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Resenha do livro "O capitalismo dependente latino-americano" - Vania Bambirra


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BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2013.
Wendell Magalhães[footnoteRef:2]* [2: 	Graduando do Curso de Economia da Universidade Federal do Pará - UFPA] 
Primeira parte: Para uma tipologia da dependência (industrialização e estrutura socioeconômica)
Em “O capitalismo dependente latino-americano”, Vânia Bambirra se propõe entender as contradições típicas do desenvolvimento capitalista latino-americano, como tais contradições são geradas, quais são seus resultados e suas possibilidades de superação. Para isso, Bambirra preocupa-se, primeiramente, em precisar seu estudo, explicando o método de sua pesquisa e como ele se desenvolve a partir de prévias noções e conceitos até ali formulados sobre o capitalismo dependente.
Partindo do conceito de Theotônio dos Santos, formulado no trabalho “La crisis de la teoría del desarrollo y las relaciones de dependencia en América Latina”, conceitua-se dependência como uma situação condicionante, em que certo grupo de países tem sua economia condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia à qual se encontra submetida, limitando o comportamento e ação dos homens pertencentes àqueles países. Tal fato origina a conclusão que a dependência condiciona a estrutura interna de economias nacionais que, por sua vez, redefinem a dependência em função das suas possibilidades estruturais.
A conceitualização da dependência nesses moldes é resultado do esforço analítico metodológico que pretende substituir a teoria do desenvolvimento por uma teoria da dependência. Se antes a dependência era vista como um elemento coercitivo externo que simplesmente influi de alguma forma na conformação das nações, com a inovação que a teoria da dependência traz, a dependência passa a ser elemento analítico explicativo fundamental nas relações centro-periferia e no desenvolvimento condicionado da estrutura política, econômica e social das nações subdesenvolvidas.
Depois da conceitualização geral em nível ainda altamente abstrato tirada de Theotônio, Bambirra vê necessidade de estabelecer relação entre situação de dependência e estrutura dependente. Portanto, o objeto específico de seu trabalho consiste num nível intermediário entre a tentativa de conceitualização geral da dependência e o estudo específico das estruturas dependentes concretas. Para isso, parte-se, num primeiro momento, das características gerais de um todo indiferenciado, definido como um conjunto de sociedades dependentes que são as latino-americanas, para em seguida buscar a diferenciação de seus componentes internos essenciais, agrupando-as em tipos, através do estudo de suas manifestações históricas específicas e de seus processos de transformação.
Nesse estudo, se faz um corte analítico que o direciona às estruturas dependentes latino-americanas a partir do pós-guerra, pois aqui se inicia uma nova fase do processo de integração dessas sociedades ao sistema capitalista monopolista mundial. Isso se dá pela aceleração de integração no nível das grandes empresas multinacionais, pela criação de organismos internacionais para a integração política, pelos tratados de integração militar e pela expansão do capitalismo monopolista de Estado.
 No que diz respeito ao método, a tipologia de análise utilizada é “histórico-estrutural”, sob a justificativa de que somente se pode estudar as sociedades latino-americanas ao considerá-las como parte integrante do sistema capitalista mundial, pois se formam dentro do contexto de sua expansão, tendo a economia mundial como determinante em última instância. Dessa forma, a situação de dependência do sistema capitalista mundial configura uma situação condicionante do desenvolvimento das sociedades latino-americanas. Além disso, a Latinoamérica é vista por Bambirra como resultado de um processo de redefinição estrutural, pois está de acordo com Theotônio dos Santos quando diz que a dependência condiciona a estrutura econômica que engendra os parâmetros das possibilidades estruturais.
Antes de passar à crítica da tipologia de análise das sociedades latino-americanas de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Vânia Bambirra faz questão de esclarecer que a expressão que caracteriza o método chamado de “histórico-estrutural” é uma tentativa de adequar a metodologia criada por Marx ao enfrentamento do estudo da problemática das sociedades dependentes latino-americanas, tratando de explicar as leis de movimento de estruturas específicas historicamente condicionadas.
Ao fazer a crítica da metodologia de Cardoso e Faletto no estudo das sociedades latino-americanas, Bambirra sugere uma nova tipologia de análise que parte de dois tipos de estruturas de países – em substituição das sugeridas por aqueles que incluíam economias de enclave e economias com o controle de sua produção nacional – para esclarecer o processo de integração monopólica que se estende para a América Latina: 1. Estruturas diversificadas, nas quais ainda predomina o setor primário-exportador, já existindo, porém, um processo de industrialização em expansão. (Nestas incluem-se Argentina, México, Brasil, Chile, Uruguai e Colômbia.)
2. Estruturas primário-exportadoras, cujo setor secundário ainda estava composto quase exclusivamente por indústrias artesanais, mas que seu processo de industrialização efetivamente só se dará no pós-guerra, com a integração monopólica mundial. (Peru, Venezuela, Equador, Costa Rica, Guatemala, Bolívia, El Salvador, Panamá, Nicarágua, Honduras, República Dominicana e Cuba são os países detentores de estruturas que se encaixam nessa descrição no período em questão.).
Mais sinteticamente, Bambirra se referirá ao primeiro grupo como países com início antigo de industrialização (Tipo A); e ao segundo como países cuja industrialização foi produto da integração monopólica (Tipo B). Essa tipologia coloca o processo de industrialização no centro da questão, pois toma a indústria manufatureira como dotadora de sentido do desenvolvimento de qualquer sociedade, logo que a primeira Revolução Industrial acontece. Isso porque, explica Bambirra, a indústria é a base econômica de um sistema social novo denominado capitalismo que subjuga e liquida os demais sistemas, dada sua grande capacidade de revolucionar as forças produtivas ao gerar formas superiores de domínio da natureza, de relação entre as classes e entre os indivíduos.
Partindo para a análise, primeiramente, dos países de tipo A, Vânia Bambirra aponta o processo de substituição de importações como elemento central da industrialização em geral da América Latina. Este, como bem se sabe, foi feito substituindo-se bens manufaturados estrangeiros por nacionais através da utilização de divisas obtidas com a exportação de produtos primários (agrícolas ou minerais, conforme o caso) que financiaram a importação de equipamentos, máquinas e matérias-primas necessárias para a instalação de fábricas, no território nacional, responsáveis por produzir internamente o que antes se importava. Tudo isso só sendo possível em circunstâncias históricas favoráveis, como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a grande crise econômica de 1929, que, inviabilizando a importação de produtos manufaturados por parte dos países latinos, concomitantemente intensificava a demanda pelos bens primários dos mesmos por parte da indústria dos países beligerantes. 
Entretanto, embora se verifique essa realidade nesse contexto específico, o processo de industrialização da América Latina não se limita a ele. Bem antes, um mercado interno se expandia de forma articulada – mais particularmente nesses países denominados de tipo A por Bambirra – conforme o desenvolvimento de relações de produção capitalistas que, progressivamente, chegam a ser predominantes em setores-chave da economia primário-exportadora. É esse mercado interno, por então, o elemento que faz determinada conjuntura internacional propícia ao desenvolvimento industrial.
Porém, o desenvolvimento de um mercado interno, como resultado do avanço das relações capitalistas nos paísesaqui analisados, tem sua razão de ser nas transformações decorrentes da Segunda Revolução Industrial que, ampliando o revolucionar das forças produtivas através da produção de máquinas produtoras de máquinas, faz com que os países desenvolvidos que a sediaram requeiram maior quantidade de matérias-primas e um destino para suas manufaturas. Tal situação reafirma o caráter dependente das economias latinas que, ao modernizarem seus processos produtivos e sua organização do trabalho, o fazem sobretudo para atender interesses que não são os seus, mas os das nações desenvolvidas. 
Ao longo do texto, Vânia Bambirra tenta desvelar o caráter dessa modernização e dos elementos que a tornam possível. Dentre seus destaques, encontram-se a monopolização das terras do campo, que já se tinha em estágio avançado. Tal fato proporcionara mão de obra suficiente para o incremento da economia exportadora, já que o mesmo reduz as terras de subsistência e autoconsumo, impulsionando a proletarização e o desenvolvimento típico das relações capitalistas. Outro ponto de destaque é a mudança tecnológica através da introdução de novos instrumentos e sistemas de produção e transporte que, aumentando a capacidade de capitalização, faz crescer a capacidade produtiva do setor exportador.
Basicamente, esses dois pontos são cruciais no entendimento da industrialização dos países de tipo A, pois, no estudo de Bambirra, são os responsáveis pela maior absorção de mão de obra em maiores níveis salariais, fortalecendo, por assim, o mercado interno em construção; e pela criação e expansão dos setores complementares ao setor exportador (sejam eles agrícolas, comerciais, de transporte e comunicações, serviços etc.), em função da economia exportadora.
Quanto a expansão desses setores complementares, destaca-se que, em dado momento, eles deixam de ser complementares para serem sustentados com base em uma economia real que eles próprios criam. A partir do momento que se começa empregar mão de obra para atender a demanda dos assalariados do setor exportador – já que aqueles que se apropriavam de mais valia tinham sua demanda atendida pelas manufaturas externas, principalmente inglesas – os próprios setores complementares criam um mercado a ser atendido, o que impulsiona a criação de novas atividades que se atrelam ao processo de industrialização e de urbanização, tornando-as, em certa medida, autônomas do setor exportador, resultando em um capitalismo urbano irreversível que, no longo prazo, tenderá a ser predominante no sistema em seu conjunto.
Frisa-se que essa autonomia é relativa, pois, o que se conclui da análise de todo esse processo de produção do mercado interno e da industrialização é que a situação de dependência em relação aos centros hegemônicos condicionou os marcos gerais das estruturas econômicas produtivas dos países atrasados, ao mesmo tempo que as redefiniu em função das possibilidades de desenvolvimento do capitalismo dependente.
Entretanto, cabe ressaltar que o processo de industrialização, ao longo do tempo, só faz adquirir maior autonomia, por diferenciar a estrutura produtiva atendendo a demanda da classe operária, das classes médias (burocratas, profissionais liberais, empregados em serviço etc.), do campesinato e dos setores industriais diretamente complementares à economia exportadora (frigoríficos, produtores de embalagens etc.). É assim que surgem indústrias de materiais de construção, têxteis, alimentos, móveis etc.
Contudo, o grande salto na indústria será dado nos períodos destacados no início do trabalho: na Primeira Guerra Mundial e na grande crise econômica de 1929. Posteriormente, a Segunda Guerra Mundial também dará sua colaboração, intensificando o processo chamado de substituição de importações. Mas isso tudo só sendo permitido por dois fatores sintetizados por Bambirra: um mercado nacional já estruturado; e um setor industrial cujo processo produtivo estava organizado com base em relações capitalistas.
Revelado o mecanismo econômico que propiciou a industrialização dos países de tipo A, Vânia Bambirra se atêm à análise sociológica que significou esse processo, permitindo com que ele se efetivasse, mesmo que de forma profundamente contraditória. Salta aos olhos, por exemplo, o fato de não ter existido uma “Revolução Burguesa” nesses países, no significado que esse termo teve para a Europa Ocidental. Ou seja, o da radical transformação de um modo de produção em outro a partir da liquidação das bases de sustentação do antigo pelo novo. Muito pelo contrário, o que se verificou por aqui, por um longo tempo, foi a coexistência pacífica entre a indústria e o setor agrário, com o desenvolvimento capitalista se dando a partir do desenvolvimento da economia primário-exportadora e do fortalecimento de seu mercado interno.
Bambirra aponta que só poderíamos caracterizar tal processo de industrialização como revolução burguesa no sentido de que, em dado momento, vendo-se como possuidora de forma mais avançada da organização social da produção, a burguesia industrial se vê no direito de reivindicar o controle hegemônico do poder, oferecendo um projeto próprio de desenvolvimento socioeconômico. Mas tal fato se dá tão cheio de limitações que, mesmo a subversão da estrutura fundiária com uma reforma agrária sendo absolutamente favorável à indústria, pois expandiria o mercado interno, tal coisa não foi feita, pois isso implicava confrontar diretamente a oligarquia latifundiária, o que atentava contra a própria existência da indústria, dependente direta e indiretamente dessa oligarquia.
 Diante de situação tão contraditória entre as classes é que Bambirra acentua o papel do proletariado industrial como única classe capaz de questionar a perspectiva burguesa de desenvolvimento oferecendo uma alternativa diferente ao conjunto da sociedade, em especial ao campesinato. Essa alternativa seria o socialismo. Entretanto, com o movimento operário em refluxo na época – dentre outros motivos, por advir de uma tradição anarquista que preservava um caráter fragmentário de atuação – a burguesia se valeu das classes médias para a consolidação de seu poder e promoção de seus interesses. É assim que emerge a dominação burguesa-oligárquica e sua hegemonia comprometida.
Comprometida por se vê na necessidade de abandonar certas exigências, renunciar a uma parte de suas reivindicações próprias, em favor de interesses que não os seus próprios. Nesse sentido, a burguesia se vê comprometida tanto com a oligarquia quanto com o capital internacional, mas não com a classe operária e as classes médias, dado que criação de legislação de trabalho, em especial a legislação sindical, reconhecimento da existência legal de partidos, etc. representavam concessões dentro do jogo da política democrática burguesa e eram parte do processo de modernização que o desenvolvimento capitalista requer. Portanto, implicavam mais em renúncias do proletariado e dos setores médios que da burguesia propriamente, dado que garantiam o controle dos primeiros por essa última, conduzindo-os diretamente, em alguns casos, como, por exemplo, no período que se consagrou como “Varguismo” no Brasil.
É diante dessa situação conflitiva entre as classes que Bambirra aponta o papel do populismo como concepção ideológica doutrinária que consistia em apresentar os interesses burgueses industriais como os de toda a nação e de todo o povo, identificando-os na figura de um líder popular como Vargas, Perón ou Cárdenas. Através desse ecletismo se conclamava à unidade nacional, isto é, à unidade de interesses para a realização da política de desenvolvimento capitalista nacional.
Como já se viu, esse capitalismo nacional se desenvolve ao longo de todo o período que vai da segunda metade do século XIX até o final da Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, dada a integração monopólica mundial sob a liderança da grande empresa multinacional, os EUA firmam sua posição como centro hegemônico do sistema imperialista, mudando profundamente as condições de dominação dos países dependentes e, consequentemente,o próprio caráter do capitalismo dependente que é redefinido de modo essencial, segundo Bambirra. Nesse momento, evidencia-se a desnacionalização da propriedade dos meios de produção acompanhada da desnacionalização da própria burguesia, frustrando o projeto de desenvolvimento capitalista nacional conduzido até então.
Antes de passar para segunda parte de seu livro, em que analisa as estruturas dependentes na fase da integração monopólica durante o Pós Segunda Guerra Mundial, Bambirra tenta dar resposta ao por que, nos países do tipo B, a industrialização tenha começado somente como produto dessa fase. E a resposta será encontrada no controle excessivo de setores-chaves desses países por parte de empresários estrangeiros. Controle esse tão intensivo e sistemático sobre o setor primário-exportador, ao ponto de não permitir que este se articule ao restante da economia nacional em seu conjunto, inviabilizando, portanto, a criação de estímulos e requisitos indispensáveis para a dinamização dos demais setores secundários e terciários.
Segunda Parte: As estruturas dependentes na fase da integração monopólica mundial
Dando início a segunda parte do livro, Vânia Bambirra a introduz com uma breve explanação da emergência dos EUA como centro hegemônico capitalista no pós Segunda Guerra e qual a importância e consequência disso na integração monopólica mundial. Tal processo de integração, apesar de se gestar desde fins do século XIX, somente se consolida depois do esforço de guerra responsável pelo grande avançar das forças produtivas. 
O fato de os EUA não ter tido a guerra em seu território sem deixar de ter participação ativa nela através de variados meios financeiros, científicos, tecnológicos e humanos é o que possibilita que esse país saia do conflito como grande vencedor e responsável pela consolidação da integração monopólica mundial. Isto se dá, sobretudo, por fatos como os EUA concentrar grande parte dos conhecimentos tecnológicos e a aplicação destes nas suas grandes empresas e no seu governo, possibilitando a acentuação da concentração financeira e econômica ocorrida nas primeiras décadas do século XX; por elevarem, com isso, o país a um novo patamar de produtividade, muito superior ao de seus aliados capitalistas, impactando na organização do trabalho, no sistema de propriedade capitalista, na administração empresarial, nas técnicas de venda, de publicidade, na cultura em geral etc.; além do respaldo dado a hegemonia estadunidense por parte de seus exércitos presentes na Ásia e Europa, que cumpriam a função de realizar uma firme aliança com os países capitalistas aliados e vencidos contra a outra grande potência saída vencedora da grande guerra: a URSS.
O processo de integração monopólica mundial, que é um processo de integração empresarial, comercial, financeira, política, militar e cultural (com os meios de comunicação de massa), se manifesta através da proliferação de empresas multinacionais instaladas em todos os países capitalistas, através dos acordos regionais de comércio, dos sistemas financeiros internacionais criados, das instituições e organismos de coordenação de decisões políticas e militares surgidos e por fim, mediante a grande expansão da cultura estadunidense em todo o bloco capitalista, impondo sua pauta em múltiplos níveis, desde as normas preliminares de comportamento até as técnicas e metodologias científicas.
Explicado isso, Bambirra diagnostica o novo caráter que a dependência assume na América Latina. Neste, o capital estrangeiro não está mais somente preocupado em assegurar matérias-primas e o mercado de manufaturas dos países dependentes para si, dado que isso já foi conquistado na primeira fase da dependência, anterior à Segunda Guerra. Agora, o capital externo, predominantemente americano, visa entrar e se instalar dentro dos territórios dependentes, ocupando seu espaço no setor produtivo. Com isso, Bambirra elenca uma série de consequências derivadas disso, como: o controle e domínio dos novos setores e ramos produtivos industriais, por parte do capital estrangeiro; a intensificação da monopolização, concentração e centralização da economia com a instalação das grandes empresas e da absorção, por estas, de empresas nacionais através de suas compras, de fusões, associações etc.; o processo de desnacionalização progressiva dos meios de produção nos setores industriais; e a integração, cada vez mais articulada, dos interesses das empresas estrangeiras aos interesses das classes dominantes locais, através das políticas econômicas nacionais alinhadas a estes interesses, de políticas externas integradas à política dos EUA e de integração no âmbito militar.
Todos esses elementos ilustram a mudança qualitativa de sentido e de orientação das formas de funcionamento e de dominação interna dos sistemas capitalistas dependentes latino-americanos. Com essa mudança, vem o abandono da pauta de desenvolvimento de um capitalismo nacional por meio do que Bambirra identificou como populismo. No lugar, se tem a criação de facilidades para a penetração do capital estrangeiro; aplicação das orientações preconizadas pelos EUA através do FMI para ordenar a vida econômica; “reformas” defendidas pela Aliança para o Progresso na busca de ampliação de mercado para as multinacionais e contenção do descontentamento social; alinhamento, através da OEA, à política externa estadunidense, para impedir a autodeterminação e a oposição à grande potência – como em Cuba –, facilitando a manipulação e implementação da política imperialista em escala continental; e, por fim, efetivação de acordos de ajuda, cooperação e assistência policial e militar, com o objetivo de preparar a polícia e as forças armadas para a eficiente repressão contra tentativas de subversão da ordem.
Todas essas medidas implicam na revolta cada vez maior das classes populares e em reivindicações que chegam a ser insuportáveis nos marcos da legalidade burguesa do capitalismo dependente. Com o agravamento das crises econômicas vividas no início dos anos 1960,o resultado obtido, a partir dos anos 1963 e 1964, na grande maioria dos países dependentes, é o fim da legalidade e adoção de medidas cada vez mais repressivas, instrumentalizadas pelos golpes militares.
Daqui até o final da segunda parte de seu livro, Bambirra se preocupará em diferenciar o desenvolvimento dos países dependentes de tipo A dos do tipo B. E assim como Marx confessa, tal como cita Bambirra, que seu esboço histórico sobre a gênese do capitalismo limitava-se à Europa Ocidental, nunca pretendendo, portanto, ser uma teoria histórico-filosófica da marcha geral fatalmente imposta a todos os povos, seja quais forem as circunstâncias históricas em que se encontrem, como muitos pretenderam que fosse, Bambirra, portanto, diz haver fundamental necessidade de diferenciar o desenvolvimento do capitalismo dependente de um grupo de países de outros tantos, já que, até ali, a maioria dos escritos sobre América Latina tomavam a marcha do desenvolvimento dos países mais desenvolvidos dessa região como regra. Aqui, então, se encontra um dos pontos de maior contribuição do trabalho de Bambirra para as ciências sociais.
Terceira Parte: Contradições do capitalismo dependente
Ao final de seu livro, depois de apresentar as principais contradições do capitalismo dependente, Vânia Bambirra faz uma síntese sobre os principais resultados e tendências do desenvolvimento desse capitalismo em particular, na América Latina. Nos países de tipo B, nota-se que a instalação de indústrias manufatureiras deu-se sobre o completo domínio do capital estrangeiro, por exemplo, enquanto nos países de tipo A, o setor industrial foi complementado pela atuação nacional em áreas que não interessavam ao capital externo, e pelo Estado atuando nas áreas de infraestrutura, fortalecendo uma espécie de capitalismo de estado, ao conceder estímulos e privilégios aos setores privados, arcando com os maiores custos de cada empreendimento.
O capitalismo de Estado tende, pois, a se combinar com o capital estrangeiro, compartilharcom este os mecanismos de poder e transformar-se no agente de dominação burguesa-imperialista. Isso acontece dentro de um contexto de manutenção da estrutura agrária monopólica tradicional, junto à intensificação da monopolização industrial, de acentuada concentração de renda, dos baixos níveis de incorporação de mão de obra ao sistema produtivo – devido a tecnologia que a substitui e quando a requer, requer qualificada – tudo isso impossibilita o aumento do mercado interno e intensifica a superexploração do mercado existente, sem falar no passivo social oriundo da desagregação progressiva das relações pré-capitalistas no campo, que expulsa deste setor numerosos contingentes populacionais, o que incha os setores econômicos não integrados nas atividades propriamente produtivas, assim como incha o setor de serviços, e quando nem um, nem outro, resulta na grande fatia de desempregados a vagarem pelas cidades.
Esse contexto torna-se propício para radicalização dos conflitos de classe, pois implica no abandono da perspectiva de desenvolvimento capitalista autônomo nacional burguês, para dar margem para o desenvolvimento capitalista dependente de integração monopólica mundial. As classes dominantes aqui acentuam seu caráter controlador e repressivo, até desembarcar na figura de governos militares, o que gera revolta e resposta tanto do proletariado, como do campesinato e da classe média no sentido de apontar para soluções que rompam com a legalidade desse capitalismo dependente.
Diante desses resultados oriundos da análise do desenvolvimento das sociedades dependentes, Bambirra volta a reafirmar a necessidade de diferenciar os diferentes países latinos que sofreram esse processo. Agora, evidencia-se que os países pertencentes ao tipo A, como fora afirmado, rompem com essa tipologia ao final da integração monopólica, por uns terem se desenvolvido mais que os outros. Foi o caso de México, Brasil e Argentina, que chegando a tal ponto de industrialização e necessitando ampliar mercados, se vê na impossibilidade de explorar os seus próprios pelas contradições monopólicas já aqui apontadas. Daí que a saída para esses países será o subimperialismo, que consiste na exploração de nações dependentes por parte de outras também dependentes, mais com grau mais avançado de industrialização.
Na abordagem do subimperialismo, Vânia Bambirra deixa claro que às nações exploradas duplamente – tanto pelo imperialismo das nações desenvolvidas, quanto pelo subimperialismo de nações dependentes com alto grau de industrialização – só restaria uma alternativa que rompesse de vez com o capitalismo dependente, pois nesse percurso não haveria espaço para mais subimperialismos, já que o mesmo necessita de espaços amplos fornecedores de mercados e matérias-primas. Portanto, para nações duplamente exploradas, a única saída vislumbrada por Bambirra era a revolução socialista.