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A EDUCAÇÃO INFANTIL E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA INFÂNCIA Ana Keli Moletta O tempo e o espaço na educação infantil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a importância do tempo da criança na educação infantil. Diferenciar o tempo da criança e o tempo institucional, ou seja, o tempo da escola. Reconhecer a importância da qualificação dos espaços na educação infantil, a fim de torná-los ambientes de aprendizagens significativas. Introdução Neste capítulo, você vai compreender a importância do trabalho com o tempo e com o espaço nas instituições de educação infantil. Enquanto elementos curriculares, eles devem ser considerados parte integrante da ação educativa. Porém, para que isso se efetive, o professor deve organizá- -los a partir das demandas das crianças, ou seja, de suas necessidades biológicas, sociais, afetivas e históricas. A importância do tempo e do espaço nas escolas da infância O conceito de tempo é uma construção histórica e social que vem, ao longo dos anos, se modifi cando, se adaptando e agregando signifi cados. Barbosa (2008) esclarece que, ao longo da sua história, a humanidade passou do tempo compreendido como ritmo da natureza — cíclico — para o tempo compre- endido como ritmo linear do relógio — que começa e termina. Foi a partir desse momento que o homem passou a planejar o tempo com seus pares. Além disso, o tempo pessoal e o social começaram a se confundir. Dormir, acordar, almoçar e estudar, por exemplo, são ações regidas pelo tempo e que são necessárias para a construção de uma sociedade. O tempo e o espaço na educação infantil2 Para o sociólogo e filósofo Elias (1998), o tempo ou, mais exatamente, sua determinação aparece como meio de orientação, elaborado pelos homens com vistas a realizar certas tarefas sociais, precisas. Portanto, além de ser social, o tempo é também subjetivo, pois cada indivíduo tem o seu próprio tempo, influenciado por fatores individuais. O autor acredita que o conceito de tempo somente tem significado se adquirido por meio de um longo processo de aprendizagem. Se você tomar como exemplo uma suposta estrutura social que desconhece, a priori, a noção de tempo, os conceitos de regularidade, ordenamento e temporalidade não têm significados. Nas estruturas sociais que consideram tal noção, um dos artefatos utiliza- dos para medir o tempo é o relógio, um organizador da vida em sociedade e também da vida da criança nas escolas. Porém, para que esse artefato tenha utilidade, é necessário habilidade para interpretá-lo e consciência crítica para não o utilizar de forma rígida, mecânica e absoluta. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010), no item 7, abordam o tempo e o espaço na educação infantil. Elas elu- cidam que, para a efetivação de seus objetivos, as propostas pedagógicas das instituições de educação infantil devem prever condições para o trabalho coletivo e a organização de materiais, espaços e tempos. Nesse mesmo sentido, a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil (BNCC) esclarece que: As crianças vivem inseridas em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo constituído de fenômenos naturais e socioculturais. Desde muito pequenas, elas procuram se situar em diversos espaços (rua, bairro, cidade, etc.) e tempos (dia e noite; hoje, ontem e amanhã, etc.) [...] portanto, a Educação Infantil precisa promover experiências nas quais as crianças possam fazer observações, manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações. Assim, a instituição escolar está criando oportu- nidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural e possam utilizá-los em seu cotidiano (BRASIL, 2017, p. 40–41). O cotidiano das instituições na educação infantil é repleto de atividades que lidam com o tempo e o espaço. A regularidade dessas atividades permite que a criança se organize e se oriente nas diferentes rotinas propostas ao longo do dia. Por exemplo: chegada e saída, hora da alimentação, da higiene, do sono ou repouso, da brincadeira, do parque, etc. O fato de a criança antecipar ou prever tais atividades permite a ela agir com mais confiança e segurança. Sobre esse assunto, Barbosa (2008) esclarece que o planejamento das rotinas 3O tempo e o espaço na educação infantil na educação infantil oferece às crianças o sentido de continuidade, a ideia de concluir amanhã algo iniciado hoje. Embora a temporização esteja ligada à estruturação do tempo coletivo, você deve considerar a importância do tempo pessoal de cada criança. Nesse sentido, estão em jogo: faixa etária, necessidades biológicas, psicológicas, sociais e históricas. Levar tudo isso em conta só é possível por meio da leitura que o professor faz dos seus alunos. Para Craidy e Kaercher (2007), considerar as necessidades da vida, no grupo das crianças, garante que as atividades não se transformem em uma sequência monótona e sem sentido. A organização da rotina deve contar com a participação ativa das crianças, garantindo a elas a construção das noções de tempo e de espaço, além de possibilitar a compreensão do modo como as situações sociais são organiza- das. As autoras destacam que alguns pontos podem servir de apoio para essa organização. Veja a seguir. Que tipo de atividades é possível propor? ■ Atividades de livre escolha: as crianças escolhem o que desejam fazer, porém sempre com a supervisão e a orientação de um adulto. ■ Atividades opcionais: atividades propostas pelo adulto levando em consideração o interesse das crianças. ■ Atividades coordenadas pelo adulto: atividades organizadas pelos adultos e propostas ao grande grupo de crianças. Em que momentos as atividades são mais adequadas? Em que local são melhor realizadas? Todas as atividades, sejam elas desenvolvidas nos espaços abertos ou fechados, de livre escolha, opcionais ou coordenadas, devem permitir múltiplas experiências. A ideia é que elas estimulem a criatividade, a experimentação, a imaginação, o desenvolvimento de múltiplas linguagens e a interação com outras pessoas. O tempo da criança e o tempo da escola Como você viu, nas instituições de educação infantil, o tempo deve ser orga- nizado a partir da leitura que o professor faz das crianças, de suas preferên- cias e dos comportamentos apresentados nas diferentes situações. Ou seja, o cotidiano das instituições da educação infantil deve ser organizado a partir do tempo de cada criança. O tempo e o espaço na educação infantil4 Tempo institucional O tempo é uma construção social e histórica, além de um processo simbólico ao qual o homem, ao longo dos anos, foi se condicionando (ELIAS, 1998). Nas discussões que tomam o tempo como objeto, é relevante também levar em consideração o espaço, pois ele determina o tempo e a ele se subordina. Determinado espaço social produz um modo de organização e uma cultura peculiares, que exprimem os valores e crenças de seus membros. Nas escolas, por exemplo, o tempo é marcado por ritmos e regularidades. Ou seja, as instituições comungam de um tempo determinado, dividido em administrativo e pedagógico. O tempo escolar administrativo refere-se, por exemplo, aos calendários, jornadas e horários. Já o pedagógico diz respeito ao trabalho de ensino do professor em sala de aula, de certa forma sustentado pelo tempo administra- tivo. Por exemplo: o tempo de chegada e saída, o lanche, o sono ou repouso, a higiene, o parque, as brincadeiras, etc. Embora cada escola tenha suas particularidades, pois está inserida em determinado contexto cultural, todas comungam de um tempo administrativo e pedagógico. A organização do trabalho do professor (tempo pedagógico) se realiza, portanto, em conformidade com a ordenação do tempo na escola. Tal ordenação tem como finalidadecontrolar as atividades e o ritmo dos alunos, constituindo- -se como fator fundamental para o trabalho docente. Porém, você deve tomar cuidado para que a organização não se transforme em obrigação, perdendo o próprio significado de ato de construção, reflexão e aprendizagem. A rigidez de um tempo estanque e formatado desconsidera as particularidades dos sujeitos, ampliando a quantidade e desconsiderando a qualidade. A organização pedagógica do tempo em sala de aula requer do professor um planejamento que envolva diferentes variáveis (espaço físico, de recursos didáticos, pedagógicos), visando a atingir a aprendizagem do aluno. Tempo da criança De acordo com a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil, as crianças, ao longo da educação infantil, são muito dinâmicas. Elas obede- cem a ritmos muito diversos (BRASIL, 2017). Assim, é impossível prever se determinado objetivo vai ser alcançado pela maioria das crianças em um mesmo momento. É possível observar que o tempo da criança apresentado na BNCC é um tempo subjetivo, ou seja, um tempo alheio a convenções e a artefatos. É o tempo dos momentos vivenciados, da experiência e das descobertas (BRASIL, 2017). 5O tempo e o espaço na educação infantil Infelizmente, em muitas instituições de educação infantil, trabalha-se muito mais com o aproveitamento racional do espaço e do tempo, em função de metas preestabelecidas, do que com o objetivo primeiro, que é a criança. Ou seja, de modo geral, o tempo é compreendido como um elemento que deve ser usado, controlado, ter início, meio e fim definidos. A naturalização do tempo da escola evidencia uma lógica segundo a qual todas as crianças devem realizar as mesmas atividades, no mesmo tempo, no mesmo ritmo e seguindo um modelo, com um tempo institucional predeterminado. O ideal, contudo, é buscar um equilíbrio entre o tempo do aluno (respeitar as diferenças individuais e os ritmos de aprendizagem de cada aluno) e o tempo da escola (gerenciar os tempos, as rotinas, as atividades, os conteúdos, etc). De acordo com Barbosa (2008), as rotinas que se pautam exclusivamente pelo tempo da escola se esquecem, muitas vezes, de que as crianças são diferentes quanto aos gostos, ações, toques, sons, palavras, canções, luzes, cores, cheiros, mobílias, brinquedos. Além disso, se esquecem de que as diferentes culturas são significadas socialmente de formas diversas. É necessário, de acordo com Hoyuelos (2015), dar tempo às crianças, permitir a elas dispor de toda a riqueza de seu tempo pessoal de aprendizagem. O seu tempo é subjetivo, então é necessário aguardá-las, sem antecipações desnecessárias. Isso significa esperar alguém com esperança; dar tempo enquanto se observa o que a criança faz — com respeito, apreço e estima. Os espaços como ambientes de aprendizagem significativa Um ambiente é um espaço vivo e em constante transformação. É mais do que um local (espaço físico) estático, onde a criança apenas executa atividades ou passa grande parte do seu dia. Nesse ambiente de aprendizagem, devem estar presentes relações entre as crianças e os objetos, as formas, as cores, os sons. Além disso, tal espaço precisa transmitir sensações, evocar recordações, passar segurança, refl etir a cultura e a história das pessoas que fazem parte dele. O espaço enquanto um elemento curricular deve ser pensado como uma estrutura de oportunidades, um contexto de aprendizagem. Não basta idealizar o espaço de maneira imaculada. Como é um ambiente vivo, ele deve ser socialmente construído, necessita refletir as concepções de ensino, de aprendizagem, de educação e de criança. Para refletir um pouco mais sobre esse assunto, observe o Quadro 1, a seguir, que apresenta algumas dimensões do ambiente educativo. O tempo e o espaço na educação infantil6 Fonte: Adaptado de Brazileiro et al. (2015, documento on-line). Física Funcional Relacional Temporal Relaciona-se aos materiais do ambiente (mobiliário, elementos decorativos, etc.) Relaciona-se com a forma de utilização do espaço e a função que ele pode assumir. Refere-se às diferentes relações que podem ser estabelecidas nesse espaço. Refere-se à organização do tempo, aos momentos em que serão utilizados os diferentes espaços. Quadro 1. Dimensões do ambiente educativo Um ambiente deve ser compreendido como um mediador dos processos de aprendizagem das crianças. Ele deve promover experiências, atrair o interesse, oferecer informações, comunicar, promover autonomia e aguçar a curiosidade e o desejo de aprender. De acordo com Barbosa (2008), esse espaço educacional é o lugar do desenvolvimento de múltiplas habilidades e sensações. A partir da sua riqueza e da sua diversidade, ele deve desafiar aqueles que o integram. Você deve notar que, quando se menciona o ambiente educativo, não está em jogo apenas a sala de aula. Ela é um dos ambientes do espaço educacional. Você deve considerar ainda: a entrada, os corredores, a cozinha, o refeitório, os banheiros, as salas de atividades, o pátio interno e o espaço externo. Para Craidy e Kaercher (2007), esses espaços educacionais devem promover os aspectos listados a seguir. A identidade pessoal das crianças: as crianças devem se identificar como indivíduos únicos, repletos de potencialidades, habilidades, in- tencionalidade, inseridos em determinado momento histórico e social. Isso relaciona-se às construções de pensamentos, memórias, crenças e valores, preferências e significados. O desenvolvimento da competência: a criança aprende e se desenvolve por meio de desafios. Ao ser desafiada, ela adquire novas formas de pensar, provocando a imaginação, o desenvolvimento da sensibilidade e a construção do conhecimento. É preciso planejar um espaço que permita a ela adquirir sua independência frente aos desafios do dia 7O tempo e o espaço na educação infantil a dia, como beber água, ir ao banheiro, pegar toalhas e materiais, ter acesso a prateleiras e estantes, etc. As oportunidades para o contato social e a privacidade: é necessário planejar tanto espaços de socialização quanto espaços de privacidade. Variar o tamanho dos espaços pode ser uma alternativa para que a criança se expresse sem se expor aos olhares dos outros. Acesse o link a seguir para assistir a um vídeo sobre a organização do ambiente escolar. https://youtu.be/kxKVFhK3Vl0 Um espaço para todas as idades? Como você viu até aqui, o espaço, assim como a linguagem e as relações interpessoais, educa. Porém, as formas como o ambiente é organizado podem facilitar ou difi cultar as experiências formativas da criança. O importante é que o professor tenha sempre em mente que os espaços funcionam como mais um elemento educativo. Nos espaços para as crianças bem pequenas (bebês), a organização deve considerar as necessidades desse público, ou seja, a movimentação, a interação com os objetos, a interação sensório-motora, o aconchego e a segurança. Deve possibilitar também a exploração, a descoberta, a manipulação, a transformação e a combinação de materiais variados, a utilização do corpo, a interação com outras crianças; enfim, a oportunidade de a criança construir a própria autonomia na resolução de suas necessidades. Entre os materiais que podem ser explorados, considere: móbiles coloridos, objetos pendurados com elástico, folhas secas em fios de nylon, tiras de papel que se movem com o ar, tecidos, etc. (HORN, 2017). À medida que as crianças crescem, suas necessidades se modificam. Isso implica pensar em espaços apropriados à faixa etária, às novas nuances, possi- bilidades e desafios. São exemplos de elementos para crianças um pouco mais velhas: mesas adequadas, diferentes tipos de tintas, pincéis, colas, tesouras, papéis (texturas e tamanhos), livros de histórias, baús com roupas e fantasias. O tempo e o espaço na educação infantil8 Barbosa (2008) apresenta algumas sugestões para o trabalho com os espaços/cantos alternativos, que podem variar de acordocom o interesse das crianças e os temas trabalhados. Veja a seguir. Canto do cabeleireiro: com espelho, maquiagens, rolos, escovas, grampos, secador de cabelos, bancada, cadeira, bacia para lavar o cabelo, embalagem de xampu, cremes. Canto do museu: com objetos colecionados pelas crianças em passeios e viagens. Canto da luz e da sombra: com projetor de slides, lanternas, retroprojetor, filmes feitos pelas crianças, lençóis. BARBOSA, M. C. S. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC, 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. BRAZILEIRO, F. et al. Paralapracá. 2015. (Caderno de Orientação Assim se Organiza o Ambiente). 2015. Disponível em: <https://blogproinfanciabahia.files.wordpress. com/2013/06/caderno-de-orientac3a7c3a3o-assim-se-organiza-o-ambiente.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2018. CRAIDY, C. M.; KAERCHER, G. E. P. S. (Org.). Educação infantil: para que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2007. ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. HORN, M. G. S. Brincar e interagir nos espaços da escola infantil. Porto Alegre: Penso, 2017. HOYUELOS, A. Os tempos da infância. In: FLORES, M. L. R. et al. (Org.). Implementação do proinfância no Rio Grande do Sul: perspectivas políticas e pedagógicas. Porto Alegre: Edipucrs, 2015. Leitura recomendada HIESEN, J. S. Tempos e espaços na organização curricular: uma reflexão sobre a dinâmica dos processos escolares. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 241-260, abr. 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- -46982011000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25 nov. 2018. Conteúdo:
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