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Monografia - A ineficácia do primado da ressocialização na pena privativa de liberdade

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES 
Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA 
Curso de Direito 
 
Alexandre Dourado Pereira de Souza 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 A INEFICÁCIA DO PRIMADO DA RESSOCIALIZAÇÃO NA 
EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Montes Claros – MG 
Abril/2015 
ALEXANDRE DOURADO PEREIRA DE SOUZA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A INEFICÁCIA DO PRIMADO DA RESSOCIALIZAÇÃO NA 
EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de Direito 
da Universidade Estadual de Montes Claros - 
UNIMONTES, como requisito parcial à 
obtenção do grau de Bacharel em Direito. 
 
Orientador: Prof. Ms. Leonardo Linhares 
Drumond Machado 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Montes Claros – MG 
Abril/2015 
ALEXANDRE DOURADO PEREIRA DE SOUZA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A INEFICÁCIA DO PRIMADO DA RESSOCIALIZAÇÃO NA 
EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de 
Direito da Universidade Estadual de 
Montes Claros - UNIMONTES, como 
requisito parcial à obtenção do grau de 
Bacharel em Direito. 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Ms. LEONARDO LINHARES DRUMOND MACHADO 
 
 
Membros: 
 
__________________________________ 
 
 
__________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Montes Claros – MG 
Abril/2015 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Another man’s evil does not make you good. 
Men have used the atrocities of their enemies 
to justify their own throughout history. 
Father Lantom, Daredevil 
 
RESUMO 
 
A sobrevivência da sociedade é dependente de regulação, constituindo a pena o controle 
social que resguarda a coexistência dos homens contra as condutas mais reprováveis. A forma 
com que se opera ao longo da história encontra diferentes meios, justificativas e finalidades – 
a resposta penal passa por suplícios corporais metafisicamente fundamentados e vai 
abandonando seu caráter de vendeta e agressividade ilimitada, adquirindo, gradativamente, 
contornos mais institucionais e sentido mais humanista, com o surgimento das prisões e seu 
progressivo aprimoramento teórico e operacional. As teorizações sobre sua finalidade, por sua 
vez, são tradicionalmente categorizadas em doutrinas retributivas, utilitárias e mistas, que 
concebem a pena com o objetivo de, respectivamente, compensar a conduta delitiva, prevenir 
futuros delitos ou ambas. Embasam a finalidade da pena no Brasil a reprovação do crime e, 
como primado, a ressocialização do condenado. Não obstante os esforços doutrinários e 
legislativos, a práxis não acompanha a teoria, revelando um abissal distanciamento entre a 
programação normativa e sua operacionalidade – a realidade carcerária não apenas é incapaz 
de alcançar a finalidade ressocializadora da pena como contribui em grande parte para que 
não o seja. Além dos empecilhos inerentes à própria pena privativa de liberdade, o sistema 
penitenciário brasileiro é, ainda, representado pelo sucateamento da estrutura prisional, 
superpopulação, despreparo administrativo e profissional, insalubridade crônica, condições 
precárias, convivência promíscua e desumana, ociosidade, atuação de facções criminosas e 
omissão estatal e social. Ao passo que os altos índices de reincidência refletem o fracasso 
sistêmico, insiste-se em uma política demagógica e vingativa de recrudescimento penal, 
exigindo-se penas mais graves e mais prisões, mesmo o país ostentando a quarta maior 
população carcerária do planeta. A ineficácia da ressocialização na pena privativa de 
liberdade faz urgir a preza por sua subsidiariedade e a urgente observância dos princípios de 
direito que deveria regê-la. Nesse contexto, não deve a ressocialização ser buscada através da 
pena privativa de liberdade – mas apesar dela. 
 
Palavras-chave: Direito Penal – pena – privativa de liberdade – prisão – ressocialização – 
sistema carcerário 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The survival of society depends on regulation, constituting the penalty the social control that 
protects men coexistence against the most reprehensible behaviors. It operates throughout 
history by different ways, means, justifications and goals – the criminal response goes 
through corporal punishments based metaphysically and unlimited aggressiveness, gradually 
acquiring more humanistic and institutional boundaries, with the emergence of prisons and 
its progressive technical and operational improvement. The theories about its purpose, in 
turn, are traditionally categorized into retributive, utilitarian and mixed doctrines, that 
conceive the penalty in order to respectively compensate the crime, prevent future criminal 
behaviors or both. Underpin the punishment purpose in Brasil the crime rebuke and 
especially the rehabilitation of the damned. Despite doctrinal and legislative efforts, the 
praxis does not follow the theory, revealing an abysmal gap between normative programming 
and its operation – the prison reality isn’t only unable to achieve the rehabilitation purpose of 
punishment as contributes largely to be not. In addition to the obstacles inherent to the 
deprivation of liberty, the Brazilian prison system is also represented by the scrapping of its 
structure, overpopulation, administrative and professional unpreparedness, chronic 
unsanitary, poor conditions, promiscuous and inhuman living, idleness, action of criminal 
organizations and omission of the state and society. While the high recidivism rates reflects 
the systemic failure, the authorities insists in demagogic and vindictive political criminal 
upsurge, demanding more severity and more prisons, even the country boasting the fourth 
largest prison population on the planet. The ineffectiveness of the rehabilitation in the 
deprivation of liberty penalty makes us pay attention to its subsidiarity and the urgent 
compliance with the principles of lay that should rule it. In this context, criminal 
rehabilitation should not be seeked through prison – but despite of it. 
 
Keywords: Criminal Law – penalty – deprivation of liberty – prison – criminal rehabilitation 
– penitenciary system 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 
 
CAPÍTULO 1: HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PENAL E DA 
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ................................................................................ 10 
1.1 O Direito Penal pré-humanitário ..................................................................................... 10 
1.1.1 Vingança privada ..................................................................................................... 11 
1.1.2 Vingança divina ....................................................................................................... 13 
1.1.3 Vingança pública ...................................................................................................... 14 
1.2 O Período humanitário e o surgimento das prisões ........................................................ 16 
1.2.1 Antecedentes relevantes ........................................................................................... 17 
1.2.2 Os reformadores ....................................................................................................... 17 
1.3 Sistemas prisionais .......................................................................................................... 20 
1.3.1 Sistema Pensilvânico ................................................................................................ 20 
1.3.2 SistemaAuburniano ................................................................................................. 20 
1.3.3 Sistema Montesinos ................................................................................................. 21 
1.3.4 Sistema Progressivo ................................................................................................. 21 
1.4 Considerações sobre o Direito Penal e a prisão no Brasil .............................................. 22 
 
CAPÍTULO 2: TEORIAS SOBRE A FINALIDADE DA PENA ...................................... 26 
2.1 Teorias absolutas ............................................................................................................. 27 
2.2 Teorias relativas .............................................................................................................. 30 
2.2.1 Teoria da prevenção geral ........................................................................................ 30 
2.2.1.1 Prevenção geral negativa .................................................................................. 30 
2.2.1.2 Prevenção geral positiva ................................................................................... 32 
2.2.2 Prevenção especial ................................................................................................... 34 
2.2.2.1 Prevenção especial positiva .............................................................................. 34 
2.2.2.2 Prevenção especial negativa ............................................................................. 36 
2.2.3 Teorias mistas. ............................................................................................................. 36 
2.2.4 Teorias abolicionistas e Garantismo penal .................................................................. 38 
2.2.5 Finalidade da pena no Brasil ........................................................................................ 39 
 
 
CAPÍTULO 3: A INEFICÁCIA DO PRIMADO DA RESSOCIALIZAÇÃO NA PENA 
PRIVATIVA DE LIBERDADE ............................................................................................ 42 
3.1 O primado da ressocialização no Estado Democrático de Direito .................................. 43 
3.2 Obstáculos à ressocialização na pena privativa de liberdade .......................................... 47 
3.2.1 Problemas inerentes à pena privativa de liberdade .................................................. 47 
3.2.1.1 Isolamento ......................................................................................................... 47 
3.2.1.2 Prisão como instituição total ............................................................................. 48 
3.2.1.3 Arquitetura prisional ......................................................................................... 48 
3.2.1.4 Prisionização ..................................................................................................... 49 
3.2.2 Visão geral da problemática carcerária no Brasil .................................................... 50 
3.2.2.1 Superpopulação ................................................................................................. 52 
3.2.2.2 Corrupção ......................................................................................................... 52 
3.2.2.3 Ociosidade ........................................................................................................ 53 
3.2.2.4 Saúde ................................................................................................................. 53 
3.2.2.5 Educação ........................................................................................................... 54 
3.2.2.6 Motins ............................................................................................................... 54 
3.2.2.7 “Efeito Lúcifer” ................................................................................................ 55 
3.2.3 Relação cárcere-sociedade ....................................................................................... 55 
3.3 Fracasso em estatísticas .................................................................................................. 57 
3.4 Expansionismo penal como conseqüência da ineficácia da ressocialização................... 58 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 60 
 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................... 61 
 
 
 
 
8 
 
INTRODUÇÃO 
 
A violência é recorrente pauta na discussão pública, e o senso comum, 
inadvertidamente, aponta como solução ante a crescente criminalidade um aumento da 
severidade do sistema punitivo do Estado, erguendo-se bandeiras clamando pelo 
recrudescimento das penas. Malgrado frequentes as críticas à alegada impunidade que 
caracteriza a nação, o fato é que o Brasil ostenta, hoje, a quarta maior população carcerária do 
mundo. Entre 2000 e 2014, o número de presos mais que dobrou, embora a estatística esteja 
longe de implicar, de fato, quaisquer avanços significativos na segurança. 
O presente trabalho busca traçar os contornos da pena no Brasil, a partir da 
evolução e desenvolvimento de seu conceito e meios à consagração da privativa de liberdade 
como instrumento do ius puniendi por excelência, bem como a discussão acerca da 
legitimação teórica do por que punir e para que punir, identificando a orientação da sanção 
penal. 
A Lei 7.210/84, a Lei de Execução Penal (LEP), representa um extraordinário 
avanço legislativo no tocante à política criminal brasileira. Conforme se depreende do art. 1° 
da Lei, executar a sanção penal disposta na sentença à guisa da ressocialização sintetiza o 
escopo da norma. Para tanto, deve o Estado recorrer à cooperação da comunidade (art. 4º, 
LEP), ente este que vem se percebendo gradativamente mais indispensável nesse galgo pela 
reintegração social do apenado. 
A operacionalização do referido diploma, todavia, contrasta com seu ideal. O sistema 
penitenciário padece de máculas estruturais, e as prisões não só são incapazes de lidar com o 
problema, como contribuem para agravá-lo. Superpopulação e condições carcerárias precárias 
atentam contra a dignidade da pessoa humana, sob a qual se funda o Estado Democrático de 
Direito, além de serem profundamente ineficazes na persecução do primado da execução 
penal: a reinserção social do condenado. 
Em sentido contrário à proposta humanista da LEP está o crescente clamor social 
pelo acréscimo repressivo das penas e da política criminal, fruto da expansão da 
criminalidade, do fortalecimento das organizações criminosas que, incessantemente, ameaçam 
a paz social, e da ineficácia da ressocialização e do cumprimento da finalidade penal como 
um todo. Os altos índices de reincidência criminal provocam questionamentos acerca da 
eficácia da metodologia adotada pelo Brasil no que concerne à pena. Nesse sentido, faz-se 
conveniente analisar a forma como esta se dá, se atende ao escopo que se predispõe e, ainda, 
9 
 
as perspectivas que tais levantamentos podem suscitar, verificando se a intensificação da pena 
privativa de liberdade é uma solução válida. 
Por fim, é abordado como a ineficiência na consecução dos fins ressocializatórios 
não só reproduz a criminalidade como contribui para que se retroalimente a violência 
mediante a adoção de políticas criminais simbólicas que trabalham em sentido oposto. Em 
face dessa problemática, a remodelagem do tratamento punitivo faz-se necessária como 
política criminal para que se atenda não só as pretensões legais no tocante à execução penal e 
aos direitos inerentes do homem, mas a carência de medidas que tratem da questão da 
criminalidade de maneira efetiva. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
CAPÍTULO I 
 
 
HISTÓRICOE DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PENAL E DA PENA 
PRIVATIVA DE LIBERDADE 
 
 
1.1 O Direito Penal pré-humanitário 
 
Da necessidade fundamental de sobrevivência das sociedades humanas decorre o 
Direito, instrumento-mor de garantia da segurança das condições inerentes à vida humana. 
Sanções são estabelecidas, portanto, contra os fatos sociais que atentem contra os 
bens resguardados pela tutela das normas de convivência, sendo a pena a sua mais severa 
classe (DAMÁSIO DE JESUS, 2010), recurso punitivo do Direito Penal, a faceta mais intensa 
do Estado, contra as condutas mais reprováveis, como ensina Cezar Roberto Bitencourt: 
 
Quando as infrações aos direitos e interesses do indivíduo assumem determinadas 
proporções, e os demais meios de controle social mostram-se insuficientes ou 
ineficazes para harmonizar o convívio social, surge o Direito Penal com sua 
natureza peculiar de meio de controle social formalizado, procurando resolver 
conflitos e suturando eventuais rupturas produzidas pela desinteligência dos homens. 
(BITENCOURT, 2014, p. 35) 
 
A etimologia do termo procede do latim poena com derivação do grego poiné, 
“significando dor, castigo, punição, expiação, penitência, sofrimento, trabalho, fadiga, 
submissão, vingança e recompensa” (OLIVEIRA, 2003, p. 24). 
Co-originários o homem e o crime, porquanto “desde que há homem, há crime; e 
desde que há crime, há castigo” (FONTENELE E SILVA, 2004, p. 42); assim, o castigo: 
 
é como que uma sombra sinistra que segue o homem em seu caminho pela história. 
Ele é seu lado sombrio e sinistro, mas que lhe é inafastável. Sinistra sombra, o 
castigo não é, todavia, estranho ao homem. Pelo contrário, é dele parte constitutiva 
e, num certo sentido, o constituiu enquanto homem. A história do homem é, em 
grande parte, a história do castigo. (FONTENELE E SILVA, 2004, p. 42) 
 
Sobre o sanguinário desenvolvimento do instituto, Ferrajoli leciona: 
 
 A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade 
do que a própria história dos delitos: porque mais cruéis e talvez mais numerosas do 
que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas e 
porque, enquanto o delito costuma ser uma violência ocasional e às vezes impulsiva 
11 
 
e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, 
consciente, organizada por muitos contra um. (FERRAJOLI, 2002, p. 310) 
 
Esclarece Cuello Callon e Anibal Bruno que o estudo histórico da função 
repressiva mostra que diferentes fundamentações e contornos o Direito Penal assimilou, não 
se podendo negar que sempre “fora coberto de sangue e realmente nada revela melhor a 
crueldade dos homens do que a história das penas, mais do que a dos crimes” (CUELLO 
CALLON; BRUNO apud DONNICI apud OLIVEIRA, 2003, p. 46). 
As primeiras respostas penais tinham inafastável caráter religioso, aclarando 
Mirabete que: 
 
todos os fenômenos naturais maléficos eram tidos como resultantes das forças 
divinas (“totem”) encolerizadas pela prática de fatos que exigiam reparação. Para 
aplacar a ira dos deuses, criaram-se séries de proibições (religiosas, sociais e 
políticas), conhecidas por “tabu”, que, não obedecidas, acarretavam castigo. A 
infração totêmica ou a desobediência tabu levou a coletividade à punição do infrator 
para desagravar a entidade, gerando-se assim o que, modernamente, denominados 
“crime” e “pena”. (...) A pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a 
vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem 
preocupação de justiça. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 15) 
 
De acordo com Manoel Pedro Pimentel, tabu é palavra de origem polinésia para 
conceituar concomitantemente o sagrado e o proibido, o impuro, o terrível, relacionando-se às 
“primeiras regras de proibições e, consequentemente, os primeiros castigos (penas)”, que se 
vinculam às “relações totêmicas” (PIMENTEL apud MIRABETE, 2013, p. 229). 
A resposta penal é tradicionalmente dividida pela doutrina em: vingança privada, 
vingança divina, vingança pública e período humanitário. 
Adverte, no entanto, Bitencourt, sobre o difuso desenvolvimento da pena: “As 
diversas fases da evolução da vingança penal deixam claro que não se trata de uma 
progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas caracterizadores de cada um de 
seus estágios” (BITENCOURT, 2014, p. 72). 
 
1.1.1 Vingança privada 
 
A pena se traduz, inicialmente, em uma vingança individual, como “reação 
puramente instintiva do ofendido; a satisfação do lesado contra quem lhe causara um mal” 
(OLIVEIRA, 2003, p. 24). 
12 
 
Num contexto de luta do homem contra o homem, agressiva e cruel, a vingança 
privada caracteriza o direito penal dos povos organizados de maneira ainda muito rudimentar 
(ARAGÃO, 1963), que conforme Adolfo Prins “carecem de um poder central assaz forte para 
refrear os ímpetos do indivíduo entregue a si mesmo” (PRINS apud ARAGÃO, 1963, p. 36). 
De acordo com Magalhães Noronha, a reação à agressão é, a princípio, “do 
indivíduo contra indivíduo, depois, não só dele como de seu grupo, para, mais tarde, já o 
conglomerado social colocar-se ao lado destes” (NORONHA, 1985-1986, p.20), quando 
ganha caráter propriamente privado e, não puramente pessoal. 
À medida que a organização clânica se fortalece, a comunidade, imbuída de um 
espírito de solidariedade, passa a participar da vingança, agora coletiva e singular, ainda 
ilimitada, excessiva e assistemática (OLIVEIRA, 2003). Atrozes e dotadas de forte caráter 
simbólico, as penas ultrapassavam o autor do delito, atingindo-lhe a família e grupo social. 
A vingança da paz social figura com o aparecimento da sociedade de estrutura 
familiar, conforme aduz Odete de Oliveira: “O membro do mesmo grupo que cometia um 
delito era expulso da tribo ou da comunidade da paz, sem armas, nem alimentos, e ninguém 
podia auxiliá-lo, mas persegui-lo” (2003, p. 25), sendo conhecida, ainda, a vingança de 
sangue para com os membros de outros grupos. Pimentel nota: “Não raro a vingança do 
sangue provocava a retaliação contra grupos familiares inteiros, dizimando-os e destruindo 
tudo aquilo que lhes pertencesse.” (PIMENTEL apud OLIVEIRA, 2003, p. 25). 
Morticínio enfraquecedor da tribo, no período neolítico, mais precisamente na 
segunda idade da pedra, as ilimitadas reações vingativas encontraram o Talião como 
moderador da pena, expressa na clássica forma “olho por olho, dente por dente”, 
estabelecendo o marco histórico do princípio da proporcionalidade da pena, mediando a 
equivalência entre a ação do delito e a reação da pena imposta (OLIVEIRA, 2003). 
No Brasil, o talião estava inserido no Livro V, das Ordenações Filipinas, 
vigorando, ainda, nas Ordenações do Reino de Portugal, estendendo-se até o advento do 
primeiro Código Criminal do Império, de 1830. 
Posteriormente, responsável também por um significativo abrandamento das 
penas, dotando-as de feições pecuniárias, surge a composição: 
 
sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de sua liberdade 
(pagamento em moeda, gado, armas etc.). Adotada também pelo Código de 
Hamurábi, pelo Pentateuco e pelo Código de Manu (Índia), foi a composição 
largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das forças 
modernas de indenização do Direito Civil e da multa do Direito Penal. 
(MIRABETE, 2003, p. 36) 
13 
 
 
A título de exemplo, o Talião e a Composição estão presentes no Código de 
Hamurábi, na Bíblia, Lei das XII Tábuas e Código de Manu. 
 
1.1.2 Vingança divina 
 
“Nas sociedades arcaicas”, conforme John Gilissen, “o direito está ainda 
fortemente impregnado de religião. A distinção entre regra religiosa e regra jurídica é aqui 
muitas vezes difícil, porque o homem vive no temor constante dos poderes sobrenaturais” 
(1995, p. 35). 
O direito não passa de um dos aspectos da religião, “de sorte que a reação punitiva 
apresentavacaráter religioso”, acompanha Heleno Cláudio Fragoso (1993, p. 25). A vingança 
era dever sagrado, visando aplacar a ira das divindades. Esclarece Oliveira: 
 
A história penal dos povos antigos apresenta reação primitiva de caráter religioso, 
em conexão com o sistema de talião e o da composição. O Direito aparece envolto 
por princípios religiosos. (...) Assim, o delito era uma ofensa à divindade que, por 
sua vez ultrajada, atingia a sociedade inteira. (OLIVEIRA, 2003, p. 28) 
 
Os direitos muçulmano e hindu demonstram como perdura a influência da religião 
nos sistemas jurídicos até a contemporaneidade. Gilissen suscita: 
 
Mesmo na Europa Ocidental, a laicização sistemática do direito é um fenômeno 
relativamente recente que data sobretudo do século XVI; basta lembrar a concepção 
teocrática do poder, em que o rei era o representante de Deus na terra, ou o papel do 
Direito Canônico no domínio do casamento e do divórcio. (GILISSEN, 1995, p. 35) 
 
A justiça relaciona-se com a manutenção da coesão social, não havendo se falar 
em direitos individuais. Assim, o comportamento antissocial era visto com deveras 
severidade. O temor social e divino era constante, travestida a pena de ordem divina cuja 
finalidade era aplacar a fúria da deidade. 
Na Antiguidade, configuravam como principais penas as de morte, infamantes e 
corporais. Egito, Assíria, China, Fenícia, Babilônia, Grécia, Roma, praticamente por todo 
lugar as penas impostas eram inumanas e cruéis: decapitação, esquartejamento, sufocamentos, 
queima de delinquentes ainda vivos, cegueira, aleijamento, crucificação, entrega a animais 
ferozes, torturas de genialidades sádicas. 
 
14 
 
No meio de tanta insensibilidade humana, porém, já Sêneca pregava a ideia de que 
se deveria atribuir à pena finalidades superiores, como a defesa do Estado, a 
prevenção geral e a correção do delinquente e, embora nos tempos de Solo e 
Anaximandro a pena fosse considerada como castigo, na Grécia Clássica, entre os 
sofistas, como Protágoras, surgiu uma concepção pedagógica da pena. 
(MIRABETE, 2003, p. 244) 
 
Legislações típicas dessa época são o Código de Hamurábi (Babilônia), Cinco 
Livros (Egito), Livro das Cinco Penas (China), a Avesta (Pérsia) e o Pentateuco (Israel) 
(MIRABETE; FABBRINI, 2013). 
 
1.1.3 Vingança pública 
 
A vingança divina também era pública. Com certa maturação sociopolítica, a 
delimitação entre Direito e Religião vai ganhando mais contornos, permitindo o 
desenvolvimento do direito penal. 
O fortalecimento do estado acompanha a progressiva substituição do caráter 
sagrado da pena, conforme Oliveira: 
 
Fortalecida a autoridade pública, tornou-se forte o Estado, com competência para 
sobrepor-se, chamando para si o exercício da pena, tirando da mão do ofendido e da 
vítima, ou de sua família, tal titularidade. 
A composição, que na vingança individual era uma faculdade de compensação e 
reparação, tornou-se um dever jurídico, e a pena, nesta passagem do privado ao 
público, perde seu fundamento religioso para assumir uma finalidade eminentemente 
política. (OLIVEIRA, 2003, p. 36) 
 
As penas, caracterizadas por serem grandes espetáculos, em praça pública 
demonstravam seu caráter exemplar. Havia todo um cerimonial no qual a população, 
aglomerada em clima de festa, desempenhava um relevante papel de espectador e testemunha 
da punição. Essas formas se estenderam até os fins do século XVIII e início do Século XIX. O 
Brasil conheceu expressões dos suplícios nas condenações de Tiradentes (1789) por crime de 
lesa-majestade e de Filipe dos Santos Freire (1720), e todo o ritual de suas execuções. 
Ao fim da Idade Antiga, exerce o Cristianismo significativa influência na 
moderação das penas cruéis. Dizia Santo Agostinho: “Na justiça não se deve esquecer a 
misericórdia e ao se odiar o delito não se deve esquecer que o delinquente é homem” 
(DONNICI apud OLIVEIRA, 2003, p 37). Todavia, tem-se o Concílio de Latrão, que instaura 
a Santa Inquisição, trazendo severidade e torturas. Apesar disto, de acordo com E. Magalhães 
Noronha, o fim superior da pena era a salvação da alma do condenado (NORONHA, 1985-
1986). 
15 
 
Acrescenta Mirabete respeito: 
 
Proclamou-se a igualdade entre os homens, acentuou-se o aspecto subjetivo do 
crime e da responsabilidade penal e tentou-se banir as ordálias e os duelos 
judiciários. Promoveu-se a mitigação das penas que passaram a ter como fim não só 
a expiação, mas também a regeneração do criminoso pelo arrependimento e 
purgação da culpa, o que levou, paradoxalmente, aos excessos da Inquisição. 
(MIRABETE, 2003, p. 37) 
 
Por sua vez, Oliveira aduz que, apesar do esforço da Igreja na tentativa de 
amenizar as penas: 
 
a Idade Moderna registra o apogeu da repressão. As penas capitais, então em uso, 
foram acrescidas da pena das galeras, tão cruel que os infelizes condenados, para se 
esquivarem, cortavam os braços e as mãos. A tortura era bastante empregada não só 
como meio de procedimento, mas como forma de penalidade: arrancavam-se ou 
furavam-se a língua, faziam-se incisões nos lábios, amputavam-se as orelhas, o nariz 
e os órgãos genitais, marcavam-se com ferro quente, fustigavam-se com bastões, 
usavam-se a chibata, a canga, a roda, etc. (OLIVEIRA, 2003, p. 38) 
 
O terror dos suplícios não inibira a criminalidade. O carrasco, frequentemente, 
passava a ser visto como criminoso e o supliciado, a objeto de piedade. Conforme leciona 
Foucault: 
 
(...) no castigo-espetáculo um horror confuso nascia do patíbulo: ele envolvia ao 
mesmo tempo o carrasco e o condenado: e se por um lado sempre estava a ponto de 
transformar em piedade ou em glória a vergonha infligida ao supliciado, por outro 
lado, ele fazia redundar geralmente em infâmia a violência legal do executor. 
(FOUCAULT, 1987, p. 13) 
 
Evidente se torna a necessidade de reforma do Direito Penal e a adoção de uma 
nova política de apenar. Esta nova fase é conhecida como período humanitário (OLIVEIRA, 
2003). 
Nessa toada, “o cerimonial da pena vai sendo obliterado e passa a ser apenas um 
novo ato de procedimento ou de administração” (FOUCAULT, 1987, p. 12). Prossegue o 
filósofo francês: “(...) em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, 
esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou 
morto, dado como espetáculo”, desaparecendo gradualmente o corpo como principal alvo da 
repressão penal (FOUCAULT, 1987, p. 12). 
 
 
 
16 
 
1.2 O Período humanitário e o surgimento das prisões 
 
Em virtude da responsabilidade coletiva, a prisão era desnecessária nas 
comunidades pouco desenvolvidas. Assim, estando o acusado em falta, recai o dever de 
reparar o mal o seu clã ou grupo. O desenvolvimento da sociedade e da vida coletiva 
intensifica a responsabilidade individual. Para evitar a fuga, “a prisão aparece localizada nos 
palácios dos reis, nas dependências dos templos, nas muralhas que cercavam as cidades” 
(OLIVEIRA, 2003, p. 47). Apodrecendo na imundície e no meio de vermes, não raras vezes 
eram utilizados buracos em formas de fossas e os mais variados e impróprios sistemas de 
aprisionamentos (OLIVEIRA, 2003). As prisões na Antiguidade tratava-se de depósitos. Na 
Roma, Grécia e Idade Média perduraram as penas corporais. Complementa Oliveira: 
 
Os povos primitivos ignoravam quase que completamente as penas privativas de 
liberdade e as prisões. Utilizavam a pena de morte como medida suprema, pura e 
simples, e, para os crimes reputados graves e atrozes, apenavam os culpados com 
suplícios adicionais, de efeitos amedrontadores. (OLIVEIRA, 2003, p. 47) 
 
À época, as leis em vigor eram dotadas de ideias e procedimentos de crueldade 
excessiva. “O Direito”, como leciona Bitencourt, “era instrumento gerador de privilégios, o 
que permitia aos juízes, dentro do mais desmedido arbítrio, julgar os homens de acordo com a 
sua condição social” (2014, p. 81).É na sociedade cristã, e por influência do Direito Canônico e suas ideias de 
reforma do delinquente e pena da alma, que se esboça a prisão propriamente enquanto sanção, 
inovando a Igreja por este método de reconciliação dos monges rebeldes com Deus mediante 
penitência e oração (MIRABETE; FABBRINI, 2013). Mariano Ruiz Funes comenta: 
 
A Igreja instaura com a prisão canônica o sistema da solidão e do silêncio. A sua 
reforma tem profundas raízes espirituais. A prisão eclesiástica é para os clérigos e se 
inspira nos princípios da moral católica: o resgate do pecado pela dor, o remorso 
pela má ação, o arrependimento da alma manchada pela culpa. Todos esses fins de 
reintegração moral se alcançam com a solidão, a meditação e a prece. (FUNES apud 
OLIVEIRA, 2003, p. 49) 
 
As penas são, portanto, caracterizadas pelo seu caráter aflitivo, sendo o corpo do 
agente objeto de direcionamento da sanção penal, da Antiguidade ao século XVIII, quando 
Iluminismo representa “um marco inicial para uma mudança de mentalidade no que dizia 
respeito à cominação das penas” (GRECO, 2008, p. 487). 
 
17 
 
1.2.1 Antecedentes relevantes 
 
As ideias cristãs, juntamente com a proliferação da pobreza e da criminalidade 
(que tornam a pena de morte impossível de ser aplicada a tantas pessoas), inspiram, entre 
1550 e 1552, a construção da primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos, a 
londrina House of Correction. 
Casas de correção para a pequena delinquência, com propósitos educativos, foram 
construídas em Amsterdã no final do século XVI, e logo imitadas por toda a Europa. Em 
Florença, fora construído o Hospício de San Felipe Neri, que já naquela época sustentava a 
proporcionalidade entre pena e delito. Convém mencionar, ainda, a Casa de Correção de São 
Miguel, em Roma, que seguia princípios de correção baseados no silêncio e no trabalho. 
No século XVII, difundindo-se de modo marcante, a prisão substitui a pena de 
morte, substituição essa que ocorre de maneira definitiva no século XVIII. Alguns outros 
fatores colaboram para o estabelecimento da pena privativa de liberdade, como os efeitos 
negativos da publicidade da pena e a progressiva valorização da liberdade. Considerada 
ineficiente num primeiro momento, a privação da liberdade era frequentemente acompanhada 
de outras privações e punições. 
 
1.2.2 Os reformadores 
 
Neste período surgem várias novas perspectivas que propõem uma profunda 
reforma humanitária do sistema apresentadas por diversos juristas, moralistas e filósofos, que 
“dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação penal vigente” (BITENCOURT, 
2008, p. 82), clamando por liberdade individual, abolição da tortura, proporcionalidade e 
justiça do sistema e fim das exigências retributivas morais como parâmetro punitivo 
(OLIVEIRA, 2003). 
Sobre a contemporaneidade, inaugurada com as transformações dos séculos XVII 
e XVIII, elucida Gilissen: 
 
Sob a influência das ideias políticas e jurídicas dos pensadores dos séculos XVII e 
XVIII, os sistemas jurídicos existentes sofrem transformações capitais. As 
Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789) concretizam as ideias novas nos 
textos de constituições e leis. Os últimos vestígios do feudalismo desaparecem, com 
algumas excepções apenas; as liberdades públicas garantem os direitos subjetivos 
dos cidadãos, livres e iguais perante o direito; a soberania passa das mãos dos reis e 
dos príncipes para a Nação; a unificação do direito prossegue no quadro estatal. 
(GILISSEN, 1995, p. 131) 
18 
 
 
Os reformadores, como eram chamados estes intelectuais, pretendiam 
reformulações para além do abrandamento das penas e desaparecimento de castigos aflitivos e 
infamantes, atacando, também, “a corrupção que dominava a justiça, a qual, ainda, se 
apresentava lacunosa, irregular e contraditória, em que instâncias múltiplas a denegriam e a 
centralizavam ao superpoder monárquico” (OLIVEIRA, 2003, p. 43). Necessário, portanto, o 
deslocamento do Direito da vingança do soberano para que se estenda à defesa da sociedade, 
abandonando sua feição retributiva, passando a se caracterizar “pela intimidação, atenuação 
da punição, codificação nítida dos crimes e sanções e formar um consenso a respeito da 
necessidade da prevenção do delito (...)” (OLIVEIRA, 2003, p. 45). 
A razão passa a ser teorizada como fundamento do Estado e da pena. Acolhendo 
as ideias de Montesquieu, Voltaire, Locke e Rousseau, em 1764, Cesare Bonesana, o Marquês 
de Beccaria, publica o famigerado “Dos Delitos e Das Penas”, obra de grande repercussão e 
vital importância no amadurecimento do caminho da reforma penal dos últimos séculos. Seu 
grande êxito fora o delineamento de uma teoria lógica e consistente sobre aspectos 
penológicos. Assentando-se no contrato social, impugna as leis lacunosas e o arbítrio judicial, 
os excessos penais e as desumanidades das masmorras (NORONHA, 1985-1986). Escreve 
Beccaria: 
 
Como pode um organismo político, que, em lugar de se dar às paixões, deve ocupar-
se exclusivamente em colocar um freio nos particulares, exercer crueldades inócuas 
e utilizar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos tiranos? Poderão os 
gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do passado, que não volta mais, 
uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado 
de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar seus concidadãos do 
caminho do crime. (BECCARIA, 2002, p. 49) 
 
Beccaria associa o contratualismo e o utilitarismo em seus postulados, marcando 
o início definitivo do Direito Penal moderno. Suscita-se, assim, que a sociedade é resultado de 
um livre acordo dos homens, sendo a função das penas e das leis garantir a sobrevivência 
dessa sociedade. Desta forma, as penas devem possuir um fim útil, preventivo, para que sejam 
justas, prevenção esta passível de obtenção não mediante o terror, mas pela certeza da 
punição. Inadmissível, portanto, vingança como fundamento do direito de punir do Estado 
(BITENCOURT, 2014). 
Bonesana conclui sua obra, sintetizando que, “para não ser um ato de violência 
contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das 
19 
 
apenas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada em lei” 
(BECCARIA, 2002, p. 107). 
Os progressos teóricos dos reformadores começam a refletir seus efeitos nas 
codificações francesas do início do século XIX (Código Penal francês de 1810 e sua revisão 
em 1832), as quais suprimiram “todas as formas de mutilações, diminuindo o número de 
crimes capitais, sendo propiciados aos juízes os meios de atenuarem as penas” (OLIVEIRA, 
2003, p. 45). 
Tal qual Beccaria, e por ele inspirado, John Howard propõe uma revolução 
penitenciária em seu livro Prison in England and Wales (1777). Segundo João Farias Junior, 
Howard tem uma injusta e amarga experiência na prisão: tortura, desprezo, 
incomunicabilidade, humilhações e insuficiência alimentar, o levando a registrar um 
importante movimento no sentido de humanização das regras disciplinares do regime 
prisional da época (apud OLIVEIRA, 2003, p. 52). Criticando as desumanas condições 
presidiais, reclamava uma reforma. Bitencourt retira as seguintes conclusões de Howard: é 
impossível a prisão ressocializar o delinquente e poucos efeitos seus esforços resultaram, em 
vistas das condições estruturais que impedem a modificação da sua função punitiva e de 
controle (apud SOUZA, 2009). 
Jeremias Bentham, consoante o utilitarismo (máxima felicidade para o maior 
número), critica a função de imposição de dor e sofrimento da pena, e elabora um novo 
modelo prisional baseado na maximização da eficiência conhecido como panóptico, 
caracterizado por uma torre rodeada por células na qual o prisioneiro convivia com a 
constante sensação de vigilância proporcionada pela possibilidade de estar sempre sendo 
supervisionado.Michel Foucault, na afamada obra “Vigiar e Punir”, destaca a arquitetura 
utilitarista do modelo: 
O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é 
conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada 
de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é 
dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm 
duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; (...) Tantas 
jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente 
individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades 
espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. (FOUCAULT, 
1987, p. 223) 
 
 
 
 
 
20 
 
1.3 Sistemas prisionais 
 
1.3.1 Sistema Pensilvânico 
 
Conhecido também como modelo de Filadélfia ou celular, dá-se nos Estados 
Unidos da América, em 1790, o primeiro modelo prisional registrado, Solitary Confinement, 
no qual “o preso era recolhido à sua cela, isolado dos demais, não podendo trabalhar ou 
mesmo receber visitas, sendo estimulado ao arrependimento pela leitura da Bíblia” (GRECO, 
2008, p. 494). O princípio, conforme Oliveira, era de que, “no isolamento absoluto, não é o 
respeito pela lei ou receio da punição que vai reagir sobre o condenado, mas o próprio 
trabalho de sua consciência” (2003, p. 56) 
Frequentemente, o sistema de reclusão total levava os prisioneiros à loucura e à 
morte, sendo “muito criticado, porque, além de ser extremamente severo, impedia a 
ressocialização do condenado” (OLIVEIRA, 2003, p. 57). Apesar de admissível em casos de 
necessidade, o isolamento absoluto como instrumento para a pretensa reforma que o modelo 
pensilvânico propunha assemelhava-se mais a uma tortura sofisticada. 
 
1.3.2 Sistema Auburniano 
 
As críticas ao sistema pensilvânico levam à criação do sistema auburniano, que 
limitava o isolamento ao período noturno. Caracterizava, ainda, este sistema pela rígida 
disciplina e pelo trabalho durante o dia. De acordo com Rogério Greco, “Uma das 
características principais do sistema auburniano diz respeito ao silêncio absoluto que era 
imposto aos presos, razão pela qual também ficou conhecido como silent system” (2008, p. 
495). Críticas a este sistema também se voltam contra o poder de castigar sem controle 
institucional que havia na prisão. 
Admoesta Oliveira: 
 
Enquanto que o sistema de Filadélfia objetivava a transformação do criminoso em 
homem bom e de alma pura, por meio do arrependimento, levado pela reflexão, o 
sistema Auburn pretendia condicionar o apenado pelo trabalho, disciplina e 
mutismo. Ambos, porém, só faziam degenerar o homem. (OLIVEIRA, 2003, p. 
58) 
 
O modelo pensilvânico tinha uma faceta religiosa, o sistema auburniano, por sua 
vez, tinha um viés econômico, guardando estreita relação com o contexto mercadológico, 
21 
 
servindo os reclusos de mão-de-obra. Cabe salientar, também, que a obediência era uma 
pretensão prioritária, em detrimento da reforma do preso. 
 
1.3.3 Sistema Montesinos 
 
Precursor do tratamento penal humanitário na Espanha, Coronel Manoel 
Montesinos Y Molina cria o sistema Montesinos a partir de críticas ao sistema auburniano. 
Buscava não explorar o preso, remunerando seu trabalho, além da implementação de etapas 
sucessivas de livramento. “O sistema espanhol de Montesinos enfatizava o sentido 
regenerador da pena. Criou uma forma de trabalho remunerado para o preso não ser explorado 
e suprimiu os castigos corporais”. (OLIVEIRA, 2003, p. 59) 
Existia, aqui, a possibilidade do recluso solicitar licença de saída, sendo um certo 
antecedente do regime aberto. Compreensível, visto que o sistema de Montesinos baseava-se, 
sobretudo, no princípio de que a reforma só se desenvolveria mediante a autoconsciência, 
pautando-se, pois, na confiança no recluso e na aspiração de devolver à sociedade homens 
honrados. 
 
1.3.4 Sistema Progressivo 
 
No século XIX, Alexander Maconochie, capitão da Marinha Real inglesa, 
impressionado com tratamento desumano aos presos, modifica-o, dando origem ao chamado 
Mark System. Neste sistema, a conduta do recluso influenciava na pena, sendo esta decrescida 
via trabalho e bom comportamento. “O condenado recebia marcas ou vales quando seu 
comportamento era positivo e os perdia quando não se comportava bem” (OLIVEIRA, 2003, 
p. 60), daí ser conhecido, também, como sistema de vales. De acordo com Mirabete e Fabrini: 
 
Levava-se em conta o comportamento e aproveitamento do preso, demonstrados 
pela boa conduta e pelo trabalho (mark system), estabelecendo-se três períodos ou 
estágios no cumprimento da pena. O primeiro deles, período de prova, constava de 
isolamento celular absoluto; o outro se iniciava com a permissão do trabalho em 
comum, em silêncio, passando-se a outros benefícios; e o último permitia o 
livramento condicional. (MIRABETE, 2003, p. 250) 
 
Na Irlanda, aprimorando o sistema progressivo, fora adotado o sistema de vales 
por Walter Crofton, em 1853, que: 
 
22 
 
acrescentou-lhe mais um novo período, o período de preparação à vida livre, que 
consistia em transferir o recluso para as prisões intermediárias, com suave regime de 
vigilância, sem uniforme, com permissão para conversar, sair até uma certa 
distância, trabalho externo no campo, objetivando o preparo do condenado para o 
retorno à vida, na sociedade. (OLIVEIRA, 2003, p. 61) 
 
 
1.4 Considerações sobre o Direito Penal e a prisão no Brasil 
 
Até 1512 vigoraram no Brasil as Ordenações Afonsinas e, até 1569, as 
Manuelinas, substituídas estas pelo Código de D. Sebastião, que vigorou até 1603. As 
Ordenações Filipinas o sucederam, refletindo o direito penal dos tempos medievais 
(MIRABETE; FABBRINI, 2013). Leciona Mirabete: 
 
O crime era confundido com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se 
severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores. Eram crimes a 
blasfêmia, a bênção de cães, a relação sexual de cristão com infiel etc. As penas, 
severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras etc.), visavam infundir 
o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela 
forca, pela tortura, pelo fogo etc, eram comuns as penas infamantes, o confisco e 
as galês. (MIRABETE, 2003, p. 42-43) 
 
Proclamada a independência, a Constituição de 1824 previa uma nova legislação 
penal, ficando sancionado em 1830 o Código Criminal do Império. De índole liberal, “fixava 
um esboço de individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes e 
estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos” (MIRABETE; FABBRINI, 
2013, p. 43). 
O Código Penal de 1890, após a proclamação da República, constituiu um avanço 
na legislação penal, abolindo a pena de morte e instalando um regime penitenciário de caráter 
correcional. 
Em 1° de janeiro de 1942 entra em vigor o Decreto-lei nº 2.848 de 7/12/1940, 
Código Penal atualmente vigente. Segundo Mirabete: 
 
É uma legislação eclética, em que se aceitam os postulados das escolas Clássica e 
Positiva (...): a adoção do dualismo culpabilidade-pena e periculosidade-medida de 
segurança; a consideração a respeito da personalidade do criminoso; a aceitação 
excepcional da responsabilidade objetiva.” (MIRABETE, 2003, p. 43) 
 
A reforma do sistema penal se deu com a Lei nº 7.209 de 11/7/1984. A comissão 
convocada para elaboração de um anteprojeto de lei para a reforma da Parte Geral do Código 
Penal de 1940 “apresentou seu trabalho apoiado no princípio nullum crimen sine culpa e na 
23 
 
ideia de reformulação do elenco tradicional das penas”, além do “abandono do sistema duplo-
binário das medidas de segurança e a exclusão da presunção de periculosidade”. 
(MIRABETE; FABBRINI, 2013) 
Diversos artigos foram modificados após a reforma de 1984, refletindo tendências 
como evitar a aplicaçãode penas privativas de liberdade de curta duração nos delitos de 
menor gravidade, sobretudo quando atribuídos a réus primários; maior rigor na punição dos 
crimes mais graves; repressão mais severa à criminalidade organizada. Sustentam os autores, 
ainda, relevante crítica: 
 
Embora essencial, o contínuo aperfeiçoamento do quadro normativo jamais será 
garantidor do respeito às leis. A mera cominação em lei de sanções mais severas 
também não se constitui, evidentemente, em fator importante na prevenção de 
infrações penais se é notório o alto grau de impunidade, que enfraquece o caráter 
intimidativo das penas em geral. O reduzidíssimo percentual das infrações penais 
que são investigadas e esclarecidas, a falta de celeridade no julgamento de seus 
autores e um sistema prisional extremamente deficiente, tanto em termos de vagas, 
disciplina e segurança como de respeito às garantias individuais, são indicativos 
claros de que as instituições e órgãos públicos envolvidos em todas as fases da 
persecução penal, por diversas razões, ainda falham na missão de assegurar um grau 
indispensável de efetividade da lei penal. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 28) 
 
O Direito Penal positivo brasileiro contemporâneo traduz-se por ser valorativo, 
finalista e sancionador. Assim, protege valores mais elevados, bens e interesses, e usa sanções 
de mais alto grau intimidativo (MIRABETE; FABBRINI, 2013). Nesse mesmo sentido, 
articula Greco: 
 
(...) em um Estado Constitucional de Direito (...) embora o Estado tenha dever/poder 
de aplicar a sanção àquele que, violando o ordenamento jurídico-penal, praticou 
determinada infração, a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos, 
ou mesmo implícitos, previstos em nossa Constituição Federal (GRECO, 2008, p. 
485). 
 
O advento da Constituição Federal de 1988 trouxe significativos avanços sociais 
do ponto de vista normativo, preceituando propósitos humanistas e limitações garantistas, 
influenciando o caráter fragmentário do Direito Penal, como ultima ratio. Por se caracterizar 
pelo seu modo de proteção, tendo por sanções, penas e medidas de segurança, protege o 
Direito Penal as agressões mais graves aos bens de maior importância. Sustenta, pois, 
Bitencourt: 
 
Tomando como referente o sistema político instituído pela Constituição Federal de 
1988, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas que o Direito Penal no Brasil deve 
ser concebido e estruturado a partir de uma concepção democrática do Estado de 
24 
 
Direito, respeitando os princípios e garantias reconhecidos na nossa Carta Magna 
(BITENCOURT, 2014, p. 42) 
 
Como sustenta o autor, submete-se o ius puniendi à legalidade, e esta ao consenso 
democrático, estando a serviço da sociedade na proteção dos bens jurídicos fundamentais. 
Segundo Luiz Vicente Cernicchiaro, os contornos da pena podem ser encarados consoante 
três aspectos: 
 
substancialmente consiste na perda ou privação do exercício do direito relativo a um 
objeto jurídico; formalmente está vinculada ao princípio da reserva legal, e somente 
é aplicada pelo Poder Judiciário, respeitado o princípio do contraditório; e 
teleologicamente mostra-se, concomitantemente, castigo e defesa social 
(MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 232 ). 
 
Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci: 
 
Não se pode pretender desvincular da pena o seu evidente objetivo de castigar quem 
cometeu um crime, cumprindo, pois, a meta do Estado de chamar a si o monopólio 
da punição, impedindo-se a vingança privada e suas desastrosas consequências, mas 
também contentado o inconsciente coletivo da sociedade em busca de justiça cada 
vez que se depara com lesão a um bem jurídico tutelado pelo direito penal. (NUCCI, 
2014, p. 942) 
 
A pena deve ser executada segundo certos critérios para que não atente contra o 
Estado Democrático de Direito e seus valores fundamentais, como adverte: 
 
Não é viável a execução da pena dissociada da individualização, da humanidade, da 
legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei prejudicial ao réu (princípios 
penais) e do devido processo legal, como todos os seus corolários (ampla defesa, 
contraditório, oficialidade, publicidade, dentre outros). (NUCCI, 2014, p. 942) 
 
Destarte, para que se legitime e não fira a própria ordem que a institui, a pena 
deve erguer-se em uma plataforma constitucional, respeitando os direitos e garantias dos 
presos, que devem ser rigorosamente observados pelo Estado que se pretenda democrático e 
de Direito. Questão que merece ser sempre examinada, tendo em vista a necessidade de se 
“ultrapassar o entendimento desumano, que tem estado mais ou menos implícito no sistema, 
de que a perda da liberdade para o preso acarreta necessariamente a supressão de seus direitos 
fundamentais” (FRAGOSO apud NUCCI, 2014, p. 945). Sobre estes, José Gomes Canotilho 
assevera com limpidez: “Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí 
o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos 
objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta” (apud NUCCI, 2014, p. 19). 
25 
 
O artigo 38 do Código Penal é claro: “O preso conserva todos os direitos não 
atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua 
integridade física e moral”. De igual modo, o artigo 3° da Lei de Execução Penal estabelece: 
“Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença 
ou pela lei”. 
Muito embora tenha havido todo um desenvolvimento do direito penal e da pena 
ao longo do tempo, é fato que, na realidade, nem tão distante se está dos suplícios medievos. 
Embora todas estas prescrições normativas e garantias constitucionais, a pena continua a ser 
um deplorável castigo e, não raras vezes, a evolução no sentido de humanização da pena se 
limita à teoria. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
26 
 
CAPÍTULO II 
 
 
TEORIAS SOBRE A FINALIDADE DA PENA 
 
 
O Direito Penal é indissociável de seu momento histórico, contexto sociocultural, 
ideológico e político. Atualmente, sua concepção associa-se aos efeitos que pretende produzir, 
sobre o indivíduo condenado e sociedade. A pena, de acordo com Francisco Munõz Conde, é 
condição para convivência na sociedade, justificando-se, para Bitencourt, pela sua 
necessidade. Grave, porém, imprescindível. 
A pena é corolário de um conceito de Estado, estando intimamente ligado o seu 
conceito à forma deste e seu modelo socioeconômico. Assim, é meio estatal para proteger 
eventuais lesões a determinados bens jurídicos numa específica organização social. Bitencourt 
explica que “a uma determinada teoria de Estado corresponde uma teoria da pena, e com base 
na função e finalidade que seja atribuída a esta, é possível deduzir um específico conceito 
dogmático de culpabilidade” (2014, p. 130). Estado, pena e culpabilidade formam, portanto, 
conceitos dinâmicos e inter-relacionados. 
A resposta ao “por que punir?” envolve, portanto, a própria organização político-
social. Isso porque não se restringe somente a uma discussão jusfilosófica sobre a finalidade 
da pena, mas da própria legitimação do poderio estatal. Em que se baseia a permissão do 
Estado de privar a liberdade de seus concidadãos? A função do direito penal depende da 
legitimação do Estado, enquanto a sua efetividade concerne no demonstrar de sua eficiência 
enquanto controle social. 
É fundamental o estudo das teorias da pena, vez que tratam do arcabouço 
argumentativo de justificação da imposição penal e, por conseguinte, seus contornos práticos, 
aspectos que correspondem às modernas concepções de pena. Convém salientar que a 
finalidade da pena difere de sua função e de seu conceito. Este, para Santiago Mir Puig, 
traduz-se em “castigo”, um “mal” que se impõe “por causa da prática de um delito”, e 
enquanto a finalidade relaciona-se com os efeitossociais buscados normativamente, a função 
diz respeito aos efeitos sociais produzidos (BITENCOURT, 2014). 
Tradicionalmente, as teorias justificadoras da pena se dividem em absolutas, 
relativas e mistas, convindo alertar, no mais, que esta divisão é doutrinária, não linear, já que 
27 
 
a finalidade da pena desenvolve-se de maneira difusa e, como acima suscitado, é tributária de 
seu contexto social, histórico, político, cultural e filosófico. 
De maneira geral, ensina com mestria Ferrajoli: 
 
 A diferença entre justificações absolutas ou retributivistas e justificações relativas 
ou utilitaristas encontra-se expressa de forma límpida em um conhecido trecho de 
Sêneca: as justificações do primeiro tipo são quia peccatum, ou seja, dizem respeito 
ao passado; aquelas do segundo, ao contrário, são ne peccetur, ou seja, referem-se ao 
futuro. Enquanto para as primeiras a legitimidade externa da pena é apriorística, no 
sentido de que não é condicionada por finalidades extrapunitivas, para as segundas, 
diferentemente, referida legitimidade é condicionada pela sua adequação ou não ao 
fim perseguido, externo ao próprio direito, e, portanto, exigindo um balanceamento 
concreto entre os valores do fim que justifica o “quando” da pena e o custo do meio 
do qual se deve justificar o “como”. (FERRAJOLI, 2002, p. 205) 
 
 
2.1 Teorias absolutas 
 
As teorias absolutas, ou retributivas, são melhor entendidas ao considerar o tipo 
de Estado que lhe origina. No Estado absolutista, soberano e Estado, moral, Direito e religião, 
se identificavam entre si. Assim, o poder soberano era concessão divina, concentrando o rei o 
Estado, a lei e a justiça. Nesse sentido, a pena era tida como castigo expiatório do mal, pecado 
cometido contra o soberano e, logo, contra o próprio Deus. Essa formação estatal, todavia, 
caracteriza-se também por seu caráter de transição entre baixa Idade Média e a sociedade 
liberal. A expansão burguesa exigiu a implementação de meios de proteção do capital, e, com 
o mercantilismo inicia-se o debilitamento do Estado absoluto: revisão da vinculação Estado-
soberano e surgimento do Estado burguês pautado na teoria contratualista. Nesta concepção, 
impróprio se faz o fundamento da pena na identidade entre Deus e soberano, religião e 
Estado, passando a ser concebida como retribuição à perturbação jurídico-social, necessária 
para restauração da ordem. Busto Ramirez e Hormazábal Malarée explanam esse processo de 
laicização: “À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída pela razão de 
Estado, a lei divina pela lei dos homens” (apud BITENCOURT, 2014, p. 134). 
As teorias absolutas têm enfoque no passado e apregoam a retribuição moral. A 
pena tem por fim não outro senão a realização de um ideal de justiça, limitando-se à 
compensação do mal. Escreve Ferrajoli que são teorias absolutas as doutrinas “que concebem 
a pena como um fim em si própria, ou seja, como “castigo”, “reação”, “reparação” ou, ainda, 
“retribuição” do crime, justificada por seu, intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um 
meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio 
fundamento” (2002, p. 204). 
28 
 
A retribuição da pena é caracterizada por ser um fim em si mesmo. Não 
coincidentemente, tal expressão remete ao filósofo alemão Immanuel Kant, a quem a pena 
trata de um imperativo categórico, ação objetivamente necessária em si mesma, natural 
conseqüência do delito: ao mal do crime impõe-se o mal da pena. Para a perspectiva kantiana, 
assevera Mirabete, “o castigo é imposto por uma exigência ética, não se tendo que vislumbrar 
qualquer conotação ideológica nas sanções penais” (2013, p. 230). A imposição da pena, aqui, 
é justificada não como meio para o alcance de fins futuros, mas por uma axiologia inerente, 
ou seja, por conta de um suposto débito de valor, pago com a punição. 
A punição, na reflexão kantiana, é aplicada devido à infração à lei somente, não 
devendo nunca ser meio para alcance de fim diverso, pois isso seria travestir o homem em 
coisificação, inadmissível, pois este existe como um fim em si mesmo, não só como meio para 
o uso arbitrário desta ou daquela vontade (KANT, 1959). Para Kant, ainda, o ius talionis 
reflete um adequado modo de expressão da qualidade e quantidade da pena – apreciado 
sempre, adverte, por um tribunal, e não um particular. Consiste a grande valia da teoria 
retribucionista de Kant na limitação da pena diante da consideração da dignidade humana e na 
liberdade do homem, sendo inadmissível, hoje, quaisquer teorias desvinculadas da garantia 
individual expressa pelo princípio da culpabilidade. 
Georg Hegel, por sua vez, sustentava a pena como a razão do direito, que anula o 
crime, a razão do delito, emprestando-se à sanção reparação ética, mas de natureza jurídica 
(MIRABETE; FABBRINI, 2013). Na visão hegeliana, a ordem jurídica simboliza a vontade 
geral, que, negada pelo delinquente, impõe o seu restabelecimento mediante a pena. Esta é, 
portanto, a negação da negação do Direito. Faz-se necessária a advertência de que a pena, 
aqui, não é vista como um mal aplicado devido a um mal interior. Irracional seria advogar por 
um prejuízo pela simples existência de um prejuízo prévio: é, na verdade, condição para que 
se trate o delinquente como racional e livre, honrando-lhe com algo justo em si e concedendo-
lhe o Direito; de modo diverso, mediante princípios preventivos, os quais ameaçam o homem 
tal qual um animal (BITENCOURT, 2014). 
A visão de Carrara (e outros representantes da escola clássica) aproxima-se de 
Hegel: o delito ofende a sociedade e lhe inflige insegurança, sendo fim primário da pena o 
restabelecimento da ordem externa. Insiste nas teorias retribuitivas visando à garantia da 
imposição da pena vinculada à reprovação da culpabilidade ante a prática delituosa. 
Deste modo, sem sucesso, procurava-se não confundir a natureza da retribuição 
com castigo, atribuindo-lhe um caráter ora divino, ora moral, ora jurídico (MIRABETE; 
29 
 
FABBRINI, 2013). Admoesta Bitencourt, com propriedade, acerca do equívoco teórico 
retributivo de: 
 
confundir a questão relacionada com o fim geral justificador da pena (legitimação 
externa), isto é, porque castigar, que não pode ser outro senão um fim utilitário de 
prevenção de crimes no futuro, com a questão relacionada com a distribuição da pena 
(legitimação interna), ou seja, quando castigar, que, olhando para o fato passado, 
admite uma resposta retributiva, como garantia de que a condição necessária da pena é 
o cometimento de um crime (BITENCOURT, 2014, p. 141). 
 
Ferrajoli adverte, nessa toada, que ao atribuir o fim de reparar o mal do delito à 
sanção penal, tais teorias deixam de responder por que está justificado castigar, omissão essa 
que permite, como efeito adverso, a legitimação de sistemas autoritários de direito penal 
máximo. 
O fim da pena é, portanto, tão somente, realizar a Justiça mediante a compensação 
da culpa – pautada no questionável livre-arbítrio, capacidade racional humana de distinção 
entre justo e injusto – revelando um panorama liberal, individualista e idealista, no 
reconhecimento do Estado enquanto guardião da justiça terrena e responsável em proteger a 
liberdade individual, e, sobretudo, seu caráter ético-filosófico, que transcende as fronteiras 
terrenas e pretende aproximar-se do divino (BITENCOURT, 2014). 
Critica Roxin, de maneira concisa: “La teoría de la expiación no nos puede servir, 
porque deja sin aclarar los prespuestos de la punibildiad, porque no están comprobados sus 
fundamentos y porque, como conocimiento de fe irracional y además impugnable, nos es 
vinculante” (1976, p. 14-15)1. 
Pode-se levantar ainda as seguintes questões: por que razão seria injusto uma pena 
com vistas à ressocialização, desconectada de qualquer retribuição?; e quem poderia dizer 
quando uma pena seria realmente justa? 
Não obstanteas críticas, as teorias absolutas apresentam um conteúdo talional, 
que, de certa forma, lhe imprimem um caráter de justiça, uma vez que a proposta de 
equivalência entre pena e delito enseja a ideia de proporcionalidade, avanço significativo 
comparado às exacerbadas sanções capitais e aflitivas que figuravam nas antigas civilizações 
(BARREIROS, 2008), além de fornecer um conteúdo de culpabilidade. 
 
 
 
1 “A teoria da expiação não nos pode servir, porque deixa obscuros os pressupostos da punibilidade, porque não 
estão comprovados os seus fundamentos e porque, como conhecimento de fé irracional e ademais impugnável, 
não é vinculante” (tradução do autor) 
30 
 
2.2 Teorias relativas 
 
Tais quais as teorias absolutas, as teorias relativas concebem a pena como mal 
necessário, todavia, não num ideal de justiça, mas sim para a inibição de práticas delituosas 
futuras. Enquanto o castigo é imposto ao autor do delito, segundo as primeiras, porque 
delinquiu, aqui o é para que não volte a delinquir. Do passado a justificação passa para o 
futuro. 
Assim, as chamadas doutrinas utilitaristas “justificam a pena como meio para a 
realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos” (FERRAJOLI, 2002, p. 204). 
Essas teorias atribuem finalidade preventiva à pena, finalidade essa que pode ser 
subcategorizada em duas perspectivas, geral e especial, e, cada uma destas pode ser, ainda, 
como explana Ferrajoli, sustentadas sob a visão das: 
 
doutrinas de prevenção positiva e doutrinas de prevenção negativa, dependendo do 
fato da prevenção – especial ou geral – realizar-se positivamente, por meio da 
correção do delinquente ou da integração disciplinar de todos os cidadãos, ou, 
negativamente, por meio da neutralização daquele ou da intimidação destes. 
(FERRAJOLI, 2002, p. 204) 
 
Segundo Mirabete, a prevenção geral visa intimidar todos os componentes da 
sociedade, enquanto a prevenção particular tem por escopo impedir a prática de novos crimes 
pelo delinquente, intimidando-o e/ou corrigindo-o. (MIRABETE; FABBRINI, 2013). 
 
2.2.1 Teoria da prevenção geral 
 
A prevenção geral tem por destinatária a sociedade, dando-se em versão negativa, 
ao assumir a função de dissuasão dos possíveis delinqüentes mediante a ameaça da pena ou 
castigo eficaz, ou positiva, ao reforçar a fidelidade dos cidadãos à ordem social. 
 
2.2.1.1 Prevenção geral negativa 
 
Em caráter negativo, visa a prevenção geral à intimidação, na qual, segundo 
Hassemer: 
 
existe a esperança de que os concidadãos com inclinações para a prática de crimes 
possam ser persuadidos, através da resposta sancionatória à violação do Direito 
alheio, previamente anunciada, a comportarem-se em conformidade com o Direito; 
31 
 
esperança, enfim, de que o Direito Penal ofereça sua contribuição para o 
aprimoramento da sociedade (HASSEMER apud GRECO, 2008, p. 490) 
 
Entre seus defensores, figuram Bentham, Beccaria, Filangieri, Schopenhauer e 
Feuerbach. Este, expoente desta doutrina, formula a “teoria da coação psicológica”, segundo a 
qual o Direito Penal é hábil a solucionar o problema da criminalidade mediante cominação 
penal, por um lado, ao advertir os membros da sociedade sobre os injustos que ensejam sua 
reação, e aplicação da pena, por outro lado, ao demonstrar-se eficaz em cumprir a ameaça que 
preceitua. A pena, assim, coage psicologicamente os cidadãos com a incriminação de 
condutas e a execução penal, atuando não física, mas psiquicamente, pautando-se na 
racionalidade calculista do homem, que o leva a concluir pela inconveniência da prática 
delituosa. Tal racionalidade, porém, revela-se questionável: se válida fosse, bastaria a 
aplicação da pena de morte para extinção dos crimes. 
Elucidativo é enxergar que tais teorias desenvolvem-se no período iluminista, na 
transição do Estado absoluto para o Estado liberal, influenciadas, pois, pelas idéias de livre-
arbítrio e pelo Direito Natural, pressupostos antropológicos que concebem o homem como ser 
racional capaz de deliberar calculadamente sobre as vantagens e desvantagens do delito. 
Como bem coloca Foucault, o direito de punir desloca-se da vingança do soberano à defesa da 
sociedade, e do corpo para a alma, passando a lei a ser a grande plataforma de garantia 
processual e de aplicação de sanção (1987, p. 105). 
Desconsidera tal teoria, no entanto, o importante aspecto psicológico da confiança 
na impunidade por parte do delinquente, não sendo a ameaça da imposição da pena, razão 
suficiente para impedimento do ato delitivo. Embora aceitável a influência da ameaça sobre o 
homem médio em circunstâncias de normalidade, a experiência comprova sua falha nas 
delinquencias profissionais, habituais e impulsivas ocasionais. Roxin reprocha: “cada delito já 
é, pelo só fato de existir, uma prova contra a eficácia da prevenção geral” (apud 
BITENCOURT, 2014, p. 145). 
Guillermo Sauer censura, ainda, a exigência que tal teoria enseja aos operadores 
do direito em cominar e aplicar penas elevadas que, inclusive, superam a medida de 
culpabilidade do autor (apud BITENCOURT, 2014, p. 145). 
Segundo Greco, as críticas que Hassemer levanta referem-se à violação da 
dignidade humana ao converter o delinquente em instrumento de intimidação de outros. 
Outrossim, questiona os efeitos dela esperados, uma vez que a verificação de sua eficácia 
escora-se em categorias empíricas imprecisas como “inequívoco conhecimento por parte de 
todos os cidadãos das penas cominadas e das condenações (pois do contrário o Direito Penal 
32 
 
não atingiria o alvo que ele se propõe)” e “a motivação dos cidadãos obedientes à lei a assim 
se comportarem precisamente em decorrência da cominação e aplicação de penas (pois do 
contrário o Direito Penal como instrumento de prevenção seria supérfluo)” (2008). 
Da mesma forma que ocorre com as teorias retributivas, permanece o entrave da 
impossibilidade de determinar o âmbito do punível, isto é, dos comportamentos 
legitimamente intimidáveis. Roxin e Ferrajoli acompanham, ao afirmarem a incapacidade da 
prevenção geral em fundamentar o poder intimidatório e estabelecer limites para esta 
atividade. Apesar disso, não é de todo dubitável o caráter de intimidação penal, razão pela 
qual a proporcionalidade entre cominação dura e efeito intimidatório deve ser uma 
preocupação sob pena de autenticação de um Direito Penal do terror. Bitencourt, consoante a 
tais críticas, objurga: 
 
O fim de intimidação é mesmo criticável pelo fato de possibilitar a imposição de 
penas excessivas e resultados autoritários, especialmente porque até hoje não foi 
possível demonstrar a eficácia empírica do endurecimento das penas em prol da 
função de prevenção geral de delitos. Seu método simples e unitário de motivação 
através de práticas dissuasórias não é capaz de garantir o necessário equilíbrio entre 
merecimento e necessidade de pena. E, infelizmente, na atualidade, utiliza-se em 
demasia a agravação desproporcional de penas em nome de uma discutível 
prevenção geral. (BITENCOURT, 2014, p. 147) 
 
Apesar das críticas, destaca-se sua capacidade de assegurar a fundamentação 
teórica-racional dos princípios da legalidade (a prevenção dos delitos pelo Direito Penal é 
melhor alcançada enquanto expressa em lei as hipóteses típicas), da materialidade (a 
possibilidade de prevenção restringe-se a comportamentos exteriores, excluindo intenções 
subjetivas) e da culpabilidade e responsabilidade individual (enquanto puníveis apenas as 
condutas conscientes, voluntárias e culpáveis). 
 
2.2.1.2 Prevenção geral positiva 
 
Como contraponto ao argumento da prevenção geral negativa de manutenção da 
ordem e respeito às normas mediante coação, em seu caráter positivo, a prevenção geral visa a 
internalização da moralidade e dos valores sociais vigentes, como aponta Queiroz: 
 
para os defensores da prevenção integradoraou positiva, a pena presta-se não à 
prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na 
prática de delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a 
necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; 
promovendo, em última análise, a integração social (apud GRECO, 2008, p. 490) 
 
33 
 
Em suas primeiras idealizações, a prevenção geral positiva baseia-se numa 
concepção comunitarista de Estado que, inspirando-se em Hegel, pressupõe uma certa 
consciência jurídica comum que deve ser reforçada ante a prática de um delito, que 
corresponde a um distanciamento subjetivo da comunidade e eticamente reprovável uma vez 
que afronta o ordenamento. 
Hans Welzel é considerado o precursor de tal teoria, ao conceber a garantia da 
vigência dos valores orientadores da ação jurídica como a função ético-social do Direito 
Penal, relegando à prevenção negativa a sua função de proteger bens jurídicos. Nesse viés, a 
pena retribui a culpabilidade – ensejada pelo desvalor ético-social de sua infidelidade ao 
Direito – tendo por consequência o reforço da fidelidade ao direito por parte dos cidadãos. 
Welzel, todavia, salienta-se, defendia uma concepção retributiva de pena, sendo a retribuição 
justa apenas o pressuposto da prevenção geral positiva, que, na verdade, é seu efeito. 
A prevenção geral positiva, e sua concepção de pena como promoção de 
comportamentos socialmente valiosos, foi duramente criticada em suas primeiras versões, 
uma vez que baseou os cruéis regimes nazifascistas. 
Propugna-se, aqui, três efeitos inter-relacionados: aprendizagem via motivação 
sociopedagógica dos membros da sociedade, a reafirmação da confiança no Direito Penal e a 
pacificação social quando da solução do conflito que o delito gerou (ROXIN apud 
BITENCOURT, 2014). A partir dessas ideias, duas vertentes desenvolvem-se. 
A primeira, chamada prevenção geral positiva fundamentadora, leva a função de 
reafirmação da fidelidade ao Direito para o centro do sistema penal, tendo seu apogeu na 
teoria de Günther Jakobs, segundo a qual a pena serve para destacar ao infrator que, apesar de 
sua infração, a norma persiste vigente, cumprindo sua função de estabilização social e 
orientação da conduta dos cidadãos (excluindo quaisquer pretensões de proteger valores de 
ações e bens jurídicos). 
Muñoz Conde critica tal posicionamento, classificando-o de neorretribucionista, 
apontando que a solução do conflito realiza apenas em sua manifestação, deixando suas 
causas produtoras inalteradas, além de legitimar a reprodução de um inquestionável sistema 
social (apud BITENCOURT, 2014). Criticável, também, sua pretensão de impor coativamente 
determinados padrões éticos ao indivíduo e a eliminação dos limites do poder punitivo, 
legitimando uma política criminal democraticamente deficitária. 
A segunda, denominada prevenção geral positiva limitadora, em contrapartida, 
sustenta que a prevenção geral deve se expressar no sentido de limitar o ius puniendi, como 
uma afirmação razoável do direito. O Direito Penal, visto apenas como uma dentre as várias 
34 
 
formas de controle social, caracteriza-se pela sua formalização, no sentido de que “o exercício 
punitivo do Estado vê-se limitado pelos princípios e garantias reconhecidos democraticamente 
pela sociedade sobre a qual opera” (BITENCOURT, 2014, p. 160). Assim sendo, sem 
embargo de sua base relativista, voltando sua finalidade a fins futuros, acolhe o princípio da 
culpabilidade como fundamento da imposição de pena pelo fato passado. 
Em outras palavras, a sanção formal submete-se a pressupostos e limitações não 
aplicáveis às outras formas de controle social, devendo subordinar-se aos limites do Direito 
Penal do fato e da proporcionalidade, somente podendo ser imposta mediante procedimento 
cercado de garantias jurídicas. Na perspectiva de Hassemer, adepto desta vertente da teoria da 
prevenção geral positiva, a ressocialização e a retribuição pelo fato traduzem-se em 
instrumentos para consecução do fim da pena, que encontra limite intransponível nos direitos 
do condenado. 
 
2.2.2 Prevenção especial 
 
A prevenção especial não busca intimidar o grupo social ou retribuir o fato 
praticado, mas visa o indivíduo, objetivando a sua não reincidência. Categoriza Rogério 
Greco: 
 
Pela prevenção especial negativa existe uma neutralização daquele que praticou a 
infração penal, neutralização que ocorre com a sua segregação no cárcere. (...) Pela 
prevenção especial positiva, segundo Roxin “a missão da pena consiste unicamente 
em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos” (GRECO, 2008, p. 
490) 
 
As funções acima aduzidas, ressalte-se, não são contrapostas, admitindo-se, pois, 
a sua concorrência consoante a corrigibilidade de quem delinque. 
 
2.2.2.1 Prevenção especial positiva 
 
A idéia de prevenção especial positiva é a antípoda da teoria retributiva, 
deslocando-se a finalidade do fato passado para um objetivo vindouro: a volta do delinquente 
à comunidade, readaptado. São as chamadas ideologias Re: ressocialização, readaptação, 
reeducação, reinserção. 
35 
 
Na verdade, a ideia de reforma do indivíduo já podia ser percebida desde seus 
primórdios eclesiásticos e, com o estabelecimento das penas privativas de liberdade, como 
proposta à questão do que se fazer com a ociosidade do recluso. 
Von Liszt, sustentando a necessidade da pena mediante critérios preventivos 
especiais, defende a sua aplicação visando à reeducação do delinquente, a intimidação dos que 
não necessitam de ressocializar-se e a neutralização dos incorrigíveis. Sinteticamente, seu 
pensamento pode ser traduzido em intimidação, correção e inocuização, ou mais 
precisamente: corrigir os corrigíveis, intimidar os intimidáveis e inocuizar os incorrigíveis. 
De acordo com Bitencourt, as ideias de Von Liszt são decorrência da crise do 
Estado liberal, que, afetado por fatores como o desenvolvimento industrial e científico, 
crescimento demográfico e êxodo rural intenso, dá margem ao estabelecimento da produção 
capitalista. A irresignação ante a exploração industrial representava um perigo à ordem 
estabelecida. A pena, nesse contexto, afasta-se da necessidade de restauração da ordem 
jurídica ou intimidação dos cidadãos, passando a ser concebida para a defesa da sociedade, 
porquanto o delito, mais que violação jurídica, representa um dano social, e o delinquente um 
perigo social, um anormal. O Estado, antes guardião e agora intervencionista, passa a exercer 
o controle social baseado em argumentos científicos que supostamente permitiriam a 
identificação de homens bons e maus, normais e anormais. Para estes, invocar-se-ia a defesa 
social em razão de sua periculosidade, prescrevendo-lhes medidas ressocializadoras ou 
inocuizadoras. O termo medida é utilizado pelos partidários da prevenção especial justamente 
pela concepção do delinquente como sujeito perigoso e anormal, enquanto pena implicaria na 
capacidade racional do indivíduo a partir de um conceito geral de igualdade, o que não seria o 
caso. 
Critica, Bitencourt, que a pena fundamentada estritamente em critérios 
preventivo-especiais: 
 
Termina por infringir importantes princípios garantistas, especialmente a 
necessidade de proporcionalidade entre delito e a pena, e deriva num Direito Penal 
de autor difícil de sustentar. Com efeito, os pressupostos sobre os quais se apóiam as 
medidas de ressocialização são imprecisos, as técnicas de prognóstico são mutáveis 
e inseguras, sem que até hoje se haja demonstrado a eficácia empírica do fim 
reeducacional. (BITENCOURT, 2014, p. 154) 
 
Acrescenta o autor, ainda, a ineficácia da teoria tratada diante do delinquente que, 
apesar da gravidade do delito por ele praticado, não necessite de ser intimidado, reeducado ou 
inocuizado, devido à improbabilidade de reincidência, levando à impunidade do autor. 
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