alguns pesquisadores relatam que os recém-nascidos
imitam algumas expressões faciais exageradas que eles vêem outra pessoa fazer
diretamente na frente deles. Entretanto, usando os mesmos métodos, outros investi-
gadores não encontraram evidência dessa imitação em recém-nascidos (ver Capítulo
4, p. 146). Somente se algum achado, sob as mesmas condições, for obtido repetidas
vezes por investigadores diferentes, há a probabilidade de ser considerado firme-
mente estabelecido pela comunidade científica.
Quando os estudiosos do desenvolvimento estão analisando grupos, um quinto
critério, a amostragem representativa, em geral entra em jogo. Na maioria das vezes, as
populações que os pesquisadores estão interessados em conhecer são grandes de-
mais para serem estudadas em sua totalidade e, por isso, devem estudar amostras
dessas populações. Nesses casos, é importante que eles estudem uma amostra re-
presentativa da população do seu interesse, ou seja, uma amostra que reflita todas
as características – inclusive idade, sexo, situação socioeconômica, etnia, etc. – da
população geral do seu interesse. Isso porque conclusões extraídas de dados coletados
de um grupo de pessoas podem não ser aplicáveis a outros grupos com características
diferentes. Por exemplo, um estudo da quantidade de ansiedade que os bebês exibem
quando são brevemente separados de suas mães pode produzir um conjunto de
resultados se o estudo examina bebês de famílias de classe média e um outro conjunto
objetividade A exigência de que o
conhecimento científico não seja
distorcido por preconceitos do
investigador.
confiabilidade A exigência científica de
que, quando o mesmo comportamento é
avaliado em duas ou mais ocasiões pelo
mesmo observador ou por observadores
diferentes, as avaliações sejam
consistentes uma em relação à outra.
validade A exigência científica de que os
dados que estão sendo coletados
realmente reflitam o fenômeno que está
sendo estudado.
replicabilidade A exigência científica de
que outros pesquisadores possam usar
os mesmos procedimentos como fez um
investigador inicial e obter os mesmos
resultados.
amostra representativa Uma amostra de
pessoas que reflita todas as
características da população em geral
que o pesquisador está interessado em
conhecer.
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 39
de resultados se examina bebês de lares da classe operária da mesma localidade ou
de lares da classe média de uma localidade diferente.
MÉTODOS DE COLETA DE DADOS
No último século, os psicólogos aprimoraram vários métodos para a coleta de infor-
mações sobre o desenvolvimento das crianças. Entre os mais amplamente usados
estão os auto-relatos, as observações naturalistas, as experiências e as entrevistas
clínicas. Nenhum método pode responder a todas as questões sobre o desenvolvi-
mento humano, mas cada um tem um papel estratégico a desempenhar sobre o
tópico. Freqüentemente, os pesquisadores usam um ou mais métodos combinados
para confirmar suas conclusões.
Auto-relatos
Talvez a maneira mais direta de se obter informações sobre o desenvolvimento psico-
lógico seja por meio de auto-relatos, ou seja, respostas das pessoas a perguntas
sobre elas próprias. Os psicólogos, em geral, realizam entrevistas para obter auto-
relatos, mas podem também usar questionários escritos ou uma folha de verificação
comportamental (uma lista dos comportamentos que o indivíduo assinala quando
ocorrem). Tópicos diferentes como o desenvolvimento de pensamentos e sentimentos
dos adolescentes sobre si mesmos (Harter, 1998) e técnicas disciplinares dos pais
(McGillicuddy-DeLisi e Sigel, 1995) foram investigados dessa maneira. Alguns pes-
quisadores proporcionam bipes aos adolescentes, que soam a intervalos aleatórios
no decorrer do dia, lembrando aos adolescentes de preencher um questionário sobre
o que estavam fazendo e sentindo quando o bipe tocou (Larson e Richards, 1998).
Os auto-relatos obtidos por meio de entrevistas e questionários podem proporcio-
nar informações detalhadas das experiências de vida da pessoa que, do contrário,
poderiam escapar à percepção dos investigadores. Contudo, são também extrema-
mente suscetíveis a imprecisões. Essa dificuldade é óbvia no caso de crianças muito
pequenas, que podem não entender as perguntas que lhes estão sendo feitas. Mas é
também uma dificuldade séria com adultos, que, provavelmente, serão seletivos
naquilo que estão dispostos a relatar sobre si mesmos e sobre seus filhos (Brewin,
Andrews e Gotlib, 1993). A memória seletiva dos pais também é um problema nos
relatos retrospectivos a longo prazo, em que os pais lembram como era o comporta-
mento dos seus filhos quando eles eram bem pequenos e quais eram suas próprias
reações a ele.
Observações naturalistas
A maneira mais direta de reunir informações objetivas sobre as crianças é estudá-
las através de observações naturalistas, ou seja, observá-las durante suas vidas
cotidianas e registrar o que acontece. Como a presença de um estranho (ou seja, do
pesquisador) pode ser invasiva em muitas situações, a estratégia ideal é conseguir
que as crianças sejam observadas por alguém que, em geral, passe algum tempo
com elas – pai/mãe ou uma professora, por exemplo.
No século XIX, vários cientistas começaram a escrever biografias do bebê,
diários em que registravam observações de seus próprios filhos. O mais famoso
desses relatos é o registro diário de Darwin (1877) do desenvolvimento inicial do
seu filho mais velho (Figura 1.4). Documentando o desenvolvimento do seu filho e
determinando que características ele compartilhava com outras espécies em diferen-
tes idades, Darwin esperava encontrar apoio para sua tese da evolução humana.
Jean Piaget (1952b, 1954), psicólogo do desenvolvimento, também manteve um
diário do desenvolvimento de seus filhos, o qual serviu de base para sua importante
teoria do desenvolvimento cognitivo. (Vamos encontrar trechos dessa obra em vários
momentos no decorrer deste livro.) Outra forma de manutenção de diário, em que
os pais documentam cuidadosamente o desenvolvimento das habilidades de lin-
auto-relato Um método de coleta de
dados pelo qual as pessoas relatam seus
próprios estados psicológicos e seu
comportamento.
observação naturalista Observação do
comportamento real das pessoas
durante sua vida cotidiana.
biografia do bebê Um relato detalhado
feito pelo pai/mãe sobre o comporta-
mento de um bebê durante um extenso
período de tempo.
FIGURA 1.4
O naturalista Charles Darwin ficou
famoso por sua teoria da evolução. Suas
observações sobre seu filho, que ele
registrou em uma biografia do bebê,
proporcionam uma das primeiras
descrições sistemáticas do
desenvolvimento do bebê.
40 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
guagem dos seus filhos, tem sido extremamente útil no estudo da aquisição da
linguagem (Fenson et al., 1994; Tomasello, 1992).
Uma importante virtude das biografias do bebê escritas por familiares é que os
autores passam muito tempo com seus pesquisados e têm a oportunidade de observá-
los tanto nas situações de rotina como em circunstâncias não-usuais. Por exemplo,
Marilyn Shatz (1994) foi capaz de documentar o desenvolvimento de seu neto sobre
a percepção dos processos de pensamento das outras pessoas porque ela passava
muito tempo com ele e ele a conhecia bem. Um dosmuitos momentos comoventes
de revelação dessa evidência surgiu quando ela equivocadamente achou que ele
havia urinado no pijama. Percebendo a reação dela, ele disse: “Você pensou que eu
tivesse feito xixi”. Esse comentário claro indicava que ele havia atingido um marco
no seu desenvolvimento cognitivo: a percepção de que as pessoas podem ter idéias
que sejam contrárias ao fato. Um achado sutil como esse pode não ser revelado em
testes conduzidos por uma pessoa estranha.
Apesar de suas virtudes, especialmente quando escritas por estudiosos do desen-
volvimento bem treinados, as biografias dos bebês devem ser usadas com grande
cautela porque nem mesmo cientistas conseguem, em geral, manter a objetividade
quando descrevem seus próprios filhos. Como comenta o psicólogo William Kessen,
“ninguém consegue distorcer de maneira tão convincente quanto um pai/mãe amo-
roso” (1965, p. 117).
Outras formas de observação naturalista são mais comumente usadas. Para os
etologistas, por exemplo, a observação naturalista é um instrumento de pesquisa
importante. A etologia é uma ciência interdisciplinar que estuda as bases biológicas,
evolucionárias do comportamento (Hinde, 1987). Os etologistas enfatizam muito a
observação naturalista porque acreditam que comportamentos biologicamente im-
portantes que afetam o desenvolvimento humano são melhor estudados nos ambien-
tes que são importantes para as vidas cotidianas das pessoas (Savin-Williams, 1987).
F. Francis Strayer e A. J. Santos (1996) realizaram observações naturalistas,
nessa tradição, quando estudaram a maneira como as crianças interagem em salas
de aula de pré-escola. Observando e registrando quem interagia com quem e a na-
tureza das interações, Strayer e Santos descobriram que as hierarquias sociais de-
senvolvem-se espontaneamente nas classes de pré-escola, assim como acontece com
algumas espécies animais. Uma vez desenvolvidas, essas hierarquias sociais regu-
lam as interações que as crianças realizam umas com as outras.
A observação naturalista é também favorecida pelos etnógrafos, que estudam
a organização cultural do comportamento. Nas mãos dos estudiosos do desenvolvi-
mento, as descrições etnográficas proporcionam um conhecimento detalhado das
maneiras que as experiências das crianças são organizadas pelos pais e pelas comu-
nidades, assim como as muitas maneiras que as crianças reagem a essa organização.
Edward Tronick e sua equipe, por exemplo, documentaram como os bebês nascidos
na tribo dos forrageiros Efe da floresta Ituri do Congo são rotineiramente cuidados
por várias pessoas e, provavelmente, amamentados por várias mulheres. Esse padrão,
que parece tão estranho em relação às idéias ocidentais sobre criação de filhos, é
essencial à maneira de viver dos forrageiros Efe e aceita pelas crianças Efe como
naturais (Tronick, Winn e Morelli, 1985).
Observação em muitos contextos. As observações naturalistas podem ser confinadas
a um único contexto ou podem ser empregadas para reunir dados em muitos contex-
tos. Esse último tipo de estratégia de observação é freqüentemente usada para estudar
a ecologia de uma criança, termo derivado da palavra grega que significa “casa”. Nas
ciências biológicas, a “casa” é o hábitat de uma população de plantas ou animais e
a ecologia dessa população é o padrão do seu relacionamento com seu ambiente.
Em psicologia, a ecologia se refere à variedade de situações em que as pessoas são
atores, os papéis que desempenham, as situações que encontram e as conseqüências
desses encontros (ver Figura 1.5) (Bronfenbrenner e Morris, 1998).
etologia Uma ciência interdisciplinar que
estuda as bases biológicas e
evolucionárias do comportamento.
etnógrafos Estudiosos que estudam a
organização cultural do comportamento.
ecologia A variedade de situações em
que as pessoas são atores e os papéis
que desempenham, as dificuldades que
encontram e as conseqüências desses
encontros.
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 41
Charles Super e Sarah Harkness (1997), que têm estudado o desenvolvimento
das crianças em vários países, enfatizam os elos entre o desenvolvimento das crianças
e a comunidade nas quais elas nasceram. Referem-se ao local da criança dentro da
comunidade como um nicho desenvolvimental. Eles sugerem que todo nicho
desenvolvimental seja analisado em termos de três componentes: (1) o contexto
físico e social em que a criança vive, (2) as práticas educacionais e culturalmente
determinadas de criação dos filhos da sociedade na qual a criança se desenvolve e
(3) as características psicológicas dos pais da criança. Descrições completas das
experiências da vida real das crianças em seus contextos socioculturais proporcio-
nam uma percepção da criança por inteiro e as muitas influências experenciadas.
Essas descrições podem nos dizer que oportunidades e dificuldades as crianças en-
frentam em suas vidas e como as circunstâncias podem ser mudadas para estimular
o seu desenvolvimento.
Provavelmente, o estudo mais ambicioso jamais realizado sobre a ecologia do
desenvolvimento foi conduzido por Roger Barker e Herbert Wright (1951, 1955).
Esses pesquisadores passaram centenas de horas observando e descrevendo a ecolo-
gia natural das crianças em idade escolar em várias comunidades dos Estados Unidos
e do exterior. Em um desses estudos, observaram um menino norte-americano de
sete anos de idade desde o momento em que ele acordou, em 26 de abril de 1949,
até o momento em que foi dormir aquela noite. Barker e Wright descobriram que,
nesse único dia, o menino participou de aproximadamente 1.300 atividades distintas
em uma grande variedade de ambientes, envolvendo centenas de objetos e dezenas
de pessoas. Essas observações deram alguma idéia da grande extensão de habilidades
FIGURA 1.5
A abordagem ecológica vê as crianças
no contexto formado por todos os vários
ambientes em que ela habita em seu
cotidiano (microssistemas). Esses
ambientes são relacionados uns com
os outros de várias maneiras (mesos-
sistemas), que são por sua vez ligados a
ambientes e a instituições sociais em que
as crianças não estão presentes, mas
que têm uma importante influência no
seu desenvolvimento (exossistemas).
Todos esses sistemas são organizados
em termos das crenças e ideologias
dominantes da cultura (o macrossistema).
MACROSSISTEMA
EXOSSISTEMAS
MESOSSISTEMAS
MICROSSISTEMAS
Crenças e ideologias dominantes
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Adultos
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Crianças Crianças
Adultos
Pares
Pares
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Lar Ambiente religioso
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onselho escolar
Local de trabalho dos pais
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Vizinhança
Vizinhança
nicho desenvolvimental O contexto físico
e social em que uma criança vive,
incluindo as práticas de criação de filhos
e educacionais da sociedade, além das
características psicológicas dos pais.
42 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
que as crianças possuem aos sete anos de idade e das muitas exi-
gências sociais que são rotineiramente feitas às crianças. (Você
vai obter mais informações sobre esse estudo no Capítulo 12).
Por várias razões práticas, poucos estudos ecológicos se aproxi-
mam do escopo do estudo de Barker e Wright. A maioria dos inves-
tigadores que estudam as crianças em uma variedade de contextos
é obrigada a ser mais eletiva. Eles, em geral, decidem antecipada-
mente observar um tipo específico de comportamento em diferen-
tes contextos ou escolhem alguns importantes contextos e obser-
vam os vários comportamentos que as crianças exibem neles. Por
exemplo, em um estudo do papel do brinquedo nas vidas de crian-
ças pequenas maias de diferentes idades, morando em uma afasta-
da aldeia rural do sudeste do México, Susan Gaskins (1999) usou
a última abordagem, observando as crianças por um total de várias
horas no decorrer de vários dias. Ela fez “observações pontuais”,
registrando o que as criançasestavam fazendo em momentos dife-
rentes do dia para ter a certeza de haver captado toda a variedade
de atividades das crianças. Cada período de observação durava
uma hora, período em que Gaskins tentava realizar um registro
detalhado de como as crianças estavam e o que estavam fazendo.
Descobriu que, em comparação com as crianças que vivem nos
Estados Unidos, as crianças pequenas maias que vivem na zona
rural passam grande parte do tempo observando as atividades
rotineiras dos adultos e começam a ter um papel ativo nas tarefas
domésticas diárias desde tenra idade, pegando lenha, tirando água
e ajudando na preparação de alimentos. Como resultado, as crian-
ças maias passam um tempo consideravelmente menor envolvidas
em brincadeiras de faz-de-conta, que talvez seja a atividade dominante das crianças
pequenas nas sociedades industrializadas.
Observação em um contexto isolado. A própria amplitude da abordagem ecológica torna-
a demorada e de aplicação dispendiosa. Em vista disso, os psicólogos do desenvolvi-
mento freqüentemente restringem suas observações a um único ambiente social, que
é amplamente observado e importante nas vidas das crianças, observando em detalhes
municiosos as interações face a face entre as crianças ou entre crianças e adultos.
Um estudo clássico realizado por Lisa Serbin e sua equipe (1973), por exemplo,
examinou as interações dos professores e alunos em 15 salas de aula de pré-escola
para ver se algum comportamento da professora poderia estar involuntariamente
encorajando a agressividade nos meninos e a dependência nas meninas. Verificaram
que as professoras não prestavam igual atenção ao mau comportamento de meninos
e meninas. As professoras castigavam os meninos publicamente por uma proporção
maior dos seus maus comportamentos do que às meninas pelos delas. Com freqüên-
cia, esse tratamento seletivo parecia aumentar a agressividade entre os meninos.
Em um conjunto de observações paralelas, os pesquisadores descobriram que as
professoras recompensavam o comportamento dependente das meninas prestando
mais atenção àquelas que se sentavam mais próximo, ao mesmo tempo, prestavam
igual atenção a todos os meninos, não importando onde eles estivessem sentados
na classe. Esses achados foram confirmados em um grande número de estudos
(Ruble e Martin, 1998). Uma vez descobertas tais práticas, novos padrões de interação
puderam ser sugeridos às professoras a fim de estimular um comportamento mais
adequado em alunos de ambos os sexos. Um importante destaque dessa linha de
pesquisa tem sido a introdução, em algumas escolas, de classes só femininas em
algumas áreas do currículo, como matemática, como uma maneira de melhorar o
desempenho educacional das meninas.
Limitações das observações naturalistas. Os estudos de observação são um marco na
pesquisa de desenvolvimento da criança e uma fonte fundamental de dados sobre
O Cartunista Gary Trudeau comenta
sobre o fenômeno estabelecido na
pesquisa de observação de que as
professoras reagem diferentemente aos
meninos e às meninas em suas salas de
aula.
COMO
ESTÁ
A PRÉ-
ESCOLA,
QUERIDA?
BEM, EU
ACHO. FORA
QUE EU
NUNCA
CONSIGO
DIZER
NADA...
O QUE
QUER
DIZER,
ALEX?
OS MENINOS FORTES TÊM
TODA A ATENÇÃO. A SRA.
JASPER NÃO É JUSTA EM
NÃO DEIXAR AS MENINAS
RESPONDER AS
PERGUNTAS.
HMM...
TALVEZ EU DEVA TER
UMA CONVERSINHA
COM ELA.
MAMÃE, ELA
NUNCA VAI
OUVIR VOCÊ.
MANDE O PAPAI.
DOONESBURY Por Garry Trudeau
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 43
tal desenvolvimento. O que podemos aprender com isso é, no entanto, limitado. Os
observadores entram em cena com expectativas sobre o que vão ver, e todos nós
tendemos a observar seletivamente, segundo as nossas expectativas. Um observador
não consegue escrever tudo e, por isso, algumas informações são inevitavelmente
perdidas. Em alguns estudos, esquemas de anotação pré-estabelecidos especificam
o que observar e como relatá-lo. A desvantagem desses esquemas é que eles não são
flexíveis o bastante para levar em conta eventos inesperados, de forma que os deta-
lhes também são freqüentemente perdidos. Se passa algum tempo entre um evento
e a anotação, as observações podem ser ainda mais distorcidas, porque a lembrança
seletiva das pessoas acentua o problema de uma observação também seletiva
(D’Andrade, 1974). Os registros do comportamento em fitas de vídeo ou filmes são
úteis, mas requerem um tempo excessivo para serem analisados.
Outra dificuldade da pesquisa de observação é que, quando as pessoas sabem
que estão sendo observadas, muitas vezes se comportam diferentemente do que se
comportariam normalmente (Hoff-Ginsberg e Tardiff, 1995). Esse problema foi
claramente demonstrado por um estudo de laboratório em que Zoe Graves e Joseph
Glick (1978) pediram às mães para ajudar seus filhos de 18 a 25 meses a completar
um jogo de quebra-cabeça. Para determinar a influência do fato de estar sendo
observado sobre o comportamento das mães, Graves e Glick disseram à metade das
mães que o equipamento de vídeo que seria usado para registrar suas interações
não estava funcionando. Eles descobriram que as mães que acreditaram que não
estavam sendo filmadas foram de menor ajuda a seus filhos do que aquelas que
acreditavam que suas ações estavam sendo registradas.
Talvez o principal problema da observação naturalista seja o fato de ela rara-
mente permitir aos pesquisadores estabelecer a existência de relacionamentos causais
entre os fenômenos, um objetivo básico da ciência. As observações naturalistas po-
dem estabelecer se existe uma correlação entre dois fatores, ou seja, se as mudan-
ças em um fator variam de acordo com as mudanças em outro. Mas uma correlação
não nos pode dizer se um fator causa o outro ou se ambos os fatores são causados
por um terceiro fator, não-determinado (ver Destaque 1.2). Em seu estudo ecológico,
por exemplo, Barker e Wright descobriram que as crianças agiam de maneira mais
amadurecida na igreja do que em uma loja. Mas não houve como saber, por exemplo,
se isso acontecia porque a natureza do ambiente da igreja evocava um comportamen-
to amadurecido ou porque os pais das crianças estavam ali para observá-las. Questões
similares surgem no estudo realizado por Serbin e sua equipe. As professoras castiga-
vam os meninos por seu mau comportamento com mais freqüência do que castiga-
vam as meninas porque tinham estereotipado os meninos como desordeiros que
precisavam de disciplina para serem mantidos na linha ou porque simplesmente
percebiam com mais freqüência o mau comportamento dos meninos do que das
meninas? Questões similares podem ser levantadas sobre quase qualquer estudo de
observação do comportamento. Para tentar resolver essas questões, os psicólogos
recorrem a métodos experimentais.
Métodos experimentais
Um experimento psicológico, em geral, consiste em introduzir alguma mudança
na experiência de uma pessoa ou de um animal e, depois, medir qualquer efeito
que a mudança provoque no comportamento da pessoa ou do animal. O ideal é que
todas as outras possíveis influências causais sejam mantidas constantes enquanto
o fator de interesse é variado para determinar se esse fator realmente produz uma
diferença. Se uma experiência é bem planejada e executada, deve proporcionar um
meio de confirmar ou não confirmar uma hipótese científica sobre as causas do
comportamento observado. Uma hipótese científica é uma suposição precisa o bas-
tante para ser testada e poder mostrar-se incorreta. Se não há como refutar a hipótese,
ela tem pouco valor científico.
correlação A condição que existe entre
dois fatores, quando as mudanças em
um fator são associadas a mudanças no
outro.
experimento Em psicologia, a pesquisa
em que uma mudança é introduzida na
experiência de uma pessoa e o efeito
dessa mudança é medido.
hipótese científica Uma suposição
precisa o bastante para ser testada e
poder mostrar-se incorreta.
44 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Uma investigação sobre a emergência do medo em bebês

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