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GABRIEL SEIJI HAYAKAWA LUCAS FELIPE KARASINSKI MURILO VALANDRO DE PRÁ SÍNDROME DO BEBÊ SACUDIDO (SBS): RELATO DE CASO CURITIBA 2019 GABRIEL SEIJI HAYAKAWA - 1527285 LUCAS FELIPE KARASINSKI - 1500617 MURILO VALANDRO DE PRÁ - 1518519 SÍNDROME DO BEBÊ SACUDIDO (SBS): RELATO DE CASO B.M.R.; INTERNAMENTO 03/03/2019 ATÉ 23/03/2019; PRONTUÁRIO 403958 CURITIBA 2019 ! 2 O presente trabalho foi desenvolvido durante o internato de Pediatria do 5o ano de Medicina da Universidade Positivo, sob orientação da Professora Lygia Maria Coimbra de Manuel Petrini. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 4 2. OBJETIVO 8 3. DESCRIÇÃO DO CASO 9 3.4. EXAMES LABORATORIAIS 15 3.5. EXAMES DE IMAGEM 21 4. RESUMO DOS ARTIGOS 25 5. DISCUSSÃO 32 6. CONCLUSÃO 35 ! 3 1. INTRODUÇÃO A Síndrome do Bebê Sacudido (SBS) é uma entidade clínica dentro das formas de violência à criança. É a forma mais frequente de Lesão Cerebral Traumática Não Acidental (LCTNA) e a principal causa de morte e de lesões neurológicas graves por abuso infantil. Segundo o Centro de Controle e prevenção de Doenças dos Estados Unidos, a SBS ocorre em 21 a 32,2 a cada cem mil crianças com idade inferior a um ano no país.1 Esta surge num contexto em que a criança, por choro inconsolável e prolongado, é agarrada pelo cuidador ao nível do tronco ou dos membros superiores e sacudida vigorosamente. A história clínica geralmente apresenta incompatibilidade com extensão das lesões do paciente.2 As características anatômicas únicas da faixa etária - como uma elevada desproporção cabeça/corpo e uma fraca musculatura cervical - conferem maior vulnerabilidade aos tipos de lesão causadas pelos rápidos movimentos de aceleração, desaceleração e rotação da cabeça. A base do crânio achatada, crânio delgado e elevada relação cérebro/crânio, com consequente perda do espaço intracraniano para expansão cerebral2,3 também são fatores predisponentes à ocorrência do quadro. As consequências da SBS geralmente são devastadoras, resultando em morte em 15-27% dos casos devido as lesões e, em mais de um terço dos pacientes, apresentando sérias consequências neurológicas.4 A tríade clássica da síndrome inclui hematomas subdurais (HS), hemorragias retinianas (HR) e encefalopatia. A presença desses sinais e sintomas pode indicar que a criança foi abusada.5 Os HS estão presentes na maior parte dos casos e, quando identificados pelo médico esta síndrome deve fazer parte do diagnóstico diferencial. São causados pela ! 4 lesão das pequenas veias que atravessam o espaço subdural, devido à inércia do córtex.1,5 A hemorragia resulta em aumento da pressão intracraniana (PIC), podendo evoluir com letargia, irritabilidade, convulsão, alteração do tônus, vômitos, recusa alimentar, dificuldade respiratória, apnéia ou parada cardiorrespiratória.5 As lesões cerebrais presentes nestes casos demonstraram comprometimento permanente do desenvolvimento cognitivo, do comportamento neurológico, resultando em déficits motores, visuais, de fala, de linguagem e maior incidência de quadros epiléticos e distúrbios comportamentais. Tais manifestações podem surgir até 5 anos após o episódio de violência.6 Os sinais externos, como fraturas de costelas em região perivertebral, fraturas umerais ou femurais, podem estar ausentes.5 A tomografia computadorizada (TC) pode demonstrar HS agudo, especialmente sugestivo quando em área inter-hemisférica posterior. Quando em paciente vítima recorrente de abusos, pode demonstrar hematoma subdural crônico. Lesão de hipoatenuação difusa cortical ou subcortical, assemelhando-se a infartos (lesão de desmielinização secundária).7 A ressonância magnética (RM) das lesões intracranianas demonstram a ocorrência e tamanho das hemorragias deflagradas, bem como o edema e isquemias parenquimatosas subsequentes. É um exame de maior sensibilidade do que a TC.2 A ausência de sinais externos ou ausência de história prévia de maus-tratos em mais de 40% dos casos faz do exame oftalmológico ferramenta crucial na avaliação de uma criança com suspeita de abuso.8 As HR ocorrem por tração vítreo-retiniana com consequente hemorragia dos vasos retinianos por deslocamento das camadas da retina.1 Podem estar presentes em diversas camadas, podendo extender-se até a ora serrata.5 O achado de HR no exame oftalmológico é de fundamental importância no diagnóstico de SBS, assim como nos quadros em que ocorrem sintomas neurológicos inespecíficos na criança.8 Em um ! 5 levantamento de 10 anos em hospitais pediátricos terciários no Canadá com 364 casos de SBS, 76% dos pacientes apresentaram HR, sendo um achado muito frequente - de ocorrência inferior somente aos HS (86%).9 O mapeamento de retina do paciente é essencial na avaliação do paciente e, nesses casos, pode demonstrar hemorragias pré-retinianas ou subrretinianas, caracterizando um quadro traumático de maior intensidade.9 Diversas outras entidades podem mimetizar o quadro clínico de SBS, e devem ser propriamente descartadas, levando em conta que muitas vezes o diagnóstico é de exclusão. Estão entre elas: osteogênese imperfeita, Síndrome de Terson (hemorragia intraocular associada à hemorragia intracraniana), forma severa de deficiência de proteína C, acidúria glutárica tipo I, Síndrome de Hermansky-Pudlak e doença hemorrágica do recém-nascido.8 A execução de uma história clínica direcionada para a identificação de sinais de negligência e histórico de abuso prévio, a avaliação de fundo de olho, exame neuromuscular minucioso, exame radiográfico de ossos longos e TC de crânio, intervenção cirúrgica direcionada ao tipo de lesão (se indicado), avaliação psiquiátrica, alertar o serviço social e as autoridades competentes são as recomendações da literatura para o médico no manejo de casos suspeitos de SBS.7 Testes laboratoriais de rotina para anemia, trombocitopenia e coagulopatias também são recomendados.10-11-12 O tratamento da síndrome compreende a correta identificação das lesões e manejo adequado das mesmas. A certeza diagnóstica de SBS não é uma imposição ao médico, tendo em vista que não é sua obrigação comprovar os maus tratos praticados contra o paciente.13,14 A melhor forma de tratar dos problemas de violência é prevenir que ela aconteça. O ! 6 personagem principal nesses casos é o Estado, atuando de forma punir os abusadores e criar programas de prevenção relacionados ao tema.13 ! 7 2. OBJETIVO O presente estudo tem o objetivo de relatar o caso de um lactente masculino, possível vítima de violência doméstica, que preenche critérios diagnósticos de Síndrome do Bebê Sacudido. O caso foi escolhido devido a complexidade de diagnóstico, tanto do ponto de vista clínico como social. Pretende-se elucidar as bases de um diagnóstico adequado - dentro do contexto da investigação de violência contra a criança e de sua dificuldade - e da abordagem desses pacientes. ! 8 3. DESCRIÇÃO DO CASO 3.1. ANAMNESE DA ADMISSÃO IDENTIFICAÇÃO: BM, 2 meses, sexo masculino, procedente de Campo de Santana, Curitiba - PR. A informante foi a mãe. QP: “Caiu da cama.” HMA: Segundo relato materno a criança foi encontrada no chão ao lado da cama, às 9 horas da manhã do dia 03/03/2019, em posição de face voltada ao chão, hipotônica e sem movimentos respiratórios. A criança estava dormindo junto ao pai enquanto a mãe encontrava-se em outro quarto. O pai acordou com o choro do bebê, que havia caído da cama (aproximadamente 1 metro de altura). A criança foi levada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde foram realizadas três tentativas de intubação, sem sucesso. Foi então encaminhada ao Pronto Socorro do Hospital do Trabalhor. HMP: prematuro (Capurro 35+4 semanas), peso de nascimento 3085g, Apgar de primeiro minuto 9 e de quinto minuto 10. Internamento por 7 dias em Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais para tratamentode Sepse Neonatal Precoce e Icterícia por baixa ingesta. AGO: parto vaginal, sem intercorrências. Mãe primigesta, 21 anos, tipo sanguíneo A+, sorologias negativas (HIV, VDRL, HBSAg), toxoplasmose imune. Pré-natal de 12 consultas. Diabetes mellitus gestacional, tratado com dieta e infecção do trato urinário ainda em tratamento no momento do parto. ! 9 HMF: Mãe hígida. Nega histórico familiar de doenças. CHV: Mora em casa, com saneamento, sem animais, nega tabagismo domiciliar. 3.2. EXAME FÍSICO DA ADMISSÃO Peso: 4535g Dados vitais: frequência cardíaca 140 batimentos por minuto, frequência respiratória 60 incursões por minuto, saturação de oxigênio periférico 99% em máscara facial, 1L/min. Ectoscopia: regular estado geral, hipoativo, reativo ao estímulo, palidez cutânea ++/4+, acianótico, anictérico. Sem sinais externos de trauma físico. Exame Segmentar Cabeça e Pescoço: fontanelas normotensas. Lábios e cavidade oral com escoriações discretas. Sem linfonodomegalias. Tórax: bulhas cardíacas rítmicas e normofonéticas, sem sopros. Murmurio vesicular com roncos de transmissão. Abdome: ruídos hidroaéreos presentes. Flácido, indolor à palpação, sem visceromegalias ou massas palpáveis. Membros Superiores: pulsos cheios e simétricos. Sem edema. Membro Inferiores: pulsos cheios e simétricos. Sem edema. ! 10 Pele: sem lesões cutâneas ou hematomas. Neurológico: pupilas isocóricas e fotorreagentes e irritabilidade. Não foram realizados reflexos primitivos do recém nascido. Períneo: genitália típica masculina. 3.3. HIPÓTESE DIAGNÓSTICA DA ADMISSÃO Queda de outro nível com alteração de consciência pela sedação? 3.4. CONDUTA DA ADMISSÃO Mantida oxigenoterapia, prescrita hidratação venosa 10ml/kg com soro fisiológico 0,9%. Solicitada avaliação da neurocirurgia, solicitada vaga em unidade de terapia intensiva neonatal (UTI), gasometria, hemograma proteína C reativa e eletrólitos, tomografia computadorizada (TC) de crânio e radiografias do esqueleto. 3.5. EVOLUÇÃO CLÍNICA Após discussão com equipe de neurocirurgia e avaliação dos resultados dos exames solicitados, foi realizado o diagnóstico de traumatismo cranioencefálico moderado (TCE) (imagem 1). O paciente foi mantido no Sistema de Atendimento a Vítima (SAV) até a liberação de vaga de UTI para internamento, que ocorreu neste mesmo dia. A neurocirurgia orientou tratamento conservador e solicitou nova TC de crânio, radiografia de tórax, exames laboratoriais e avaliação da oftamologia. No final do primeiro dia de internamento, constava na prescrição: jejum, manter em berço simples, monitorização dos dados vitais, observação do nível de consciência, suporte intensivo e analgesia com dipirona, se necessário. No segundo dia de internamento, o paciente apresentou um episódio de crise ! 11 convulsiva - com desvio ocular, hipertonia de membros e movimentos repetitivos - sendo prescrito dose de ataque de fenobarbital. Foram então prescritos anticonvulsivantes de manutenção - fenitoína e fenobarbital. Mais tarde neste mesmo dia, o paciente teve rebaixamento do nível de consciência e quedas frequentes de saturação, sendo optado por nova tentativa de intubação orotraqueal. Durante a intubação o paciente entrou em parada cardiorespiratória (PCR), com retorno da circulação após 30 segundos de massagem cardíaca e ventilação com pressão positiva (VPP) em máscara facial. Após resolução da PCR, e com via aérea definitiva, o paciente manteve-se estável. A radiografia de tórax (imagem 2) identificou imagem sugestiva de fratura de clavícula consolidada. Após discussão com neurocirurgia, foi planejada realização de nova TC no dia seguinte, caso o paciente não apresentasse melhora clínica. No terceiro dia de internamento, foi realizada TC de crânio (imagem 3). Após análise do hemograma (tabela 1), foi realizada a prescrição de concentrado de hemácias e furosemida. No quarto dia de internamento, foi introduzida dieta - via sonda orogástrica - e solicitados nova TC de crânio e eletroencéfalograma (EEG). No quinto dia de internamento, o paciente apresentou melhora do nível de consciência. Foi optado por extubar o paciente e mantê-lo com oxigênio inalatório em máscara 1L/minuto. O paciente evoluiu com sinais de esforço respiratório e estridor. Foram prescritos dexametasona endovenosa e inalação com adrenalina, após os quais apresentou melhora clínica. Neste mesmo dia houve avaliação da oftalmologia, que realizou o mapeamento de retina após dilatação pupilar com tropicamida. Na descrição do exame apresentava retina colada em polo superior, médio e periferia, com múltiplas hemorragias intrarretinianas e bolsões de sangue difusos intrarretinianos com ! 12 abaulamento para cavidade vítrea. Após o exame, a equipe orientou o encaminhamento do paciente ao Hospital Universitário Evangélico Mackenzie para seguimento com equipe de retina após a alta e também o acionamento do Serviço Social. Na precrição, foi suspensa a furosemida. No sexto dia de internamento, o paciente apresentou um episódio febril. O hemograma (tabela 1) e a PCR (tabela 4) apresentaram-se alterados. Foram solicitados novos exames laboratoriais, incluindo coagulograma (tabela 5). Na prescrição, foi suspensa a fenitoína. Foi solicitada a avaliação pericial do caso pelo Instituto Médico Legal (IML) e realizada uma reunião multidisciplinar junto aos pais com a pediatra, enfermeira e assistente social, informando-os sobre as discrepâncias existentes entre os mecanismos do trauma e as lesões que o paciente apresentou. Também foram notificados da necessidade de acionar o Conselho tutelar e da realização do Boletim de Ocorrência. No sétimo dia de internamento foi liberada a progressão da dieta e os pais estavam presente na visita, já cientes do acionamento do Serviço Social. No oitavo dia de internamento, foi identificado um sopro cardíaco ao exame físico e solicitado um ecocardiograma, cujo resultado demonstrou espessamento importante da cordoalha mitral, insuficiência mitral moderada e malformação de válvula mitral. O plano em relação ao sopro foi o acompanhamento clínico até a melhora do quadro vigente. Os resultados dos exames de laboratório (tabela 2) e o coagulograma (tabela 5) não apresentaram alterações. Na prescrição foi suspensa a dexametasona. Neste mesmo dia, o paciente teve a primeira avaliação feita pelo IML, cujo laudo verbal orientou reavaliação em 3 meses e acionamento do IML em caso de óbito. O Serviço Social informou que entraria em contato após o laudo oficial. ! 13 No nono dia de internamento o paciente apresentou novo episódio febril com temperatura aferida de 38,7°C. Apresentava-se em regular estado geral, hipoativo e pálido ++/ 4. No décimo dia de internamento o paciente apresentou novo episódio febril (38°C) e houve alteração do hemograma (tabela 1). Foram solicitados: análise do líquor, parcial de urina, urocultura e bacterioscopia. Os últimos tiveram resultados negativos e a análise do líquor foi alterada (tabela 6), o que levou ao diagnóstico de meningite bacteriana. Foi iniciado antibioticoterapia com vancomicina e cefepime. Neste mesmo dia, após discussão do caso com Setor de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) e análise da hemocultura, foi realizado o descalonamento da vancomicina para oxacilina. No décimo segundo dia de internamento, o resultado do EEG estava normal (EEG em vigília e sono superficial dentro dos limites da normalidade para a idade cronológica). Houve alteração no resultado da hemocultura (Quadro 1), sendo prescrito fluconazol. No décimo terceiro dia de internamento, o paciente obteve significativa melhora clínica, porém ainda apresentava-se hipotônico. Na prescrição foram suspensos o fenobarbital e a oxacilina. No décimo sexto dia de internamento, o paciente recebeu alta para a enfermaria da pediatria pela progressivamelhora clínica. No décimo sétimo dia de internamento, o paciente recebeu alta da neurologia, com orientação de acompanhamento clínico diário até o resultado do laudo oficial do IML e término da antibioticoterapia. No vigésimo dia de internamento, o paciente recebeu alta da ortopedia. O laudo oficial ! 14 do IML constava: "Não há elementos suficientes na pericia para considerar que a fratura de crânio frontal, bem como a hemorragia retiniana, tenham sido causados por abuso físico". No vigésimo primeiro dia de internamento, o paciente recebeu alta hospitar e encaminhamento para acompanhamento oftalmológico. 3.4. EXAMES LABORATORIAIS Tabela 1 - Evolução do hemograma. ! 15 D1 (03/03/2019) D1 (03/03/2019) D2 (04/03/2019) D5 (07/03/2019) VR Eritrócitos (M/ uL) 3,16 3,56 3,02 4,5 4 - 5 Hemoglobina (g/dL) 10,1 10,8 8,75 12,5 12 - 15 Hematócrito (%) 27,3 30,4 24,1 35,2 37 - 44 VCM (fL) 86,4 85,5 79,56 86,9 80 - 94 HCM (pg) 32 30,4 28,91 30,9 27 - 32 cHCM (g/dL) 36,9 35,6 36,34 35,5 32 - 36 Leucócitos totais (k/uL) 12,6 16,9 15,74 12,7 4 - 11 Linfócitos (%) 29 14 27 20 20 - 50 Bastonetes (%) 6 3 2 13 0 - 4 Segmentados (%) 54 76 66 42 40 - 70 Neutrófilos (%) 60 79 68 55 40 - 74 Plaquetas (mm3) 310.000 375.000 207.000 150.000 - 450.000 Tabela 1 - Evolução do hemograma (continuação). ! 16 D6 (08/03/2019) D10 (12/03/2019) D13 (15/03/2019) D15 (17/03/2019) VR Eritrócitos (M/ uL) 4,05 4,4 3,6 3,93 4 - 5 Hemoglobina (g/dL) 12,7 13,7 11,2 12,13 12 - 15 Hematócrito (%) 35,8 38,6 31,2 34,89 37 - 44 VCM (fL) 88,4 87,7 86,7 88,7 80 - 94 HCM (pg) 31,4 31,1 31,1 30,84 27 - 32 cHCM (g/dL) 35,5 35,5 35,9 34,76 32 - 36 Leucócitos totais (k/uL) 8,8 10,4 10,4 8,979 4 - 11 Linfócitos (%) 21 41 59 51 20 - 50 Bastonetes (%) 6 16 2 3 0 - 4 Segmentados (%) 70 39 13 31 40 - 70 Neutrófilos (%) 76 55 15 34 40 - 74 Plaquetas (mm3) 352.000 559.000 211.000 403.400 150.000 - 450.000 Tabela 2 - Evolução de outros exames laboratoriais. ! 17 D1 (03/03/2019) D1 (03/03/2019) D2 (04/03/2019) D3 (05/03/2019) VR Potássio (mmol/L) 3,68 4,95 4,23 5,2 3,5 - 5,1 Sódio (mmol/ L) 129,5 128,7 125 128,8 135 - 150 Cálcio ionizável (mg/dL) 4,8 4,4 4,5 4,4 5,1 - 5,9 Lactato (mmol/L) 2,75 7,4 2,19 2,99 0,7 - 2,1 Uréia (mg/ dL) 6 11 15 15 - 36 Creatinina (mg/dL) 0,15 0,26 0,21 0,66 - 1,25 ALT (U/L) 26 9 - 52 GGT (U/L) 40 15 - 73 FA (U/L) 318 38 - 126 Glicose (mg/ dL) 134 109 75 até 99 Tabela 2 - Evolução de outros exames laboratoriais (continuação). Tabela 3 - Evolução das gasometrias arteriais. ! 18 D4 (06/03/2019) D6 (08/03/2019) D10 (12/03/2019) D15 (17/03/2019) VR Potássio (mmol/L) 4,1 4,25 4,04 5,29 3,5 - 5,1 Sódio (mmol/ L) 133,6 133,3 136 135 - 150 Cálcio ionizável (mg/dL) 4,8 4,4 3,4 5,1 - 5,9 Lactato (mmol/L) 1,7 2,17 2,7 0,7 - 2,1 Uréia (mg/ dL) 7 11 15 - 36 Creatinina (mg/dL) 0,23 0,27 0,14 0,66 - 1,25 D1 (03/03/2019) D1 (03/03/2019) D2 (04/03/2019) D3 (05/03/2019) VR pH 7,49 7,34 7,45 7,61 7,35 - 7,45 pCO2 (mmHg) 14,9 34,0 28 17,1 32 - 45 pO2 226,9 169,8 75 158,6 85 - 100 BE (mmol/L) -8,4 -7,3 -3 -1,2 -3 - 3 HCO3 (mmol/L) 11,3 17,8 19,4 17 19 - 24 Sat02 (%) 99,6 99,4 95,9 99,4 maior que 90 Tabela 3 - Evolução das gasometrias arteriais (continuação). Tabela 4 - Evolução Proteína C Reativa (PCR). Tabela 5 - Coagulograma. D1 (03/03/2019) D1 (03/03/2019) D2 (04/03/2019) D5 (07/03/2019) VR PCR 2 7 11,5 86 inferior a 10 D6 (08/03/2019) D10 (12/03/2019) D13 (15/03/2019) D15 (17/03/2019) VR PCR 73 15 9 1,64 inferior a 10 ! 19 D4 (06/03/2019) D5 (07/03/2019) D6 (08/03/2019) D10 (12/03/2019) VR pH 7,4 7,44 7,42 7,44 7,35 - 7,45 pCO2 (mmHg) 36,5 31,9 30,2 30,1 32 - 45 pO2 73,1 102,8 95,2 104,1 85 - 100 BE (mmol/L) -2 -1,9 -3,9 -3 -3 - 3 HCO3 (mmol/L) 22,2 21 19,2 20 19 - 24 Sat02 (%) 94,8 98 97,5 98,8 maior que 90 D6 (08/03/2019) VR TAP (segundos) 12,1 9,5 - 13,5 RNI 1,05 0,8 - 1,2 TTP (segundos) 36,9 22,5 - 32,5 Tabela 6 - Análise do líquor. Quadro 1 - Hemoculturas. ! 20 D2 (04/03/2019) Não houve crescimento de microorganismos. D10 (12/03/2019) Crescimento de S. Aureus (MSSA). D12 (14/03/2019) Houve crescimento de Candida parapsilosis. D13 (15/03/2019) Não houve crescimento de microorganismos. D15 (17/03/2019) Não houve crescimento de microorganismos. D10 (12/03/2019) D15 (17/03/2019) VR* Hemácias (/mm3) 1,9 25 0 Leucócitos (/mm3) 435 1 até 4 Neutrófilos (%) 65 0 1 - 3 Linfócitos (%) 23 0 50 - 70 Monócitos (%) 8 0 30 - 50 Eosinófilos (%) 4 0 0 VDLR Negativo Negativo Lactato (mmol/L) 2,1 1,3 9 - 19 Proteína (mg/dL) 81 111 até 60 Glicose (mg/dL) 46 39 40-70 Fungos Negativo Negativo Bacterioscopia Cocos gram positivos raros. Leucócitos +++ Não foram visualizadas bactérias. Leucócitos ++ Cultura Não houve crescimento de microorganismos *Valores correspondes ao segundo mês de vida 3.5. EXAMES DE IMAGEM Imagem 1 - Tomografia computadorizada (03/03/2019). Impressão diagnóstica: Hemorragia subaracnóide. Hematoma subdural de alta convexidade parietal à esquerda. Sulcos de convexidade, cisuras e cisternas sem alterações. Ventrículos laterais, III e IV ventrículos com forma, tamanho e topografias normais. Ausência de calcificações patológicas. Imagem sugestiva de fratura temporal esquerda. ! 21 Imagem 2 - Radiografia de tórax (03/03/2019). Laudo: pulmões com transparência normal. Seios costofrênicos livres. Hilos pulmonares de aspecto normal. Área cardíaca preservada. Mediastino sem alterações. Impressão diagnóstica: Imagem sugestiva de fratura consolidada em clavícula direita. ! 22 Imagem 4 - Tomografia computadorizada (04/03/2019). Impressão diagnóstica: Parênquima cerebral com densidade normal. Focos de HSA em sulcos corticais frontais de alta convexidade, bem como na região temporal esquerda e nas cisternas da base. A HSA da região temporal esquerda, estende-se para a fissura de Sylvius e apresenta-se mais proeminente em relação ao exame anterior. Hemorragia extra-axial laminar, caracterizada nas regiões frontais. Ventrículos laterais, III e IV ventrículos com forma, tamanho e topografias normais. Ausência de calcificações patológicas. Ultrassonografia de abdome total (04/03/2019): Laudo: órgão abdominais sem alterações ecograficas visíveis. ! 23 Imagem 5 - Tomografia computadorizada (06/03/2019): Impressão diagnóstica: Hipodensidade dos hemisférios cerebrais bilaterais, notadamente à direta, com perda da relação de substância branca e cinzenta, mais evidente em relação ao exame anterior (04/03/2019). Este aspecto pode sugerir edema cerebral difuso. Observam-se focos de hemorragia subaracnóide, notadamente na convexidade parietal à esquerda, também mais acentuadas que no mesmo exame anterior. Ventrículos laterais, III e IV ventrículos com forma, tamanho e topografias normais. A linha média está centrada. ! 24 4. RESUMO DOS ARTIGOS 4.1. ARTIGO 1 Síndrome do Bebê abanado: Experiência de 10 anos de um serviço de cuidados intensivos pediátricos. Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto - Vol XXII, nº 2, 2013. Autores: Lara Lourenço, Marta Silva, Lurdes Lisboa, Teresa Cunha da Mota, Augusto Ribeiro Estudo realizado em Porto, Portugal. Se trata de um estudo retrospectivo em que foram coletados dados dos pacientes internados no SCIP (Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos) do Hospital São João, entre 01/01/1999 a 31/12/2009, com o diagnóstico de Síndrome do Bebê Sacudido (SBS). Segundo o artigo, a Síndrome do Bebê Sacudido é umas das causas de lesão não acidental com extrema dificuldade de diagnóstico. A frequência é de 15 a 30 casos/100.000 lactentes/ano. Essa síndrome é caracterizada por repetidos movimentos de aceleração e desaceleração da cabeça da criança. Os lactentes são mais predispostos à essas lesões devido à imaturidade da musculatura cervical. Além disso,o crânio delgado, a base de crânio achatada, a cabeça relativamente grande, pesada e instável, a relação cérebro/crânio aumentada com consequente perda de espaço intracraniano para a expansão cerebral favorecem a manifestação da síndrome. Na maioria dos casos, a dificuldade respiratória, apneia, parada cardiorrespiratória e convulsões iniciam logo após o episódio traumático. A síndrome é caracterizado pela presença de hemorragia subdural difusa, hemorragias retinianas extensas e lesão difusa do parênquima cerebral. Nesse estudo, o maior responsável pela agressão é o pai, seguido pela padrasto, mãe e babá, respectivamente. Tal fato ocorre em todas as classes sociais. Essa síndrome possui uma taxa mortalidade de aproximadamente 30%. Em até 70% ! 25 dos casos há complicações a longo prazo, como sequelas neurológicas, comportamentais e/ou cognitivas, que podem ser silenciosas até os cinco anos após o episódio do trauma. Em um período de 10 anos foram internados 8 crianças com o diagnóstico de Síndrome do Bebê Sacudido. A idade média dos pacientes foi de aproximadamente 4,6 meses, e 62,5% eram do sexo masculino. Foi identificado hemorragias retinianas bilaterais em 75% dos casos. Em relação ao hematomas subdurais, a taxa de ocorrência foi de 37,5%. Houve parada cardiorrespiratória em 50% dos casos. Houve fratura craniana em 2 pacientes. 87,5% necessitaram de ventilação mecânica e 62,5% necessitaram de suporte inotrópico. Houve 1 óbito. Apenas 2 pacientes não apresentaram sequelas a longo prazo e 2 lactentes ficaram sob a guarda do Estado. A Síndrome do Bebê Sacudido resulta em alta morbidade e mortalidade, sendo necessário suspeitar de lesão não acidental em todos os casos de lesões com histórico incongruente de trauma. É imprescindível uma abordagem multidisciplinar com envolvimento da rede de suporte social e de proteção ao menor. 4.2. ARTIGO 2 Shaken-Baby-Syndrom bei unilateraler retinaler Hämorrhagie? Der Ophthalmologe, publicação online, 2018. Autores: I. S. Tarau, X.Wang, M. Nentwich, J. Hillenkamp, D. Kampik. Estudo realizado em Würzburg, Alemanha. Este relato de caso diz respeito a um lactente de 2 meses de idade sem história de trauma prévio que apresentou hemorragia retiniana unilateral devido à deficiência de vitamina K. ! 26 Na anamnese do caso consta que a criança se apresentava sonolenta e em apneia. Desse modo, os pais iniciaram a massagem cardíaca até a chegada da ajuda médica. Na história gineco-obstétrica, a gravidez e o parto vaginal ocorreram sem complicações. O lactente nasceu de 39 semanas. Todas consultas pré-natais foram realizadas. Porém os pais se opuseram à profilaxia de vitamina K. Na UTI pediátrica, foi realizado exame oftalmológico, o qual evidenciou importantes hemorragias pré retinianas em todo fundo do olho e hemorragias intra-retinianas com manchas de Roth com sangramento peripapilar no olho direito. No olho esquerdo não houve sangramento. A pressão intra-ocular estava normal em ambos os olhos. Em relação aos exames laboratoriais, encontrou-se valores patológicos da coagulação sanguínea. O RNI era de 9,9, TTP maior que 150 segundos (padrão 20-50 s). Os fatores de coagulação II, VII, IX e X estavam abaixo do limite de detecção. A hemoglobina era de 7,1 g/ dl. Os parâmetros de infecção e a hematoscopia eram normais. Após a administração de concentrados de glóbulos vermelhos e de vitamina K, os valores de coagulação se estabilizaram. Não houve intervenção neurocirúrgica devido à importante hemorragia intraparenquimatosa e o resultado do EEG foi de morte encefálica. Com o consentimento dos pais, as medidas de terapia intensivas foram encerradas. A hemorragia retiniana era estritamente unilateral, o que não exclui maus-tratos infantis como causa. Embora o lactente apresentasse clínica de Síndrome do Bebê Sacudido, tal diagnóstico foi descartado devido aos valores alterados de coagulograma. Causas múltiplas podem levar a hemorragia intra-retiniana em recém-nascidos, portanto a avaliação deve ser ampla, levando em conta as causas sistêmicas. Tal conduta é de extrema importância para evitar falsas acusações da família e cuidadores sem, contudo, negligenciar casos de maus- tratos infantis. ! 27 A vitamina K, lipossolúvel, é essencial para o curso fisiológico da cascata de coagulação. Os fatores de coagulação II, VII, IX, X e as proteínas C e S são convertidos em sua forma ativa (cofator de ambas as carboxilações) na presença de vitamina K e assim mantêm a homeostase da coagulação. Os recém-nascidos têm baixos níveis de vitamina K devida a função hepática imatura e transferência de baixas quantidades de vitamina K através da placenta ou do leite materno. Desse modo, é recomendado a profilaxia precoce da vitamina (1mg dose única IM). Esse relato de caso demonstra as consequências trágicas que podem resultar do não cumprimento das precauções recomendadas. Os diagnósticos diferenciais incluem infecções, doenças hematológicas (anemias, trombocitopenias e leucemias), tocotraumas, malformações vasculares e doenças metabólicas. No caso relatado, a ressuscitação cardiopulmonar foi considerada uma das causas da hemorragia retiniana. No entanto, em um estudo de autópsias com 169 crianças não foi encontrada associação entre hemorragia retiniana e ressuscitação cardiopulmonar. Portanto, o sangramento por deficiência de vitamina K pode ser letal, ilustrando a importância da profilaxia com vitamina K baseada nas diretrizes. 4.3. ARTIGO 3 Violência contra crianças: o atendimento médico e o atendimento pericial Saúde, Ética & Justiça - vol. 17, nº 1, 2012. Autores: Paiva C., Zaher VC. Estudo realizado em São Paulo, Brasil. Se trata de um artigo de revisão em que foi realizado um levantamento bibliográfico do período de 2000 a 2010, nas principais bases de dados, com tema de “violência infantil/ Child and violence". Além desse levantamento bibliográfico, foram utilizados dados do ! 28 Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. Também foram utilizados livros de Pediatria e a legislação brasileira e internacional referentes à violência infantil. O atendimento médico a criança e adolescente nos fornece dados sobre a saúde e uma visão geral sobre as condições de vida e sociais desses indivíduos. Esse atendimento é, na maioria dos casos, a primeira possibilidade de identificação da violência infantil. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a definição de maus-tratos é: “toda ação ou omissão praticada por adulto ou adolescente mais velho que, na qualidade de responsável, permanente ou temporário, tenha a intenção, consciente ou não, de provocar dor na criança ou no adolescente, seja essa dor física ou emocional”. A forma de violência mais comum praticada contra o menor de idade é a violência doméstica, sendo os pais os principais agressores. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que em 2002, cerca de 53.000 crianças e adolescentes entre 0-17 anos foram vítimas de homicídio. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância, a violência traz sequelas graves e permanentes tanto para a vítima quanto para a sociedade. Pois além de deixar marcas físicas, emocionais e psicológicas, relaciona-se também ao maior risco de comportamentos nocivos no futuro, como uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas. Associa-se também ao incidência de sedentarismo, obesidade, doenças cardiovasculares, início precoce da atividade sexual, transtornos depressivos, comportamento agressivo, violento e tentativas de suicídio. Acredita-se que o maior fator de risco para maus tratos seja a ausência ou diminuição do vínculo entre pais e filhos. Essa perda afetiva pode ser identificada durante a gravidez ou no histórico dos pais. As variadas formas de violência são classificadas em: abuso físico, psíquico, sexual e negligência. Pode haver coexistência entreas categorias. O abuso físico é aquele com o uso da força física de forma intencional, com a finalidade de demonstrar poder. O abuso psíquico ! 29 consiste na submissão dos menores de idade mediante ações verbais ou atitudes que visem a humilhação e desqualificação da criança. O abuso sexual envolve o uso do menor para a gratificação sexual e se apresenta desde na forma de carícias, manipulação genital até ato sexual com penetração vaginal ou anal. Segundo o Código Penal Brasileiro, é visto como violência todo ato de natureza sexual contra menores de 14 anos, deficientes mentais ou quando a vítima não pode oferecer resistência. A negligência é identificada pela omissão dos cuidados básicos. Entre os vários os sinais de maus tratos, os mais comuns são mudança no comportamento, distúrbio do sono, apatia, irritabilidade, déficits no desenvolvimento psicomotor sem justificativa, tristeza constante e desinteresse das atividades próprias da idade. Esses sinais podem surgir em qualquer idade. É frequente também o aparecimento de enurese, encoprese e distúrbios alimentares, como manifestações de sentimento de culpabilidade por parte do abusado. A falta do diagnóstico adequado pode levar a vítima à atitudes de autodestruição, podendo culminar em suicídio. Desse modo, a anamnese, exame físico e exames complementares são as ferramentas que o médico dispõe para o diagnóstico de maus tratos. Diante a situação de violência infantil, é imprescindível que haja notificação da agressão. Quando necessário, deve-se providenciar a avaliação de um perito. No exame físico, as lesões cutâneas são altamente sugestivas de intencionalidade, tais como arranhões, lacerações e equimoses em diferentes estágios de cicatrização. As queimaduras estão presentes em 10% das crianças vítimas de abuso fisico. É comum também as fraturas ósseas, que aparecem em 36% das crianças submetidas à violência física. Na maioria dos casos, as lesões possuem histórico incongruente ao mecanismo do trauma. As lesões do sistema nervoso central são de maior gravidade, pois levam a uma alta taxa de morbidade e mortalidade. Desse modo, é necessária uma minuciosa investigação. A ! 30 Síndrome do bebê sacudido é provocada através de repetidos movimentos de aceleração e desaceleração da cabeça da criança. Tal agressão faz com que haja rompimento vascular cerebral e retiniano, resultando em hemorragia. Como consequência, pode ocorrer alteração do nível de consciência, irritabilidade, convulsões, déficits motores, edema cerebral, problemas respiratórios, coma e muitas vezes levando à óbito. Os principais diagnósticos diferenciais de maus tratos são as coagulopatias, epidermólise bolhosa, osteogênese imperfeita, erros inatos do metabolismo, tocotrauma e sífilis congênita. Como há essas doenças que podem evoluir com lesões semelhantes às de agressão, deve-se ter extremo cuidado para não levantar falsas suspeitas. Embora seja desconhecida a incidência real de maus tratos, estima-se que 10% das lesões em crianças menores de cinco anos que dirigem-se ao pronto socorro são ocasionadas por maus tratos. Em relação à fraturas, estima-se que 50% das crianças com esse tipo de lesão são vítimas de violência infantil. Segundo o Ministério da Saúde, em 2006 foram registrados 310 homicídios entre crianças menores de 10 anos. Em relação à morbidade, 2226 crianças da da mesma faixa etária foram hospitalizados. Após o diagnóstico de maus tratos, compete ao médico a notificação dos órgãos pertinentes, uma vez que a notificação deve ser compreendida como um instrumento de garantia dos direitos e de proteção social das crianças e adolescentes. É dever dos órgãos de proteção legal a comprovação de maus tratos através de laudos periciais. Para o médico, a certeza diagnóstica não é uma imposição, visto que não cabe a ele a comprovação da agressão. No entanto, cabe ao médico a responsabilização pelo seguimento clínico e promoção da saúde física e mental do menor. ! 31 5. DISCUSSÃO O relato dos pais do paciente do presente caso, consistiu na queda da cama, de uma altura de aproximadamente um metro. Uma explicação muito comum utilizada pelos abusadores na chegada ao hospital é que o paciente caiu de uma distância pequena.11 O lactente ao exame de admissão apresentava um quadro de insuficiência respiratória, hipotoatividade, palidez cutânea, sem sinais externos de trauma físico. A Síndrome do Bebê sacudido deve ser supeitada nas seguintes condições: lesão traumática cerebral sem história de trauma, lesão com história de trauma cerebral de baixo impacto, mudanças na história inicial, pais que culpam os irmãos, contusões multiplas em vários estágios de desenvolvimento, hemorragias retinianas múltiplas e bilaterais que se extendem até a periferia e hemorragias subdurais em diferentes localizações e com diferentes densidades ou associadas com edema cerebral difuso. Ao exame neurológico pode demonstrar uma variedade de sintomas que vão desde a irritabilidade até o coma e ao óbito. Mesmo em casos severos, crianças podem demonstrar nenhum sinal específico, mas que podem ser diferenciados de crianças normais por um choro fraco e mímica facial discretamente alterada ao estímulo doloroso.10 Assim, diversos exames de laboratório foram solicitados - hemograma, PCR, eletrólitos, glicemia, gasometria arterial, lactato, função hepática e renal - e exames de imagem - radiografia de membros, tórax e abdômem e tomografia de crânio. Foi realizado diagnóstico de TCE com hemorragia extra axial laminar e foco de hemorragia subaracnóidea. Também apresentava hemorragias retinianas na avaliação oftalmológica. A SBS é classicamente composta pela tríade de encefalopatia, hemorragias intracranianas e hemorragias retinianas1, portanto a suspeita diagnóstica foi adequadamente levantada pela equipe médica. A gravidade do quadro do paciente, junto com os resultados dos exames ! 32 realizados, demonstraram uma discrepância entre o mecanismo do trauma relatado pelos pais e as lesões encontradas no bebê.2 Tal quadro é condizente com a clínica do paciente desse relato. A literatura recomenda uma rotina laboratorial para pesquisa de anemia, trombocitopenia, coagulopatia, avaliação radiológica óssea completa, TC de crânio e , se possível, RNM de crânio.10 Estando, desse modo, a avaliação do paciente em questão adequada. Posteriormente, foi realizada a avaliação do coagulograma na busca de possíveis coagulopatias. A deficiência de vitamina K foi excluída devido à adequada profilaxia pós- natal da instituição. A deficiência de vitamina K deve fazer parte do grupo de entidades clínicas que devem ser pesquisadas na avaliação de pacientes com essa suspeita diagnóstica.12 Após a avaliação da equipe da neurocirurgia e diagnóstico de TCE, foi solicitada a tomografia de crânio, entre outros exames. O laudo apontou focos de HSA em sulcos corticais frontais de alta convexidade, bem como na região temporal esquerda e nas cisternas da base e hemorragia extra-axial laminar, caracterizada nas regiões frontais. Não foi realizada ressonância magnética no presente caso. Na SBS, a TC pode revelar hematoma cerebral agudo que pode variar de coleções pequenas com pouco efeito de massa até lesões com notável caráter expansivo que necessite intervenção cirúrgica. A hemorragia pode ser uni ou bilateral, sendo localizada em um local específico, como resultado do impacto. A literatura sugere complementar o estudo tomográfico com ressonância magnética de difusão em dois ou três dias após a TC, por ser o método mais sensível e específico para determinar as lesões.10 O mapeamento de retina apontou múltiplas hemorragias intrarretinianas e bolsões de sangue difusos intrarretinianos com abaulamento para cavidade vítrea. As HR são muito comuns em casos de abuso infantil e a lesão vascular da retina durante esse tipo de violência! 33 se deve a um efeito de corte dos vasos que não ocorre tipicamente em traumas acidentais.9 Quedas menores que 4 pés (120 centímetros) não são suficientes para produzir hemorragias retinianas11 e, em lesões acidentais, um exame de fundo de olho dilatado usualmente não apresenta hemorragias. Se presentes nesses casos, apresentam-se em número reduzido e confinadas ao polo posterior, raramente se estendendo até o meio da periferia.13 Literaturas específicas demonstram casuísticas em que até 76% das vítimas apresentaram HR.4 Dessa forma, o achado de HR com as características do exame oftalmológico do paciente deste relato é um achado que dá suporte ao diagnóstico de SBS. Uma vez realizado o diagnóstico de maus tratos, cabe ao médico à notificação ao conselho tutelar e a solicitação de uma avaliação pericial. É dever dos órgãos de proteção legal a comprovação do diagnóstico.14 Segundo o laudo oficial do IML, "Não há elementos suficientes na perícia para considerar que a fratura de crânio frontal, bem como a hemorragia retiniana, tenham sido causados por abuso físico.” A certeza diagnóstica não deve ser uma imposição, visto que não cabe ao médico a comprovação da agressão. No entanto, compete ao médico a responsabilização pelo seguimento clínico e promoção da saúde física e mental do menor.14 Dessa forma, a conduta médica foi adequada, houve correto manejo clínico da criança, notificação ao conselho tutelar e a solicitação da avaliação da perícia. ! 34 6. CONCLUSÃO A Síndrome do Bebê Sacudido é caracterizada pela agressão não acidental que apresenta a tríade clínica composta pela encefalopatia, hemorragia subaracnóidea e hemorragias retinianas. A suspeita diagnóstica deve surgir sempre que a história relatada pelos pais ou cuidadores for incompatível com a magnitude das lesões e a tríade estiver presente. O exame oftalmológico e a tomografia computadorizada são fundamentais no esclarecimento do quadro. O prognóstico da SBS é reservado, pois quando não é fatal, deixa sequelas importantes e até irreversíveis. Portanto, a prevenção deve ser um foco da prática dos profissionais médicos envolvidos no atendimento infantil desde seu nascimento. A prevenção de SBS pode apenas ser realizada com a educação dos pais e uma vigilância ativa das equipes médicas. O abuso infantil é um crime, contudo, pais e cuidadores de vítimas de SBS não são punidos de forma exemplar, tanto pela dificuldade de chegar à certeza diagnóstica, quanto pela baixa ocorrência de confissão voluntária de agressão. A dificuldade diagnóstica da SBS é de grande desafio para o médico e seu reconhecimento e a adequada notificação é o primeiro passo para atuação das autoridades competentes em defesa da integridade física e da segurança das crianças. ! 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ferreira, R; Silva, M. Síndrome da Criança abanada: abordagem diagnóstica. Arq Med, 28(5): 145-151. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0871-34132014000500003&lng=pt>. 2 . Stelton, CR; Suh, DW; Lim, J; Epley, D. Shaken Baby Syndrome. Disponível em: <https:// eyewiki.aao.org/Shaken_Baby_Syndrome>. Acesso em: 19 mar. 2019. 3. Lourenço, L; Silva, M; Lisboa, L; Da Mota, TC; Ribeiro, A. Síndrome do bebé abanado experiência de 10 anos de um Serviço de Cuidados Intensivos pediátricos. Nascer e Crescer, 22(2):72-74. 2013. 4. King, WJ; Mackay, M; Sirnick, A. Shaken baby syndrome in Canada: clinical characteristics and outcomes of hospital cases. CMAJ, 168(2):155-159, jan. 2003. 5. 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