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Direito das Startups 1 DIREITO DAS STARTUPS Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybo (Coords.). 2 Visite nossos sites na Internet www.jurua.com.br e www.editorialjurua.com e-mail: editora@jurua.com.br ISBN: 978-85-362- Brasil – Av. Munhoz da Rocha, 143 – Juvevê – Fone: (41) 4009-3900 Fax: (41) 3252-1311 – CEP: 80.030-475 – Curitiba – Paraná – Brasil Europa – Rua General Torres, 1.220 – Lojas 15 e 16 – Fone: (351) 223 710 600 – Centro Comercial D’Ouro – 4400-096 – Vila Nova de Gaia/Porto – Portugal Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco ??????, ?????????????????. ????? ?????????????????????./ ????????????????????? Curitiba: Juruá, 2013. ??? p. 1. ?????. 2. ?????. I. Título. CDD ???.??? CDU ??? Direito das Startups 3 Lucas Pimenta Júdice Erik Fontenele Nybo Coordenadores DIREITO DAS STARTUPS Colaboradores Erik Fontenele Nybø Giulliano Tozzi Coelho João Olivério Júlio C. da Rocha Germano de Azevedo Layon Lopes da Silva Leonardo Serra de Almeida Pacheco Lucas Pimenta Júdice Luiz Fernando Villa Moreli Luiz Gustavo Garrido Pedro Flach Curitiba Juruá Editora 2015 Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybo (Coords.). 4 Direito das Startups 5 Dedico esta obra à Lavinia M. de Souza Fontenele e Cindy Sco- fano Takahashi em agradecimento a todo apoio que sempre me ofereceram. Erik Fontenele Nybo Às mulheres de minha vida: minha esposa Juliana e minhas filhas Maria Eduarda e Luana; e ao meu campeão Bernardo, meu filho. Lucas Judice Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybo (Coords.). 6 Direito das Startups 7 SINOPSE Por Lucas Pimenta Júdice Inovar é extremamente difícil. Empreender é extremamente difícil. Advogar é extremamente difícil. Advogar com empreendedorismo e inovação, então, é tripla- mente difícil. E não digo somente em relação ao conhecimento da lei, os meandros do Direito ou as pegadinhas legislativas nesse mar imenso de textos normativos. Essa parte é fácil, basta dedicação, experiência em certo nível (própria ou de terceiros mais experientes para ajudar) e, sobretudo, curio- sidade para estudar quando deparar-se com novos temas ou entendimen- tos jurídicos no curso da profissão de advogado. A grande dificuldade, no entanto, encontra-se na ausência de padrão jurisprudencial ou na incerteza do resultado esperado em razão da pluralidade de entendimentos jurídicos sobre o mesmo tema. Até certo ponto essa pluralidade é saudável ao Direito, pois o mantém em constante evolução, mas o excesso de liberdade interpretativa acaba criando um cenário de guerra de poder argumentativo (não necessariamente o que é justo, mas quem tem mais poder para argumentar ou falar que é ou não é). E isso resulta em reflexos no mercado empreendedor, bem co- mo na inovação. – Qual a melhor opção societária? – Como posso me comprometer (e me proteger) em contrato com um parceiro fundador, mesmo sem saber se teremos uma empresa constituída? – Quais os tipos jurídicos para consolidar um investimento? – Posso buscar um investimento por sites na internet? A CVM permite isso? Aliás, o que é CVM afinal? Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybo (Coords.). 8 – Quais as regras legais sobre Marco Civil? E quanto à juris- prudência sobre determinado tema? Não há? O que fazer? Além disso, o mundo dos negócios inovadores no Brasil é um espelho de grandes centros de empreendedorismo tecnológico, como os Estados Unidos. E, via de consequência, alguns institutos jurídicos que regulamentam esses outros cenários econômicos acabam sendo incorpo- rados no dia a dia dos negócios no Brasil, a exemplo de institutos como vesting, cliff, drag along, tag along, NDA, NCA, entre outros. A questão, muitas vezes, é que a importação desses conceitos nem sempre se encaixa perfeitamente no cenário local. E quando estes conceitos são forçados e mal interpretados, podem dar espaço a um risco jurídico ainda maior do que as incertezas jurisprudenciais mencionadas acima. Isto porque além de existir pluralidade de opiniões no Direito, o elemento do desconhecido entra em cena. Quando um empreendedor ou grupo de pessoas traz um instituto norte-americano para o Direito brasi- leiro, é comum que a comunidade jurídica ainda não tenha debatido o tema antecipadamente e ajustado o instituto para a realidade brasileira. Assim, quando um assunto novo chega às mãos de um advogado, de um Juiz, Desembargador ou Promotor/Procurador, pode gerar dúvidas e cau- sar estranheza, pois estes não conhecem os primórdios do Direito norte- americano para saber como interpretar corretamente a intenção das partes naquele caso específico. Com base nessas premissas é que este livro foi idealizado. O nome DIREITO DAS STARTUPS foi apenas um título para este livro, sem qualquer pretensão de criar um direito autônomo, tal qual são o Di- reito Civil, Tributário, Ambiental, dentre outros. O titulo tem somente o objetivo claro de unificar as dificuldades do Direito com as dificuldades de empreender e da inovação, com as pitadas práticas de institutos inter- nacionais de Direito que só se vê nesse mundo “startupeiro”. Na medida do possível os artigos foram escritos sem uma lin- guagem técnica, muitas vezes considerada inacessível ao empreendedor. Entende-se que o empreendedor ganha um grande poder de desenvolvi- mento e de barganha quando passa a entender o básico de conceitos jurí- dicos que se relacionam com seu negócio. – Como lidar com os dados pessoais de seus clientes? – Quais as cláusulas padrões em contratos celebrados com in- vestidores anjos ou com aceleradoras? Direito das Startups 9 – Qual a tradução de vesting para a linguagem técnica jurídica em português? – Quais os riscos que o vesting mal traduzido pode trazer à mi- nha startup? – Ouvi falar em “Corporate Governance” para startups. Isso é a Governança Corporativa no mesmo sentido utilizado pelas sociedades anônimas de capital aberto? Se sim, consigo implementar algumas dessas técnicas na minha startup que é constituída sob a forma limitada? – E, afinal, o Direito me ajuda ou me atrapalha no momento de criação da minha startup? Ao mesmo tempo que a escrita dos artigos tem um linguajar moderno e de fácil leitura, os temas são profundamente tratados para que a comunidade jurídica leitora deste Livro também esteja bem atendida à nível de conteúdo e qualidade. Sem dúvidas os temas aqui cobertos não finalizam os temas que pertinem ao Direito das Startups ou, vá lá, às startups. Trata-se da inau- guração do tema no mercado brasileiro. – Aliás, o que é uma startup? Vire a página e comece a ler os artigos que responderão todas as perguntas elencadas acima. Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybo (Coords.). 10 Direito das Startups 11 SUMÁRIO INOVAÇÃO, STARTUPS E O DIREITO Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo ....................................................... 13 MEMORANDO DE ENTENDIMENTOS PARA PRÉ-CONSTITUIÇÃO DE UMA STARTUP Erik Fontenele Nybø ............................................................................................ 29 NATUREZA JURÍDICA DO VESTING: COMO UMA TRADUÇÃO ERRADA PODE ACABAR COM O FUTURO TRIBUTÁRIO E TRABALHISTA DE UMA STARTUP Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybø ..................................................... 39 ACORDO DE CONFIDENCIALIDADE, NÃO-COMPETIÇÃO E NÃO-SOLICITAÇÃO: A PROTEÇÃO DE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS E A RESTRIÇÃO À LIBERDADE CRIATIVA E A LIVRE-INICIATIVA João Olivério ....................................................................................................... 51 GOVERNANÇA CORPORATIVA PARA STARTUPS Layon Lopes da Silva ..........................................................................................69 MARCO CIVIL DA INTERNET: O QUE MUDOU PARA A SUA STARTUP? Leonardo Serra de Almeida Pacheco .................................................................. 85 A PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS E SEUS EFEITOS NAS STARTUPS DE TECNOLOGIA Luiz Fernando Villa Moreli ................................................................................. 95 Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybo (Coords.). 12 DISSECANDO O CONTRATO ENTRE STARTUPS E INVESTIDORES ANJO Giulliano Tozzi Coelho / Luiz Gustavo Garrido ................................................115 A ESTRUTURAÇÃO DO INVESTIMENTO ENTRE ACELERADORAS E STARTUPS NO BRASIL Luiz Gustavo Garrido / Giulliano Tozzi Coelho ................................................131 DEBÊNTURES: O QUE SÃO, SUA REGULAMENTAÇÃO E UTILIZAÇÃO POR SOCIEDADES LIMITADAS Pedro Flach / Layon Lopes da Silva .................................................................147 NOTAS SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA OPTANTE PELO SIMPLES NACIONAL CONSTITUIR UMA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO Lucas Pimenta Júdice ........................................................................................161 ÍNDICE ALFABÉTICO .................................................................................179 Direito das Startups 13 INOVAÇÃO, STARTUPS E O DIREITO Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo1 Sumário: 1. Introdução; 2. O Berço da Revolução Tecnológica: O Vale do Silí- cio; 2.1. Como a internet mudou o mercado: voltando à década de 1990; 2.2. Quebra da hegemonia mundial: os novos pólos tecnológi- cos; 3. O Século das Surpresas; 3.1. O Direito e a relação com a re- volução da TI; 3.2. Diferentes aspectos do Direito brasileiro X ameri- cano; 3.3. O Direito negocial X a norma; 4. Considerações Finais; 5. Referências. “O que seria da humanidade se os Governos do século XIX tivessem resolvido proteger os fabricantes de velas contra a concorrência da lâmpada elétrica?” Mário Henrique Simonsen 1 INTRODUÇÃO Atualmente, estamos rodeados de inovações promovidas por startups. Ao longo do dia, compartilhamos nossa opinião no Facebook, postamos fotos no Instagram, assistimos vídeo no Youtube e chamamos um táxi ou motorista particular pelo aplicativo. Além disso, a maior parte da nossa comunicação já é realizada via computador, smartphone ou ta- blet. Tudo isso através de serviços de empresas que surgiram num cenário adverso, de incertezas e muita dificuldade. É inegável como as startups mudam a nossa vida a cada dia, e em ritmo cada vez mais rápido. No passado, uma nova revolução aconte- cia a cada 300 anos. Atualmente, nosso ciclo de mudança é de 10 anos, no máximo (MATTOS, 2015, p. 29). Acha exagero? Pense no seu dia a dia há 10 anos e chegaremos na mesma conclusão. O iPhone ainda não 1 Advogado associado ao Martins*Martins, atuando na área Tributária e Empresarial. Foi cofundador da Fishers Investimentos, uma das primeiras aceleradoras do Brasil. Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo 14 havia sido inventado, não existiam aplicativos de smartphone como co- nhecemos hoje e o Facebook era um site muito mais simples do que a plataforma atual. Vivemos a verdadeira revolução das máquinas. Muito em breve, receberemos nossas encomendas através de drones programados com essa finalidade. Não dirigiremos mais nossos carros, pois os modelos inteligentes – sem motoristas – dominarão o mercado. A maneira como trataremos as doenças mudará completamente, a começar pelo valor e rapidez de um exame. É difícil saber como será essa transformação, mas a certeza que temos é que as startups estarão na vanguarda dessa inova- ção. Mas como se dará essa inovação? Peter Thiel (2014, p. 7), cofundador do PayPal e investidor de centenas de startups, incluindo o Facebook, diz que o próximo Bill Gates não criará um sistema operacional, o próximo Larry Page ou Sergey Brin não desenvolverá um mecanismo de busca e o próximo Mark Zuckerberg não fundará uma rede social. Embora essa afirmação seja simples, ela guarda um simbolismo gigante: a verdade é que ninguém sabe, exatamen- te, como se dará o próximo ciclo revolucionário. Se não sabemos como será essa inovação, como podemos nos preparar? Como o Estado poderá observar e, no limite que a sociedade anseia, regular essas novos modelos de negócio? Em outras palavras, de que modo a lei (e o Direito) pode adaptar-se à inovação? Esse é o questionamento que buscamos fazer neste artigo, e pa- ra isso, comparamos o cenário – tanto do ponto de vista legal, como eco- nômico e político – das startups no Brasil, Estados Unidos e em outros centros de inovação, buscando analisar alguns conceitos jurídicos de uma forma acessível. 2 O BERÇO DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA: O VALE DO SILÍCIO O ano era 1971, quando a revista Eletronic News noticiou pela primeira vez sobre o chamado Vale do Silício – uma região da Califórnia onde abriga as maiores empresas de tecnologia e muitas startups promis- soras e inovadoras (CRUZ, 2011). O desenvolvimento do Norte da Califórnia iniciou-se na década de 50 impulsionado pelo investimento em tecnologia de ponta na Guerra Fria. Com a consolidação das grandes empresas que surgiram nas décadas seguintes (Intel, Microsoft, Apple etc.), o mercado local ficou extrema- mente aquecido e atraiu muitos outros investimentos. Nessa primeira fase Direito das Startups 15 do Vale do Silício, houve uma expansão nunca antes vista na história de tecnologias e empresas. Com tantas empresas inovadoras instaladas numa única região, a Califórnia virou o paraíso dos fundos de investimentos, especialmente os focados em venture capital2, responsáveis pela alavan- cagem de muitas dessas companhias. Associado a esse movimento de capital de risco, houve um forte incentivo nas Universidades (sendo que Stanford é considerada como um dos principais celeiros de pesquisadores e jovens buscando abrir empreendimentos) e incubadoras3 para o desen- volvimento de pesquisas, além de contar com incentivos fiscais. Graças à consolidação do setor no mercado mundial, muitas ou- tras startups foram fundadas na região e deram início ao boom da internet na década de 90, como Google e Netscape. 2.1 Como a Internet Mudou o Mercado: Voltando à Década de 1990 A década de 1990 foi marcada por um misto de euforia e espe- rança logo após a queda do muro de Berlim. Porém, logo essa euforia deu lugar à preocupação com a recessão econômica dos EUA, com o desem- prego em alta e o declínio da indústria. Nessa época, a internet ainda era restrita ao uso em ambientes específicos. Tudo começou a mudar em 1993 quando foi lançado o navega- dor Mosaic (que veio a se tornar o Netscape), permitindo às pessoas co- muns um meio amigável para o usuário navegar na internet. A adesão dos usuários foi tão alta e repentina que a Netscape realizou um IPO4 em 1995 e, em apenas 5 meses, suas ações disparam de 28 para 174 dólares. O mesmo aconteceu com o Yahoo! em 1996 e Amazon em 1997. Em 1998, as ações das duas empresas haviam mais que quadruplicado. Era um início de uma nova era no mercado financeiro e os sinais da euforia já começavam a ficar visíveis, razão pela qual Alan Greenspan (2014, p. 174) o Chairman do Federal Reserve alertou que a “exuberância irracio- nal” pode ter “aumentado indevidamente os valores dos ativos”. 2 As venture capitals são investidores de risco. Esse tipo de fundo investe em empresas que já estão faturando, mas ainda estão em fase de crescimento (ABVCAP, 2015). 3 Uma incubadora é um ambiente criado com o propósito de apoiar iniciativas em- preendedoras e projetos inovadores, facilitando o seu desenvolvimento por meio do oferecimento de infraestrutura, serviços especializados e assessoria gerencial. In- formações adicionais podem ser obtidas em: <www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/trabalho/empreendedorismo/incubadora/index.php?p=38440>. Acesso em 19 set. 2015. 4 IPO é uma sigla utilizada para designar a oferta pública inicial de ações de uma em- presa em uma bolsa de valores. Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo 16 Apesar da bolha pontocom já dar sinais de sua existência, a ve- lha economia não conseguia enfrentar os desafios da globalização e a internet – e todos os serviços digitais – apontavam como a única solução. Só para ilustrar, a crise financeira do leste asiático em 1997, a crise da Rússia em 1998 e as dificuldades econômicas da União Europeia marca- ram as dificuldades do antigo modelo capitalista. A euforia das empresas pontocom foi intensa, mas não durou muito. A NASDAQ5 atingiu o pico de 5.048 pontos em março de 2000 e, em seguida, desabou para 3.321 pontos no mês seguinte, atingindo seu fundo do poço em outubro de 2002 com 1.114 pontos. O final dos anos 1990 foi uma época marcada pelo excesso de confiança, mas permitiu às pessoas enxergarem o futuro e perceberem como a tecnologia seria ne- cessária para quebrar o paradigma da velha economia. O mercado da internet criou um novo conceito de empresa. Ve- jamos o exemplo da aviação (velho mercado) versus a Google (novo mercado). O mercado de aviação é um mercado bilionário, que fornece serviços para milhões de passageiros todos os anos. No entanto, em 2012, quando a passagem área custava 178 dólares nos EUA, as companhias aéreas auferiram lucro de apenas 37 centavos de dólar por passagei- ro/viagem (THIEL, 2014, p. 29). Em contrapartida, o Google arrecadou 50 bilhões de dólares no mesmo ano (as aéreas faturaram 160 bilhões no mesmo período), mas obteve um lucro de 21% sobre esta receita – mais de cem vezes a margem de lucro do setor de aviação. O Google ganha tanto dinheiro que hoje vale três vezes mais do que todas as companhias aéreas americanas combinadas6. Por conta dessa nova onda do mercado, o Facebook já figura na lista das 10 maiores empresas dos EUA. Graças à revolução da tecnologia da informação, as novas tecno- logias foram incorporadas rapidamente ao cotidiano dos indivíduos. Além disso, elas deram margem à multiplicação dos fluxos de capital e à criação de novos “produtos financeiros” (hedge funds, derivativos, mercado a futu- ro etc), todos viabilizados graças à internet (CARDOSO, 2008, p. 15). O crescimento exponencial das empresas de tecnologia multiplicou o acesso ao mercado financeiro, permitindo que qualquer pessoa conheça as caracte- rísticas do mercado e torne-se um investidor. Com isso, os órgãos regula- dores passaram a supervisionar minuciosamente as companhias cujas ações são negociadas em bolsas de valores com o intuito de evitar que o público seja lesado por agentes que atuam nesse mercado. 5 NASDAQ Stock Market é a segunda maior bolsa de valores dos EUA onde estão listadas mais de 2800 ações de diferentes empresas. Informações adicionais podem ser obtidas em: <www.nasdaq.com/>. Acesso em: 19 set. 2015. 6 Valor atualizado na data de 07.08.2015. Direito das Startups 17 Por outro lado, o dinamismo das operações envolvendo startups obrigou que a norma buscasse uma adaptação, sob pena de tornar-se irre- levante. Assim, os instrumentos jurídicos utilizados passaram a incorpo- rar a essência dessa modalidade de negócio, a saber: inovação (com pos- sível ausência de previsão legal), risco (de mercado, regulatório, dentre outros) e a potencialidade lucrativa. 2.2 Quebra da Hegemonia Mundial: Os Novos Pólos Tecnológicos Apesar de o Vale do Silício ser o símbolo do crescimento das empresas de tecnologia, referência no mundo da web e da tecnologia, a região inspirou o desenvolvimento de outros pólos tecnológicos, como Israel Silicon Wadi, a região com a segunda maior aglomeração de em- presas deste ramo no mundo (NGUYEN, 2015). No Brasil, temos alguns centros de desenvolvimento tecnológico que carregam a marca “Vale do Silício brasileiro”, tais como Recife, Campinas e Blumenau. Porém, cida- des como Palo Alto e Santa Clara, na Califórnia, guardam muito mais que empresas de ponta, mas sim toda uma cultura empreendedora que impul- siona toda a região e influencia o mundo. Com um rápido crescimento em inovação em setores tecnológi- cos como desenvolvimento de softwares, medicina, equipamentos de segurança e defesa, além de diversos aplicativos voltados para o consu- midor como Waze, Wix, Yo!, Israel é conhecida como a “nação startup”. Assim como no Vale do Silício, a expansão da região aconteceu na déca- da de 80 e 90, impulsionado pela presença maciça de investidores e gran- des empresas (AJAYI, 2015). Além disso, muitos apontam o fator cultu- ral como diferencial para a existência de um pólo tecnológico tão compe- titivo, um ambiente colaborativo intenso, além de suporte da comunidade acadêmica e apoio governamental. O resultado é que Israel possui a mai- or relação de startups per capita do mundo, com 60 companhias listadas na NASDAQ, mais que a Europa, Japão, Coréia e China juntas7. Atualmente, Londres também é apontado como um dos maiores e mais importantes hubs de startups fora dos EUA. Ainda é uma comuni- dade pequena quando comparada aos padrões da Califórnia, mas somente em 2014 foi levantado cerca de um bilhão e quatrocentos milhões de dólares em investimento através de fundos de venture capital, o dobro do registrado em 2013 (DAKERS, 2015). Esses números mostram o cresci- mento exponencial do mercado de startups registrado em Londres. 7 Listagem atualizada na data de 07.08.2015. Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo 18 3 O SÉCULO DAS SURPRESAS O século XX foi marcado por diversos acontecimentos que moldaram a história da humanidade e que não foram previstos. Quem diria que a China, antes humilhada, invadida e dividida, renasceria unida sob o Partido Comunista e promoveria uma verdadeira revolução econô- mica e social? E como entender que a Europa, antes dividida e assolada pela guerra, formaria a União Europeia, algo totalmente impensável até meados do século? Soma-se a isso o renascimento do Islã no cenário político mundial (alguém previu a primavera árabe?), o crescimento dos países asiáticos e o boom das commodities impulsionado pela onda im- portadora da China e Índia, permitindo taxas de crescimento elevadas dos países em desenvolvimento, como o próprio Brasil. Por trás de tanta reviravolta econômica e política, o fenômeno da globalização – massificado pelo crescimento da tecnologia nas últimas décadas – e o da quebra das hegemonias mundiais são os principais agen- tes dessa mudança (CARDOSO, 2008, p.4). Impulsionado pelas novas ferramentas tecnológicas, o Estado moderno vive uma crise de identidade sem precedentes. Estamos vivendo num momento no qual a economia corre para um lado, com o crescimento dos negócios globais, da econo- mia colaborativa, e a política e o Estado caminham para o sentido oposto. Esse pensamento não é novo. Em 1930, logo após o Crash de Wall Street8, o The Economist (1930, p. 652) publicara: No plano econômico, o mundo organizou-se numa abrangente unida- de de atividades. No plano político, não só continuou dividido em 60 ou 70 estados soberanos, como também as unidades nacionais torna- ram-se constantemente menores e mais numerosas [...] Vale lembrar que, nessa época, o mundo ainda era totalmente diferente do que é hoje, mas podemos perceber que a dificuldade do Es- tado adaptar-se às mudanças sociais já eram discutidas. Com o advento da revolução tecnológica, esse fenômeno intensificou-se de maneira nun- ca antes vista na história da humanidade. À medida que as novas inven- ções se aceleraram bastante e rapidamente foram incorporadas no dia a dia das pessoas (redes sociais, smartphones), diferentemente do que ocor- ria no passado, onde esse processo era muito mais limitado e lento, a relaçãoentre os indivíduos e a economia mudaram drasticamente. 8 A Grande Depressão de 1929, também conhecida como o Crash de Wall Street ou Crise de 1929, foi marcada pela queda do mercado de ações nos Estados Unidos, sendo uma das maiores crises da história dos Estados Unidos e do mundo (ROTHBARD, 2000). Direito das Startups 19 3.1 O Direito e a Relação com a Revolução da TI No epicentro da crise entre o Estado e a revolução tecnológica, o Direito encontra dificuldades de lidar com as mudanças promovidas no mercado. Analisemos a discussão sobre o Uber, por exemplo. O aplicati- vo Uber é uma plataforma tecnológica para smartphones lançada nos Estados Unidos em 2010, que permite estabelecer uma conexão entre motoristas profissionais e pessoas interessadas em contratá-los. No mun- do inteiro, a empresa vem passando por uma onda de protestos e discus- sões no âmbito público acerca da legalidade da sua atuação. No Brasil, o serviço é alvo de uma de ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE movida pelos sindicatos de táxi, que o acusa de “práticas anticoncorrenciais”. Como bem afirma Daniel Sarmento (2015, p. 2), apesar desse sucesso de público – ou talvez exatamente em razão desse sucesso – as atividades da Uber e dos seus motoristas parceiros vêm sofrendo uma série de contestações judiciais e extrajudiciais, prove- nientes sobretudo de pessoas, entidades ou forças políticas ligadas aos taxistas e aos proprietários de frotas de táxi. Em geral, os que são contrá- rios ao serviço afirmam que o Uber prejudica a livre concorrência, já que os motoristas cadastrados não precisam se submeter a qualquer regulação e não pagam os impostos específicos da classe ao efetuar o transporte de pessoas, diferentemente do que ocorre com os taxistas. Mais do que apontar instrumentos legais de proibição do servi- ço ou interpretar a lei de forma favorável à empresa, principalmente quando se trata da discussão envolvendo o Uber e, consequentemente, todas as empresas que atuam com modelos de negócio parecidos (como o Airbnb, que também vem sofrendo pressão por mais regulação9), o mo- mento é de reflexão acerca do papel do Estado no fenômeno da inovação tecnológica. Especificamente no Brasil, dentre os princípios que regem a ordem econômica brasileira figuram dois que são da máxima impor- tância: a livre iniciativa (art. 1°, IV e 170, caput, CF) e a livre concor- rência (art. 170, IV, CF). Como bem conceitua Tércio Sampaio Ferraz (1989, p. 78), a livre iniciativa promove a espontaneidade humana na produção de agoo nooo de começar agoo que não estaoa antes. Essa espontaneidade base da produção da riqueza é o fator estruturag que não pode ser neoado pego Estado. Se ao fazȩ-go o Estado a bgoqueia e impede não está interoindo no 9 Sobre as intenções de regulação do serviço oferecido pelo Airbnb, sugere-se consultar a notícia veiculada pelo jornal Time. Disponível em: <www.time.com/3958153/san- francisco-airbnb-legislation/>. Acesso em: 19 set. 2015. Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo 20 sentido de normar e regular, mas dirigindo, e com isso substituindo-se a ela na estrutura fundamental do mercado. Como equalizar a aplicação desses dois princípios econômicos fundamentais com a proteção aos modelos de negócio atuais? Esses questionamentos estão intrinsecamente ligados à forma como a sociedade vem se transformando (impulsionado pelo avanço da revolução tecnológica) e como o Estado, baseado num modelo de gover- no criado numa realidade diferente da existente atualmente, busca regular as relações privadas. Apesar de ter amplitude global, as polêmicas envol- vendo as inovações disruptivas encontram diferentes interpretações em cada país, motivadas por características próprias de cada legislação, cul- tura e sociedade. 3.2 Diferentes Aspectos do Direito Brasileiro x Americano Entender as diferenças entre o Direito brasileiro e o norte ame- ricano passa pela compreensão das distinções entre os sistemas legais dos países, a saber: Civil Law, adotado no Brasil e com origem no Direito romano, e a Common Law, adotado nos países de origem inglesa. Os países frequentemente citados na Common Law são os Estados Unidos e a Inglaterra. Por outro lado, Israel possui um sistema legal baseado na Common Law, mas também possui influência da Civil Law e do Direito religioso. Em geral, os países que adotam a Common Law permitem uma maior flexibilidade nas relações negociais e nas interpretações legislati- vas. Nos EUA, por exemplo, estima-se que 90% dos litígios no âmbito cível são solucionados mediante acordo prévio entre as partes (GODOY, 2004, p. 2). A grande distinção entre os sistemas da common law e da civil law está na fonte do direito, o que decorre do seu processo histórico de formação. Enquanto o sistema da Civil Law adota a lei como fonte pri- meira do direito; o modelo da Common Law adota a jurisprudência como fonte primordial (OLIVEIRA, 2014, p. 53). Essas distinções fazem com que as diferenças entre os institutos utilizados nas empresas sejam consi- deráveis, ou utilizada de uma forma um tanto quanto usual. Temas como Vesting, Cliff, Stock Options, Founders Agreement e outros institutos não estão previstos em nossa lei ou ainda são recentes e muito controversos. Contudo, os dois sistemas vem caminhando para uma convergência mai- or, influenciada, sobretudo, pelo avanço do comércio internacional (FUNKEN, 2003, p. 2). Direito das Startups 21 Em linhas gerais, a Common Law aplica o sistema de preceden- tes judiciais vinculativos (conhecido como o stare decisis principle). A Common Law é derivada mais de princípios do que regras, de forma que não consiste na aplicação de normas absolutas, rígidas e inflexíveis, mas sim em amplos e abrangentes princípios baseados na justiça, na razão e no senso comum, que foram determinados pelas necessidades sociais da comunidade e as acompanhavam conforme sofriam alterações (GIFTS, 2003, p. 90). Sobre o stare decisis, a Suprema Corte do Estado da Califórnia explicitou a lógica do conceito ao afirmar que “sob a doutrina dos prece- dentes, todos os tribunais inferiores devem vincular suas decisões de acordo com as decisões dos tribunais superiores”10. Embora não seja um princípio absoluto, o stare decisis estabelece que uma decisão venha a se tornar um precedente judicial, de forma que será utilizado em casos futu- ros semelhantes que sejam julgados na mesma juridisição. Para os defen- sores da Common Law, esse sistema baseado em precedentes permite uma maior segurança jurídica (MILLER; JENTZ, 2011, p. 7). Além das diferenças ocasionadas pelo sistema legal, os meios alternativos de solução de conflitos são muito mais recorrentes nos EUA, como a arbitragem (AMARAL, 2015, p. 4). A arbitragem traz inúmeras vantagens à solução de litígios comparativamente aos tribunais judiciais, especialmente em função da prevalência da autonomia da vontade das partes, da rapidez, da maior especialização do árbitro nas questões leva- das à sua apreciação, do menor custo e também da possibilidade de ser mantido o sigilo da questão em debate. Este aspecto da confidencialidade é de especial interesse em matérias da órbita comercial. A economia na arbitragem, por sua vez, não se dá somente para as partes, mas para toda a sociedade, que não vê mobilizado o aparato judiciário estatal para solução de controvérsias patrimoniais limitadas a particulares (AMARAL, 2015, p. 2). No Direito brasileiro, a ausência de registro legal de um contra- to estabelecido entre as partes é visto como um fator de risco a ser consi- derado na relação, havendo espaços para invalidar o contrato na esfera judiciária. No campo trabalhista, nossa legislação é extremamente rígida e não permite muito espaço para acordos entre o empregado e o emprega- dor,em contraponto à legislação trabalhista americana que é considerada uma das mais flexíveis do mundo. Nos Estados Unidos, não há um códi- 10 Para aprofundar-se mais na decisão, sugere-se conferir o caso Auto Equity Sales, Inc. v. Superior Court (1962) 57 C2d 450. Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo 22 go ou uma consolidação de normas trabalhistas. De uma forma geral, cabe aos estados tratar temas específicos como seguro, salário mínimo, horas de trabalho e regras para contratação (GODOY, 2004, p. 126), en- quanto que o contrato de trabalho implementa-se mediante a vontade das partes. Na área empresarial, destaca-se a legislação do estado de Dela- ware, nos Estados Unidos, onde foram constituídas mais da metade das empresas que compõem a lista da Fortune 500 (BLACK, 2007, p. 2). A legislação busca permitir que as sociedades e seus acionistas tenham o máximo de flexibilidade para controlar seus negócios. Somado a isso, no Brasil temos uma Ordem dos Advogados que interpreta os limites da atuação dos advogados de uma forma totalmente diferente da americana ou inglesa. Nos EUA, por exemplo, a propaganda do advogado é permitida, além de ser fácil encontrar serviços online para contratar especialistas legais. No Brasil, tais práticas são proibidas ou limitadas, fazendo com que o resultado da atuação do advogado seja dife- rente em cada país. Num mundo em constante mudança, flexibilidade significa ca- pacidade de adaptar-se a novos modelos de negócio e as startups possu- em características próprias por serem empresas inovadoras, enxutas e disruptivas, de modo que essas características influenciam a forma como os instrumentos jurídicos são utilizados. Nesse ponto, é necessário fazer uma pequena, porém importan- te, distinção entre a relação entre as partes e a relação com o Estado. No exemplo utilizado do Uber, estamos falando de uma regulação estatal para um modelo de negócio. Trata-se do Estado utilizando instrumentos próprios e legais para regular a forma como a empresa irá atuar, quais obrigações ela deverá cumprir, quais agentes possuem permissão para exercer a atividade etc. Dessa forma, o Estado não só irá atuar legislando sobre a matéria, como também irá fiscalizar o negócio. Por outro lado, quando estamos falando da relação entre partes privadas, a presença do Estado limita-se ao campo legislativo, criando leis para regular a forma como os agentes irão dirimir seus negócios. 3.3 O Direito Negocial x a Norma Toda relação comercial possui reflexos tanto no Direito como na Economia, desde uma simples multa estabelecida numa cláusula até uma regra pra proteger uma das partes. Uma equilibrada adequação entre o Direito, representado pela norma, e a Economia, guiada pelo agentes de Direito das Startups 23 mercado que buscam maximizar a eficiência das empresas, é fundamental para estabelecer um ambiente propício ao desenvolvimento de novos negócios e empresas. Em razão dessa combinação das duas ciências, atri- buiu-se um nome de ciência econômica do Direito para os estudos da matéria (UINIE; LIMA, 2014, p. 156). Em meados do século XX, no berço das universidades america- nas, surgiu a teoria econômica do Contrato Incompleto, o qual estabele- ceu uma nova forma de ver as relações contratuais, em especial no que se refere aos fundamentos da revisão contratual de acordos de longo termo. A teoria do contrato incompleto aponta para a desnecessidade de observar toda a relação jurídica ao longo do tempo, visto que “nenhum contrato estabelece uma disciplina específica para todos os eventos que poderiam interferir na execução das obrigações” (BELLANTUONO, 2005, p. 61). A teoria do contrato incompleto é um exemplo de como a cultura corpo- rativa americana adapta-se às condições do mercado, modificando a for- ma como os indivíduos negociam entre si. Essa teoria aborda vários aspectos da economia, passando pela a análise do pensamento liberal de Adam Smith e a doutrina utilitarista, estudando, inclusive, a formação da escola de Chicago, tendo como figu- ra de destaque Ronald Coase que, a partir de obras como The Nature of the Firm (1937) e The problem of social cost (1960), constatou a influên- cia dos custos de transação. A teoria analisa a existência dos chamados custos de transação – os custos que envolvem a discussão de todos os termos de uma relação contratual, levando-se em consideração o tempo, as oportunidades de mercado, equipe envolvida etc. – e passou a ser questionado a partir da escola do Law and Economics, uma combinação das duas ciências, ofere- cendo uma nova visão econômica do ato de contratar, levando em consi- deração fatores como a capacidade limitada de prever determinadas situa- ções, investimentos em ativos específicos, complexidade e incerteza das relações contratuais etc. Para a teoria econômica, os contratos são sempre incompletos, já que “é impossível pressupor todos os acontecimentos ou eventos que poderão ter lugar entre os seres humanos, em especial no futuro”. (PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 117) Apesar do objetivo do presente artigo não ser examinar todos os aspectos jurídicos do tema, teceremos alguns comentários. Analisando o Direito não somente em seu aspecto normativo, mas aplicando conceitos e reflexões da teoria econômica, a teoria do contrato incompleto é um exemplo de como as relações negociais podem adaptar-se ao longo do tempo. Sendo assim, as lacunas existentes nos contratos, antes considera- das fatores de incertezas negativas, passaram a ser consideradas como Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo 24 necessárias para uma relação contratual duradoura. Busca-se, portanto, um equilíbrio entre a norma jurídica (Direito) e as consequências econô- micas da relação (Economia). Todavia, o Direito brasileiro, tradicionalmente baseado em vas- ta codificação por se tratar de um sistema de Civil Law, possui dificulda- de de assimilar o contrato incompleto, recorrendo sempre à norma. Nesse sentido, Rachel Sztjan (2010, p. 23), definiu de maneira brilhante: O operador do Direito, formado na tradição da dogmática civilista, de forte influência alemã, partindo das grandes codificações do sé- culo XIX, não se compadece com a noção econômica de contrato in- completo que é, para ele, inadmissível. Quando faltam disposições positivadas para o contrato típico, recorre-se às normas supletivas; se evento futuro, imprevisto ou imprevisível altera o sinalagma ge- nético, o remédio é a aplicação da cláusula da imprevisão (rebus sic stantibus). Além disso, o raciocínio da teoria do contrato incompleto pode ser abordado em outras áreas do Direito. Nessa hipótese, poderíamos questionar, por exemplo, a vantagem para as partes de estabelecerem um contrato rígido de trabalho numa startup de tecnologia, contrariando o cenário econômico de risco do negócio. Assim, podemos ver claramente uma situação antagônica entre o Direito e a Economia. Não estabelecer um contrato rígido pode ser uma estratégia con- tratual das partes. Em outras palavras, as partes podem decidir deixar o contrato incompleto para economizar os custos de transação. O uso de contratos incompletos é recorrente no setor de tecnologia, em razão da natureza dinâmica do negócio, visto que são necessários diversos inves- timentos num cenário de incerteza. Um exemplo de utilização de cláusulas em aberto é o uso da Le- tter of intents (LOI) ou, em português, Carta de Intenções. De uma manei- ra geral, uma LOI prevê que as partes acordam em prosseguir as negocia- ções de boa fé, e envidar todos os esforços para chegar à um formato de negócio, o qual, uma vez concretizado, deverá ser traduzir, sem limitação, as condições desde já acordadas na redação da LOI. A conclusão do ne- gócio estará sujeita, dentre outros fatores, aos resultados previstos no contrato. Sendo assim, as partes pactuam, que caso o negócio de fato aconteça, as condições preliminaresutilizadas serão aquelas previstas na LOI. Porém, não faz sentido determinar todas as condições do negócio futuro, visto que ele é incerto. Podemos ver, portanto, que o apego excessivo à norma gera um custo elevado às transações. Considerando esse ponto, conseguimos per- Direito das Startups 25 ceber uma distinção importante nas legislações estrangeiras frente à brasi- leira. Imaginemos um exemplo prático de um empreendedor que irá for- mar sua startup. De acordo com o relatório do Banco Mundial, a média para a abertura de empresas no Brasil é de 100 dias (enquanto em alguns países a média é de 5 dias) e será necessário pagar diversas taxas públi- cas. Além disso, para contratar funcionários, o dono da empresa deverá cumprir com todas as determinações da lei e do Ministério do Trabalho, dobrando o custo por funcionário em virtude dos encargos trabalhistas aplicáveis, aproximadamente. No mais, deverá cumprir todas as obriga- ções tributárias – tanto o recolhimento do tributo, quanto a prestação de todas as informações necessárias à Receita, as chamadas obrigações aces- sórias. Dependendo do objeto da empresa, será necessário o cumprimento de outras obrigatoriedades, por exemplo, no caso de setores regulados. Esses e outros custos, além dos inerentes à transação, geram uma barreira de entrada a novos empreendedores no mercado. Apesar do Brasil ser um país genuinamente empreendedor, a taxa de insucesso das empresas é alta, e uma das razões mais apontadas é o alto custo de abertu- ra e manutenção de uma empresa, conforme relatório divulgado recente- mente pelo Sebrae-SP (2015). É claro que em todos os países há a inci- dência de tributos nas operações mercantis, bem como as obrigações de prestar informação ao Poder Público. Todavia, o excesso de burocracia no país vai contra a tendência dos negócios no século XX, marcados pela inovação e dinamismo. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme exposto ao longo do presente artigo, a revolução tecnológica vem mudando não só a forma como os negócios são condu- zidos, mas também a maneira como nos relacionamos no dia a dia. Em poucos anos, viveremos num mundo totalmente diferente, e as startups são peças fundamentais no desenvolvimento do mercado de tecnologia, criando novos conceitos, novos modelos de negócio e inovando em setores tradicionais. O avanço do setor tecnológico visto a partir da década de 1970 com o crescimento do Vale do Silício e impulsionado na década de 1990 com a expansão da internet, proporcionou o nascimento de um mercado pulsante em diversos países, movimentando bilhões de dólares a cada ano, gerando elevados ganhos financeiros para os acionistas e investido- res, bem como gerando milhares de empregos diretos e indiretos. Júlio Cesar da Rocha Germano de Azevedo 26 Além disso, em razão das características das empresas de tecno- logia, diversos instrumentos jurídicos vem sofrendo modificações para atender o dinamismo do mercado. Essa tendência de utilização de instru- mentos jurídicos mais enxutos e abertos é amplamente debatida nos EUA, e pode ser considerada uma adaptação aos mecanismos legais, sugerindo uma necessária revisão das normas jurídicas aplicáveis, permitindo um maior dinamismo na atuação das empresas no mercado altamente compe- titivo na qual atuam. Ainda recente no Brasil, esse debate é fundamental para o crescimento do mercado de empresas inovadoras no país. 5 REFERÊNCIAS ABVCAP. Como funciona a indústria de private equity, seed e venture capital. Março, 2015. Disponível em: <www.abvcap.com.br/Download/Guias/2726.pdf>. Acesso em: 17 set. 2015. AJAYI, Akin. Silicon Wadi Grows Up. Disponível em: <www.thefinancialist. com/silicon-wadi-grows-up/>. Acesso em: 07 jul. 2015. 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A Finalidade do Me- morando de Entendimentos de pré-constituição e o Gatilho; 7. Consi- derações Finais; 8. Referências. 1 INTRODUÇÃO As práticas adotadas pelas startups no Brasil são bastante in- fluenciadas por aquelas utilizadas nos Estados Unidos, um dos princi- pais polos desta cultura empreendedora.Considerado o berço das star- tups, os Estados Unidos possuem uma vasta experiência no desenvol- vimento de instrumentos jurídicos voltados a atender as demandas geradas por tais empresas, muitos dos quais passaram a ser utilizados no Brasil. Este artigo buscará explorar especificamente um destes instru- mentos, o denominado pre incorporation agreement ou pre shareholder agreement ou, em português, memorando de entendimentos de pré- constituição, um contrato preliminar que visa organizar a relação a ser estabelecida entre os sócios de uma futura startup. Portanto, o presente artigo analisará a natureza jurídica do memorando de entendimentos de pré-constituição, bem como quando e sob qual forma deve ser adotado no ordenamento jurídico brasileiro. 1 Advogado graduado em Direito pela Escola de Direito de São Paulo – EDESP da Fundação Getúlio Vargas – FGV, colunista da E-Commerce Brasil e gerente jurídico global da Easy Taxi. Erik Fontenele Nybø 30 2 O CONCEITO DE STARTUP Para proceder à análise pretendida neste artigo, faz-se necessário, antes de tudo, definir o conceito de startup a ser adotado neste trabalho. Startup não é uma categoria de empresa, mas sim um estágio do desenvolvimento de uma empresa. Trata-se do estágio inicial de desen- volvimento de uma empresa, fortemente caracterizado pela ausência de processos internos e organização, no qual esta é movida pelos impulsos de comercialização de uma ideia inovadora (BLANK e DORF, 2012, p. 30), preferencialmente, disruptiva. Esta fase, inclusive, pode ser mar- cada pela falta de um modelo de negócios claro. Fala-se em disrupção frequentemente no meio das startups, pois geralmente estas empresas estão ligadas a inovações tecnológicas, capazes de romper com a forma pela qual determinado nicho de mercado se relacionava antes do surgi- mento do produto e/ou serviço oferecido por uma startup. A disrupção está associada ao conceito de inovação. Dentre os principais tipos de inovação, podemos elencar: a) Incremental: aperfeiçoa um produto, processo de produção ou serviço (O’ SULLIVAN e DOOLEY, 2009, p. 23). Este tipo de inovação visa aumentar a competitividade de um produto ou serviço que já está à disposição no mercado; b) Radical: efetua transformações expressivas em algo já esta- belecido (O’ SULLIVAN e DOOLEY, 2009, p. 23), resul- tando em eficiência muito maior do que a anterior ou alto impacto nas receitas de uma empresa. c) Disruptiva: a inovação disruptiva está dentro do gênero “ra- dical”. Trata-se comumente de inovações que alteram radi- calmente as práticas de negócio ou a integralidade de um se- tor industrial. Este tipo de inovação está, geralmente, associ- ado à criação de novas tecnologias (O’ SULLIVAN e DOO- LEY, 2009, p. 25). Nada impede que startups se baseiem em inovações incremen- tais ou radicais, sem que se qualifique como disruptiva. No entanto, o próprio mercado busca nas startups a qualidade disruptiva, principalmen- te quando se fala de startups de tecnologia, pois trata-se da sustentabili- dade do modelo de negócios de uma startup. Do ponto de vista regulatório, a inovação pode ser classificada como de observância da lei (compliance) ou de circunvenção (circumven- tive). A inovação de compliance ocorre quando o produto ou processo Direito das Startups 31 inovador criado se encontra sob o escopo previsto pela regulação e, por- tanto, permanece regulada. Por outro lado, a inovação de circunvenção (circumventive) ocorre quando o produto ou processo inovador criado não foi previsto pela regulação, de forma que isto permite a ausência de con- formidade com a regulação vigente (STEWART, 2010, p. 2). A própria possibilidade de desenvolvimento de uma inovação de circunvenção de- corre da máxima do princípio da legalidade exposta pela doutrina positi- vista do Direito, pela qual entende-se que aquilo que não é proibido, é permitido (KELSEN apud NINO, 1980, p. 527). Assim, em diversos casos, é possível deparar-se com a aberração de uma atividade que já é desenvolvida há anos, mas permanece desregulada em razão do desco- nhecimento do assunto por parte do legislador e dos próprios advogados. Disso resultam outras questões como a dificuldade de um em- preendedor lograr êxito em suas tentativas, por estar em um limbo de incerteza jurídica e, ainda, por falta de confiança em advogados, uma vez considera que estes também não entendem suas necessidades. As startups também são marcadas por um controle de custos e gastos significativo, denominado comumente bootstrapping – as startups procuram utilizar ao máximo as capacidades individuais de cada sócio (founder) para diminuir os custos na contratação de parceiros e prestado- res de serviço para focar os dispêndios financeiros na criação e manuten- ção do produto e/ou serviço oferecido ao público. O bootstrapping permi- te que empresas nascentes possam buscar oportunidades sem possuir recursos consideráveis e sem mobilizar valores vultosos junto a financia- dores externos. As estratégias de bootstrapping podem tomar duas for- mas: (i) minimização da necessidade de financiamento por meio da ob- tenção de recursos a baixo custo; e (ii) aquisição de recursos sem a inter- venção de bancos ou financiamento por meio de disposição de participa- ção societária. Especificamente, estas estratégias incluem o financiamen- to por meio dos próprios fundadores, minimização de contas a receber, empréstimo de recursos, atraso de pagamentos, baixo investimento de capital e financiamentos subsidiados (VANACKER et. al, 2011, p. 4). Em decorrência do bootstrapping, startups geralmente se orien- tam pela figura do minimum viable product (MVP). O MVP, conforme definido por ERIC RIES (2011, p. 82), é aquela versão do produto que permite a criação, avaliação do impacto do produto perante os consumi- dores e aprendizado decorrente dos feedbacks proporcionados por este MVP com o mínimo de esforço e mínimo tempo de desenvolvimento possível. Esta versão do produto geralmente carece de diversas caracterís- ticas que futuramente podem ser consideradas essenciais. Erik Fontenele Nybø 32 Além dos critérios elencados acima, as startups geralmente buscam promover produtos e/ou serviços escaláveis. A escalabilidade baseia-se no potencial de replicação e expansão do modelo de negócios pretendido pela startup para obtenção de receitas sem que isso implique na ampliação de custos. É um fator decisivo para alcançar uma monetiza- ção adequada dentro do modelo de negócios – de acordo com a escalabi- lidade do modelo de negócios será definida a forma pela qual a startup obterá receitas com a venda de seu produto/serviço. Uma startup escalá- vel tenderá a um crescimento exponencial e, assim, tornar-se-á rentável. Além das características acima, uma startup é geralmente mar- cada pela necessidade de capital de terceiros para sustentar a operação inicial pela impossibilidade de sustento a partir de receitas próprias. Por conta disso, as startups costumam passar por rodadas de investimento. Esses investimentos, quando não são provenientes do capital próprio, comumente provém do que se cunhou como os 3Fs (Friends, Family and Fools – em tradução livre, amigos, família e tolos). Estes investidores geralmente são os responsáveis pelo investimento inicial de uma startup. Junto ao investimento promovido pelos 3Fs figuram outros ti- pos de investimento como o crowdfunding (financiamento coletivo) e o crowdinvestment (investimento coletivo), o qual baseia-se no conceito da coletividade para obtenção de diversos aportes de pequeno valor, de for- ma a minimizar a exposição dos investidores ao risco, assim viabilizando o financiamento almejado pela startup2. Dessa forma, podem-se elencar os seguintes elementos caracte- rísticos de uma startup: a) Encontra-se em estágio inicial no desenvolvimento dos ne- gócios empresariais b) Marcada pela ausência de processosinternos e organização c) Possui perfil inovador d) Existe um significativo controle de gastos e custos e) Utilização de capacidades próprias e complementares dos sócios fundadores para funcionamento da startup f) Operacionalização por meio de um MVP g) O produto ou ideia explorado é escalável h) Necessidade de capital de terceiros para operação inicial 2 Sobre formas de financiamento de startups, ver os artigos de Coelho e Garrido (2015) “Dissecando o contrato entre startups e investidores anjo”, Garrido e Coelho (2015) “A estruturação do investimento entre aceleradoras e startups no Brasil” e Picchi (2015) “Os conceitos de microempresa e empresa de pequeno porte e sua relação com o mercado de capitais”, todos desta coletânea. Direito das Startups 33 3 A NATUREZA JURÍDICA DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTOS As características mencionadas acima levam à necessidade de instrumentos jurídicos que se adaptem e levem em consideração a reali- dade de uma startup. Às startups não adianta aplicar o mesmo modelo de administração e gestão de uma grande empresa e isso não é diferente quando passamos a discutir a adoção de soluções jurídicas para estas empresas. A ansiedade dos empreendedores em operacionalizar sua ideia não pode superar a necessidade de organização do relacionamento a ser estabelecido entre eles no momento em que estes se aventuram a criar um projeto em cooperação. No momento em que os empreendedores se reú- nem com o objetivo de constituir uma startup é necessário que estes se organizem e, para isto, torna-se necessária a utilização de instrumentos jurídicos capazes de regular a relação que se estabelecerá entre eles. Levando em consideração a lógica de bootstrapping das star- tups e o alto risco de insucesso do novo negócio a ser explorado3, os em- preendedores necessitam de instrumentos jurídicos capazes de minimizar a exposição a riscos de perda. A constituição de uma sociedade desde o início da startup mui- tas vezes apresenta-se inviável pois resulta na aplicação de recursos para a criação de uma estrutura muitas vezes considerada desnecessária no estágio nascente da startup, quando estes poderiam ser melhor utilizados se focados no produto ou serviço a ser oferecido ao mercado. Além do mais, muitas vezes neste estágio sequer houve a validação do produto a ser desenvolvido. Neste contexto é que surge a figura do memorando de enten- dimentos de pré-constituição (nos Estados Unidos denominado pre incorporation agreement ou pre shareholder agreement), um contrato preliminar comumente utilizado por startups em estágio inicial e que desejam regular a relação a ser firmada entre os sócios, sem que isso resulte necessariamente na criação de uma sociedade formalmente registrada. 3 Aproximadamente 76% das empresas brasileiras sobrevivem por mais de 2 anos, conforme estudo realizado pelo SEBRAE (2013, p. 19). Até 01.08.2015, 395.893 mi- cro e pequenas empresas encerraram suas atividades no ano de 2015, conforme esta- tísticas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, dispo- nível em <www.empresometro.cnc.org.br>, acesso em 02 ago. 2015. Uma vez que a maior parte das startups enquadra-se como micro e pequenas empresas, a estatística é importante para o setor. Erik Fontenele Nybø 34 O processo de formação de um contrato é composto por fases, sendo elas: (i) a fase pré-contratual, na qual ocorrem as negociações entre as partes; (ii) a elaboração do contrato preliminar, no qual fica consubs- tanciado um compromisso das partes em celebrar um contrato definitivo; e (iii) a celebração do contrato definitivo. A fase pré-contratual é composta por negociações, troca de ofer- tas e propostas e tentativas de acordos. Uma vez passada a fase de negocia- ções entre as partes, havendo convergência de interesses, estas passarão à elaboração de um contrato preliminar para garantir que a proposta negocia- da não pereça enquanto algumas questões finais a serem incluídas no con- trato definitivo ainda estão sendo discutidas. A finalidade deste contrato é assegurar que as partes seguirão em frente com o negócio definitivo que pretendem celebrar futuramente (FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 77). É importante frisar que, no momento em que as partes acordam a celebra- ção de um contrato preliminar, as partes já fecharam um negócio, ainda que este seja verbal4. É neste campo que se insere o memorando de en- tendimentos. Ele antecede a celebração de um contrato definitivo, apesar de criar obrigações entre as partes. Independentemente do nome adotado para a elaboração deste tipo de contrato, trata-se de um contrato preliminar. Um contrato prelimi- nar pressupõe a elaboração de um contrato posterior, motivo pelo qual aquele documento determinará condições para que o contrato futuro pos- sa ser celebrado entre as partes (VENOSA, 2010, p. 433). Por isso, é imprescindível às partes fixar um prazo em que deverá ser concluído e celebrado o contrato definitivo. No caso do memorando de entendimentos de pré-constituição, a expectativa é a de que as partes venham a celebrar um contrato social para constituir uma sociedade assim que houver o cumprimento da obrigação que gera o dever de realizar o contrato definitivo. E é este o ponto crucial do memorando de entendimentos de pré-constituição: a celebração do contrato definitivo pode ser exigida judicialmente caso não seja realizada (VENOSA, 2010, p. 434), gerando às partes empre- endedoras certeza e segurança maiores quanto à constituição da socie- dade no futuro. É possível, inclusive, demandar perdas e danos caso haja o inadimplemento das obrigações previstas neste contrato (VE- NOSA, 2010, p. 436). 4 O art. 107 do Código Civil possibilita que sejam celebrados contratos verbais, desde que não contrariem qualquer disposição legal. No entanto, vale ressaltar que a cele- bração de um contrato verbal não oferece a mesma segurança de um contrato escrito e assinado por ambas as partes. Direito das Startups 35 4 RAZÕES PARA CELEBRAR O MEMORANDO DE ENTENDIMENTOS DE PRÉ-CONSTITUIÇÃO Pelas razões mencionadas acima, pode não ser conveniente ou interessante às partes celebrar um contrato definitivo como um contrato ou estatuto social no momento inicial do projeto a ser desenvolvido. As- sim, por meio do contrato preliminar, as partes decidem efetuar uma con- tratação prévia prevendo a celebração de um futuro contrato, o contrato definitivo (VENOSA, 2010, p. 432). Por meio do contrato preliminar os futuros sócios conseguem economizar o dinheiro que seria utilizado para a criação de uma socieda- de empresária na fase embrionária do projeto, evitando também obriga- ções legais relacionadas à constituição de uma empresa e, caso o projeto não vingue, evita-se também a necessidade de manutenção ou fechamen- to da empresa mal sucedida. Trata-se de uma forma de minimizar os ris- cos e gastos aos quais os empreendedores se expõem. Além disso, as partes terão a segurança de que sua relação está protegida. A previsão dos papéis a serem executados por cada uma das partes, bem como seus direitos e obrigações, garante aos empreendedores uma segurança maior quanto à relação que pretendem construir. No emblemático caso Facebook, Inc. vs. ConnectU, Inc., os irmãos Winklevoss decidiram processar Mark Zuckerberg sob a alegação de que ele teria usurpado a ideia de criação do Facebook após os Winklevosses terem apresentado a ideia acreditando que ele faria a programação do projeto. Caso os irmãos tivessem se resguardado juridicamente desde o início, provavel- mente não teriam enfrentado o problema que tiverem de usurpação da ideia5. Por fim, interessa ao investidor em startups ter certeza de que a empresa na qual está investindo está minimamente organizada e quenão haverá quaisquer surpresas desagradáveis após investir no projeto. A ado- ção de instrumentos jurídicos que regulam e determinam a forma pela qual a relação dos empreendedores é organizada traz maior segurança ao inves- tidor, gerando maiores chances de interesse deste pelo empreendimento. 5 AS CLÁUSULAS DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTOS DE PRÉ-CONSTITUIÇÃO O memorando de entendimentos de pré-constituição deve regu- lar a forma pela qual se regerá a relação entre as pessoas que se juntaram 5 Facebook, Inc. vs. ConnectU, Inc., disponível em <www.cdn.ca9.uscourts. gov/datastore/opinions/2011/04/11/08-16745.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2015. Erik Fontenele Nybø 36 para colaborar com a criação do produto ou o serviço a ser oferecido pela startup. Por isso, em primeiro lugar, será necessário estipular exatamente o projeto a ser desenvolvido pelos colaboradores. A delimitação do proje- to visa atrelar as demais obrigações a serem estipuladas no contrato a um escopo bem definido, para evitar quaisquer dúvidas nas demais cláusulas. Em seguida, será necessário estipular qual será a participação de cada um dos futuros sócios na futura sociedade a ser constituída. A esti- pulação das respectivas participações na fase embrionária do projeto evita que os sócios entrem em desacordo no momento em que o projeto provar- se bem sucedido por conta da eventual ganância que pode surgir de um ou de outro. Neste momento, será necessário levar em consideração que os empreendedores podem necessitar do aporte financeiro de terceiros, investidores. Por isso, será necessário ter em mente a porcentagem que os futuros sócios estarão dispostos a oferecer para o futuro investidor, caso este venha a demandar participação societária na startup – ao que se de- nomina equity participation. Apenas como formalização desta decisão, a previsão contratual de que as respectivas participações deverão sofrer reduções proporcionais em caso de aporte financeiro de terceiros é desejável. Além de demonstrar uma preocupação dos empreendedores com a perspectiva futura da sociedade a ser constituída, também demonstra ao possível investidor a possibilidade concreta de que o investimento possa ser realizado sem maiores problemas. Em seguida, será necessário definir a condição sob a qual, uma vez configurada, os empreendedores estarão obrigados a constituir uma sociedade. Este assunto será abordado a seguir. Para evitar discussões futuras e eventual inviabilização do projeto por discórdia entre os futuros sócios, será necessário definir o contrato social a ser adotado pela socie- dade como um anexo ao contrato preliminar. Dessa maneira, as partes possuirão previsibilidade sobre a forma pela qual será constituída a socie- dade e também evitarão discussões no futuro. Além disso, o empreendedor deverá prever a hipótese de saída de um dos futuros sócios antes do projeto ser lançado. Neste caso, por não haver qualquer tipo de sociedade instituída, não há necessidade de compra ou venda da participação correspondente. No entanto, no caso de já ter sido criada a sociedade e constituída a startup, será necessário pre- ver o mecanismo de liquidação (diga-se, venda e compra) da participação societária do sócio que resolveu dissociar-se do projeto. Para este mesmo evento de desvinculação do projeto, os futuros sócios deverão prever uma cláusula de não competição para evitar que o colaborador retirante não explore negócio idêntico em concorrência com Direito das Startups 37 a startup a ser constituída ou recém constituída. Neste tipo de cláusula será imprescindível definir a limitação geográfica a que esta obrigação de aplica, o prazo e a atividade a ser restringida. Por meio deste documento, caso um dos empreendedores não cumpra com referida obrigação, ou seja, a de constituir a sociedade nos termos do contrato preliminar celebrado entre os futuros sócios, os de- mais poderão demandar do empreendedor inadimplente que cumpra com as obrigações assumidas, inclusive judicialmente. 6 A FINALIDADE DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTOS DE PRÉ-CONSTITUIÇÃO E O GATILHO Como mencionado anteriormente, o memorando de entendi- mentos de pré-constituição tem como um dos objetivos a celebração de um contrato definitivo, qual seja, o ato constitutivo por meio do qual se incorporará a startup. Por isso, é importante frisar que a celebração de um memorando de entendimentos de pré-constituição não resultará na cria- ção de uma empresa para fins de registro em quaisquer órgãos públicos e também não gerará personalidade jurídica. Trata-se, meramente, de um documento que regerá as relações entre os futuros sócios de uma startup, elaborado para evitar custos na fase de estruturação do negócio. Caso as partes deste contrato preliminar não estipulem um pra- zo para celebração do contrato definitivo não haverá como exigir a obri- gação principal do memorando de entendimentos de pré-constituição, cuja finalidade é celebrar um contrato definitivo. Assim, torna-se essencial determinar o prazo para que este contrato definitivo seja celebrado. Para que isto ocorra, é necessário determinar o gatilho que ati- vará a obrigação de celebração do contrato definitivo. Ou seja, preenchi- da determinada condição pré estabelecida entre as partes recairá sobre elas a obrigação de celebrar o contrato definitivo. Para tanto, as partes necessitam escolher uma condição que deverá ser atingida para que o projeto se torne uma empresa. Para se tornar uma empresa é imprescindível que a condição pre- vista pelas partes garanta a sustentabilidade do projeto. Diversos eventos podem ser utilizados como condição necessária para ativar a obrigação de constituição da startup. Eventos como a obtenção de um primeiro investi- mento ou cliente, celebração de uma parceria, finalização do produto ou modelagem do serviço, pedidos de venda em volume capaz de sustentar o projeto, dentre outros eventos que possam resultar em um fundamento sufi- ciente para a fundação da empresa devem ser utilizados como o gatilho. Erik Fontenele Nybø 38 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O memorando de entendimentos para pré-constituição revela-se documento imprescindível para regular a relação dos sócios empreende- dores no momento inicial da startup que estes pretendem criar, caso as partes não optem por não constituir uma sociedade formalmente. Trata-se de um instrumento jurídico capaz de evitar que os só- cios exponham ao risco o projeto da startup que desejam desenvolver sem criar o custo e as dificuldades de uma empresa formalmente constitu- ída. Dessa forma, deixam de incidir no início do projeto, em custos de elaboração de um ato constitutivo, arquivamento em junta comercial, criação de cadastro de pessoa jurídica, entrega de obrigações fiscais, den- tre outras obrigações que desviariam a atenção e recursos financeiros dos empreendedores de sua capacidade criativa. Ao utilizar este mecanismo, os futuros sócios terão possibilida- de de focar seus investimentos e esforços no negócio a ser desenvolvido pelas partes, sem incidir no risco de não ter regulada a relação entre as partes antes de ocorrer o evento ensejador da constituição da sociedade. 8 REFERÊNCIAS BLANK, Steven Gary; DORF, Bob. The Startup Owner's Manual: The Step- By-Step Guide for Building a Great Company. Pescadero, California: K & S Ranch, 2012. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. KELSEN apud NINO, Carlos S. Dworkin and legal positivism. Mind. 1980, v. LXXXIX, p. 519-543. SULLIVAN, David O’; DOOLEY, Lawrence. Applying innovation. Thousand Oaks. California: Sage, 2009. RIES, Eric. The Lean Startup: How Today's Entrepreneurs Use Continuous Inno- vation to Create Radically Successful Businesses. New York: Crown Business, 2011. STEWART, Luke A. The Impact of Regulationon Innovation in the United States: A Cross-Industry Literature Review. Information Technology & Innova- tion Foundation: Junho, 2010. VANACKER, Tom; MANIGART, Sophie; MEULEMAN, Miguel; SELS, Luc. The Impact of Financial Bootstrap Strategies on Value Added in New Ven- tures: A Longitudinal Study. 2011 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. Facebook v. ConnectU, Inc., Opinião do Chief Judge Kozinski, Distrito do Norte da Califórnia. Disponível em: <www.cdn.ca9.uscourts.gov/datastore/ opinions/2011/04/11/08-16745.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2015. Direito das Startups 39 NATUREZA JURÍDICA DO VESTING: COMO UMA TRADUÇÃO ERRADA PODE ACABAR COM O FUTURO TRIBUTÁRIO E TRABALHISTA DE UMA STARTUP Lucas Pimenta Júdice1 / Erik Fontenele Nybo2 Sumário: 1. O que é Vesting, Afinal? 2. As Implicações Tributárias e Previden- ciárias em Mecanismos de Vesting; 2.1. Tributação do ganho de capi- tal; 2.2. Tributação da remuneração proveniente do trabalho; 2.3. A caracterização de vínculo trabalhista; 3. Direito de Aquisição de Par- ticipação Societária versus Condição de Perda de Participação So- cietária; 4. Conclusão; 5. Referências. 1 O QUE É VESTING, AFINAL? O nome vesting já denuncia sua origem estrangeira e, portanto, a melhor forma de iniciar uma análise desse instituto é justamente com sua explicação em inglês, conforme conceito de LINFIELD: Under a typical vesting schedule, the stock vests in increments in monthgy or quartergy increments ooer four years […].The oestino schedule may be agreed to at the time of the Founders Stock is first issued, or may be imposed later as a condition of investment by outside inoestors. […]. If a founder decides to leave, or is asked to geaoe eargy in the company’s existence the oestino restriction protects the other founders from the “free rider” problem that would 1 Advogado por formação, Pós-Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo e Mestre pela USC (University of Southern California) e sócio-fundador do Pimenta Júdice Advogados Associados e do Startup Jurídica (www.startupjuridica.com.br). Mudou-se para os Estados Unidos para a expansão internacional da MidStage Ventu- res, uma venture builder de startups. 2 Advogado graduado em Direito pela Escola de Direito de São Paulo – EDESP da Fundação Getúlio Vargas – FGV, colunista da E-Commerce Brasil e gerente jurídico global da Easy Taxi. Lucas Pimenta Júdice / Erik Fontenele Nybo 40 otherwise exist. While some founding teams stay together from beginning to end, it is fairly common for one or more Founders to leave the company in its early years. Absent a vesting restriction, the departed Founder gets a “free ride” on the efforts of those who remain to build the company. Em tradução livre, o autor explica que vesting é o formato pelo qual o sócio adquire um direito de participação societária após decorrido um período estipulado entre as partes. O período comumente utilizado no mercado para investidura total dos direitos de participação societária é de, geralmente, 4 anos após 1 ano de cliff3. Esse período de cliff geralmente é estipulado em 1 ano, pois o primeiro ano da startup costuma ser o mais difícil e não-rentável. A ideia, com esse mecanismo é reter o fundador para que este não abandone a empresa nascente neste período e, posteri- ormente, se aproveite do esforço dos outros quando a empresa gerar lu- cro. Ao final do cliff, é comum o fundador receber 25% da participação societária que lhe foi prometida e o restante passa a ser “vestido” men- salmente até o final dos 4 anos (portanto, em uma razão de 1/48 ao mês). Ao fim desses 4 anos, o fundador da startup completará a investidura na participação societária a que tem direito. Complementa o autor que, se o sócio “vestido” resolver sair da startup, tanto ela quanto o sócio remanescente estariam protegidos do ex- sócio que poderia agir como um free rider4, já que bastaria que este visse sua participação societária valorizar por conta do esforço dos demais que continuam se empenhando para que a startup vingue5. O fato é que essa explicação isolada não espelha por completo a natureza de vesting nos Estados Unidos. Um conceito importante que, comumente, não aparece no Direito Brasileiro é a seguinte explicação: (...) a prooision of the typicag founder’s stock purchase aoreement which entitles the company to 5 repurchase the shares of stock sold 3 É muito comum que o direito de vesting se inicie apenas após decorrido período de 1 (um) ano, período denominado de cliff period. A primeira porção da participação socie- tária é oferecida apenas ao final deste cliff period (KOESTER, 2009, p. 4). Este período geralmente é colocado como incentivo para retenção da pessoa no quadro da empresa. 4 Entende-se como free rider aquele que adquire vantagens para si simplesmente ao aproveitar-se do esforço de terceiros. Para mais informações sobre o “free rider”: <http://www.investopedia.com/terms/f/free_rider_problem.asp>. 5 Para os casos de saída de sócio fundador geralmente são estipuladas provisões de saídas amigáveis e litigiosas denominadas comumente de good leaver e bad leaver. As hipóteses de bad leaver geralmente estão atreladas à má gestão, culpa ou erro grosseiro e resultam em um valor mais baixo atribuído à recompra da participação societária a ser alienada no caso de saída do ex-sócio (TAYLOR WESSING, 2014, p. 8). Direito das Startups 41 under the agreement at the original purchase price if the founder ter- minates his employment or a consulting relationship with the company prior to “vesting” of those shares. (KOESTER, 2009, p. 5) Ou seja, na hipótese de um evento de vencimento antecipado do período de vesting (por exemplo, ocasionado pela retirada do sócio), a startup poderá recomprar os títulos de participação societária emitidos ao ex-sócio por seu valor de emissão. Este ponto é importante pois na hipó- tese de saída de um sócio é necessário que a participação societária que outrora havia sido disponibilizada para ele como instrumento de incentivo possa ser recomprada pela startup para incentivar o próximo sócio a par- ticipar do projeto. A conclusão é de que se há uma recompra, significa dizer que aquela participação societária já teria sido distribuída ao sócio durante o período de vesting. Portanto, o propósito do vesting é a transferência da participa- ção societária de uma única vez, cuja segurança de que poderá realmente usufruir dos direitos de se tornar proprietário dessa participação está con- dicionada à ocorrência de alguns eventos. Assim, apenas decorrida a tota- lidade do período do vesting é que o fundador está realmente investido na sua participação societária, pois fica livre do direito de recompra de sua participação pela empresa. Esse é o real intuito do vesting no Direito Americano, mas que foi importado ao Brasil pela metade, ou seja, apenas considerando a primeira explicação acima, qual seja, de que a participa- ção societária seria adquirida aos poucos, de período em período. Essa é uma importação incompleta. Do ponto de vista do resultado, ou seja, o que acontecerá no fim do período de vesting (seja ele de 1, 2, 3, 4 ou 50 anos), o vesting garante que o investido neste direito, ou seja, o sócio, venha a exercer proporcio- nalmente o direito à participação societária à medida em que o tempo passa. Ao final do período estipulado em contrato para investidura na qualidade de sócio titular da participação societária prometida por meio do vesting, o beneficiado possuirá propriedade plena sobre a participação societária que lhe fora prometida. Em contratos de vesting é comum incluir outras previsões como eventos de saída amigáveis e não-amigáveis, período de restrição de
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