Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ISSN 1982 - 0283 O PLANEJAMENTO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO Ano XXIII - Boletim 2 - ABRIL 2013 O PLANEJAMENTO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO SUMÁRIO Apresentação .......................................................................................................................... 3 Rosa Helena Mendonça Introdução .............................................................................................................................. 4 Maria Isabel Leite Texto 1 - Pensar em planejamento na educação ..................................................................... 8 Maria Isabel Leite Texto 2 - O planejamento coletivo no ciclo da alfabetização: a cultura da colaboração como possibilidade para a aprendizagem ....................................................................................... 19 Tatiana Schuhl dos Santos Texto 3: Modos de pensar e fazer um planejamento de sala de aula para turmas do Ciclo da Alfabetização .........................................................................................................................28 Rosilene de Fátima Koscianski da Silveira 3 ApresentAção o plAnejAmento no ciclo de AlfAbetizAção 1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC). A publicação Salto para o Futuro comple- menta as edições televisivas do programa de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este aspecto não significa, no entanto, uma sim- ples dependência entre as duas versões. Ao contrário, os leitores e os telespectadores – professores e gestores da Educação Bási- ca, em sua maioria, além de estudantes de cursos de formação de professores, de Fa- culdades de Pedagogia e de diferentes licen- ciaturas – poderão perceber que existe uma interlocução entre textos e programas, pre- servadas as especificidades dessas formas distintas de apresentar e debater temáticas variadas no campo da educação. Na página eletrônica do programa, encontrarão ainda outras funcionalidades que compõem uma rede de conhecimentos e significados que se efetiva nos diversos usos desses recursos nas escolas e nas instituições de formação. Os textos que integram cada edição temática, além de constituírem material de pesquisa e estudo para professores, servem também de base para a produção dos programas. A edição 2 de 2013 traz como tema O planeja- mento no ciclo de alfabetização, e conta com a consultoria de Maria Isabel Leite (consul- tora na área da educação, da infância e da arte em espaços de educação formal e não formal, em instituições governamentais e em empresas e organismos internacionais e consultora desta edição temática). Os textos que integram essa publicação são: Pensar em planejamento na educação; O planejamento coletivo no ciclo da alfabetização: a cultura da colaboração como possibilidade para a apren- dizagem; Modos de pensar e fazer um planeja- mento de sala de aula para turmas do Ciclo da Alfabetização. A partir das reflexões e das questões insti- gantes apresentadas nestes textos, o Salto para o Futuro espera contribuir para o de- senvolvimento de planejamentos em sinto- nia com os cotidianos de alunos e comuni- dade, consolidando a perspectiva de uma escola em permanente diálogo com a reali- dade social da qual faz parte. Rosa Helena Mendonça1 4 Quando se fala em planejamento do en- sino no Ciclo de Alfabetização, deve-se ter em mente que a escola não está apartada da vida, isto é, ela é um sistema social com- plexo, que não está descolado dos demais. Assim, a consolidação da escola pressupõe a existência de uma comunidade ao seu re- dor, que faz parte da sociedade mais ampla na qual ela está inserida, e assim por dian- te, até podermos pensar planetariamente. Mas estar em um sistema não é sinônimo de coexistir pacífica e isoladamente junto a outras instituições sociais, mas sim de com- preender-se como parte integrante de um todo maior e interagir com ele. Portanto, a função da escola não se encerra nela mesma e, desta forma, o desafio de um sistema/rede de ensino e/ou da escola é sempre contextu- alizar os processos de apropriação e produ- ção de conhecimentos e, ainda, sublinhar a importância dos mesmos para a melhoria da vida dos sujeitos aprendizes. E se pensarmos em sujeitos integrais, devemos entender o planejamento de maneira a buscar a inter- face entre a área da Linguagem e seus com- ponentes curriculares de Língua Portuguesa e Arte, as áreas de Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e seus com- ponentes curriculares História e Geografia, num todo que gere sentido para as crianças. Portanto, o planejamento deve ser dinâmico e interdisciplinar, elaborado coletivamente com crianças e professores de todas as tur- mas do Ciclo da Alfabetização, de forma a integrar suas vivências e saberes, assegurar a organicidade do processo e a oferta de ex- periências significativas. Nesta busca por significação e trazendo o foco para o Ciclo da Alfabetização, faz-se necessário entender, primeiramente, que a alfabetização não se reduz à decifração de códigos. Ela é bastante mais ampla, porque só se configura completa quando alicerça- da nos mesmos princípios supracitados, isto é, na busca de sentidos, ou quando faculta 1 Arte-educadora, pedagoga, especialista em Psicopedagogia, mestre e doutora em Educação, com pós- doutorado em Arte-Educação. Trabalhou 15 anos diretamente com crianças; é pesquisadora da infância e dedica- se à formação inicial e em serviço de professores desde 1995. É consultora na área da educação, da infância e da arte em espaços de educação formal e não formal, em instituições governamentais e em empresas e organismos internacionais. Consultora desta edição temática. o plAnejAmento no ciclo de AlfAbetizAção INTRODUÇÃO Maria Isabel Leite1 5 às crianças a possibilidade de ler, escrever e interpretar, compreendendo muitas facetas das diferentes funções sociais da escrita e, assim, apossando-se desta linguagem e dela fazendo múltiplos usos correntes, de forma fluida e desembaraçada. Essas múltiplas di- mensões tornaram-se mais conhecidas nos últimos anos como letramento. Pensar a rotina dos grupos do Ciclo da Alfa- betização nesta perspectiva passa por plane- jar o uso de variados recursos disponíveis, de maneira a oferecer diferentes alternati- vas para as meninas e meninos entrarem em relação com o conhecimento socialmente construído. Infelizmente, em muitas esco- las/salas de aula, as propostas pedagógicas baseiam-se na reprodução de cartilhas e/ou livros didáticos, bem como em antigas ma- trizes de exercícios mimeografados que há anos vêm sendo reproduzidas e utilizadas junto às diferentes turmas, recheando o co- tidiano das crianças do Ciclo da Alfabetiza- ção de propostas enfadonhas, repetitivas, descontextualizadas e fragmentadas. Diferentemente, o uso de múltiplos recursos favorece a integração entre as áreas e seus componentes curriculares, além de possi- bilitar maior expressividade, autonomia e autoria por parte das crianças envolvidas no processo de alfabetização. Neste sentido, é importante ampliar a dinamicidade do pla- nejamento e a pluralidade de experiências significativas das crianças, fazendo uso de jogos (tanto os distribuídos pelo MEC, quan- to aqueles criados por crianças e professo- res), brinquedos, materiais de jogo simbóli- co, jornais, materiais publicitários, televisão, computador, livros de literatura (tanto os do PNBE, quanto os do PNBE Especial), livros didáticos aprovados no PNLD (que possam servir de base norteadora aos planejamentos e propostas, e não como camisa de força, de forma a atender mais adequadamente à di- versidade de níveis de aprendizagem e inte- resse na sala, bem como a trabalhar devida- mente a pluralidade de realidades históricas, culturais e sociais daquele grupo específicode crianças e, ainda, da comunidade circun- vizinha), obras complementares distribuídas no PNLD, além de muitos outros recursos que possam fazer parte do cotidiano da sala de aula. TEXTOS DA EDIÇÃO TEMÁTICA O PLANEJAMENTO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO2 A edição temática O planejamento no ciclo de alfabetização tem como proposta debater a inte- gração da área de Linguagem e seus componentes curriculares de Língua Portuguesa e Arte 2 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos temas abordados na edição temática O planejamento no ciclo de alfabetização, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola em abril de 2013. 6 com as demais áreas, tendo em vista a rotina da alfabetização na perspectiva do letramento. Também visa discutir a importância do uso de diferentes recursos didáticos na alfabetização: livros de literatura do PNBE e PNBE Especial, livro didático aprovado no PNLD, obras comple- mentares distribuídas no PNLD, jogos distribuídos pelo MEC e outros, além de jornais, mate- riais publicitários, televisão, computador etc. TEXTO 1: PENSAR EM PLANEJAMENTO NA EDUCAÇÃO Formando teias e redes que assegurem os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos educandos O primeiro texto desta edição temática assume o desafio de pensar as redes/ sistemas, escolas e professores como vetores integrantes e indissociáveis de um planejamento coletivo e orgâ- nico, que buscam entrelaçar as diferentes áreas de conhecimento e componentes curriculares de forma não fragmentada, considerando permanentemente as diversas realidades e culturas ali entrecruzadas, de maneira a garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos educandos. Em se tratando de um recorte em torno do Ciclo da Alfabetização, essas teias rela- cionais têm em conta como foco prioritário a criança de 6 a 8 anos, considerada como sujeito multifacetado, e percebida em sua inteireza. TEXTO 2: O PLANEJAMENTO COLETIVO NO CICLO DA ALFABETIZAÇÃO A cultura da colaboração como possibilidade para a aprendizagem O segundo texto destaca que a alfabetização é um dos processos escolares mais importantes e complexos e, por este motivo, tem sido foco de reflexões, pesquisas e debates, seja por parte dos estudiosos da educação, seja por parte dos governos. A autora comenta sobre as pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que deram enfoque ao “como se aprende”, possibilitando assim que fossem ressignificadas concepções e metodologias sobre o processo de alfabetiza- ção, principalmente a partir dos anos 1980. Mas, apesar de todos os avanços teóricos, ainda não conseguimos que todas as crianças aprendam a ler e a escrever e em idade apropriada. Para reverter este quadro, a autora aponta para a necessidade de cooperação entre os profes- sores dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, sendo este um dos principais eixos de sustentação para um trabalho de sucesso, não só do Ciclo da Alfabetização, mas também dos anos posteriores. 7 TEXTO 3: MODOS DE PENSAR E FAZER UM PLANEJAMENTO DE SALA DE AULA PARA TURMAS DO CICLO DA ALFABETIZAÇÃO Como considerar os grupos heterogêneos de crianças em seus diferentes ritmos e possibilidades de aprendizagem? O terceiro texto desta edição temática destaca que a elaboração do plano de aula é uma tarefa que cabe a cada docente em particular. A autora observa que “por mais qualificado e experien- te que se torne um professor ou uma professora, cada novo dia de aula precisa ser por ele ou por ela pensado, planejado”. No caso do Ciclo de Alfabetização, a grande maioria das turmas é formada por crianças que se encontram em diferentes momentos do processo de letramento. Dessa forma, é necessário pensar “não apenas que atividades que serão propostas, mas, princi- palmente, como tais atividades serão vivenciadas por crianças com ritmos e experiências diver- sos”. O plano de aula deve, assim, contemplar a classe como um todo e a cada criança na sua particularidade. Em seu instigante texto, a autora ressalta que “o plano de aula do professor é, sobretudo, o respeito e o compromisso com os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças”. 8 texto 1 PENSAR EM PLANEJAMENTO NA EDUCAÇÃO formAndo teiAs e redes que Assegurem os direitos de AprendizAgem e desenvolvimento dos educAndos Maria Isabel Leite1 currículo e plAnejAmento de mãos dAdAs Não há como pensarmos um planejamen- to educacional descolado do currículo que o origina. Definido no Art. 13 da Resolução CNE/CEB nº 4/2010 como “o conjunto de va- lores e práticas que proporcionam a produ- ção, a socialização de significados no espaço social”, o currículo visa contribuir “inten- samente para a construção de identidades socioculturais dos educandos” (idem). Apre- goa-se, no 2º parágrafo do mesmo Art. 13 da Resolução supracitada, que a proposta cur- ricular deve “assegurar o entendimento de currículo como experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulan- do vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identida- des dos educandos” (grifos meus). Esse 3º parágrafo ressalta, ainda, a necessidade de voltar-se para as “peculiaridades do meio e das características, interesses e necessidades dos estudantes” (grifos também meus). Em relação ao diálogo e ao desenvolvimento de interface entre os saberes construídos na trajetória escolar, o 4º parágrafo do mesmo Art. 13, anteriormente mencionado, vai dar destaque à transversalidade e à organização dos temas e eixos temáticos, de maneira a buscar a integração entre as áreas. Mas como esta discussão vem se concreti- zando na prática? Em observações no cam- po e na análise dos questionários2, é facil- mente perceptível que a prática cotidiana mostra-se, de forma geral, bastante envie- sada e segmentada em relação às áreas de 1 Arte-educadora, pedagoga, especialista em Psicopedagogia, mestre e doutora em Educação, com pós- doutorado em Arte-Educação. Trabalhou 15 anos diretamente com crianças; é pesquisadora da infância e dedica-se à formação inicial e em serviço de professores desde 1995. É consultora na área da educação, da infância e da arte em espaços de educação formal e não formal, governo, empresas e organismos internacionais. Consultora desta edição temática. 2 Em pesquisa desenvolvida no primeiro semestre de 2012 para consultoria ao MEC, através da UNESCO, sobre o Ciclo da Alfabetização em municípios das cinco regiões brasileiras. 9 conhecimento e seus componentes: na área da Linguagem, a Língua Portuguesa ocupa o pódio, deixando na obscuridade os demais componentes curriculares. Quando muito a Educação Física se faz presente como algo externo e exógeno ao restante do trabalho pedagógico, em seguida, o destaque do tra- balho pedagógico é para a Matemática. As Ciências da Natureza e as Ciências Huma- nas surgem pontualmente, muitas vezes através de projetos que buscam envolver as demais áreas, mas geralmente estão a elas subjugados. Sá Barretto & Mitrulis (2005) complementam esta observação tecendo a crítica de que é muito comum a existên- cia de currículos centrados nos conteúdos, que sublinham a importância de “conceitos, princípios, leis, informações, que por sua extensão prestigiavam o papel central das disciplinas no processo de escolarização” (p. 118) – currículos fragmentados e concebidos a partir da hierarquização de saberes. Ainda nas observações de campo, é perceptí- vel que a realidade e o interesse das crianças ficam geralmente apartados do cotidiano escolar, mostrando o quanto a flexibilização é necessária para que as propostas escolares correspondam às realidades dos municípios/ escolas/ comunidades. Este é mais um pon- to que precisa ser trabalhado. Diante do exposto, busco defender um pla- nejamento que não apenasvalorize, mas também favoreça o diálogo entre os diver- sos campos do saber, considerando a crian- ça em sua plenitude: suas potencialidades, saberes anteriores, interesses e formas sin- gulares de estar e agir no mundo. ASSEGURANDO A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS Mas não basta pensar teórica e formalmen- te na integração de áreas, considerando as crianças e seus conhecimentos, interesses e identidades. O desafio é: como atuar no Ciclo da Alfabetização respeitando estas diferentes questões e, ao mesmo tempo, assegurando que, ao final dos 600 dias le- tivos, todas as meninas e meninos estejam alfabetizados? Ou seja: não basta criar espa- ços simplesmente “agradáveis”... As redes e escolas têm que criar meios de garantir, às crianças, seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento! E para isso, cabe frisar desde o início, é necessário operacionalizar um conjunto de ações interligadas. O mesmo Art. 13 da Resolução CNE/CEB nº 4/2010 aponta para a constituição do que chamaram de rede de aprendizagem – que traz para o palco a não ruptura entre cogni- ção e afetividade: VIII - constituição de rede de aprendiza- gem, entendida como um conjunto de ações didático-pedagógicas, com foco 10 na aprendizagem e no gosto de apren- der, subsidiada pela consciência de que o processo de comunicação entre estudan- tes e professores é efetivado por meio de práticas e recursos diversos. Neste sentido, o desafio maior é possibili- tar às meninas e aos meninos meios de se apropriarem e produzirem conhecimento – tanto os de caráter científico, como aque- les éticos, estéticos e poéticos – de for- ma crítica e autoral, pois “(...) justamen- te pela sua consti- tuição e confluência de diversos saberes é que a escola tem reafirmada a sua vocação de ser polo gerador e irradiador de conhecimento e cultura, contribuin- do para reconstruir a organização da comunidade pelos seus próprios atores” (BRASIL, 2004, p.11 – grifos meus). Se está aí o cerne do desafio escolar, os pla- nejamentos (sejam eles de longo prazo e coletivos, ou diários e individuais) não po- dem perder de vista as formas de garantir às crianças seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, ou seja, as maneiras de ensinar/aprender envoltas no processo. Como primeira pista, Paro (2007) propõe que se planeje tendo como meta impulsio- nar a curiosidade e o gosto por aprender das crianças. Para ele, isso não é missão de um professor, ou de uma professora, nem de uma área, ou de outra: (...) a escola inteira que deve ser motiva- dora; portanto, é a escola toda que deve se tornar educadora. A esse respeito, o enriquecimento do currículo não pode se restringir a mero acréscimo de disci- plinas a serem estu- dadas, mas a uma verdadeira transfor- mação da escola num lugar desejável pelo aluno, onde ele não vá apenas para pre- parar-se para a vida, mas para vivê-la efeti- vamente (p.11). O autor complementa seu comentário ale- gando que a didática vem, ao longo dos anos, investindo na criação de “métodos, técnicas, procedimentos, que produzam no aluno a vontade de aprender” (idem – grifos meus) – mas será que o que temos visto na prática está na linha de despertar esta von- tade de aprender? Estão professores/escolas/ redes efetivando planejamentos que eviden- ciem coerência entre a forma de ensinar e o É fundamental que as propostas planejadas para o Ciclo da Alfabetização contribuam para uma trajetória autoral e autônoma, dialogal, solidária e responsável por parte de todas as meninas e meninos de 6 a 8 anos. 11 conteúdo ensinado? Planejamentos que evi- denciem esta perspectiva da criança como sujeito de direitos? Se a busca é por estratégias que assegurem os direitos de aprendizagem e desenvolvi- mento das crianças, cabe rechaçar propos- tas que não desafiem a curiosidade e a cria- tividade infantis e que não destaquem as conquistas das crianças – tanto individuais, quanto coletivas – valorizando-as. É funda- mental que as propostas planejadas para o Ciclo da Alfabetização contribuam para uma trajetória autoral e autônoma, dialogal, so- lidária e responsável por parte de todas as meninas e meninos de 6 a 8 anos. Neste sen- tido, faz-se necessário fomentar “(...) trans- formações significativas na estrutura da escola, na reorganização dos tempos e dos espaços escolares, nas formas de ensinar, de aprender, de avaliar, implicando a dissemi- nação das novas concepções de currículo, conhecimento, desenvolvimento humano e aprendizado” (BRASIL, 2004, p.10). Para que isto aconteça na prática, os plane- jamentos têm que primeiramente incorpo- rar a curiosidade e a criatividade infantis, e também a brincadeira como expressão legítima da cultura da infância. E, além da dimensão lúdica supracitada, especifica- mente considerar que ouvir/ contar/ ler his- tórias com e para as crianças favorece seu processo de alfabetização/ letramento, pois as coloca em contato direto com a lingua- gem escrita, além da imagética, abrindo um diálogo com a ética, a estética e a poéti- ca, com a dimensão imaginativa e simbóli- ca do humano. As histórias são espaços in- ter/trans/multidisciplinares por excelência, que abraçam e abarcam toda e qualquer área do saber. Ou seja, criar oportunidades acolhedoras e desafiadoras em torno das propostas de narração e leitura de histórias ajuda a desenvolver o prazer pela leitura/ escrita; amplia o uso e a compreensão das linguagens oral, gráfica, plástica, cênica e escrita, bem como a percepção e o conhe- cimento do mundo físico, social, cultural e natural e, ainda, abre as portas da imagi- nação e da fantasia. Sem dúvida, são ações que vão ao encontro do projeto de escola como polo irradiador de cultura e conheci- mento (op. cit.). Mas é claro que isso só pode ser pensado se estivermos falando de histórias interes- santes, instigantes e de qualidade. Há hoje uma profusão de livros com impressão e tra- tamento gráfico muito bons, com excelen- tes ilustradores e, sobretudo, ótimos escri- tores – as crianças merecem! Por fim, cabe repisar que, embora bastante relevantes, as histórias só ganham significação se dispo- nibilizadas de maneira desafiadora e lúdica para as crianças do Ciclo da Alfabetização, e não desprovidas de suas dimensões ética, estética e poética, esquartejadas e utilizadas como instrumento subserviente às demais áreas de conhecimento. 12 Infelizmente, o que mais se vê quando se vai a campo é um planejamento intrinseca- mente estruturado em cima de propostas fragmentadas, mecanicistas e reproduti- vistas. Professoras mandam copiar do qua- dro: cabeçalho, rotina do dia, atividades a serem realizadas em sala, tarefas para casa, recados... E, ainda, passam cópias in- dividualmente em cadernos de caligrafia, ou mesmo no caderno normal da criança. Também mandam copiar dos livros os exer- cícios a serem feitos nos cadernos. Grosso modo, os planejamentos observados alter- nam entre as propostas envolvendo as có- pias supracitadas e o uso do livro didático e/ou material reprográfico. Ireland (2007), em sua pesquisa, comenta sobre o plane- jamento desenvolvido nas escolas: “era pouco estimulante, limitando-se quase que exclusivamente a seguir o livro didático, tornando as aulas enfadonhas e de pouco interesse” (p. 274). Tanto o livro didático, quanto as já citadas folhas reproduzidas, somados às cópias – dos próprios materiais, ou de outros passados no quadro – acabam por ocupar a maioria do tempo que a criança está na escola. Nas observações feitas em campo, estas propos- tas eram geralmente individuais, e os pro- fessores apenas esclareciam as dúvidas que surgissem. A postura mais solicitada era de quietude e obediência. Paro (2007) identifica estas atitudes aquidescritas com as práticas tradicionais de ensino-aprendizagem: No ensino tradicional, em que o aluno é mero receptor de conhecimentos e infor- mações, o assunto é facilmente resolvido com a aceitação de que às crianças cabe apenas obedecer aquilo que é estabele- cido pelos adultos, estruturando-se a escola de modo a atender a esse man- damento. Por isso, a organização para a obediência prevalece (...). Na escola tradicional está muito bem assentado que a situação de ensino se dê na forma de um professor comunicando-se, numa sala de aula, com uma turma de alunos sentados em suas carteiras enfileiradas, durante praticamente todo o período de aula (p.12-13). O desejado acolhimento à diversidade de olhares e a integração entre as áreas só acontecerão se professores se emanciparem da rigidez de seus “guias” – os livros e ma- teriais prontos –, e abrirem os horizontes de seus planejamentos. Ou seja, livros didáticos e planejamentos padronizados, impostos de fora para dentro, não podem engessar e en- carcerar os professores. Cabe ponderar que não são os materiais em si que se mostram totalmente ruins, mas o uso que se faz deles. Uma atividade do livro didático que aborde determinado conceito pode ser, por exemplo, enriquecida/ incre- mentada/ contextualizada a partir de pro- postas coletivas e desafiadoras que partam da realidade das crianças e de seu entorno, 13 indo ao encontro de seus interesses, e tam- bém por meio do uso de materiais concre- tos e/ou brincadeiras, jogos, experiências de dramatização, além do uso de recursos tec- nológicos. Essas são algumas alternativas, mas isso exige flexibilização no planejamen- to e formação dos professores nesta direção. Faz-se necessário, portanto, sublinhar que os professores têm que compreender os fun- damentos da alfabetização/letramento para que possam fazer escolhas coerentes e, as- sim, planejar propostas que vão ao encontro umas das outras. Para melhor compreender a flexibilização necessária aos planejamentos de forma que esses viabilizem a concretização dos direi- tos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, provoco a problematização entre o imprevisto e o improviso: um planejamento flexível, dinâmico e vivo é prenhe de impre- vistos – interesses e questões que emergem na turma e, assim, ganham corpo naquele momento. Diferentemente, o improviso não cabe num planejamento, exatamente por- que deflagra situações de despreparo que não possibilitam potencializar costuras e enlaces nas teias que se criam ao longo dos processos de apropriação e produção de co- nhecimentos. MENINOS E MENINAS VISTOS E ENTENDIDOS EM SUA INTEIREZA E estão as atividades observadas no campo e aqui exemplificadas focadas no envolvimen- to das crianças, visando incentivar seu inte- resse para o mundo no qual estão inseridas? Estão voltadas para despertar sua vontade de aprender (op. cit.), instigando sua curiosida- de? Com que conceito de criança as ativida- des observadas estão alinhadas? A lógica de fundo da maioria das propos- tas observadas é basicamente mecânica e repetitiva, denotando uma concepção de criança-objeto, sem identidade ou história de vida, sem saberes anteriores. Letras, sí- labas, palavras ou textos; letras cursivas, bastão ou imprensa... Às vezes parece que vale tudo – e, pior, simultaneamente! Cha- ma a atenção, sobretudo, a descontextuali- zação e a fragmentação de conhecimentos preponderantes nas grandes “sopas de le- trinha” observadas – e, consequentemen- te, o distanciamento que estas propostas têm da realidade e interesse das crianças- alunos. Sabemos que as opções metodológicas são mais do que uma decisão estritamente peda- gógica: elas são também decisão política. In- teressa àquele professor, àquela escola e/ou rede/sistema acolher a diversidade de inte- resses e realidades do grupo, desenvolvendo sua perspectiva de pertencimento, fortale- cendo identidades, enfatizando a dimensão crítica do conhecimento, potencializando seus saberes? Em caso positivo, um ponto extremamente desafiador a ser considerado nos planejamentos é: como trabalhar com 14 os diferentes níveis de aprendizagem pre- sentes nos grupos heterogêneos3? Cada criança tem seu ritmo... Esta frase parece já ter caído no senso comum. Mas como trabalhar isso na prática? Como iden- tificar as diferenças sem tornar-se segre- gacionista e excludente? É preciso planejar propostas que intrinsecamente respeitem o ritmo de cada crian- ça, isto é, que não partam do princípio de que a turma é um bloco homogêneo, mas que levem em conta o tempo de descobertas, de as- sociação de ideias, que despertem o interesse de cada menino e menina do grupo. Crianças todas diferentes en- tre si, com grande potencial de troca e de enriquecimento da turma, pois cada um(a) traz uma bagagem, uma forma de pensar/ viver o mundo, um olhar para as questões desenvolvidas em sala; cada criança traz co- nhecimentos advindos do seu grupo social... Mas é possível respeitar os ritmos se todos estiverem fazendo as mesmas tarefas, com os mesmos desafios, ao mesmo tempo, da mesma maneira? Trago aqui os questiona- mentos de Rubens Alves4: “Por que é ne- cessário que todas as crianças pensem as mesmas coisas, na mesma hora e no mes- mo ritmo? As crianças são todas iguais? O objetivo da escola é fazer com que as crian- ças sejam todas iguais?”. O autor chama a atenção para esta perspectiva de pro- dução fabril que tan- tas vezes se instala em nossas escolas. Que tal repensar- mos formas de atu- ar diferentes destas que privilegiam a mesmice e a padro- nização? Uma das alternativas mais eficazes é o planeja- mento de trabalhos diversificados nas turmas. Se temos, num grupo de crianças, umas que estão no estágio pré-silábico, outras no si- lábico, e ainda as do silábico-alfabético5, por que não agrupá-las nesta hora de for- ma a oferecer propostas de Língua Portu- guesa diferenciadas aos três níveis? Ou, se Cada criança tem seu ritmo... Esta frase parece já ter caído no senso comum. Mas como trabalhar isso na prática? Como identificar as diferenças sem tornar- se segregacionista e excludente?. 3 Nesta publicação eletrônica, o texto 3, de Rosilene Silveira, trata mais especificamente deste ponto. 4 Apud BRASIL. Ensino Fundamental de 9 anos - orientações gerais. Brasília, DF: MEC/SEB/DPE/COEF, 2004, p. 9. 5 Estágios de desenvolvimento de acordo com a Psicogênese da Língua Escrita, de Emília Ferreiro. 15 na proposta de Matemática, temos crianças também em momentos diferentes de cons- trução do número, que tal juntá-las a partir deste critério? Ou, ainda, podemos colocar crianças para ajudar outras crianças com mais dificuldade num determinado traba- lho? O centro de tudo isto está numa possi- bilidade de planejamento coletivo do Ciclo de Alfabetização, com todos os professores dos diferentes anos/ etapas juntos6. Desta forma, podemos apostar mais nos tempos de aprender de cada criança, respeitando seus ritmos particulares, tendo em vista que o foco será sempre seu crescimento, suas descobertas, seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Já foi o tempo em que as escolas tradicio- nais segregavam as crianças por seus ren- dimentos e criavam turmas “boas”, turmas “regulares” e turmas “fracas”, a fim de bus- car a formação de grupos os mais homogê- neos possíveis sob o ponto de vista de suas respostas cognitivas. O resultado disso era a ampliação do abismo existente entre as crianças, as repetidas retenções, os estig- mas criados, a baixa autoestima daquelas que eram colocadas nas turmas “fracas” ou que ficavam muito defasadas em idade. O que se constatava era a quase impossibilida- de de reversão deste quadro, que aprisiona- va meninos e meninas, desde cedo, num cír- culo perverso e excludente,marginalizador e gerador de desinteresse, em grande parte responsável pela evasão escolar. Diferente- mente, a organização de grupos heterogê- neos, que respeitam mais a idade das crian- ças, com planejamentos que preveem oferta de atividades diversificadas, facilitadas pela existência de “cantinhos” e de mesas cole- tivas, são mais coerentes com a proposta de Ciclo da Alfabetização, exatamente por acolherem os diferentes ritmos de apren- dizagem das crianças. Sá Barretto & Sousa (2005) complementam este raciocínio ates- tando que “coibindo a repetência, os ciclos têm favorecido o aumento da permanência dos alunos na escola, o avanço na progres- são escolar e a diminuição do absenteísmo estudantil” (p. 672). Em Parecer publicado em 20077, o CNE/CEB já destacava a “promoção da autoestima dos alunos no período inicial de sua esco- larização” (grifo do relator no original). Se cada criança é diferente da outra, nenhuma é “pior” em tudo, como também não há a que é “melhor” em tudo. Em um planeja- mento de propostas diversificadas, no qual se variem os pequenos grupos de trabalho, sempre haverá chances de cada criança so- bressair positivamente. Mas, mais uma vez, 6 Nesta publicação eletrônica, o texto 2, de Tatiana dos Santos, trata mais especificamente deste ponto. 7 Pareceres CEB/CNE nº 7/2007. Reexame do Parecer CNE/CEB nº 5/2007. Parecer homologado. Despacho do Ministro, publicado no Diário Oficial da União de 9 de julho de 2007. 16 pondero: como fazer isto se os planejamen- tos abarcam propostas e/ou avaliações que promovem a segregação e a exclusão, uma vez que tratam suas turmas como blocos homogêneos a serem nivelados e hierarqui- zados? Como fazer isto em escolas e/ou sis- temas anteriormente construídos em cima da cultura da reprovação e repetência e que, mesmo com a adoção do Ciclo da Alfabeti- zação, ainda não se libertaram desta lógica punitiva? OLHANDO CRITICAMENTE PARA OS PROCESSOS – AVALIAÇÃO COMO PARTE INCONTESTE DO PLANEJAMENTO Já foi dito aqui que a implantação do Ciclo da Alfabetização, quando compreendido de maneira mais ampla, requer uma rede de aprendizagens, o que fortalece, na elabora- ção dos planejamentos, a busca por alter- nativas que favoreçam a concretização dos direitos de aprendizagem e desenvolvimen- to de meninos e meninas. Uma vez que a proposta de Ciclo tem como consequência a não retenção das crianças, exatamente por entender seus processos de apropriação e produção de conhecimentos como progres- sivos e contínuos (embora não lineares), di- ferentemente da anteriormente instaurada cultura da repetência, o investimento no alu- no do ciclo é maior e mais explícito. Por ou- tro lado, é também digno de nota que se não forem enfrentados os desafios de auxiliar as crianças em suas necessidades e/ou se pro- fessores e gestores não se comprometerem com o crescimento de cada criança, cria-se apenas o adiamento de um problema: a re- provação sairá do 1º para o 3º ano do Ensino Fundamental – o que mostra que a organi- zação do Ciclo da Alfabetização, envolvendo os três primeiros anos do EF, se ficar redu- zida apenas à não retenção, não alterará a qualidade da aprendizagem e, consequente- mente, não favorecerá a meta de alfabetizar/ letrar todas as crianças até 8 anos. Neste sentido, para planejarmos em conso- nância com o preceito de que cada criança tem seu ritmo, sem abrirmos mão da nos- sa obrigação de assegurar a cada uma delas seus direitos de desenvolvimento e apren- dizagem, precisamos, ao implantar o Ciclo da Alfabetização, criar as tais redes de apren- dizagem já citadas, oportunizando apoio às meninas e meninos com dificuldades e, também, ofertando atendimento especial, quando necessário – aspectos já previstos no Parecer CNE/CEB nº 7/2007 (op. cit.), que destacava a importância de os gestores terem “sempre em mente regras de bom senso e de razoabilidade, bem como trata- mento diferenciado sempre que a aprendi- zagem do aluno o exigir”. O mesmo parecer supracitado destaca a importância de não ser aplicada “qualquer medida que possa ser interpretada como retrocesso, o que po- deria contribuir para o indesejável fracasso 17 escolar” – e não é justamente isto que acon- tece quando planejamentos desconsideram as crianças que apresentam dificuldades, deixando-as caminharem sem apoio algum por três anos, retendo-as ao final de sua fra- cassada jornada? Em suma, desde o início está implícita a ne- cessidade de ofertar apoio às crianças que estejam, de alguma forma, em defasagem. Entretanto Sá Barretto & Souza (2005) aler- tam para possíveis problemas neste atendi- mento, e os enumeram: (...) oferta escassa de momentos de aten- dimento diferenciado; aulas de recupera- ção com professores pouco experientes; repetição enfadonha das mesmas abor- dagens durante o atendimento comple- mentar aos alunos; falta de articulação com as atividades das classes de origem, grande descompasso em relação à cultu- ra do aluno (p. 674). Se os processos envolvidos no apoio às crianças forem planejados de maneira igual- mente repetitiva e nada desafiadora, basea- dos nas cópias, expondo a criança a modelos de frases simplistas, de vocabulário reduzi- do e sem qualquer significação, esvaziadas da função comunicativa da escrita, assim também estas crianças irão elaborar suas produções. Afinal, se escrever pressupõe in- terlocução e troca e tem sempre intenção comunicativa, pergunto: com quem e para que as crianças estão trocando informações quando apenas copiam e copiam? Esta des- contextualização fica evidenciada também no uso dos recursos de informática que, ao invés de enriquecerem as propostas de sala de aula, eventualmente criam, ainda, outros universos desconexos – que tal, crianças bra- sileiras aprenderem sobre estações do ano a partir de um pinguim num monte nevado? Portanto, encerro estas reflexões sobre pla- nejamento alertando para a necessidade de que seja considerada a avaliação como um dos seus principais itens – uma avaliação contínua e processual que permita correção de rumos e realinhamento de estratégias. Uma avaliação que mostre a forma como os direitos de aprendizagem vêm sendo concre- tizados, ou não, e o que pode/deve ser feito para sua efetivação. REFERÊNCIAS BRASIL. Ensino Fundamental de 9 anos – orien- tações gerais. Brasília (DF): MEC/SEB/DPE/ COEF, 2004. IRELAND, Vera (coord.). Repensando a escola: um estudo sobre os desafios de aprender, ler e escrever. Brasília (DF): UNESCO, MEC/INEP, 2007. LEITE, Maria Isabel. Apoio à Implementação da Política do Ensino Fundamental / Ciclo da Alfabetização: Relatório Final (produto 3) do 18 Edital de Seleção nº 05/2011, Projeto UNES- CO 914BRZ1001.5. Brasília, DF: MEC/SEB, ju- nho 2012. PARO, Vitor Henrique. Estrutura da escola e prática educacional democrática. Caxambu (MG): ANAIS da ANPEd, GT 05 (Estado e Polí- tica Educacional), 2007, Disponível em <http://www.anped.org.br/ reunioes/30ra/trabalhos/GT05-2780--Int.pdf> SÁ BARRETO, Elba Siqueira de & SOUSA, San- dra Zákia. Reflexões sobre as políticas de ci- clo no Brasil. Revista Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, volume 35, nº 126, set./dez. 2005 (p. 659-688) 19 Dentre os inúmeros e diversos processos es- colares, a alfabetização é um dos mais im- portantes e mais complexos, por isso é foco constante de reflexões, pesquisas e debates, não apenas entre estudiosos da educação e governos, mas também nas próprias esco- las, entre professores. Desta forma, tivemos progressos significativos, ressignificando concepções e metodologias, principalmente a partir dos anos 1980 com os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que deram enfoque ao “como se aprende”, quando até aquele momento o enfoque era o “como se ensina”. Atualmente as discussões em tornode te- mas como letramento e consciência fono- lógica propõem outros olhares, procurando interligar situações de trabalho em sala de aula com os usos sociais da escrita e o en- sino sistemático da tecnologia da alfabeti- zação, com ênfase na grafia e no som das letras, equilibrando, por fim, diferentes fa- ces da mesma moeda. Temos, então, estu- dos sobre diferentes metodologias (o como se ensina), sobre a psicogênese (o como se aprende), sobre letramento (usos sociais da escrita e da leitura) e sobre a consciência fonológica (sistematização da relação entre grafemas e fonemas) – e cabe ainda lembrar que temos também os ensinamentos deixa- dos pelo mestre Paulo Freire, para quem a alfabetização sempre foi fundamental. Ele nos legou uma concepção ampla de leitura e escrita como intervenção no mundo, fer- ramenta importante de conscientização do ser humano. O que nos angustia é que, apesar de todos os avanços teóricos que temos tido, ainda assim não conseguimos fazer com que to- das as crianças aprendam a ler e a escrever e em idade apropriada e, menos ainda, que se vivencie este processo de maneira integral. texto 2 o plAnejAmento coletivo no ciclo dA AlfAbetizAção: A culturA dA colAborAção como possibilidAde pArA A AprendizAgem Tatiana Schuhl dos Santos 1 1 Pedagoga; especialista em Alfabetização Diferenciada e mestre em Educação. Atua como professora na rede municipal de educação de Lajeado (RS) há 16 anos, estando atualmente como Coordenadora Pedagógica da EMEF Guido Arnold Lermen. 20 Com certeza são muitas as dimensões que se entrecruzam na prática pedagógica e inú- meros são os fatores que dificultam nosso trabalho em sala de aula, nas escolas e nas redes de ensino. Dentre estes fatores estão as condições sociais cada vez mais difíceis em que vivem nossos alunos, com pais que trabalham cada vez mais, a desvalorização profissional e salarial da categoria docente, a formação inicial aligeirada, entre outros. É preciso reconhecer estes problemas multifa- cetados e inter-relacionados, e refletir sobre as possibilidades que temos de enfrentá-los, buscando qualificação profissional, institu- cional e até mesmo exigindo melhores con- dições de trabalho e formação. Em meu entendimento, só conseguiremos qualificar nossas práticas pedagógicas se tra- balharmos de maneira coletiva, unindo-nos aos outros educadores de nossa escola, cons- tituindo uma equipe de trabalho, de estudo e de autoformação, almejando – por que não? – a constituição de coletivos docentes cada vez maiores, integrando outras escolas em diálogo e troca de experiências. Para isso, precisamos abrir não apenas nossas salas de aula, mas nossas mentes e nossos corações, superando uma forte característica de nossa profissão: a cultura do isolamento. A CULTURA DO ISOLAMENTO A cultura docente é definida por Pérez Gó- mez (2001, p.164) como “(...) o conjunto de crenças, valores, hábitos e normas dominan- tes que determinam o que este grupo social considera valioso em seu contexto profis- sional, assim como os modos politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e se relacio- nar entre si”. Então, de maneira geral, pode- mos dizer que todas as escolas são escolas, e todos os professores são professores, pois a cultura docente é muito semelhante, sendo os modos de ser, fazer e estar na profissão facilmente identificados. Nós, professores, somos atravessados por uma angústia existencial e por uma pres- são social que nos cobra conservação e, ao mesmo tempo, mudança; que confirma nossa importância para o desenvolvimento das futuras gerações e, ao mesmo tempo, questiona nossa capacidade de atingir nos- so objetivo maior, que seria alcançar este desenvolvimento. Sabemos que precisamos mudar, pois a mudança é algo intrínseco ao ser humano, quanto mais aos seres huma- nos que educam outros seres humanos. Po- rém, mudanças isoladas e pontuais, mesmo que muito válidas em pequena escala, não asseguram um melhor desenvolvimento das novas gerações, nem a (re)conquista de nos- sa valorização como competentes no ato de educar. Autores como Fullan e Hargreaves (2000), Thurler (2001), Novoa (1991, 1995, 2005), Ar- royo (2000), entre outros, que teorizam e escrevem sobre a prática docente, apontam 21 a questão do isolamento, da solidão, como forte característica da cultura docente, que precisa de mudança urgente. Pode parecer uma constatação contraditória, tendo em vista que estamos envolvidos com muitos alunos, geralmente convivendo com mui- tos colegas na escola ou nas escolas em que trabalhamos. Porém, sabemos como isso funciona, na maioria das vezes, nas práticas cotidianas da escola e da sala de aula: cada um em sua turma ou com sua disciplina, com seu tempo, seu planejamento, sua avaliação; cada um com seus alunos, seus sucessos e seus problemas. De maneira geral, tornamo-nos aco- modados e solitá- rios, não gostamos de ouvir críticas – muitas vezes sequer sugestões – e nos ressentimos com as propostas de mudanças, além de em algumas ocasiões boicotarmos a implantação do que chega “de cima para baixo”. Muitas vezes consideramos difícil mudar até o que nós mesmos constatamos como necessário, porque sabemos que mu- dar dá trabalho, requer envolvimento, estu- do, reflexão sobre a própria prática e esforço coletivo. Mas não é só o professor que colabora para o isolamento... Fullan & Hargreaves (2000) apontam ainda a própria arquitetura das es- colas, a grade curricular, os horários e a so- brecarga de trabalho como preponderantes, ou seja, a estrutura escolar não encoraja que tenhamos momentos de estudo coletivo, dis- cussão e envolvimento em um projeto de es- cola pensado por todos. Sem falar na própria formação, que não aprofunda temas como planejamento e pro- jetos e avaliação como processos de construção coletiva. O problema é que, quando trabalhamos sozinhos, corremos o risco de que ideias e práticas importan- tes, interessantes e inovadoras passem despercebidas, en- quanto práticas ob- soletas, injustas e por vezes até displi- centes deixam de ser discutidas. Assim, para Thurler (2001), não é fácil fazer com que abandonemos este isolamento, pois temos inúmeros medos – alguns racionais, outros nem tanto. Diz ela sobre os professores: Se participam seus projetos ou seus êxi- tos, têm medo de serem percebidos como alguém que se crê melhor que os outros... O problema é que, quando trabalhamos sozinhos, corremos o risco de que ideias e práticas importantes, interessantes e inovadoras passem despercebidas, enquanto práticas obsoletas, injustas e por vezes até displicentes deixam de ser discutidas. 22 têm medo de que outros se apropriem de certos achados e obtenham um reconhe- cimento não merecido; têm medo de pa- recerem incompetentes se pedirem aju- da; medo, simplesmente, de terem que modificar suas práticas, mesmo que elas se mostrem ineficazes, devido apenas ao olhar ou às sugestões dos colegas. (p. 66). Precisamos perder estes medos! Ao tomar- mos consciência da existência destes fatores e ao come- çarmos a buscar al- ternativas de supe- ração, começamos a abrir possibilidades para uma maior in- terface com os co- legas, para troca de experiências, com- partilhamento de angústias e dúvidas, para a construção de projetos coletivos, para aprendizagens individuais, coletivas e institucionais, entre tantos outros ganhos possíveis. Se Freire (1996) já dizia que nossa presença no mun- do não se faz no isolamento, mas na rela- ção com as outras pessoas, Arroyo (2000) ar- remata ao dizer que a escola ainda gira em torno dos professores, de seu ofício, de sua qualificação e profissionalismo. São eles e elas que a fazem e reinventam. É POSSÍVEL REINVENTAR! Dentre as orientações trazidas pelaResolu- ção nº 7, de 14 de dezembro de 2010, do Con- selho Nacional da Educação, ressalto neste texto o artigo 24, que atende a um anseio de mudança necessária, abrindo possibilida- de de superarmos a cultura do isolamento docente. Esse artigo reflete sobre a necessi- dade de integração entre os conhecimentos escolares e sugere experiências diver- sas de currículo in- tegrado e interdis- ciplinar, oferecendo “aos docentes subsí- dios para desenvol- ver práticas pedagó- gicas que avancem na direção de um trabalho colaborati- vo, capaz de superar a fragmentação dos componentes curri- culares”. Sabemos que não é uma reso- lução por si só que irá mudar nosso fazer, porém a direção apontada por ela, integra- da à melhoria de recursos e à ampliação de nossos esforços, estudos e ações efetivas, pode constituir uma real reinvenção de nos- sas práticas pedagógicas, principalmente no Ciclo da Alfabetização. Neste sentido, um trabalho pedagógico bastante diverso daquele que temos feito A cooperação entre os professores dos três primeiros anos do Ensino Fundamental pode ser um dos principais eixos de sustentação para um trabalho de sucesso – não só no Ciclo da Alfabetização, mas também nos anos posteriores 23 quando sozinhos em sala de aula surge ao visualizarmos o trabalho coletivo entre do- centes, qualificando não só a aprendizagem dos alunos, mas a nossa própria aprendiza- gem, mediante as negociações, concessões e atribuições que se fazem presentes na cons- tituição de um coletivo. A cooperação entre os professores dos três primeiros anos do Ensino Fundamental pode ser um dos princi- pais eixos de sustentação para um trabalho de sucesso – não só no Ciclo da Alfabetiza- ção, mas também nos anos posteriores. Esse é um processo de mudança profundo e du- rável, que pode “contaminar” positivamente todo o grupo de professores da escola. MAS COMO REINVENTAR? Não será novidade dizer que não existem receitas que podem ser copiadas, aplicadas de uma escola para outra. Cada realidade é diferente, seus professores, seus alunos, seus recursos, suas escolhas! Porém, pode- mos aprender uns com os outros, com expe- riências de colegas que vêm buscando fazer na prática aquilo que a Resolução, em tese, nos diz: flexibilizar tempos, espaços e agru- pamentos de alunos, objetivando o sucesso no processo de alfabetização. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Guido Arnoldo Lermen2, situada em Lajeado (RS)3, é um destes exemplos. A partir de 2000, quando trocou o regime seriado pelo de Ci- clos de Formação Humana, a escola passou a compreender os alunos como integrantes de um ciclo de formação e aprendizagem, orga- nizando e orientando seu currículo a partir dos tempos de vida propostos pelo professor Miguel Arroyo: infância, pré-adolescência e adolescência4. Compreender os tempos de vida dos alunos e sua realidade foi o primeiro passo, seguido de um reagrupamento dos professores em cada um destes tempos. Assim, antes de se- rem professores do primeiro ano, do quinto ano, ou de matemática, os docentes passa- ram a entender-se como professores da in- fância, da pré-adolescência ou da adolescên- cia. Como consequência deste movimento, houve uma redefinição em relação ao que é o conhecimento e como ele se constrói, bem como foi realizada uma reorganização dos tempos, espaços e agrupamentos de alunos. 2 Escola com 320 alunos, situada em um bairro de periferia, composta de um grupo de 29 professores. 3 A Rede Municipal de Lajeado é composta de 18 escolas de Ensino Fundamental. Destas, 5 optaram por organizar-se a partir dos Ciclos de Formação Humana. 4 É importante frisar que as mudanças não ocorrem instantaneamente quando uma decisão é tomada. Mudar é um processo lento e trabalhoso, que precisa ser gerenciado por vários anos seguidos, observando-se sua continuidade e pequenos avanços sistemáticos. Esta escola hoje pode olhar para trás e identificar o processo vivido, mas não foi tarefa de fácil realização, e ainda não é, porém as conquistas são tantas e tão marcantes, que fazem valer a pena todo o processo. 24 Os professores dos três primeiros anos do Ensino Fundamental têm prazer, laços de pertencimento e constituição identitária de serem professores da Infância, portanto, co- nhecem as características da infância, suas necessidades e potencialidades; gostam de estar com crianças, e compreendem a ludi- cidade como dimensão formadora dentro do processo de alfabetização. Na EMEF Guido A. Lermen, os professores reúnem-se semanalmente com a coordena- dora pedagógica da escola para planejar os projetos de trabalho coletivo5 , discutem ca- sos de alunos ou de metodologias de ensino, produzem material didático, estudam sobre a infância, bem como sobre o que se relacio- na aos objetivos específicos deste ciclo, vol- tado prioritariamente para a alfabetização6. Durante o planejamento, três dimensões são sempre levadas em consideração: 1 - o complexo temático da escola, organi- zado por todos os professores e funcio- nários ao final do ano letivo anterior, a partir de pesquisa com os alunos e na comunidade; 2 - os interesses e as condições de vida dos educandos – no caso, a Infância; 3 - os objetivos de final de ciclo expressos no Plano de Estudos da Escola. Para começar o trabalho no início do ano, é escolhido um filme, uma história, uma música, ou mesmo um documentário que sensibilize os alunos para o tema central do Complexo Temático, que em 2012 teve como tema: “Para ser grande sê inteiro!” Após todos os ciclos assistirem a um fil- me, por exemplo, ocorre uma “Explosão de Ideias”, na qual são listadas todas as pergun- tas e conceitos sobre os quais os alunos se interessam em estudar, havendo um grande envolvimento por parte deles, uma vez que já internalizaram este processo extrema- mente participativo. Os alunos sabem que seus interesses serão inseridos no Complexo Temático e que os professores irão organizar, através de projetos, o estudo e aprofunda- mento deles. Feito isso, os docentes do Ciclo da Infância registram, junto com a coordenação, quais são os objetivos (conteúdos conceituais, conteúdos atitudinais e conteúdos procedi- mentais), selecionam materiais, planejam e organizam as atividades, interligando tudo aquilo que surgiu em uma sequência didá- tica. É importante ressaltar que semanal- 5 Que envolvem as três turmas de cada turno. 6 Este momento de uma hora semanal só é possível porque os alunos estão com professores especialistas, no caso: educação física, arte e oficina de jogos. Infelizmente ainda não conseguimos organizar um momento sistemático para que estes professores possam também planejar em conjunto com os professores referência. Nas reuniões coletivas de todos os professores, que também são semanais, oportunizamos esta troca, sempre que necessário. 25 mente são inseridos novos objetivos, novos conteúdos, a partir do que vai acontecendo nas salas de aula7 e do que os professores consideram fundamental dentro do ciclo e da avaliação contínua da aprendizagem dos alunos. Com a professora referência de cada turma, os alunos escrevem sempre a pauta do dia, preenchem o calendário e têm tempos espe- cíficos organizados por ela para atividades individualizadas ou em grupos. Porém, o que os alunos acham mais envolvente são os Mo- mentos de Trabalho Coletivo. As turmas são reunidas pelo menos duas vezes por semana, com propostas variadas de trabalho8. Às vezes, os alunos trabalham em grupos mistos que reúnem crianças de diferentes faixas etárias e níveis de conheci- mento, de forma que aquele que já está mais avançado no processo de alfabetização auxi- lia seu colega em suas dúvidas. Em outros momentos, prioriza-se dividir o grupo a par- tir de seus níveis de escrita – pré-silábicos, silábicos, silábico-alfabéticose alfabéticos –, de maneira que as intervenções dos pro- fessores podem ser feitas mais sistemática e pontualmente, com trabalhos direcionados a cada grupo. Mesmo que nem todos estejam alfabetizados, já se propõem atividades que envolvam pesquisa em livros ou mesmo na sala de Informática, de forma orientada por um educador do ciclo, ou por um colega que já domina a leitura e a escrita. Os temas são os mesmos para todos os grupos, costurados ao projeto, porém com um nível de dificulda- de direcionado àquele grupo de alunos. Para realizar estas atividades diferenciadas para diferentes grupos de crianças (não turmas), o planejamento semanal é fundamental! As crianças estão em processo de aprendiza- gem, cada uma é diferente e procura-se re- alizar atividades diversas para elas, e ainda com grupos diferentes. No caso de os pro- gressos não serem os almejados para cada um, à sua maneira e ao seu ritmo, os profes- sores reorganizam seu fazer, conversam com a coordenação pedagógica, com os pais, e também com a professora do Laboratório de Aprendizagem, espaço de investigação das dificuldades. Como os alunos das três turmas estão jun- tos em um mesmo espaço, compreendendo fortemente a ideia de fazerem parte de um Ciclo de Formação e de Aprendizagem, têm também o olhar de três ou quatro professo- res, o que enriquece sobremaneira o atendi- mento aos grupos e aos níveis de escrita. E além de ser uma aposta no trabalho coo- perativo entre os alunos, fortalece também a 7 Inspiramo-nos na ideia de projetos sugerida por Fernando Hernandez (1998). 8 O ciclo da infância é composto por três turmas em cada turno, sendo que nos momentos de trabalho coletivo conta-se com uma quarta professora. 26 cumplicidade e o trabalho cooperativo entre os professores. Para propor atividades desa- fiadoras e possíveis, considerando a Zona de Desenvolvimento Próxima9 de cada aluno, os vários olhares dos docentes enriquecem o trabalho, pois cada um pode “dar o que tem de melhor”. É uma prática que reforça “a interdependência, a divisão de responsa- bilidades, o engajamento coletivo, a disponi- bilidade de lançar-se na autoavaliação e na autocrítica” (Thurler, 2001, p.78). A aprendizagem de cada aluno é busca cons- tante, nem sempre alcançada satisfatoria- mente. Lê-se sobre pedagogia diferenciada, busca-se mobilidade dos alunos em grupos e espaços diversificados, avalia-se de maneira individualizada, sendo que o lema da escola é “Amar é deixar de comparar”. Ainda assim nem sempre os objetivos são atingidos satis- fatoriamente, e mais ainda toma-se consci- ência de que é preciso mais e mais planejar individualmente com reforço teórico e meto- dológico constantes. Trabalhar de forma integrada com os alunos, com os projetos, do planejamento à ava- liação requer trabalho duro, compromisso forte e compartilhado, dedicação e respon- sabilidade coletiva, o que, segundo Fullan & Hargreaves (2000), possibilita um senso es- pecial de orgulho pela instituição. Os professores desta escola orgulham-se de sua caminhada, mesmo que existam pedras no caminho, dificuldades, discussões e can- saço. Mas sabem que depois de alguns pas- sos dados, o destino fica mais próximo, e mais próximo e mais próximo. O segredo é jamais deixar de caminhar. Como diz o belo poema de Mia Couto: O que faz a estrada? É o sonho Enquanto a gente sonhar A estrada permanecerá viva É para isso que servem os caminhos Para nos fazerem parentes do futuro. REFERÊNCIAS ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005. ARROYO, Miguel. Ofício de mestre: Imagens e auto-imagens. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. 9 Conceito elaborado por Vygotsky, que propõe como nível de desenvolvimento real aquilo que conseguimos realizar de maneira autônoma e como nível de desenvolvimento potencial aquilo que ainda necessita de intervenção de um adulto, ou colaboração de colegas. O objetivo docente é tornar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real, através de processos educativos na medida de cada um. 27 FREIRE, Pedagogia da autonomia: Saberes ne- cessários à prática educativa. 17. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e ousadia: O cotidiano do professor. 11. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1986. FULLAN, Michael & HARGREAVES, Andy. A es- cola como organização aprendente: buscando uma educação de qualidade. 2. ed. Porto Ale- gre: Artes Médicas Sul, 2000. HERNANDEZ, Fernando. Transgressão e mu- dança na Educação:os Projetos de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001. MORIN, Edgar. Repensar a reforma – reformar o pensamento: A cabeça bem feita. Porto Ale- gre: Instituto Piaget, 1999. NÓVOA, Antonio (org.). Profissão professor. Portugal: Porto Editora, 1991. NÓVOA, Antonio (org.). Vida de professores. Portugal: Porto Editora, 1992. NOVOA, Antonio (org.). Os professores e sua formação. Portugal: Publicações Dom Quixo- te, 1995. NÓVOA, Antonio. Evidentemente. Histórias da Educação. Portugal: Edições ASA, 2005. PÉREZ GÓMES, A. I. A cultura escolar na socie- dade neoliberal. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. SANTOS, Tatiana Schuhl dos. Construindo uma escola de ciclos de formação – relato de uma experiência. Interfaces: revista pedagó- gica de rede municipal de Educação. Lajeado, RS: UNIVATES, 2008. THURLER, Mônica Gather. Inovar no interior da escola. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. 28 texto 3 modos de pensAr e fAzer um plAnejAmento de sAlA de AulA pArA turmAs do ciclo dA AlfAbetizAção Como considerar os grupos heterogêneos de crianças em seus diferentes ritmos e possibilidades de aprendizagem? Rosilene de Fátima Koscianski da Silveira 1 PARA INÍCIO DE CONVERSA A ação de planejar faz parte dos diferentes setores da vida humana. O homem, ao pla- nejar, organiza, prevê, sistematiza e toma decisões acerca dos seus objetivos, metas e fins, reduzindo os riscos de tornar suas ações mecânicas ou desarticuladas do con- texto social. No cotidiano escolar, convive- mos com uma série de tarefas e exigências, como, por exemplo: o programa específico de ensino de cada ciclo/série/curso; as for- mas e instrumentos de avaliação; os regis- tros e documentos estabelecidos ao longo dos bimestres, semestres e anos letivos; as atividades e eventos extracurriculares que acontecem e envolvem alunos e professo- res no contexto social escolar; as questões específicas da rede de ensino, entre outras demandas que ampliam nossa experiência docente. Desse modo, participamos do fazer dessas tarefas e nos familiarizamos com a dinâmica estabelecida pelo cotidiano esco- lar de tal maneira que, algumas vezes, po- demos acreditar ingenuamente que já sabe- mos como ele funciona e como podemos/ devemos atuar sem precisar lançar mão de um plano detalhado que anteveja e organize as ações pedagógicas, os conhecimentos e conteúdos a serem trabalhados a cada dia de aula em que nos encontramos com as crianças. Entretanto, por mais qualificado e experiente que se torne um professor ou uma professora, cada novo dia de aula preci- sa ser por ele ou por ela pensado, planejado. 1 Pedagoga, especialista em Fundamentos Teóricos e Metodologias das Séries Iniciais e em Gestão Escolar. Mestre e doutoranda em Educação. Há mais de 20 anos, é professora alfabetizadora da rede pública estadual de Santa Catarina. 2 Damis (2000) propõe uma analogia da aula com a arquitetura, mostrando como uma e outra podem projetar um espaço que “organiza as ações que fazem a vida humana acontecer” (p. 212). Um espaço que possibilita aprendizados, que determina e expressa o saber humano estabelecendosuas relações, e “é nesta concepção de espaço arquitetônico que se fundamenta a concepção de aula entendida também como espaço de relações entre os elementos que a constituem: o professor, o estudante, o conhecimento sistematizado, os procedimentos e os recursos” (idem, p. 214). 29 É preciso ir para a sala de aula com uma “ar- quitetura2” na qual possam ser abrigadas as diferentes experiências e aprendizagens dos pequenos, de forma significativa. Essa é uma tarefa que cabe a cada docente em particu- lar: fazer diariamente o seu plano de aula. Guedes Pinto et al. (2008, p. 7) nos fazem perceber a importância não apenas da ela- boração de um plano diário/semanal de en- sino, mas, sobretudo, a necessidade de ana- lisarmos o movimento desse planejamento, para que possamos observar “com que fre- quência uma atividade aparece no dia ou na semana, se essa atividade tem ou não um horário e um espaço definidos para aconte- cer e em que momento do dia acontece, a duração prevista para ela e como ela se rela- ciona com outras atividades”. É preciso, ain- da, observar como esse plano funciona para aquela turma específica, pois não trabalha- mos com classes homogêneas. Se nos repor- tamos, por exemplo, à dimensão da leitura e da escrita, vamos observar que a grande maioria das turmas com as quais atuamos é formada por crianças que se encontram em diferentes momentos do processo de alfa- betização e letramento. Por isso, faz-se ne- cessário pensar não apenas que atividades vamos propor, mas, principalmente, como tais atividades serão vivenciadas por crian- ças com ritmos e experiências diversos. Como contemplar a classe como um todo – e a cada criança na sua particularidade – no nosso plano de aula? O plano diário é uma ferramenta essencial de trabalho para o/a professor/a que mate- rializa uma “visão de mundo, de criança, de educação, de processo educativo que temos e que queremos” (OSTETTO, 2000, p. 178). Dessa forma, “ao selecionar um conteúdo, uma atividade, uma música, na forma de en- caminhar o trabalho” (idem), estamos dire- cionando o trabalho diário a partir das esco- lhas que fazemos. Além disso, o plano formal diário precisa ser mais do que uma lista que pretende preencher o tempo da criança com diferentes atividades. Deve ir além e tornar- se um instrumento de reflexão permanente pelo qual vamos “localizando manifestações de problemas e indo em busca das causas. [...] O ato de planejar pressupõe olhar atento à realidade” (idem), com sensibilidade para as mudanças e adequações que se fizerem necessárias na concretização de cada aula propriamente dita, e no andamento do pro- cesso como um todo mais amplo. E é o planejamento que possibilita a organi- zação do tempo e a distribuição adequada à realidade educacional das diferentes ativida- des de apropriação da leitura, da escrita e de outras aprendizagens pela criança, permi- tindo-nos desencadear um processo de in- tervenção e transformação dessa realidade. Para Gandin (1999, p.19), “planejar é trans- formar a realidade numa direção escolhi- da” e isso inclui os valores e princípios que fundamentam a nossa ação junto às crian- ças. Nesse sentido, “planejar é realizar um 30 conjunto orgânico de ações, proposto para aproximar uma realidade a um ideal” (idem, p. 20) e a concretização desse plano depen- de do comprometimento do/da professor/a para com seus alunos. Não é apenas a apli- cação de um plano bem elaborado que vai garantir o êxito entre o professor e a sua classe, mas é principalmente a forma como a proposta é concretizada. PENSANDO O TEMPO E A FORMA Para pensar um pla- no de aula com pro- postas que levem em conta os diferentes ritmos e possibilida- des de aprendizagem de um grupo de meni- nos e meninas que es- tudam numa mesma classe e colocá-lo em prática, uma palavra- chave vem acompanhando minhas reflexões: dignificar. O verbo dignificar foi incorporado ao meu exercício de reflexão sobre a prática pedagógica a partir de uma experiência no campo da arte em que Rodriguez (2008) nos convida a elaborar propostas educativas le- vantando aspectos importantes que dignifi- quem o objeto a ser estudado e/ou contem- plado. A palavra dignificar assume diversos sentidos, entre eles o de “aproximar, tornar visível, gerar estranhamento, possibilitar ou- tros olhares, desautomatizar”3 e todas esses se aplicam à vivência escolar e ao nosso ob- jeto em estudo: o sistema de escrita. Ao tra- zer essa ideia de dignificação para o planeja- mento e para sua execução em sala de aula, penso em cada objeto que apresentamos às crianças, a forma como o apresentamos, o suporte, a atenção, o tempo que dedicamos a esse objeto, as dife- rentes atividades que podem ser feitas e as diversas interações que podem ocorrer a partir da abordagem do/a professor/a. A abordagem – o tra- to com cada propos- ta – precisa levar em conta a diversidade de sujeitos ali reunidos e o respeito às suas possibilidades. Cagliari (1999, p.52) mostra que as “classes de alfabe- tização são formadas necessariamente com um conjunto de alunos com histórias de vida diferentes, sendo, pelas contingências práticas, classes heterogêneas”. Essas clas- ses não apenas são inicialmente formadas por crianças com histórias diferentes, mas o seu processo de alfabetização e de letra- mento se faz a partir dessas experiências di- Não é apenas a aplicação de um plano bem elaborado que vai garantir o êxito entre o professor e a sua classe, mas é principalmente a forma como a proposta é concretizada. 3 Anotações pessoais. 31 ferenciadas, de maneira que persiste a diver- sidade no tempo e nos modos de lidar com a oralidade, com a escrita e com a leitura. Enquanto algumas crianças rapidamente se apropriam e produzem conhecimento sig- nificativo em face dos desafios propostos, outras vão requerer maior atenção, tempos diferenciados e uma intervenção diferencia- da, a fim de ter assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Vamos pensar isso com uma ocorrência da prática. No dia 1º de agosto do ano de 2012, trabalhei com um texto literário. Fazia parte do roteiro deste dia a leitura de um poema de Ruth Rocha, chamado Baile no sereno. Co- meço a aula apresentando o texto4. Antes da leitura, propicio um diálogo sobre poemas, poetas e poesias, fazendo uma abordagem provocadora a partir de perguntas como: “Que gênero textual é esse?” Poema? Quem é o/a autor/a? “A Ruth Rocha não escreve histórias?” comenta uma criança. Será que podemos encontrar esse poema na internet? E as crianças perguntam: “Nós vamos es- crever essa poesia no caderno?”. “E a gente também vai desenhar o que a poesia está fa- lando?”. “O mudo também fala, professora, a gente que não pode escutar!”. E a conversa vai longe. Nessa atividade, as informações, a fruição, a experiência com a escrita, com a oralida- de e com a leitura, a alfabetização e o le- tramento acontecem simultaneamente. As crianças participam com maior ou menor empenho a partir da forma com que o texto é mostrado. A dinâmica das relações, o valor e o respeito que o/a professor/a demonstra pelo objeto que está trazendo para a clas- se conhecer e estudar vão possibilitar um resultado mais frutífero, um envolvimento maior. A despeito das diferenças entre os estudantes, o aprendizado acontece com o grupo todo: há tanto uma apropriação in- dividual da mensagem, dentro dos limites e das possibilidades de cada criança, como há uma coletiva, quando todos/as compar- tilham a leitura, as imagens, as hipóteses levantadas, as argumentações feitas no/pelo grupo. Nesse sentido, as capacidades lin- guísticas5 são trabalhadas de forma articu- lada. Garantir o tempo necessário, fugindo de uma experiência superficial e aligeirada, é um dos aspectos que possibilita umaex- periência mais fecunda e mais significativa para a criança. Isso é também preferir a qua- lidade da experiência linguística à quantida- de dos seus registros no caderno da criança; é também abordar o objeto de forma digna, mas principalmente dignificar o diálogo e a 4 Apresentei o poema em um cartaz feito em cartolina branca, com um desenho e recorte imitando um pergaminho, preparado com cuidado e primor, escrito com letras em preto arial, tamanho 36. 5 Remeto-me aos eixos mais relevantes para a aquisição da língua escrita: compreensão e valorização da cultura escrita, apropriação do sistema de escrita, leitura, produção de textos escritos e desenvolvimento da oralidade (Pró-letramento, 2008) 32 troca coletivos vivenciados em sala de aula, considerando o/a professor/a e todos os alu- nos ali presentes. DIGNIFICAR O TEMPO DA LEITURA E DA ESCRITA Para um leitor experiente, fazer uma leitu- ra (silenciosa ou em voz alta) é uma ação simples, algo que se tornou naturalizado. Porém, como pro- fessores, nós preci- samos nos colocar no lugar dos leitores aprendizes para po- der perceber os di- ferentes momentos em que eles se en- contram em relação ao domínio desta capacidade linguís- tica. Desta forma, podemos identificar as dificuldades que as crianças enfrentam para alcançar a leitura com fluência e compreensão. O fato de o/a professor/a apresentar um texto à criança na escola, seja qual for o gênero, permite que esse texto passe a merecer a atenção da criança de uma maneira mais intensa e comprometida. A forma como administra- mos as experiências leitoras em sala de aula, diariamente, faz muita diferença no engaja- mento de cada um dos futuros leitores, in- dependentemente da habilidade que cada criança possua, produzindo resultados favo- ráveis, tanto no aspecto individual, quanto no coletivo. Trabalho com duas turmas de terceiro ano, onde três crianças não possuem uma leitura fluente. Quando fazemos leitura silenciosa ou em voz alta, individual e/ou coletiva, es- tas crianças participam da experiência ativa- mente, fazendo seus ensaios e suas leitu- ras com a mediação da professora (e estas são as que precisam de maior atenção) e dos colegas que fa- zem questão de cola- borar. A leitura dessas crianças está numa fase inicial, ainda de decifração. Contudo, no momento em que ouvem o texto, elas podem discutir significados, participar da conversa e fazer uma leitura expressiva. É preciso garantir o espaço/tempo para que cada criança possa vivenciar a leitura den- tro das suas possibilidades, tomando cuida- do para não nos darmos por satisfeitos ao vermos que a maioria dos alunos atingiu o objetivo. O fato de termos um grande grupo de crianças que, em nossa avaliação, estão com seus direitos de aprendizagem e desen- volvimento assegurados, não pode fazer-nos negligenciar aquelas outras meninas e ou- É preciso garantir o espaço/ tempo para que cada criança possa vivenciar a leitura dentro das suas possibilidades, tomando cuidado para não nos darmos por satisfeitos ao vermos que a maioria dos alunos atingiu o objetivo. 33 tros meninos que mais necessitam da nossa intervenção para terem seus direitos con- solidados. O nosso compromisso não é so- mente com a maioria que acompanha regu- larmente o processo – o nosso compromisso é com toda a classe e esse olhar sensível e cuidadoso permite que a turma inteira seja beneficiada, pois todos terão a possibilidade de vivenciar uma experiência de leitura mais qualificada. Assim, lidar com a diversidade é um grande desafio! Garantir uma experiência na ora- lidade, na leitura e na escrita de maneira respeitosa aos diferentes momentos que as crianças estão vivenciando é criar condições favoráveis para que cada uma delas possa avançar na apropriação da linguagem es- crita, pois a criança precisa aprender a usar essa ferramenta em seu uso cotidiano. Nes- te processo, outras questões também devem ser consideradas, como por exemplo, propor a leitura de textos diversificados, significati- vos e completos e garantir a continuidade do trabalho iniciado. Quanto ao limite do tempo e quanto à continuidade do trabalho em outro dia de aula, muitos professores deixam de fazê-lo por pensar que: O fato de não terminar, até o final do dia, todas as atividades iniciadas, tam- bém costuma ser analisado como falta de planejamento e organização. Para evitarmos esse tipo de julgamento, esco- lhemos as histórias mais curtas, limita- mos o tempo dedicado a atividades de fruição, acreditando, de modo ingênuo, que em quaisquer condições garantimos o aprendizado da leitura e da escrita aos nossos alunos (GUEDES-PINTO et al., 2008, p.11). Compreender e respeitar o ritmo do leitor aprendiz, promovendo experiências leitoras qualificadas em sala de aula, requer tem- po privilegiado, previsto no plano diário de aula. Os autores acima citados trazem o exemplo de uma cena muito comum: quan- do se aproxima o final da aula, as crianças guardam todo o material e ficam em silên- cio para ouvir uma história lida pelo pro- fessor. Pode parecer uma experiência inte- ressante, entretanto, com essa atitude os professores acabam demonstrando “que a leitura em voz alta é algo pouco importan- te, que não merece atenção já que pode ser realizada em condições adversas, com as interrupções, a dispersão e o esvaziamento da classe” (idem, p. 8). Se o professor ini- ciou a leitura de uma história e o tempo da aula acabou, o fato de interrompê-la pode ser encaminhado como uma oportunidade de estimular a imaginação e a pesquisa da criança, criando uma expectativa para o dia seguinte, e a criança pode especular sobre o assunto com seus familiares e amigos. Evi- dentemente, essa expectativa não pode ser frustrada. Ao retomarmos a leitura no dia seguinte, novas informações serão agrega- das vindas das próprias crianças. Com isso, 34 o/a professor/a mostrará que tal texto pos- sui valor, merece ser lido e retomado. Assim como a experiência da leitura, a da escrita na escola é também passível de algu- mas considerações. É preciso indagar quais práticas de escrita temos valorizado em nosso cotidiano. Vivemos numa sociedade em que a escrita está presente. As crianças sabem disso, elas querem ir à escola para aprender a escrever. Por exemplo, meu filho, quando tinha seis anos de idade, trouxe-me uma caneta e um papel e me pediu: “Ma- mãe, escreva uma ‘encomenda’: Querida professora, fui eu que fiz esse desenho!”. Quando acabei de escrever, ele olhou a es- crita, achou que a mensagem tinha muitas letras, palavras... Mas, respirou profunda- mente, transcreveu a mensagem e escreveu seu nome completo embaixo. A partir des- se exemplo, proponho algumas reflexões, como essas: Na escola, o que se escreve? Para quem? Para quê? Como se escreve? São questões fundamentais que atribuem signi- ficado ao ato de escrever, que tornam essa ação digna de ser feita, como a experiência que acabei de relatar. Trata-se de uma crian- ça que ainda não domina o código escrito, que está adquirindo a habilidade de lidar com o traçado das letras, cuja transcrição lhe exigiu esforço, mas a função social desta escrita foi compensadora. Porém, na esco- la, nem sempre a escrita leva em conta as funções sociais do ato e as crianças, muitas vezes, são convocadas a realizar exercícios rotineiros de cópias. Esse trabalho se torna “aos olhos das crianças, perda de tempo, ta- refa árdua que ocupa o tempo que poderia ser dedicado às tentativas de ler e escrever. É um tipo de investimento que, quanto mais prolongado for durante o dia escolar, mais afasta as crianças das práticas sociais da es- crita” (GUEDES-PINTO et al., 2008, p.14). Como já mencionei, estou trabalhando com turmas do terceiro ano. As crianças escre- vem textos
Compartilhar