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Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR DOENÇA HIPERTENSIVA ESPECÍFICA DA GESTAÇÃO INTRODUÇÃO Além da eclâmpsia e da síndrome HELLP outras situações graves podem estar associadas à DHEG, como descolamento prematuro de placenta (DPP), coagulação intravascular disseminada (CIVD), hemorragia cerebral, edema pulmonar, insuficiência hepática e insuficiência renal aguda. As complicações perinatais incluem prematuridade, restrição do crescimento fetal (RCF), sofrimento fetal e morte perinatal. CONCEITOS A DHEG compreende o conjunto das alterações pressóricas observadas na gestação, incluindo a pré- eclâmpsia e a eclâmpsia. Ela é caracterizada pela presença de hipertensão arterial, edema e/ou proteinúria a partir de 20 semanas de gestação, em pacientes previamente normotensas. Eclâmpsia é a ocorrência de convulsões tonicoclônicas generalizadas e/ou coma em gestante com pré- eclâmpsia. Define-se hipertensão arterial quando a pressão arterial sistólica é igual ou superior a 140 mmHg e/ou a pressão arterial diastólica é igual ou superior a 90 mmHg. FORMAS CLÍNICAS Pré-eclâmpsia: desenvolvimento de hipertensão arterial, com proteinúria significativa e/ou edema de mãos e face que ocorre após 20 semanas; Eclâmpsia: aparecimento de convulsões em paciente com pré-eclâmpsia; Hipertensão crônica: hipertensão arterial persistente anterior à gravidez ou anterior a 20 semanas e que se mantém após o puerpério; Pré-eclâmpsia ou eclâmpsia associada à hipertensão arterial crônica: aparecimento de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia em paciente com antecedente de hipertensão arterial crônica; Hipertensão transitória: elevação dos níveis pressóricos no final da gestação ou no início do puerpério (24 horas de pós-parto), sem proteinúria e que retoma aos valores normais em até 10 dias após o parto; Doença hipertensiva não classificável: em que as informações obtidas não são suficientes para a classificação. INCIDÊNCIA FATORES DE RISCO A maioria dos casos (75%) ocorre em mulheres nulíparas. Entre outros fatores de risco para o desenvolvimento de DHEG e de suas complicações, destacam-se nível socioeconômico desfavorável, idade materna avançada, história familiar de DHEG, obesidade, gestação múltipla, doença trofoblástica gestacional, DHEG em gestação pregressa, diabetes mellitus, doença renal, colagenoses e trombofilias. Estudos evidenciaram a predisposição hereditária à DHEG. Embora alguns autores tenham atribuído essa predisposição à participação de polimorfismos de alguns genes, os resultados ainda permanecem inconsistentes. Na presença de feto hidrópico, como na aloimunização Rh, a incidência de DHEG é de aproximadamente 50%. ETIOLOGIA A etiologia da DHEG permanece desconhecida, o que dificulta a sua prevenção primária. Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR DEFICIÊNCIA DA INVASÃO TROFOBLÁSTICA A presença da DHEG, mesmo em situações nas quais não exista feto (como nas moléstias trofoblásticas gestacionais), e o fato de a retirada da placenta iniciar o processo de resolução da doença, com melhora dos sintomas, sugerem que a placenta tenha papel de destaque na patogênese da pré-eclâmpsia. Na DHEG, o fluxo uteroplacentário diminui, o que leva à diminuição da oxigenação fetal. Esse efeito é causado pela invasão inadequada do trofoblasto intravascular, impedindo as mudanças fisiológicas normais, principalmente das artérias miometriais. Por diversos motivos, contrariamente ao esperado para uma gestação normal, as artérias espiraladas não modificadas pela invasão deficiente do trofoblasto intravascular mantêm a camada muscular média com diâmetro menor e alta resistência. Além disso, também podem surgir alterações ateromatosas na parede dos vasos. FATORES IMUNOLÓGICOS Esse fenômeno é responsável pela resposta inflamatória exacerbada que impede a placentação adequada. O desequilíbrio entre a quantidade dos dois tipos de linfócitos T, com predomínio dos linfócitos T helper 2 (Th2) em relação aos linfócitos T helper 1 (Th1), que produzem citocinas, poderia favorecer a instalação da DHEG. LESÃO ENDOTELIAL E ALTERAÇÕES INFLAMATÓRIAS A prevenção da coagulação sanguínea, o controle do tônus vascular e a mediação de trocas entre os espaços intra e extravascular (facilitando ou regulando a passagem de determinadas substâncias) têm importância na DHEG. Na presença de lesão vascular, que pode ser mecânica, química ou metabólica, iniciam-se a cascata de coagulação e a adesão de plaquetas. A mudança na permeabilidade vascular endotelial seria a responsável pelo extravasamento de proteínas sanguíneas para o terceiro espaço (mecanismo responsável pelo aparecimento de proteinúria na fase clínica da doença). FATORES LIGADOS A ANGIOGÊNESE Estudos apontam que mulheres com pré-eclâmpsia apresentam níveis mais elevados de sFlt1 e endoglina solúvel (s-Eng) e mais baixos de PlGF e VECF quando comparadas a mulheres com gestações sem complicações. PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA FATORES NUTRICIONAIS De acordo com os dados disponíveis, a suplementação de vitaminas C e E não confere proteção contra o aparecimento da DHEG. ESTRESSE Na prática clínica, é de conhecimento antigo que o estresse é importante fator no aumento isolado da pressão arterial. Da mesma forma pode-se supor que, se os fatores emocionais Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR também interferem no sistema imunológico, então facilitam a deposição de imunocomplexos, dificultando a placentação normal. Em consequência da hipóxia placentária, surgiriam os radicais livres, os quais promoveriam a lesão do endotélio. FISIOPATOLOGIA Apesar de a hipertensão arterial ser a manifestação mais frequente da DHEG, os achados patológicos indicam que o fator de importância primária não é o aumento da pressão arterial, mas a redução da perfusão tecidual. Esta, por sua vez, é secundária ao vasoespasmo arteriolar e à lesão endotelial, que elevam a resistência periférica total e a pressão arterial. ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES Na DHEG, o volume plasmático é menor em comparação com a gestação normal. Com a lesão endotelial ocorre aumento da permeabilidade capilar, havendo extravasamento do plasma para o meio extravascular o que, por sua vez. dá origem ao edema e à hemoconcentração. Com o aumento da viscosidade sanguínea surgem os fenômenos trombóticos. Em decorrência do vasoespasmo generalizado, a resistência periférica total torna-se elevada, com consequente isquemia em todos os órgãos. Em relação ao débito cardíaco na pré-eclâmpsia, há estudos em que ele se mostra aumentado, normal ou diminuído. Portanto, o aumento da resistência periférica total é o principal responsável pela elevação da pressão arterial na DHEG. Existem evidências consideráveis de estreitamento arteriolar na DHEG, e as alterações no calibre das arteríolas da retina se correlacionam diretamente com a gravidade e os achados de biópsia renal de mulheres com pré-eclâmpsia. A gestante normal, comparada à não gestante, é refratária aos efeitos pressóricos da angiotensina II, enquanto a pré- eclâmptica perde essa refratariedade e é altamente sensível. PROSTAGLANDINAS A lesão endotelial promove a diminuição da prostaciclinas, potente vasodilatador e antiagregante plaquetário. O TXA2, por sua vez, liberado pelas plaquetas ativadas, é um importante vasoconstritor e agregante plaquetário. O aumento da relação TXA2/prostaciclinas favorece o aumento da sensibilidade à infusão da angiotensina II, ou seja, a vasoconstrição.ALTERAÇÕES DA COAGULAÇÃO Alterações de coagulação intravascular disseminada estão presentes em cerca de 10% dos casos de pré- eclâmpsia grave e eclâmpsia, podendo também se manifestar na DHEG grave por meio do consumo de fibrinogênio e plaquetas, a ponto de causar sangramentos. Entre os indicadores mais sensíveis de coagulação intravascular disseminada destacam-se a plaquetopenia, o aumento dos produtos de degradação da fibrina e do fibrinogênio, a diminuição de antitrombina II e a redução da relação fração coagulante/fração antigênica do fator VIII. ALTERAÇÕES RENAIS Na DHEG a perfusão renal cai e determina reduções no fluxo plasmático renal e na filtração glomerular. Consequentemente os níveis de ureia e creatinina podem aumentar. Do mesmo modo. a concentração plasmática de ácido úrico eleva-se e está diretamente relacionada à gravidade da doença. Alterações anatomopatológicas glomerulares, tubulares e arteriolares estão presentes na DHEG, sendo a lesão glomerular a mais característica. ALTERAÇÕES HEPÁTICAS Em geral, ocorrem dois tipos de lesões: inicialmente, hemorragias periportais e, posteriormente, sinais de necrose, constituindo a necrose hemorrágica periportal. A elevação dos níveis séricos das transaminases é o reflexo de tais lesões. ALTERAÇÕES PULMONARES Em virtude de o território vascular estar diminuído pelo vasoespasmo, a infusão de soluções cristaloides ou coloides sem monitorização cuidadosa pode causar congestão e edema pulmonar, com insuficiência respiratória. As convulsões, o uso indevido de drogas depressoras do sistema nervoso central, as obstruções de vias aéreas e a aspiração de secreções nasofaríngeas e gástricas reduzem a ventilação pulmonar, agravam a hipóxia tecidual, própria do vasoespasmo e propiciam a instalação da broncopneumonia aspirativa. ALTERAÇÕES CEREBRAIS Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR Podem ser explicadas por duas teorias: na primeira, a hipertensão grave levaria à vasoconstrição reflexa, com consequente queda do fluxo cerebral, edema citotóxico e eventuais áreas de infarto cerebral; e na segunda teoria a eclâmpsia representaria uma forma de encefalopatia hipertensiva na qual elevações abruptas da pressão arterial levariam à quebra dos mecanismos de autorregulação da circulação cerebral, com hiperperfusão, disrupção dos capilares, extravasamento de plasma e eritrócitos, com edema vasogênico. ALTERAÇÕES UTEROPLACENTÁRIAS O fluxo uteroplacentário encontra-se diminuído na DHEG, caracterizando o quadro de insuficiência placentária. principal responsável pelos resultados perinatais adversos. A invasão trofoblástica deficiente nas artérias espiraladas diminui o fluxo interviloso, e a vasoconstrição das arteríolas vilosas determina elevação da resistência vascular fetoplacentária. DIAGNÓSTICO CLÍNICO-LABORATORIAL A maioria das gestantes na fase inicial da pré- eclâmpsia é assintomática. A rotina propedêutica cuidadosa, com ênfase na anamnese e no exame físico, é fundamental para o diagnóstico precoce. O diagnóstico de DHEG deve ser presumido nas gestantes com hipertensão arterial, edema e/ou proteinúria significativa após 20 semanas de gestação. A probabilidade de acerto no diagnóstico clínico é maior se a paciente for primigesta e com história familiar de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia. As gestantes com risco para o desenvolvimento de DHEG devem ser submetidas a consultas mais frequentes de pré-natal para controle mais apurado do ganho ponderal, medida da pressão arterial, pesquisa de proteinúria e dosagem sérica de ácido úrico e ureia/creatinina. Para aquelas pacientes que apresentam hipertensão arterial antes de 20 semanas ou anterior à gravidez, é feito o diagnóstico de hipertensão arterial crônica com DHEG sobreposta quando há aumento dos níveis pressóricos associados à proteinúria antes ausente. HIPERTENSÃO ARTERIAL O diagnóstico de hipertensão arterial é feito diante de níveis de pressão arterial sistólica >140mmHg e/ou pressão arterial diastólica >90mmHg. Devem ser realizadas pelo menos duas medidas de pressão arterial, tomando-se então a segunda como a de definição. EDEMA É considerado patológico o edema depressível e generalizado, o qual sempre deve ser valorizado se associado a hipertensão arterial e ganho exagerado de peso (> 1.000 g/semana) e quando não desaparece com o repouso. PROTEINÚRIA Quando associada à hipertensão arterial, a proteinúria patológica eleva o risco perinatal e, se associada à pressão arterial diastólica. ÁCIDO ÚRICO Os níveis de hiperuricemia correlacionam-se com o grau de hemoconcentração, gravidade da endoteliose glomerular, gravidade da doença hipertensiva e recém-nascidos de baixo peso. OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES Hemograma com contagem de plaquetas: a plaquetopenia é mais frequente e mais significativa nas pacientes com quadro clínico mais grave de DHEG e de início mais precoce; Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR Pesquisa de esquizócitos: em alguns casos graves de DHEG ocorre anemia microangiopática e consequentemente, reticulocitose, hemoglobinemia e hemoglobinúria. Nesses casos, além da queda do nível de hemoglobina, surgem alterações morfológicas das hemácias, esquizocitose e equinocitose; Bilirrubinas e enzimas hepáticas Ureia e creatinina: a queda da filtração glomerular acarreta elevação dos níveis de ureia e creatinina; Pesquisa de colagenases; Pesquisa de trombofilias; Outros diagnósticos de hipertensão arterial secundária; Tomografia/ressonância nuclear magnética: está indicado nos casos de eclâmpsia em que as convulsões são reincidentes ou na presença de sinais localizatórios de lesão neurológica. PREDIÇÃO E PREVENÇÃO Há vários anos, tenta-se identificar a DHEG por meio de métodos clínicos, bioquímicos ou biofísicos, com o intuito de separar aquelas mulheres que estão aparentemente bem (assintomáticas), mas desenvolvendo a doença, daquelas que são normais. Entre esses testes, podem ser citados o roll-over test, a dosagem de ácido úrico, fibronectina, alterações da coagulação, marcadores de estresse oxidativo, citocinas, peptídeos placentários e DNA fetal e a Dopplervelocimetria das artérias uterinas, sendo o último o mais utilizado na atualidade. Mais recentemente, outros testes laboratoriais têm sido propostos para rastreamento e predição de pré- eclâmpsia, como a detecção de fatores antiangiogênicos (sFlt1 e s-Eng) ou a relação entre os fatores antiangiogênicos e pró-angiogênicos (PIGF e VEGF), isoladamente ou em associação com dados epidemiológicos e Doppler de artérias uterinas. A predição deve se basear em dados epidemiológicos e de anamnese. Em virtude do desconhecimento da etiologia da DHEG, não é possível impedir que a doença se instale por meio da prevenção primária. A prevenção secundária tem por objetivo detectar a doença precocemente enquanto ela é assintomática e quando o tratamento precoce pode impedi-la de progredir. A prevenção terciária refere-se aos cuidados clínicos que previnem a deterioração adicional ou reduzem as complicações depois que a doença já é sintomática. Envolve o controle adequado da pressão arterial e a prevenção das formas mais graves e das crises convulsivas, além do controle do crescimento e da vitalidade fetal e a resolução da gestação na impossibilidade de controle da doença e havendo comprometimento da vitalidade. CONDUTA CLÍNICA NA PRÉ-ECLÂMPSIA Visa a diminuir a incidência de complicações maternas, como acidentes vasculares cerebrais, e a morbidade e a mortalidade por eclâmpsia. MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS REPOUSO O repouso em decúbito lateral esquerdopromove o aumento do fluxo plasmático renal, intensifica a natriurese e, consequentemente, diminui os níveis de pressão arterial. Somado a isso, melhora ainda o fluxo uteroplacentário. Para os casos graves, o repouso no leito é feito com a paciente internada. DIETA HIPOSSÓDICA A redução da oferta de sal acarreta queda dos níveis séricos de sódio, com diminuição da reatividade vascular e queda da pressão arterial. TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA SEDAÇÃO Nas formas leves, em gestantes acompanhadas em regime ambulatorial, pode-se optar pela sedação com benzodiazepínicos - diazepam (5 a 10 mg por via oral a cada 12 horas). Nas formas graves, para gestantes internadas, prefere-se a levomepromazina na dose de 3 mg (3 gotas de solução oral) a cada 8 horas. HIPOTENSORES A terapêutica medicamentosa da hipertensão promove proteção materna e fetal, reduzindo a progressão para as formas graves e ajudando a evitar a prematuridade e suas repercussões neonatais. O tratamento com drogas hipotensoras deve ser iniciado quando as medidas citadas forem insuficientes para diminuir os níveis pressóricos e a pressão arterial diastólica se mantiver maior ou igual a 100mmHg. Diante de pré-eclâmpsia grave, hipertensão arterial crônica com pré-eclâmpsia Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR sobreposta e pré-eclâmpsia associada à RCF, o controle materno e fetal deverá ser realizado com a paciente internada. A droga de primeira escolha é o pindolol na dose de 5 mg, por via oral, duas vezes ao dia, com aumento de 5 a 10 mg/dia enquanto mais de 50% das medidas diastólicas estiverem acima de 100 mmHg (dose máxima de 30 mg/dia). Em casos de contraindicação ao uso de betabloqueadores, recomenda-se o emprego da metildopa, com dose inicial de 250 mg, por via oral, duas vezes ao dia, com aumento de 250 a 500 mg/dia, até controle pressórico adequado (dose máxima de 2 g/dia). Como terceira opção ou em caso de necessidade de outro hipotensor em associação com o pindolol e/ou a metildopa, utiliza-se o anlodipino (bloqueador dos canais de cálcio) na dose de 5 a 10 mg/dia por via oral (comprimidos de 5 mg). O nifedipino, igualmente bloqueador dos canais de cálcio, também pode ser utilizado na dose de 20 a 60 mg/dia por via oral, em apresentação de liberação lenta, em duas a três tomadas ao dia. TRATAMENTO DA COMPLICAÇÕES HIPERTENSIVAS AGUDAS Caracterizam-se por pressão arterial muito elevada, acompanhada de sintomas, com necessidade de avaliação clínica adequada, incluindo exame físico detalhado e exame de fundo de olho. Em clínica médica, são divididas em urgências hipertensivas, nas quais ocorre elevação da pressão arterial, porém com condição clínica estável, sem comprometimento de órgãos-alvo, e cujo tratamento pode ser feito por via oral, e emergências hipertensivas, condição clínica grave, com lesão progressiva de órgãos-alvo em progressão e risco de morte, exigindo imediata redução da pressão arterial por tratamento parenteral. Em gestante hipertensa com cefaleia persistente e/ou epigastralgia, acompanhada ou não de distúrbios visuais, é necessária a observação estrita, pois a negligência na observação da progressão dos sintomas pode levar à demora do tratamento. O uso de nifedipino por via sublingual está proscrito em razão da ocorrência de hipotensões arteriais graves com repercussões maternas e perinatais. CONDUTA OBSTÉTRICA NA PRÉ- ECLÂMPSIA A DHEG associa-se a maior risco de insuficiência placentária. Dessa maneira, toma-se importante o acompanhamento do crescimento e da vitalidade fetal. PRÉ-ECLÂMPSIA LEVE O controle da vitalidade fetal deve ser realizado pelo menos uma vez por semana a partir do diagnóstico de DHEG. Estando a vitalidade fetal preservada (normal), aguarda-se o parto até o máximo de 40 semanas, quando se interrompe a gestação, em princípio por indução do trabalho de parto. Diante do comprometimento da vitalidade fetal, realiza-se o parto terapêutico (interrupção da gestação). Crescimento fetal: medida seriada a cada consulta da altura uterina com fita métrica e ultrassonografia obstétrica mensal; Função placentária: avaliada pela Dopplervelocimetria de artérias umbilicais e artérias uterinas; Resposta hemodinâmica fetal: inclui a avaliação da artéria cerebral média e do dueto venoso; Atividades biofísicas fetais: cardiotocografia, movimentos respiratórios, movimentos corporais e tônus muscular fetais; PRÉ-ECLÂMPSIA GRAVE OU HISTÓRIA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL CRÔNICA COM DOENÇA ESPECÍFICA DA GESTAÇÃO SOBREPOSTA Nas formas graves, a paciente deve ser internada em enfermaria de gestação de alto risco. A gravidez pode ser seguida até que se observe alguma anormalidade que indique sua interrupção ou até que se: atinja a idade gestacional de 37 semanas. Na avaliação da vitalidade fetal, utilizam-se os mesmos exames citados no acompanhamento ambulatorial, porém com maior frequência: cardiotocografia fetal, perfil biofísico fetal e exames Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR Dopplervelocimétricos. A interrupção da gestação está indicada diante de controle materno ineficaz ou de alterações da vitalidade. Imediato: Iminência de eclampsia; Mal controle pressórico (já em uso de três drogas hipotensoras em dose máxima); Diástole reversa nas artérias umbilicais; Índice de pulsatilidade: para veias do ducto >1,5; Perfil biofísico fetal <6 (se igual a 6, requer repetição do exame em 6 horas e, se mantido, está indicada a interrupção da gestação); Desacelerações tardias de repetição na cardiotocografia; Oligoâmnio grave (índice do líquido amniótico ILA < 3,0 cm). Mediato (após uso de corticosteroide antenatal) Índice de pulsatilidade para veias do ducto venoso > 1,0 e < 1,5; Oligoâmnio (ILA entre 3,0 e 5,0 cm). O parto terapêutico, quando indicado, pode ser realizado por meio de indução do trabalho de parto. Nesse caso, ao iniciarem as contrações, administra- se o sulfato de magnésio (esquema de Pritchard) para a profilaxia da convulsão no parto e ele é mantido por até 24 horas depois do pano. Após o parto, nos casos leves, a paciente é mantida sem drogas hipotensoras e realizam-se controles da pressão arterial nas primeiras 72 horas após o parto. Quando necessário, diante de pressão arterial diastólica > 100mmHg reintroduz-se a medicação anterior. Nas pacientes com formas graves, em uso de medicação em doses maiores ou drogas associadas, sugere-se a manutenção da medicação, com ajustes, até estabilização pressórica da paciente. Em caso de DHEG sobreposta, não são retiradas as drogas. ECLÂMPSIA Caracteriza-se pelo aparecimento de convulsões tonicoclônicas generalizadas, excluindo-se aquelas de outras causas ou alterações do sistema nervoso central (SNC), em gestantes com sinais e sintomas de pré-eclâmpsia. Pode-se manifestar durante a gestação, o parto ou o puerpério. Entre as formas hipertensivas, a eclâmpsia constitui a principal causa de morte materna e perinatal. As complicações maternas mais frequentemente associadas à eclâmpsia são hemorragia cerebral, edema agudo dos pulmões, insuficiência respiratória ou renal e coagulopatia. CLASSIFICAÇÃO PROGNÓSTICA Na dependência da concomitância de outras intercorrências clínicas, a eclâmpsia pode ser dassificada em não complicada, complicada ou descompensada. FISIOPATOLOGIA Consiste em uma manifestação do comprometimento do SNC da pré-eclâmpsia e, portanto, o motivo do aparecimento das convulsões é desconhecido. Foi sugerida a participação do edema cerebral, da isquemia, da encefalopatia hipertensiva. do infarto cerebral e da hemorragiacerebral. QUADRO CLÍNICO Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR É caracterizada pelo desenvolvimento de convulsões generalizadas, excluindo-se aquelas de causa neurológica, anestésica, farmacológica ou por complicações metabólicas, em gestantes com os sinais e os sintomas da pré-eclâmpsia. O processo de instalação da eclâmpsia é geralmente gradual, embora em alguns casos a instalação seja rápida e devastadora, e se inicia com a elevação da pressão arterial e ganho excessivo de peso (> 1.000 g/semana), além de edema generalizado. A convulsão típica da eclâmpsia evolui clinicamente em quatro fases, as quais foram assim descritas por Briquet: Fase de invasão: pode ser silenciosa ou precedida de grito ou aura. Surgem fibrilações, principalmente em torno da boca, com o aparecimento de contrações em outras regiões faciais. A língua pode ser exteriorizada e, com o fechamento da boca, pode ser atingida e lesada. Os membros superiores ficam em pronação, com o polegar sobre a mão fechada. Esta fase dura cerca de 30 segundos; Fase de contrações tônicas: tetanização de todo o corpo com opistótono cefálico. Os masseteres se contraem com força, fechando a boca. O rosto se mostra cianótico e pletórico, com os olhos voltados para cima e as pupilas dilatadas; Fase de contrações clônicas: inspiração profunda seguida de expiração estertorosa e saída de muco sanguinolento pela lesão da língua. Pode haver incontinência de fezes e urina; Fase de coma: surge diante de convulsões repetidas ou prolongadas em que há perda de consciência e ausência de reflexos com duração de alguns minutos até horas ou dias. Outras manifestações clínicas de insuficiência de diversos órgãos são comuns ao eclâmpsia: oligúria ou anúria, insuficiência respiratória, cianose, icterícia e sangramentos. TRATAMENTO CLÍNICO É uma emergência obstétrica e necessita de atendimento especializado imediato, cuja sequência correta de medidas deve ser seguida pelos médicos e pela equipe de enfermagem. O tratamento visa a manutenção da função cardiorrespiratória e da oxigenação materna, controle da pressão arterial e correção da hipoxemia e da acidose materna. Para o planejamento terapêutico, torna-se importante a realização de alguns exames complementares, como hemograma com contagem de plaquetas, coagulograma, dosagem de ureia, creatinina, sódio, potássio, enzimas hepáticas, ácido úrico, bilirrubinas totais e frações, DHL, gasometria arterial, proteinúria, exame de fundo de olho, eletrocardiograma e tomografia computadorizada (se houver persistência do quadro convulsivo). O mais importante no início é avaliar o estado geral e simultaneamente garantir a oxigenação materna, proteger a língua com cânula de Guedel e evitar a aspiração. Contraindica-se o uso de benzodiazepínicos. Para a prevenção de novas convulsões, utiliza-se o sulfato de magnésio (possui efeito vasodilatador, bloqueia a excitação e promove transmissibilidade elétrica no tecido cerebral). Com a persistência de convulsões, apesar da utilização do sulfato de magnésio, ou nos casos confirmados de hemorragia cerebral, realiza-se a administração de fenitoína na dose de 250 mg ( 1 ampola diluída em soro fisiológico, 250 mL intravenosos em 10 minutos). E repete-se o esquema Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR a cada 30 minutos até completar 750 mg. Para a manutenção, usam-se 100 mg por via intravenosa a cada 8 horas enquanto se mantiver a venoclise. E então, 100 mg por via oral a cada 8 horas, seguindo a orientação do neurologista. O tratamento hipotensor está indicado diante de pressão arterial diastólica >110 mmHg, decorridos 20 a 30 minutos da dose venosa do esquema de ataque com sulfato de magnésio. Utiliza-se a hidralazina na dose de 5 mg por via intravenosa a cada 15 minutos até o controle da pressão arterial. MONITORIZAÇÃO FETAL Deve-se dar início à avaliação da idade gestacional, do peso e da vitalidade fetal. Bradicardias fetais transitórias com duração de 3 a 5 minutos são comuns após as convulsões e não indicam que a interrupção da gestação deva ser imediata. Depois do episódio convulsivo é comum o aparecimento de taquicardia fetal compensatória com desacelerações transitórias que desaparecem em 20 a 30 minutos. TRATAMENTO OBSTÉTRICO O ato anestésico na eclâmpsia sempre envolve riscos. Quando se opta pelo parto (feto vivo e viável), deve- se aguardar de 2 a 3 horas após a dose de ataque do sulfato de magnésio. É fundamental que antes do procedimento anestésico alguns parâmetros como ventilação, oxigenação, quadro convulsivo, pressão arterial, volemia, equilíbrio acidobásico e coagulação sanguínea já tenham sido corrigidos e compensados. A pressão arterial deve ser controlada para diminuir o risco de edema agudo dos pulmões e hemorragia cerebral, principalmente na indução da anestesia geral. A analgesia de parto, quando indicada, deve ser precoce e, se bem executada, melhora o fluxo sanguíneo uteroplacentário. A anestesia peridural e a raquidiana podem ser utilizadas; entretanto, em casos graves, a pendural contínua com doses intermitentes, por determinar bloqueio simpático gradativo, causa redução menos intensa da pressão arterial e menor probabilidade de hipofluxo placentário. Caso a anestesia geral seja indicada, sobretudo nos distúrbios da hemostasia e nas complicações neurológicas, deve proporcionar proteção neurovegetativa adequada. SÍNDROME HELLP É uma entidade clínica que pode ocorrer na pré- eclâmpsia ou na eclâmpsia e se caracteriza por um conjunto de sinais e sintomas associados a hemólise microangiopática, elevação das enzimas hepáticas e plaquetopenia. HEMÓLISE Entre os achados da anemia hemolítica microangiopática, observam-se alterações eritrocitárias que ocorrem em diversas situações clínicas, em que há diminuição do nível de hemoglobina e presença de lesões vasculares. Entre as alterações eritrocitárias, destaca.se a presença de esquizócitos e equinócitos. ELEVAÇÃO DAS ENZIMAS HEPÁTICAS Em decorrência da necrose das células hepáticas, ocorre a elevação das enzimas TGO e TGP. Apesar de a lesão hepática classicamente descrita na síndrome HELLP ser necrose e hemorragia periportal, com a deposição de fibrina nos sinusoides hepáticos, não se observa relação de tais achados histológicos com a gravidade das alterações enzimáticas. PLAQUETOPENIA Acredita-se que as plaquetas circulantes aderem ao colágeno vascular exposto pela lesão endotelial. Além disso, o consumo de plaquetas exacerba-se diante da coagulação intravascular disseminada. Mas há ainda outras causas de aumento de destruição plaquetária, como as imunológicas, as medicamentosas e as idiopáticas. INCIDÊNCIA MORTALIDADE MATERNA E PERINATAL QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO É um diagnóstico predominantemente laboratorial. As manifestações clínicas são geralmente múltiplas e imprecisas e superpõem-se às da pré-eclâmpsia, sendo comuns as queixas de cefaleia, dor epigástrica e/ ou no hipocôndrio direito, perda de apetite, Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR náuseas e vômitos, escotomas e níveis pressóricos elevados. O diagnóstico deve ser o mais precoce possível, e quanto maior o número de sintomas e sinais sugestivos de síndrome HELLP, maior a chance do diagnóstico e a necessidade do tratamento. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Deve ser feito com anemias hemolíticas e doenças hepáticas. TRATAMENTO CLÍNICO Estabilização das condições clínicas maternas, profilaxia da convulsão (quando indicada), terapia anti-hipertensiva e avaliação da vitalidadefetal. Ao se decidir pela conduta conservadora, o acompanhamento dessas gestantes impõe rigoroso controle dos níveis pressóricos, da intensidade da hemólise, da lesão hepática, da função renal e da coagulação sanguínea (plaquetas, fibrinogênio, produtos de degradação da fibrina, tempo de protrombina) e da função respiratória (ausculta pulmonar e gasometria arterial). Além disso, a presença de dor epigástrica e no hipocôndrio direito, quando se prolonga, pode ser decorrente de ruptura hepática, complicação rara, porém muito grave. TRATAMENTO OBSTÉTRICO A melhor via de pano para essas gestantes é a vaginal, visto que determina menor sangramento intraoperatório. Diante da impossibilidade de parto vaginal, alguns cuidados são recomendados para a realização da cesárea: A paciente deve ser cuidadosamente monitorizada e é necessário solicitar reserva de plaquetas ao banco de sangue; Deve ser administrada transfusão de plaquetas na indução anestésica, objetivando-se corrigir a contagem sérica para 100.000 plaquetas/mm; Anestesia do tipo bloqueio; Laparotomia mediana infraumbilical nos casos com coagulação intravascular disseminada; No pós-parto, deve haver vigilância rigorosa em unidade de terapia intensiva para identificar e tratar possível falência de múltiplos órgãos. PROGNÓSTICO Estudos realizados nos últimos anos indicam que a DHEG pode predispor à hipertensão arterial e a complicações cardiovasculares e renais futuras. REFERÊNCIAS Zugaib, Obstetrícia; 3º edição, 2016, capítulo 34.
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