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Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor 2 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor CRÉDITOS Núcleo de Tecnologias Educacionais Coordenação do Núcleo de Tecnologias Educacionais Andrea Chagas Alves de Almeida Produção de Conteúdo Didático: Juliana Soares Monteiro e Isabela Fares Matias Assessoria Pedagógica Ariane Nogueira Cruz Projeto Instrucional Francisco Felipe Ferreira de Souza Produção de Áudio e Vídeo José Moreira de Sousa Identidade Visual/ Arte Thiago Bruno Costa de Oliveira Programação Francisca Natasha Q. Fernandes de Sousa Editoração Rafael Oliveira de Souza Revisão Gramatical Janaína de Mesquita Bezerra 3 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor SUMÁRIO 2. TEORIA GERAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR 5 2.1 Natureza do Direito do Consumidor 5 2.2 Campo de aplicação do direito do consumidor: sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor) e objeto (produto e serviço). 6 2.3 Serviço Público e Direito do consumidor 14 2.4 Política Nacional das Relações de Consumo 16 2.5 Direitos básicos do consumidor 16 2.6 Diálogo das fontes 21 REFERÊNCIAS 23 4 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Nesta unidade, será estudada a relação jurídica de consumo, bem como os elementos pertencentes a esta relação, quais sejam: o consumidor, o fornecedor, o produto e o serviço, inclusive o serviço público. Serão abordados ainda os pontos sobre a Política Nacional da Relação de Consumo, os direitos básicos do consumidor e o emprego do diálogo das fontes nas relações consumeristas. Houve, com o Código de Defesa do Consumidor uma redefinição das funções exercidas pelos contratos comerciais, reduzindo o campo da autonomia privada ou autonomia da vontade, com o objetivo de proteger os direitos dos contratualmente mais fracos, denominados de hipossuficientes. Objetivos da Unidade 2: • Discutir a Teoria Geral do Direito do Consumidor. • Conhecer os conceitos de fornecedor, consumidor e relação de consumo • Estudar os Direitos Básicos do Consumidor. 5 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor 2. TEORIA GERAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR O Código de Defesa do Consumidor é uma legislação específica, sendo eficaz no seu propósito de proteger as relações jurídicas de consumo. Para tanto, a Lei nº 8.078/90 define quem é considerado fornecedor, quem é o consumidor, o que é produto e o que é serviço. Assim, as regras do CDC são aplicáveis em toda e qualquer relação de consumo. Vários autores, como Rizzato Nunes e Sérgio Cavalieri Filho, afirmam que o CDC é uma lei principiológica, definindo-o como um sistema autônomo existente dentro do sistema constitucional brasileiro. Desta forma, a norma infraconstitucional (CDC) trouxe para os princípios e garantias constitucionais efeitos práticos dentro da relação de consumo. Assim, princípios previstos no art. 4º do CDC, estudados no capítulo anterior, ganham contornos fáticos ao implementarem, por exemplo, a obrigatoriedade do respeito a saúde e a segurança do consumidor, bem como a garantia da qualidade do produto inserido no mercado. Para se aprofundar no assunto, recomendo que você realize a leitura da obra Curso de Direito do Consumidor, de Rizzato Nunes, das páginas 111 até 117, disponível na Biblioteca Digital. 2.1 Natureza do Direito do Consumidor As normas consumeristas são classificadas pela doutrina como sendo normas de ordem pública, cogentes e de caráter social, essenciais para o convívio social pacífico. São de ordem pública e possuem natureza de norma cogente por terem aplicação obrigatória, não permitindo o seu afastamento por vontade exclusiva das partes contratantes. Por serem normas de ordem pública e com caráter social focam na necessidade de balancear a desigualdade existente entre fornecedor e consumidor, visando a pacificação da sociedade. Assim, o tratamento desigual ou privilegiado dispensado ao consumidor acarreta várias consequências práticas, como, por exemplo, a obrigatoriedade para o Juiz em aplicar as regras consumeristas de ofício, ou seja, independente do pedido das partes. Outra consequência advinda do interesse social das normas consumeristas é a possibilidade do membro do Ministério Público defender os direitos individuais do consumidor, com base no art. 127 da lei constitucional vigente, como nos casos relacionados ao direito a saúde, por exemplo. 6 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Assim, de acordo com Paulo R. Roque A. Khouri (2013, pág. 37): “O objetivo do CDC, ao proteger o consumidor, não é a simples proteção pela proteção em si, mas a busca permanente do equilíbrio do contrato entre o consumidor e o fornecedor de bens e serviços. Esse, em princípio, o mais forte economicamente, e em condições de impor sua vontade, num ambiente propício à conquista de maior vantagem econômica contra aquele reconhecidamente vulnerável, o mais fraco dessa relação. O CDC nada mais é do que uma tentativa de reequilibrar essa relação, tendo em vista a posição econômica favorável do fornecedor; impondo-se a necessidade de um equilíbrio mínimo em todas as relações contratuais de consumo.”. 2.2 Campo de aplicação do direito do consumidor: sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor) e objeto (produto e serviço). O direito do consumidor é uma lei específica, aplicada a todo e qualquer contrato de consumo. E este tipo de contrato necessariamente envolve um produto ou serviço colocado no mercado. A relação de consumo surge do contrato envolvendo o fornecedor e o consumidor. De acordo com Paulo R. Roque A. Khouri (2013, pág. 37): A relação de consumo vai comportar dois elementos fundamentais: o subjetivo e o teleológico. O subjetivo manifesta-se na qualidade dos participes dessa relação. É que necessariamente deverão estar nela envolvidos um fornecedor e um consumidor. Já o elemento teleológico se manifesta no fim da aquisição do bem ou serviço, qual seja, a destinação final. A doutrina fala também na presença de um elemento objetivo, que seria o produto ou serviço. Quando se adquire um produto, em princípio, tem-se um contrato de compra e venda. Quando se adquire um serviço, em princípio, tem-se um contrato de prestação de serviços. Em linhas gerais, esses são os dois contratos com os quais o CDC mais se preocupa, embora se aplique também o CDC aos contratos de seguro, mútuo, locação, permuta etc. A relação de consumo é, portanto, uma relação jurídica obrigacional que se estabelece entre fornecedor e consumidor, sendo este o adquirente ou usuário de produto ou serviço fornecido no mercado de consumo por aquele. 7 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor A relação jurídica de consumo não é conceituada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº.8078/90), muito embora seja citada no artigo 4º, MAS todos os seus elementos estão devidamente definidos pelo CDC. Assim, a Lei nº 8078/90, em seu art. 2º, traz o conceito jurídico de CONSUMIDOR: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”. A doutrina admite um conceito subjetivo e um conceito objetivo para consumidor. No conceito subjetivo, considera-se consumidor o sujeito não-profissional que adquire produtos e serviços para satisfação de necessidade pessoal ou de sua família. Nesta linha de entendimento, as normas de defesa dos consumidores não se aplicam aos contratos realizados entre dois profissionais, que buscam o lucro com o contrato que firmam entre si. Tome-se como exemplo um advogado que adquire um notebook e um aparelho celular para o exercício de sua profissão. Esteadvogado não é considerado consumidor pelo conceito subjetivo, apesar de ter realizado um contrato de compra e venda em uma loja localizada em um shopping. Já a construção do conceito objetivo de consumidor está no ato de consumir. Esta concepção é a trazida pelo art. 2º do CDC. Por esta razão, admite-se que tanto o profissional como o não- profissional sejam tratados como consumidores, ficando a depender da constatação da sua condição de vulnerável na relação jurídica de consumo. Assim, pode o consumidor profissional gozar da proteção consumerista, desde que adquira um produto ou serviço como destinatário final. Segundo Sérgio Cavalieri Filho (2014, pág.67), no conceito de consumidor do CDC “...a única caraterística restritiva é a expressão – destinatário final. Mas o que significa ser destinatário final de produtos ou serviços? Basta retirar o bem da cadeia de produção? Foi nesse ponto que surgiu a controvérsia em nossa doutrina e jurisprudência.”. 8 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Desta forma, em relação ao conceito de consumidor trazido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90) há a divisão entre a corrente finalista ou minimalista, com uma concepção mais tradicional, e a corrente maximalista, que entende serem as normas do CDC um novo regulamento para o mercado de consumo. Para a corrente finalista (denominada também de minimalista ou de subjetiva), a tutela especial deferida aos consumidores somente se justifica em virtude da sua vulnerabilidade nas relações contratuais no mercado de consumo. A corrente finalista, propõe uma interpretação restrita da expressão destinatário final, sendo este a pessoa que retira o bem da cadeia de produção do mercado de consumo, ou seja, o destinatário final fático e econômico do bem ou serviço, sendo ele pessoa física ou jurídica. Já para a corrente maximalista, também chamada de objetiva, a pessoa física e a pessoa jurídica podem igualmente ocupar o papel de fornecedor ou de consumidor, dependendo apenas do interesse que tenham na relação de consumo. Caso funcionem como destinatária final fática do bem, serão compreendidas como consumidora. A corrente afasta a vulnerabilidade como fonte justificadora da tutela especial e do conceito de consumidor. Desta forma, objetivamente, elegeu o consumidor como sendo o destinatário final fático, ou seja, a pessoa que retira o produto do mercado, independentemente do destino que atribuirá ao bem. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota, na maioria dos seus julgados, a teoria definida como finalista (mitigada) para a caracterização de uma relação de consumo. Assim, torna-se necessário para o reconhecimento do consumidor que, quando o produto adquirido apresentar uma finalidade econômica, seja realizada a análise das condições de vulnerabilidade. O STJ vem ampliando o conceito de destinatário final em vários julgados e aplicando as regras protecionistas como em um caso envolvendo uma operadora de cartão de crédito e uma farmácia, sendo a farmácia reconhecida como destinatária final do serviço de crédito. Caso você queira entender melhor, acesse o site do STJ e veja a integra de alguns julgados como: REsp 41.056, publicado no DJ de20/09/2004; REsp 208.793, publicado no DJ de 1/08/2000; REsp 445.854, publicado no DJ de 19/12/2003; REsp 476.428, publicado no DJ de 09/05/2005. E o que seria consumidor equiparado? Destaque-se que há ainda a figura do consumidor equiparado, ou seja, o CDC, objetivando a efetiva reparação do dano (princípio da reparação integral do dano) equipara a vítima direta de um acidente de consumo a coletividade que haja intervindo nessa relação, como por exemplo, todos os adquirentes de um determinado aparelho celular que foi colocado no mercado com um defeito de fábrica, que o faz esquentar em demasia e explodir; todas as pessoas convidadas a um jantar e que sofreram infecção alimentar por utilização de alimentos estragados pelo buffet. A figura do consumidor equiparado está prevista nos Arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC. 9 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Assim, equipara-se ao consumidor as pessoas expostas à lesão provocada pelo fornecimento de bens ou serviços no mercado de consumo, ainda que seja uma coletividade indeterminável de pessoas, como por exemplo, todas as pessoas que compraram um determinado notebook pela internet e quando do recebimento, verificaram que o produto travava quando utilizado. O consumidor bystander, também denominado de terceira vítima do evento, é o consumidor equiparado, para efeito do acesso à reparação do dano. Esta equiparação ou ampliação do conceito de consumidor, traz para a proteção do CDC pessoas que não consumiram efetivamente um produto ou serviço. Trata-se da proteção dada a um terceiro que não está na relação de consumo, mas que por circunstâncias fáticas sofre um dano advindo do produto ou serviço. Para exemplificar, tem-se as vítimas terrestres de um acidente aéreo; ou um transeunte que foi atropelado por um transporte escolar, tendo ocorrido o acidente por falha de fabricação do veículo; ou no caso de anúncio falso na internet, indicando um fornecedor que não autorizou o referido anúncio. 10 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor “Equiparam-se a consumidores, para efeitos dessa proteção legal: a) a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único – terceiros-intervenientes); b) todas as vítimas do fato do produto ou do serviço (art. 17 – terceiros- -vitimas); c) todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais e à disciplina contratual – neste último caso, em posição de vulnerabilidade (art. 29 – terceiros-expostos)”. (Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Pág. 77). Decidiu a 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no processo nº 07001302620188070008 (Apelação), julgado em 03/04/2019 e publicado no DJE em 08/04/2019, que: RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EQUIPARAÇÃO. ARTIGO 17. POSSIBILIDADE. COLISÃO COM TRASEIRA DE VEÍCULO. DEVER GERAL DE CAUTELA. PRESUNÇÃO RELATIVA. MANOBRA REPENTINA. RESPONSABILIDADE AFASTADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A doutrina convencionou chamar de consumidor por equiparação ou bystander todos aqueles que, embora não façam parte diretamente de uma relação de consumo, sofrem os efeitos lesivos da falha na prestação de serviço e, portanto, também merecem ser tutelados pelo microssistema legal, nos termos do artigo 17 da Legislação Consumerista. 2. A despeito da inexistência de vínculo direto de prestação de serviço entre os litigantes, se a empresa ré é pessoa jurídica cuja atividade envolve o transporte intermunicipal e interestadual de produtos e, no transcorrer dessa atividade lucrativa, causa danos a terceiros, configura-se a figura do consumidor por equiparação, nos termos do artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor. 3. O boletim de ocorrência emitido por autoridade rodoviária é documento público, com presunção de veracidade iuris tantum. Ou seja, os fatos descritos reputam-se válidos, cabendo ao réu impugná-los. Precedentes. 4. O artigo 29, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro estabelece o dever geral de cautela do condutor, para prevenir eventuais acidentes à sua frente. Essa obrigação geral, no entanto, não se traduz em presunção absoluta da culpa exclusiva por qualquer acidente no qual o condutor se choque com o veículo à sua frente. 5. Apesar do dever geral de cautela, o condutor não pode ser responsabilizado pela frenagem brusca de dois caminhões à sua frente, circunstância absolutamente inesperada e estranha aos padrões normais de tráfego, a qual o fez colidir com a traseira do caminhãoda empresa apelada. 6. Recurso conhecido e provido. 11 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Fechando o estudo sobre conceito de consumidor, Sérgio Cavalieri Filho (2014, págs. 75-76) destaca as suas principais características de acordo com a legislação pátria: Dissecado o conceito jurídico de consumidor (padrão ou standard), recordamos as suas características marcantes, a saber: a) posição de destinatário fático e econômico quando da aquisição de um produto ou da contratação de um serviço. O destinatário fático, simplesmente, ainda que possa receber a tutela legal em virtude de outras situações, não estará́ incluído no conceito de consumidor padrão; b) aquisição de um produto ou a utilização de um serviço para suprimento de suas próprias necessidades, de sua família, ou dos que se subordinam por vinculação doméstica ou protetiva a ele, e não para desenvolvimento de outra atividade negocial, significa dizer, ausência de intermediação, de reaproveitamento ou de revenda; c) não profissionalidade, como regra geral, assim entendida a aquisição ou a utilização de produtos ou serviços sem querer prolongar o ciclo econômico desses bens ou serviços no âmbito de um comércio ou de uma profissão. Excepcionalmente, de se conferir ao destinatário fático, profissional, a qualidade de consumidor quando preencher, cumulativamente, duas condições, não presumíveis e, portanto, que devem ser cabalmente comprovadas pelo mesmo: (1) aquisição de um produto ou contratação de um serviço fora de seu campo de especialidade profissional ou comercial; e (2) pequena dimensão da empresa ou do profissional, de tal sorte que se evidencie a sua vulnerabilidade; d) vulnerabilidade em sentido amplo (técnica, jurídica ou científica, fática ou socioeconômica e psíquica), isto é, o consumidor é reconhecido como a parte mais fraca da relação de consumo, afetado em sua liberdade pela ignorância, pela dispersão, pela desvantagem técnica ou econômica, pela pressão das necessidades, ou pela influência da propaganda. Continuando o estudo dos elementos da relação de consumo, passa-se ao estudo do conceito de fornecedor. A Lei nº 8078/90, em seu art. 3º, caput, define FORNECEDOR: “Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Pela leitura do artigo 3º do CDC, verifica-se que o conceito é amplo. O artigo traz uma vasta, mas não exaustiva, relação das atividades que podem ser desenvolvidas por uma pessoa, desde que seja feita com habitualidade e com o intuito de lucro. Assim, no conceito de fornecedor devem estar presentes a profissionalidade e o fim lucrativo. Não é necessário que o fornecedor seja um profissional regular, o comerciante irregular e a sociedade de fato também podem ser considerados fornecedores. 12 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor De acordo com Rizzato Nunes (2019, pág. 133): A leitura pura e simples desse caput já é capaz de nos dar um panorama da extensão das pessoas enumeradas como fornecedoras. Na realidade são todas pessoas capazes, físicas ou jurídicas, além dos entes desprovidos de personalidade. Não há exclusão alguma do tipo de pessoa jurídica, já que o CDC é genérico e busca atingir todo e qualquer modelo. São fornecedores as pessoas jurídicas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, com sede ou não no País, as sociedades anônimas, as por quotas de responsabilidade limitada, as sociedades civis, com ou sem fins lucrativos, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as autarquias, os órgãos da Administração direta etc. Quanto ao elemento lucro, este pode se estar presente de forma indireta na relação de consumo, sem retirar a característica de fornecedor. Afirma Paulo R. Roque A. Khouri (2013, pág. 53) sobre o assunto: Situação típica de remuneração indireta é do estacionamento de supermercados e shopping centers, fornecidos aparentemente de forma gratuita. Entretanto, como a atividade de fornecer o estacionamento é de fundamental importância para a atividade principal do fornecedor, que não conseguiria atrair clientela sem o oferecimento de estacionamento fácil e seguro, o próprio STJ já decidiu que, embora “gratuito”, há relação de consumo e, portanto, deve o fornecedor indenizar os consumidores que venham a sofrer quaisquer danos em seu veículo. Tratando ainda do conceito de fornecedor, Sérgio Cavalieri Filho (2014, pág.80) afirma: A estratégia do legislador permite considerar fornecedores todos aqueles que, mesmo sem personalidade jurídica (“entes despersonalizados”), atuam nas diversas etapas do processo produtivo (produção-transformação-distribuição-comercialização-prestação), antes da chegada do produto ou serviço ao seu destinatário final. Deste modo, não apenas o fabricante ou o produtor originário, mas, também, todos os intermediários (intervenientes, transformadores, distribuidores) e, ainda, o comerciante – desde que façam disso as suas atividades principais ou profissões, serão tratados pela lei como fornecedores. 13 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor O Estado é um prestador de serviços, sendo esses serviços denominados de públicos. O Art. 3º, caput, do CDC, quando conceitua o fornecedor, já traz a possibilidade da pessoa jurídica de direito público ser enquadrada neste conceito. E o Art. 6º, X, dispõe sobre o direito do consumidor de ter acesso aos serviços públicos adequados e eficazes. Já o Art. 22 trata da responsabilidade dos órgãos públicos pela execução dos serviços e sobre eventuais danos. Desta forma, quando o Estado atua no mercado de consumo como um ente qualquer, ou seja, sem relação de subordinação, cobrando por seus serviços (o denominado preço público ou tarifa), o Estado ocupa o papel de fornecedor. Porém, se a relação jurídica for uma relação tributária, o Estado não irá se enquadrar no conceito de fornecedor. Também não haverá relação de consumo quando o serviço prestado não for remunerado, como nos casos de segurança pública, ou nos casos de prestação de serviços de saúde (ex: hospital público) e de educação (ex: universidade pública). Se os serviços públicos forem prestados por empresas privadas (pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público), caberá à empresa (e não ao Estado) figurar no papel de fornecedor. A responsabilidade é exclusiva da empresa, só podendo o Estado vir a ser acionado de forma subsidiária. Para ampliar seus conhecimentos sobre o assunto abordado, recomenda-se a leitura do material disponibilizado no link a seguir: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI302449,101048-O+STJ+e+o+direito+comercial> Art. 3°. … § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Continuando o estudo dos elementos da relação jurídica de consumos, para que esta possa efetivamente se concretizar, é necessário que seja fornecido/adquirido um produto ou serviço. Assim, passa-se a análise dos conceitos desses dois elementos. Iniciando pelo conceito de produto trazido pelo CDC: O conceito de produto é amplo, abrangendo todo e qualquer objeto que possui valor econômico e é suscetível de ser objeto de uma relação jurídica. Desta forma, afirma Rizzato Nunes (2019, pág. 137): Esse conceito de produto é universal nos dias atuais e está estreitamente ligado à ideia do bem, resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas contemporâneas. É vantajoso seu uso, pois o conceito passa a valer no meio jurídico e já era usado por todos os demais agentes do mercado (econômico, financeiro, de comunicações etc.). https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI302449,101048-O+STJ+e+o+direito+comercial14 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Art. 3º ... § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. O produto é aqui compreendido por sua natureza econômica, enquanto bens. Os bens são espécies do gênero coisas. São, portanto coisas suscetíveis de apropriação pelo homem e, consequentemente, valoradas economicamente. Por isso, pode-se dizer que o CDC adotou um conceito bastante amplo ao tratar de produto, conceituando-o como qualquer bem. Verifica-se que serviço é toda e qualquer atividade inserida no mercado. Assim, de acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2014, pág. 84) as “... atividades podem ser de natureza material, financeira ou intelectual, prestadas por entidades públicas ou privadas, mediante remuneração direta ou indireta”. Desta forma, toda e qualquer atividade colocada no mercado devem se submeter as normas consumeristas. E esta regra é válida tanto para as instituições financeiras, quanto para os serviços públicos. O STJ possui a Súmula 297, de 12/05/2004, que determina a incidência das normas do CDC para as relações que envolvem serviços prestados por instituições financeiras: Súmula 297: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. No entanto, é importante que em cada situação seja analisado o conceito de consumidor, como destinatário final, pois em algumas operações financeiras, a pessoa que adquire produtos e serviços bancários, por exemplo um empréstimo, poderá fazê-lo como meio para o exercício de outra atividade remunerada. Nesse caso, serão afastadas as regras do CDC. 2.3 Serviço Público e Direito do consumidor Já em relação ao serviço público, o art. 6º, X, do CDC determina ser um direito do consumidor a “adequada e eficaz prestação dos serviços públicos, em geral”; e, o Art. 22, dispõe-se acerca da obrigatoriedade dos órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra forma de empreendimento, de fornecer serviços adequados, eficientes e seguros, quando essenciais e contínuos. Rizzato Nunes (2019, pág.150) afirma: … toda e qualquer empresa pública ou privada que por via de contratação com a Administração Pública forneça serviços públicos, assim como, também, as autarquias, fundações e sociedades de economia mista. O que caracteriza a pessoa jurídica responsável na relação jurídica de consumo estabelecida é o serviço público que ela está oferecendo e/ ou prestando. 15 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Logo, a pessoa jurídica de direito público ou privado que oferece serviço mediante remuneração (por preço público ou tarifa) é considerada fornecedora, sendo o usuário, por consequência, consumidor. Afirma Sérgio Cavalieri Filho (2014, pág. 87), quando trata da diferenciação do serviço pago por meio de taxa (no qual não incidem as normas consumeristas, do serviço remunerado por tarifa: A tarifa é, portanto, remuneração facultativa, oriunda de relação contratual na qual impera a manifestação da vontade, podendo o particular interromper o contrato quando assim desejar. Assim, não se há́ confundir taxa com tarifa ou preço público, como aliás advertido está́ na Súmula 545/STF. Se o serviço público é remunerado por taxa, não podem as partes cessar a prestação ou a contraprestação por conta própria, característica só pertinente às relações contratuais, na esfera do Direito Civil. Verifica-se, portanto, que é a partir do sistema de remuneração que se define a natureza jurídica da relação do serviço público prestado. Quando os serviços públicos estão sujeitos às regras do Código do Consumidor? Essa é outra questão sobre a qual não há unidade doutrinária. Uma corrente defende a aplicação do CDC somente aos serviços remunerados por tarifa (preço público), estando dentre os adeptos dessa corrente Cláudio Banolo e Paulo Valério Del Pai Moraes (Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, 4. ed., Livraria do Advogado). Uma segunda corrente, menos ortodoxa, da qual são adeptos Cláudia Lima Marques e Adalberto Pasqualotto, entende que o CDC é aplicável, indistintamente, a todos os serviços públicos, remunerados por tributos ou tarifa. Estamos com a primeira corrente, para a qual só os serviços remunerados por tarifa podem se regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, em razão do direito de escolha do usuário, um dos direitos básicos para o reconhecimento da condição de consumidor, e ainda pelo fato de ser a remuneração exigência necessária para a caracterização do serviço sujeito ao CDC. No serviço público custeado por taxa (espécie de tributo), não há remuneração, mas sim contribuição tributária. Assim, o CDC somente incidirá nas relações que envolvam a prestação dos serviços públicos quando remunerados, ou seja, quando presentes as figuras do consumidor, do fornecedor e a prestação do serviço remunerado oferecido no mercado de consumo. No Brasil, o serviço público próprio e essencial (Lei nº 7.783/1989) não se enquadra como atividade fornecida no mercado de consumo, tratando-se de atividade pública. Assim, os serviços públicos próprios prestados direta ou indiretamente não são classificados como atividade econômica pura e simplesmente; correspondendo a um dever do Estado, indispensável à realização de direitos fundamentais. 16 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor 2.4 Política Nacional das Relações de Consumo A Política Nacional das Relações de Consumo é uma vertente da política econômica que estabelece as balizas de atuação e intervenção do Estado na defesa do consumidor e regula as relações de consumo. Assim, o CDC dispõe da Política Nacional das Relações de Consumo como os principais vetores da intervenção do Estado nas relações de consumo. De acordo com Humberto Theodoro Júnior (2017, pág. 23): “O Código, em seus arts. 4º e 5º, previu uma Política Nacional das Relações de Consumo, a fim de garantir não apenas a defesa do consumidor, mas, também, estimular uma relação sadia de consumo. Essa Política tem por objetivo respeitar e assegurar aos consumidores: dignidade; saúde e segurança; proteção de seus interesses econômicos; melhoria da sua qualidade de vida; transparência e harmonia das relações de consumo. Além disso, a Política Nacional das Relações de Consumo deve atender aos princípios da vulnerabilidade e proteção efetiva do consumidor; harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo; compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico; educação e informação dos sujeitos das relações de consumo; incentivo à criação de meios eficientes de controle de qualidade e segurança dos produtos e serviços; ampliação dos meios de solução alternativa de conflitos de consumo; repressão aos abusos praticados no mercado; racionalização e melhoria dos serviços públicos; e do estudo constante das modificações do mercado de consumo. O artigo 4º do CDC prevê os princípios aplicáveis às relações de consumo e o artigo 5º elenca os instrumentos para a execução dos objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, tais como a assistência jurídica ao consumidor; a instituição de Promotoria de justiça especializada, entre outros. 2.5 Direitos básicos do consumidor O CDC traz um rol, não taxativo, no seu Art. 6º, dos direitos básicos do consumidor. Assim dispõem os artigos 6º e 7º da Lei 8.078/90: Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade deescolha e a igualdade nas contratações; III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; 17 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX – (Vetado); X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento. Art. 7o Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Alguns dos direitos assegurados aos consumidores podem ser classificados como direitos “guarda-chuva”, por comportarem sob eles a proteção de vários outros direitos. 18 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Proteção da Vida, Saúde e Segurança: Segundo Humberto Theodoro Júnior (2017, pág. 48): O inciso I, do art. 6º, do CDC estabelece ser direito do consumidor “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”. Protege-se, aqui, a incolumidade física do consumidor, seu direito de não ser exposto a perigos. Destarte, o fornecedor é obrigado a garantir a segurança razoável do produto ou serviço disponibilizado no mercado. No mercado de consumo, muitas ações podem trazer perigo ou um efetivo prejuízo a vida do consumidor, sendo a saúde um pressuposto do direito à vida. A ONU, por meio da Resolução nº 39/248, estabelece aos Estados o dever de editarem normas com o fim de “proteger o consumidor quanto a prejuízos à saúde e segurança”. Assim, o consumidor tem direito, por exemplo, a proteção à saúde contra efeitos de agentes de atuação lenta e detecção mediata, como os agrotóxicos e a proteção contra efeitos inesperados (acidentes) provocados por falha nos mecanismos de frenagem de motocicletas. Educação e divulgação O direito à educação é um direito de todo o cidadão. Envolve, além da educação formal, a educação informal. A educação de responsabilidade do fornecedor refere- se à educação informal, ou seja, trata do dever de fornecer todos os dados sobre as características do produto ou serviço. Corresponde ao conhecimento dos direitos como consumidor e dos deveres do fornecedor. Liberdade de escolha O direito de escolha é uma contrapartida da liberdade de concorrência. Prevenindo e reprimindo os métodos concorrenciais desleais, permite-se a pluralidade das atividades econômicas e a fluência da concorrência, possibilitando ao consumidor a faculdade de escolher o produto ou serviço, dentre aqueles disponíveis no mercado. Desta forma, a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações obrigam o fornecedor a dar conhecimento prévio e claro sobre as cláusulas do contrato. 19 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Proteção contra a Publicidade enganosa e abusiva Define Humberto Theodoro Júnior (2017, pág. 54): “A publicidade enganosa é aquela suscetível de induzir o consumidor em erro, em relação à natureza, às características, à qualidade, à quantidade, às propriedades, à origem, ao preço e quaisquer outros dados do produto e serviço (art. 37, § 1º, do CDC). Cláudia Lima Marques exemplifica a situação na propaganda de liquidação ou rebaixa de preços inexistente em uma rede de lojas. Publicidade abusiva, por sua vez, é aquela discriminatória de qualquer natureza, que incite a violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que induza o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (art. 37, § 2º, do CDC)”. Informação adequada e clara De acordo com Humberto Theodoro Júnior (2017, pág. 49), o dever de informação: “... obriga o fornecedor a explicar, de forma clara e pormenorizada, ao consumidor a quantidade, as características, a composição e a qualidade dos produtos ou serviços, bem como os tributos incidentes e o respectivo preço. Além disso, deve expor sobre os riscos que o produto ou serviço apresentem. Trata-se do princípio da transparência, que permite ao consumidor saber exatamente o que pode esperar dos bens colocados à sua disposição no mercado ...” Proteção contra as Cláusulas Abusivas e a possibilidade de modificação das cláusulas contratuais: Corresponde à proteção contra as diversas práticas comerciais abusivas, dentre elas as cláusulas contratuais, as publicidades abusivas, enganosas, quaisquer métodos comerciais coercitivos. A abusividade da cláusula não corresponde à figura da má-fé ou malícia do fornecedor (estas podem ou não estar presentes). Observa-se o resultado da cláusula, ou seja, se o seu conteúdo acarreta um desequilíbrio contratual. O CDC estabelece um rol exemplificativo de cláusulas abusivas no artigo 51. Desta forma, a lei consumerista permite a modificação das cláusulas contratuais na hipótese de prestações desproporcionais e até mesmo a revisão do contrato na hipótese de fato superveniente que venha a modificar os parâmetros contratuais, acarretando desequilibro. 20 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Prevenção e reparação de danos O princípio da reparação integral do dano está presente na Constituição Federal, no Código Civil e no CDC. O dano deve ser reparado por quem o causou e em toda a sua extensão. A responsabilidade civil do fornecedor pode se dar por meio da comprovação de sua culpa ou não. O CDC acata tanto a responsabilidade subjetiva (teoria da culpa), como a responsabilidade objetiva (teoria do risco). O artigo 14 do CDC, por exemplo, prevê os dois tipos em situações distintas. A reparação engloba os danos individuais, os coletivos e os difusos. Assim, Humberto Theodor Júnior (2017, pág. 58) define: “Coletivos são os direitos indetermináveis em relação aos titulares, ligados entre si por circunstâncias de fato; individuais homogêneos, por sua vez, são aqueles decorrentes de origem comum (art. 81, parágrafo único, I e II). As ações coletivas podem ser ajuizadas pelo Ministério Público ou por associações legalmente constituídas para a defesa dos direitos coletivos ou individuais homogêneos. ... A fim de viabilizar a ampla proteção do consumidor, nas esferas administrativa e judicial, é assegurado o seu acesso aos órgãos judiciáriose administrativos (tais como os Procons). Essa facilitação engloba a isenção de taxas e custas, atendimento preferencial etc.”. Facilitação da Defesa dos Direitos do Consumidor A facilitação se dá por meio de vários mecanismos criados pela Lei nº 8.078/90, justificando-se pelo reconhecimento do consumidor como a parte fraca do contrato. Desata forma, a lei criou diversas figuras como a inversão do ônus da prova no processo civil. Porém, a inversão que a lei consumerista admite é tão somente em prol do consumidor. A inversão do ônus probatório, no entanto, é admissível de forma extraordinária e de forma compatibilizada com os princípios do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o STJ, fica a critério do juiz determinar a inversão do ônus da prova, após analisar o caso concreto e os pressupostos para a concessão. O mesmo raciocínio é aplicado no reconhecimento da hipossuficiência. 21 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor O que fazer quando há contradição aparente entre uma destas leis e o CDC? Qual lei aplicar? Adequada e eficaz prestação dos Serviços Públicos Trata-se do princípio da eficiência previsto também no art. 37 da Constituição Federal vigente. Determina-se que o serviço seja eficaz. Acesso aos órgãos judiciários e administrativos Objetivando garantir o direito da reparação integral, o direito de ser ouvido, bem como resguardar-lhe de qualquer ameaça ou lesão a direito, o CDC reitera o direito de acesso aos consumidores à justiça e aos órgãos administrativos. 2.6 Diálogo das fontes O diálogo das fontes corresponde a um recurso hermenêutico que deve ser utilizado para extrair, da legislação, a melhor solução para um conflito. O CDC é a norma base que disciplina as relações de consumo em geral, porém, há diversas outras normas, dispondo sobre temas inter- relacionados, a exemplo da lei dos planos de saúde, o Código Civil, a lei da concessão de serviço público, entre outros. Na busca dessas respostas, deve-se levar em consideração o tratamento diferenciado que o desigual deve receber, na medida de sua desigualdade. É nesse ponto que a Teoria do Diálogo das Fontes deverá ser utilizada, interpretando o sistema jurídico como único, harmônico e coordenado entre si, onde a criação ou aplicação de uma norma não suplanta a outra. Lembra-se que o CDC é um microssistema jurídico e que, por isso, não deve afastar a aplicação de outras normas, devendo, entretanto, buscar-se o ponto de convergência entre elas: à vulnerabilidade do consumidor. Deve o intérprete, portanto, visando solucionar as antinomias jurídicas, buscando aplicação de outros diplomas legais às relações de consumo, quando estes foram mais benéficos ao consumidor, conforme a finalidade teleológica da lei consumerista, prevista no seu art. 7º. A aplicação do Diálogo das Fontes nos casos envolvendo relação de consumo é reconhecida e utilizada pelo STJ. A obrigação estipulada pela Constituição Federal da proteção do consumidor deve ser cumprida por todo o sistema legal. 22 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor Chegamos ao final da nossa segunda Nota de Aula! Aqui estudamos a Natureza do Direito do Consumidor, o Campo de aplicação do direito do consumidor: sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor) e objeto (produto e serviço); o Serviço público e direito do consumidor; a Política Nacional das Relações de Consumo; Direitos básicos do consumidor e por fim o Diálogo das fontes. Sempre que possível, revise o conteúdo estudado, ok? Isso fará de você um(a) profissional diferenciado(a) no mercado de trabalho! Traz-se um exemplo da aplicação do diálogo das fontes existente entre o art. 13 do CDC e art. 931 do CC./02. O CDC determina a responsabilidade do comerciante advinda do fato do produto ou serviço somente quando “o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados”. Já o art. 931 do CC determina que os empresários individuais e as empresas são responsabilizados civilmente de forma objetiva (independentemente da comprovação da culpa) pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Ou seja, a depender da situação, é mais benéfico ao consumidor aplicar o art. 931 do CC do que a regra consumerista. 23 NTE Núcleo de Tecnologias Educacionais Unidade 2: Teoria geral do direito do consumidor REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L8078compilado.htm. Acesso em: 10 jan. 2020. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2014. (Disponível na Biblioteca Digital) KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 6ª. ed. São Paulo: Atlas, 2013. (Disponível na Biblioteca Digital) NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. (Disponível na Biblioteca Digital) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 9ª ed. ref, rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm 2. TEORIA GERAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR 2.1 Natureza do Direito do Consumidor 2.2 Campo de aplicação do direito do consumidor: sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor) e objeto (produto e serviço). 2.3 Serviço Público e Direito do consumidor 2.4 Política Nacional das Relações de Consumo 2.5 Direitos básicos do consumidor 2.6 Diálogo das fontes REFERÊNCIAS
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