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USO DE FERRAMENTAS DE DIAGNÓSTICO DE GESTÃO Katia Puente-Palacios Adriano de Lemos Alves Peixoto Da mesma forma que uma viagem imaginária pode começar nos primeiros parágrafos de uma boa obra literária, os quais sugerem qual será a trama, o diagnóstico dos processos e dos fenômenos da organização inicia com a definição de onde se quer chegar e do caminho a ser percorrido, o que significa dizer que o primeiro passo a ser dado consiste na adequada identificação e no dimensionamento daquilo que virá a ser mapeado. E assim como a trama de um romance, que vai se desenrolando aos poucos e deixa entrever diversos personagens, fatos organizados em capítulos que contam diferentes momentos da história e conduzem ao clímax do enredo até o epílogo, o diagnóstico da organização também tem seus atores, seu enredo, seus capítulos e suas conclusões. E para que esses elementos possam fluir de maneira concatenada, o planejamento é etapa imprescindível. Portanto, a clara especificação daquilo que se busca compreender, a definição dos instrumentos e das ferramentas que serão utilizados para coletar as informações, do que o diagnóstico virá oportunizar, envolver e demandar dos atores incumbidos na sua realização, é aspecto basilar para uma adequada execução. Entretanto, assim como um livro, o diagnóstico, não importa quão extenso, nunca mostra tudo, mas somente uma parte da cena organizacional. Dessa forma, ao definir o aspecto a ser focado, o gestor precisa estar atento ao alvo que será mirado com ação diagnóstica. Mas não só isso; deve considerar as demandas associadas a tal avaliação, pois virá necessariamente acompanhada de diversos desdobramentos que se traduzem em ações de intervenção, que podem e devem ser antevistas, pelo menos parcialmente, desde a fase de planejamento. Dessa forma, este capítulo inicial busca mostrar, de maneira resumida, o percurso dos diagnósticos organizacionais que se inicia no planejamento e conclui na implementação de ações posteriores. O QUE É O DIAGNÓSTICO ORGANIZACIONAL A tarefa primordial com a qual se depara todo gestor é gerir sua organização de forma eficiente. Essa, porém, não é uma tarefa fácil, uma vez que as organizações são entidades complexas compostas por um grande número de indivíduos, grupos e ainda diferentes formas de tecnologia que interagem de múltiplas e variadas maneiras. Essa tarefa recebe um grau adicional de complexidade quando reconhecemos que mesmo pequenas transformações no contexto em que as organizações atuam têm o condão de afetar profundamente a forma como as tarefas são desenvolvidas e impactar nos resultados. Para sobreviver, especialmente no longo prazo, as organizações precisam se adaptar ao seu ambiente (Burke, 2011). Assim, não é difícil perceber que a gestão eficiente só é possível quando a organização dispõe de capacidade de análise e interpretação do seu ambiente de atuação, que lhe permite identificar padrões de comportamento e prever possíveis respostas de indivíduos, grupos e da organização, tanto para as ações gerenciais como para as transformações do ambiente organizacional. Portanto, a complexidade desse cenário, atrelada às dificuldades de compreensão da dinâmica organizacional, constitui um obstáculo à mudança (Naves, Mafra, Gomes, & Amâncio, 2000) muitas vezes almejada. Essa competência analítica não é uma característica inata de indivíduos excepcionais, mas fruto da capacidade de produzir um conjunto de conhecimentos sobre a organização e o seu funcionamento, da habilidade de identificar, coletar, integrar, sistematizar e interpretar informações sobre sua operação, seu contexto, e do domínio de referenciais teóricos e instrumentais que permitam o levantamento, o tratamento e a integração dessas informações. Aqui, vemos claramente a importância e o lugar do diagnóstico organizacional como uma tecnologia necessária a todas as organizações, sejam elas grandes ou pequenas, públicas ou privadas, com ou sem finalidade econômica. O significado que atribuímos atualmente à palavra diagnóstico está fortemente influenciado por sua utilização como um termo médico. Ela tem origem no grego antigo diagignoskein, cujo significado referia-se ao ato de discernir, distinguir ou, ainda, conhecer extensivamente. Em meados do século XVII, sua variante latina diagnosis passou a ser empregada na medicina para descrever o processo de identificação de uma condição ou enfermidade a partir de um conjunto de sinais ou sintomas. Assim, é possível afirmar que o diagnóstico era concebido como um processo de sistematização do conhecimento para a identificação e a classificação de doenças (Bissel & Keim, 2008). No contexto organizacional, a noção de diagnóstico tem uma utilização muito mais recente e assume novas dimensões e especificidades ainda que mantendo, em linhas gerais, o significado de levantamento de informações com o objetivo de compreender uma determinada situação, permitindo (guiando) algum tipo de intervenção em direção a um objetivo qualquer. Todavia, deve-se destacar que o diagnóstico organizacional pode e deve ser compreendido dentro de um contexto, inserido na dinâmica da mudança organizacional e assumido como um esforço de compreensão da organização como um todo. Desse modo, entende-se que o diagnóstico é a base de qualquer processo de mudança organizacional, seja ele pontual ou extensivo, incremental ou radical, evolutivo ou revolucionário. De forma mais específica, o diagnóstico é... ... um método sistemático para coleta e reunião de informações sobre como a organização funciona como um sistema social e uma forma de análise sobre o significado dessas informações... é uma atividade voltada para a solução de problemas que busca por causas e consequências. Ela identifica gaps entre o que é e o que deveria ser (Howard, 1994, p. 8). Grande parte das decisões gerenciais é tomada com base em algum tipo de diagnóstico, seja ele mais ou menos formal. Todo gestor, independentemente do seu nível hierárquico, percebe-se envolvido em um ciclo de diagnóstico-decisão-ação-avaliação. Da mesma forma que um médico, o gestor percebe algum tipo de sintoma, evidencia uma anomalia, observa um comportamento, ou é informado de um fato atípico. Essas evidências o fazem ventilar a necessidade de realizar uma investigação, uma análise mais acurada do que está ocorrendo, seja pela singularidade do fato observado ou pelas consequências presentes ou futuras. Ou seja, o diagnóstico normalmente parte de alguma evidência. É importante observar que essas evidências não significam necessariamente que o sistema (a organização, o grupo ou o processo de trabalho) encontra-se “doente” ou “quebrado”, que é absolutamente disfuncional. Em muitas situações, as evidências podem sinalizar apenas a necessidade de pequenos ajustes e correções. A partir dessa identificação, inicia-se o processo de planejamento daquilo que estará envolvido na realização de um diagnóstico organizacional e que condensa diversas ações, atores, processos e etapas. Contudo, assim como ocorre em uma anamnese, em que os sintomas mais evidentes sugerem a doença, mas não mostram necessariamente a totalidade do quadro clínico que pode se apresentar, as evidências iniciais capturadas pelo gestor sugerem uma situação, um problema a ser enfrentado, mas os seus contornos ainda precisam ser definidos, assim como os múltiplos e possíveis desdobramentos posteriores. Nesse contexto, o profissional que enfrenta a necessidade de aplicação prática do diagnóstico organizacional depara-se com dois problemas principais: o primeiro consiste em estabelecer que tipo de informação é relevante e deve ser coletada, diante de um grande número de alternativas possíveis em um contexto organizacional; e o segundo refere-se à necessidade de identificar um modelo de explicação da realidade que sirva de parâmetro para a interpretação e compreensão dos resultados encontrados, jáque muitas vezes o problema principal está obscurecido por camadas de questões secundárias cuja solução específica não representa a solução do problema real. Um importante estudioso dos fenômenos organizacionais (Morgan, 1996) descreve esses dois passos como de produção de uma leitura diagnóstica do que está sendo investigado, em que são utilizadas diversas técnicas e metáforas para identificar ou ressaltar aspectos-chave da situação, que deve ser seguida por um processo de elaboração de uma avaliação crítica do significado e da importância das diferentes interpretações efetuadas (p.328). Esse é o motivo pelo qual Di Pofi (2002) nos lembra da importância de se buscar a redução dos vieses interpretativos e de coleta de informações antes mesmo do início do processo de diagnóstico, e que esse objetivo é atingido pela utilização de modelos e ferramentas que sejam simultaneamente robustas, desde uma perspectiva teórica, e afinadas, em função de sua aplicabilidade prática. Uma das vias por meio das quais essa compreensão pode ser obtida é mediante a utilização de um modelo conceitual que explique quais aspectos organizacionais são os mais importantes, como eles se relacionam e combinam ou de que maneira afetam outros fenômenos causando mudança (Nadler & Tushman, 1980). A necessidade de adoção de modelos conceituais para a realização de um adequado diagnóstico organizacional atende a cinco motivos principais: primeiro, modelos de funcionamento sobre a organização fornecem um mapa que permite a categorização dos dados levantados, ao mesmo tempo que indicam a sua inter-relação; segundo, permitem a manutenção do foco de análise em questões que são consideradas relevantes para a compreensão e resolução do problema identificado, permitindo que eles sejam separados de tudo aquilo que é secundário ou irrelevante; terceiro, fornecem orientações sobre como os dados coletados podem e devem ser interpretados; quarto, facilitam o desenvolvimento de uma linguagem comum aos envolvidos no processo de diagnóstico e mudança; e, por fim, oferecem pistas sobre o que fazer e onde intervir diante dos problemas identificados. Uma vez que se tem estabelecido o modelo a ser adotado, o passo seguinte consiste na escolha das ferramentas de análise que serão utilizadas para coletar os dados, ou seja, o gestor precisa definir as medidas (escalas) que comporão os instrumentos de diagnóstico. Esse é um dos pontos essenciais desse processo, e o foco específico desta obra, pois permitem a identificação e o dimensionamento dos problemas que constituem o alvo da ação deflagrada. As ferramentas ou instrumentos, portanto, são os mecanismos de levantamento da informação relativa ao fenômeno a ser investigado. Ainda mantendo uma analogia com o diagnóstico médico, as ferramentas/medidas seriam os exames que indicam o estado de um determinado aspecto na organização, enquanto os modelos seriam os parâmetros que utilizamos para leitura e interpretação dos resultados dos exames, os quais permitem concluir se os dados encontrados estão localizados dentro ou fora dos limites esperados. Tendo em vista a centralidade das ferramentas no processo de avaliação, a seção a seguir faz uma breve descrição da forma de utilização de uma medida de diagnóstico. O QUE FAZER COM O DIAGNÓSTICO ORGANIZACIONAL Uma vez que o gestor entende o fenômeno que inicialmente tinha despertado a sua atenção ou que alguém sinalizou a sua ocorrência, e após constatar que dispõe tanto de uma medida para fazer a sua avaliação como de um modelo para compreensão dos resultados, a fase seguinte é o levantamento de dados. Para a sua realização, aplica(m)-se a(s) medida(s) e analisam-se os dados, de acordo com os atributos daquilo que está sendo investigado. Mas o que fazer a partir desse ponto? Como utilizar as informações levantadas? A resposta a essa questão não é simples, porque as ações implementadas no meio organizacional também não o são. Talvez a melhor resposta seja: depende. Depende do aspecto mapeado e dos resultados obtidos. Mas, em termos gerais, uma ação de diagnóstico, se adequadamente conduzida, revela em que pontos uma intervenção é necessária, seja para melhorar os processos e as práticas organizacionais seja para mantê-los. Independentemente da ação a ser desenvolvida, deve ficar claro que levantar as informações e gerar um relatório, mas não implementar ações subsequentes, pode ser ainda mais prejudicial do que não realizar o diagnóstico. Em uma discussão sobre o processo de avaliação de desempenho, Peixoto e Caetano (2013) nos lembram que toda ação de avaliação (e o diagnóstico é um tipo de avaliação) desperta nos trabalhadores um conjunto de expectativas em relação a alguma forma de mudança ou intervenção. Assim, buscando evitar a frustração de expectativas, é conveniente que somente aspectos sobre os quais se pretende intervir de alguma forma sejam avaliados (p.545). Isso significa dizer que a decisão de diagnosticar deve ser concomitante a de intervir. Desse modo, se não existe a firme decisão de intervir, não há razão para diagnosticar. Ao discutir as intervenções possíveis em equipes de trabalho, Tannenbaum, Salas e Cannon-Bowers (1996) mostram três caminhos principais que podem ser seguidos após um diagnóstico e, embora o foco de análise desses autores recaia especificamente nos segmentos intermediários da organização, são extensíveis ao cenário organizacional como um todo. Desse modo, atrelados às evidências trazidas pelo diagnóstico, diversos tipos de intervenção podem ser vislumbrados. Entre as propostas ventiladas estão, em primeiro lugar, as ações de treinamento e desenvolvimento, caso o diagnóstico sinalize carências em competências técnicas necessárias para o desempenho das tarefas. A preparação e o planejamento dessas ações devem obedecer aos princípios preconizados pelas contribuições dos teóricos e especialistas em treinamento, desenvolvimento e educação nas organizações. Portanto, é nessa fonte que o leitor deve beber o saber de que precisa para implementar ações de capacitação. Também pode ocorrer de os dados levantados revelarem problemas na esfera relacional. Falhas de comunicação, erros de interpretação, falta de habilidade para lidar com colegas que têm pontos de vista diferentes são exemplos desse tipo de anomalia. Perante situações como a descrita, os autores alertam que ações de treinamento podem não trazer os resultados desejados, pois as pessoas geralmente conhecem as regras de comunicação e de trato cordial, mas não conseguem aplicá-las. Assim, intervenções voltadas para o desenvolvimento de habilidades sociais seriam as mais indicadas, e deveriam ser propostas de acordo com o ponto específico em que as melhorias são necessárias, como melhor definição de papéis e responsabilidades, conhecer as atribuições dos demais, delimitar as responsabilidades comuns e compartilhadas, só para citar algumas possibilidades. Em terceiro lugar, os diagnósticos realizados podem evidenciar a necessidade de realizar ações voltadas para a redefinição de processos de trabalho. Nesse caso, seriam percebidas falhas na forma como o trabalho está sendo organizado, as quais podem resultar em consequências prejudiciais tanto para os atores envolvidos como para a organização. A redefinição da margem de autonomia de trabalho necessária ou, pelo contrário, a explicitação das exigências quanto à obediência de regras e normas constituem possíveis aspectos a serem focados nesse tipo de intervenção, que não mira nos trabalhadores, em primeira instância, mas na forma como o trabalho deve ser organizado, e, a partir disso, demanda mudanças na forma como os trabalhadores o desempenham. Podemos pensar, ainda, em um quarto aspecto que vale ser apontado e que diz respeito à necessidade de intervir, de maneira mais ampliada, nas práticas e estratégias organizacionais. Nesse caso, busca-se que a organizaçãoadote outra forma de atuação, por exemplo, na maneira como os gestores tratam os colaboradores, na atribuição de responsabilidades, na definição de papéis dos diferentes atores organizacionais. A definição de possibilidades de intervenção precisa do domínio técnico das questões ora descritas, mas também demanda um profundo conhecimento da realidade organizacional. Assim, os trabalhadores que pertencem às áreas em que o problema foi diagnosticado devem ser ouvidos e convidados a participar da proposição das ações subsequentes. Como o leitor pode constatar, as propostas de intervenção ora ventiladas são vagas e genéricas. Isso porque cada organização e cada diagnóstico compõem uma novela com enredo diferente, portanto, o clímax e o epílogo necessariamente serão diferentes. Assim, o levantamento de dados mediante a ação diagnóstica virá mostrar uma parte, uma fotografia da situação da organização e algumas possibilidades de intervenção. Entretanto, a avaliação da pertinência desta ou daquela alternativa só pode ser feita à luz da especificidade do território mapeado. DESENVOLVIMENTO DE UMA MEDIDA Uma medida pode ser descrita como um conjunto de perguntas, afirmações ou cenários relativos a determinado atributo do âmbito organizacional. Pode focar na organização como um todo, nos grupos ou equipes, ou nos indivíduos, atores que dão vida às ações e administram os processos. Entretanto, elaborar uma medida não é redigir um conjunto de perguntas; trata-se de desenvolver estímulos que, em conjunto, produzem um padrão de resposta capaz de capturar um fenômeno previamente descrito e delimitado. Disso, depreende-se que o passo inicial para desenvolver uma medida seja a adequada definição daquilo que se pretende capturar, avaliar, medir. Por exemplo, se resolvemos elaborar uma medida de avaliação do nível de satisfação dos trabalhadores, necessariamente precisamos iniciar definindo o que seja satisfação, estabelecendo de forma clara o que significa estar satisfeito para a nossa avaliação. Nesse ponto é que o papel da teoria assume grande destaque e importância, pois existem várias formas diferentes de se definir satisfação (no contexto de trabalho) e, por esse motivo, pode haver também diversos tipos de medidas distintas para mensurar a satisfação. Análises dessa natureza são pertinentes para todos os fenômenos que ocorrem no contexto organizacional. É necessário ter em mente que existem sempre várias vertentes epistemológicas possíveis e não é comum que uma única perspectiva teórica tenha hegemonia absoluta e seja capaz de abarcar todas as dimensões dos fenômenos psicológicos e organizacionais em sua inteireza e complexidade. Uma vez definido o fenômeno de interesse e estabelecida a perspectiva teórica a partir da qual será entendido, é necessário estipular as partes constitutivas ou dimensões teóricas relevantes para o nosso diagnóstico e que, portanto, deverão ser medidas, avaliadas. Voltando ao exemplo da satisfação, podemos entendê-la como fenômeno composto por um único núcleo teórico (unidimensional) ou ainda como um fenômeno multidimensional (dois ou mais núcleos teóricos). No caso de compreendermos a satisfação como um fenômeno unidimensional, por exemplo, podemos perguntar a um trabalhador se ele está satisfeito com o trabalho que realiza, e essa indagação provavelmente atenderá aos nossos objetivos. Entretanto, pode-se argumentar que a satisfação envolve um conjunto amplo de aspectos, como, por exemplo, remuneração, relação com colegas e com a chefia, e que uma abordagem unidimensional não explicita quais aspectos específicos são mais ou menos importantes para revelar a satisfação dos empregados. Neste último caso, estamos ante a uma compreensão multidimensional do fenômeno, o que nos obriga a lançar mão de um conceito compatível com essa especificidade e, nesse caso, a medida a ser criada (ou escolhida pelo profissional, caso ela já esteja disponível) deve cobrir a amplitude de aspectos definidos como seus componentes significativos. Conforme o leitor deve estar percebendo, a definição teórica da natureza do fenômeno de interesse, assim como das suas dimensões constitutivas, é de vital importância para enfrentarmos o desafio de construir/escolher uma ferramenta de diagnóstico. É a partir dela que podemos começar a dimensionar a medida, estabelecendo as suas principais características e até a sua possível extensão. Uma vez cumprida a etapa antes descrita, os itens podem ser elaborados. Esses, redigidos na forma de perguntas, afirmações ou cenários, devem cobrir a extensão do fenômeno e a amplitude das suas dimensões. Portanto, a natureza daquilo que vai ser mapeado deve estar refletida nas perguntas/afirmações realizadas. Essa é a razão pela qual as medidas de fenômenos organizacionais costumam ser compostas por vários itens que, em conjunto, compõem a escala. Ou seja, há necessidade (ou exigência) de cobrir os múltiplos aspectos estabelecidos pela teoria quando da definição de um fenômeno. Até este momento, foram definidos a vertente teórica em que se sustenta o diagnóstico a ser realizado, assim como os elementos constitutivos que devem estar presentes na medida (dimensões). Contudo, ainda é necessário prestar atenção ao fato de a medida a ser utilizada refletir adequadamente a lógica teórica que caracteriza o fenômeno a ser diagnosticado. Assim, voltando mais uma vez ao nosso exemplo, se o pesquisador parte do princípio de que a satisfação é um fenômeno que tem natureza cognitiva, as perguntas devem abordar as cognições (ou o que o trabalhador sabe ou pensa) sobre a organização. Entretanto, se a satisfação é entendida como tendo uma natureza afetiva, então esse aspecto é o que deve estar refletido nas perguntas agora voltadas para aquilo que o trabalhador sente em relação à organização. Embora possa parecer que na hora em que as perguntas foram elaboradas e revisadas, observando a natureza teórica do fenômeno de interesse, a tarefa esteja praticamente concluída, destaca-se que essa fase, na verdade, marca o início da pesquisa empírica de campo. Isso porque é nesse momento em que podem ter início as etapas relativas à avaliação da adequação da medida. O trabalho até agora realizado, relativo à criação da ferramenta de diagnóstico, reflete a delimitação teórica feita do fenômeno, assim como a geração das perguntas que compõem a escala com que se busca diagnosticar o aspecto antes definido. Desse ponto em diante, a pertinência da medida vai ser verificada junto àqueles que serão alvo da pesquisa: os respondentes. Cabe destacar que, entre a fase de criação das perguntas e a aplicação da escala aos trabalhadores, existem fases intermediárias de extrema importância, relativas à análise de adequação da medida para a avaliação daquilo que pretende mensurar, assim como a verificação de sua pertinência em relação ao público-alvo. Porém, o detalhamento dessas etapas foge ao escopo deste capítulo introdutório, portanto, recomenda-se que o leitor interessado consulte obras especializadas da área.* Uma vez definida a estrutura e o formato da medida, pode-se dar início ao processo de análise das suas propriedades psicométricas. Para tanto, faz-se imprescindível aplicar a escala a uma amostra de respondentes com características semelhantes ao grupo ao qual a medida é destinada, pois a análise antes referida só pode ser realizada a partir de um conjunto de respostas efetivamente recolhidas. É com base nelas que o pesquisador irá constatar em que medida o conjunto de itens elaborados demonstra, de fato, capturar o fenômeno da forma como foi conceituado. Ou seja, refletindo a sua natureza teórica e suas dimensões constitutivas. Conta-se, para tanto, com o auxílio de técnicas estatísticas que empiricamente revelam em que extensão a escala elaborada cumpre com o prometido, na amostra na qual foi aplicada. Conforme o leitor pode ver, a criaçãode uma medida constitui uma tarefa complexa, mas também esperamos evidenciar que a observância de elevado rigor nesse processo torna possível dispor de instrumentos úteis e adequados para um diagnóstico organizacional confiável. OBJETIVOS E ALCANCE DESTA OBRA Os atores organizacionais são os protagonistas centrais da trama que se desenrola diariamente em milhares de organizações mundo afora. Projetos, planos e metas são estabelecidos buscando ganhos de diversos tipos para os envolvidos. Muitos desses se tornam realidade para regozijo de alguns, enquanto outros tantos vão por água abaixo para desencanto de muitos. No mundo das organizações não existem soluções mágicas e mirabolantes. Os verdadeiros heróis e heroínas são os trabalhadores que fazem a organização possível. Lutam verdadeiras batalhas e podem resultar vencedores; mas não o farão sem ajuda. Precisamos nos envolver e aceitar que o caminho pode se tornar mais fácil se conhecermos e reconhecermos nosso território. É nesse ponto que entra em cena o diagnóstico. Ele nos permite identificar os pontos fortes, que devem se impulsionados, mas também pode revelar as fragilidades ou setores que demandam apoio e intervenção. O fato de poder conhecer os problemas abre a porta para a realização de mudanças, as quais devem ser dimensionadas de acordo com condições como severidade da falha identificada, momento da organização, disponibilidade de recursos e tempo com que se conta. Esses aspectos necessariamente precisam ser levados em consideração, mas não podem ser utilizados como justificativa para a inação. Devem servir para planejar adequadamente a intervenção, ponderando a magnitude do desafio. Ainda que não exista qualquer “mistério” relacionado à construção de medidas de diagnóstico para o contexto organizacional, entendemos que essa pode ser uma tarefa repleta de complexidade para o gestor que não tem treinamento específico na área ou não dispõe de recursos materiais e/ou humanos necessários para buscar o seu desenvolvimento. Assim, esta obra tem por objetivo fornecer ao seu leitor um amplo conjunto de medidas que foram desenvolvidas e avaliadas por pesquisadores da área de psicologia organizacional e do trabalho (todos diretamente envolvidos na compreensão dos fenômenos que afetam o mundo do trabalho em vários contextos distintos), as quais são úteis por auxiliar na https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788582712252/epub/OEBPS/Text/introduction.xhtml?favre=brett#foot1 construção do diagnóstico próprio de cada organização, assim como na identificação dos problemas a serem enfrentados. Este livro encontra-se organizado em 21 capítulos. Cada um apresenta uma medida, uma ferramenta de diagnóstico específica. Elas variam no nível de aplicação e alcance. Assim, algumas focam em fenômenos no nível do indivíduo, outras no nível do grupo e outras, ainda, no nível organizacional. Cada medida vem acompanhada de uma sucinta apresentação que explicita as bases teórico-conceituais sobre as quais se sustenta. Nos capítulos seguintes, o leitor encontrará informações específicas sobre o processo de construção da ferramenta em si, a forma como ela foi desenvolvida, a natureza da sua estrutura interna, a indicação dos itens que a compõem e algumas informações básicas sobre suas principais propriedades psicométricas, de modo que possa avaliar adequadamente aquilo que está disponível para a sua utilização. Por fim, há uma seção, em cada capítulo, voltada para a explicitação da forma como a medida deve ser aplicada e das ações que podem ser realizadas com base nos resultados encontrados. Ainda que esta obra tenha sido concebida para ser utilizada, principalmente, por gestores no contexto organizacional, estudantes e pesquisadores das áreas relacionadas ao mundo do trabalho perceberão que podem se beneficiar enormemente dela, uma vez que as medidas agora disponibilizadas podem e devem ser utilizadas no dimensionamento de fenômenos específicos em suas próprias pesquisas e investigações. Este livro é fruto do esforço de cooperação desenvolvido por pesquisadores ligados ao Grupo de Trabalho Medidas e Internacionalização da Produção em Psicologia Organizacional e do Trabalho no Brasil, que se organiza no âmbito da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). REFERÊNCIAS Bissell, B. L., & Keim, J. (2008). Organizational diagnosis: The role of contagion groups. International Journal of Organizational Analysis, 16(1/2), 7-17. Burke, W.W. (2011). Organizational chenge: Theory and practice. London: Sage Publications. Di Pofi, J. A. (2002). Organizational diagnosis: Integrating quantitative and qualitative methodology. Journal of Organizational Change Management,15(2), 156-168. Howard, A. (1994). Diagnostic perspectives in an era of organizational change. In A Howard (Org), Diagnosis for organizational change: Methods and models (pp. 3-25). New York: The Guildford Press. Morgan, G. (1996). Imagens da organização. São Paulo: Atlas. Nadler, D. A., & Tushman, M. L. (1980). A model for diagnosing organizational behavior. Organizational Dynamics, Autumn, 35-51. Naves, F. L., Mafra, L. A. S., Gomes, M. A. O., & Amâncio, R. (2000). Diagnóstico organizacional participativo: Potenciais e limites na análise de organizações. Revista Organizações & Sociedade – O&S, 7(19), 53-66. Pasquali, L. (2010). Instrumentação psicológica: Fundamentos e práticas. Porto Alegre: Artmed. Peixoto, A. de L. A., & Caetano, A. (2013). Avaliação de desempenho. In L. Borges, & L. Mourão (Orgs.), O Trabalho e as organizações: Atuações a partir da psicologia. Porto Alegre: Artmed. LEITURA SUGERIDA Tannenbaum, S., Salas, E., & Cannon-Bowers, J. (1996). Promoting team effectiveness. In M. A. West (Ed.), Handbook of work group psychology (pp. 503-529). Chichester: John Wiley & Sons. * Um trabalho particularmente interessante neste aspecto é o livro Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas, escrito por Pasquali (2010) e publicado pela Artmed. Lá, o leitor encontrará a descrição minuciosa de todas as fases do processo de desenvolvimento de uma medida. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788582712252/epub/OEBPS/Text/introduction.xhtml?favre=brett#back1
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