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CAPÍTULO 1
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
 Defi nir as concepções/categorias teóricas e as referências historiográfi cas que 
compõem e acompanham os conceitos/temas de história, tempo, memória e 
história oral.
 Apresentar, de forma problematizada, a dinâmica que os conceitos relacionados 
ao campo da história, da memória e da história oral receberam em outras 
épocas e em diferentes sociedades.
 Relacionar as principais abordagens, relevâncias e fi nalidades que a 
historiografi a contemporânea atribui à história, ao tempo e à memória.
10
 Memória e História Oral
11
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
CONTEXTUALIZAÇÃO
Felix (1998) discute que, quando perguntamos no presente pelo passado, 
a história tende a responder diante da inquietude da busca do sentido de nossa 
vida individual e da coletividade. Cada época faz as suas próprias perguntas ao 
passado e essas perguntas traduzem a essência dos problemas e da perplexidade 
em que o presente se debate.
A velocidade e a liquidez do tempo, verifi cadas no conjunto das relações 
humanas no espaço de trabalho e nos espaços de convívio social, são responsáveis 
também por infl uenciar as relações do homem com ele mesmo, do homem com a 
natureza e do homem com sua espiritualidade. As descontinuidades, as rupturas, a 
fragmentação do tempo passado e a aceleração do tempo presente desencadeiam 
um processo de desreferencialização que, em um determinado momento, toma 
de assalto os indivíduos quando se veem sem referências imediatas, fazendo com 
que estes questionem a sua inserção social, sintam necessidade de identifi car 
laços comuns e criar lugares de memória comuns/coletivos que preencham o 
vazio, que aplaquem a sensação de insegurança, que confi ram afeto, conforto, 
senso de beleza, harmonia e que os humanizem sensivelmente.
As indagações pelo sentido da origem, da condição humana e de sua 
trajetória estão na base da explicação que confere sentido e relevância ao fazer 
histórico. Nesse contexto, a memória, como saber-investigação-testemunho, 
representa um dos aportes essenciais ao encontrar-se, ressignifi car-se, refazer-
se e superar-se diante de momentos de crise, tanto em situações particulares 
quanto coletivas.
A DINÂMICA DO CONCEITO DE HISTÓRIA
“História, corpo do tempo”.
José Honório Rodrigues
Le Goff (1990) apresenta que a palavra história é oriunda do grego antigo, 
da expressão historie, que pertence primeiramente ao dialeto jônico e que tem 
sua raiz na palavra indo-europeia wid (weid), que designa a capacidade de ver. 
No sânscrito, no dialeto indo-árico do norte da Índia, a expressão tem como 
correspondente a palavra vettas, que designa testemunha e, no grego histor, 
que designa, também, testemunha, cuja decodifi cação signifi ca aquele que vê. 
A síntese dessas expressões está na visão, considerada a fonte essencial de 
conhecimento.
12
 Memória e História Oral
Heródoto (1985) apresenta que o termo historein, no grego antigo, já 
incorporava a designação de procurar saber, informar-se, que solicitava o ofício 
de investigar e, por consequência, instaurou o primeiro ofício e problema real ao 
profi ssional da história, que é o de investigar, procurar, verifi car e saber.
Nas línguas românicas, que se desenvolveram posteriormente, a história 
adquiriu até três conceitos diferentes. Todos partem das teorizações apresentadas 
por Heródoto e reforçam a ideia de que consiste na procura das ações realizadas 
pelos homens, reforçando a necessidade de construí-la como uma ciência, 
a ciência histórica propriamente dita. Outro sentido é o da narração, no qual 
o repertório de referências do historiador é empregado, uma vez que é nesse 
aspecto que se cadenciam as discussões sobre parcialidade e imparcialidade, 
verdade e farsa/fábula histórica.
Le Goff (1990) apresenta que o problema de verdade versus não verdade, 
história versus farsa/fábula, não ocorre na língua inglesa. Os termos history 
(história) e story (conto ou fi cção) desfazem este impasse e ausentam o 
conhecimento histórico de maiores discussões e implicações epistemológicas. 
Outras línguas europeias esforçam-se por evitar esta ambiguidade. O italiano, 
por exemplo, utiliza da palavra storiografi a para designar a ciência histórica. O 
alemão estabelece a diferença entre a atividade científi ca (geschichtschreibung) e 
a ciência histórica propriamente dita (geschichtswissenschaft). 
Bosi (1994) reforça que, na cultura grega, ocorria uma síntese plástica entre 
as instâncias da linguagem, do ver e do pensar. Contavam com a palavra eidos, 
que designava forma ou fi gura e que, por sua vez, possui afi nidade coma palavra 
idea do latim. No latim, a expressão vídeo (eu vejo) e idea ilustram a síntese 
grega. Quando conjugadas e interpretadas, ambas sugerem a concepção de 
história como uma visão-pensamento que aconteceu. 
Uma questão em que as discussões entre história e lenda estão presentes, 
é sobre a fundação e povoamento das cidades e a formação dos 
primeiros governos. Roma talvez possua o exemplo mais expressivo 
dessa questão, inclusive, relacionado com a própria noção de história, 
que também possui uma versão mitológica (Clio a patrona/musa da 
história) e uma versão histórica (Heródoto, o pai da história).
Clio a patrona/
musa da história, 
Heródoto, o pai da 
história.
13
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
Figura 1 - Clio, de Pierre Mignard, século XVII
Disponível em: <http://goo.gl/cWrmTa>. Acesso em: 20 fev. 2016.
Na mitologia grega existe Clio, que é fi lha de Zeus/Júpiter (deus dos deuses) 
e Mnemósine (deusa da memória). Clio deriva da palavra grega “celebrar” e, pelo 
fato de cantar a glória dos guerreiros e as conquistas de um povo, tornou-se a 
patrona da história.
O fato de Heródoto de Halicarnasso ser considerado o pai da história, 
justifi ca-se quando no escrito de seu livro I expressa a seguinte declaração:
Os resultados das investigações de Heródoto de Halicarnasso 
são apresentados aqui, para que a memória dos acontecimentos 
não se apague entre os homens com o passar do tempo e para 
que os feitos maravilhosos e admiráveis dos helenos e dos 
bárbaros não deixem de ser lembrados, inclusive as razões 
pelas quais eles guerrearam (HERÓDOTO, 1985, p. 19).
Heródoto de Halicarnasso manifestava preocupação com o fato de que os 
acontecimentos humanos estão fadados ao esquecimento. Entendia que era 
necessário distinguir os fatos e feitos humanos dos demais seres e coisas da 
natureza. Felix (1998) aponta que desde a Grécia antiga estavam postuladas as 
categorias fundamentais que recaem até hoje sobre o conhecimento histórico. 
Veja:
14
 Memória e História Oral
Caro(a) pós-graduando(a), observe abaixo as categorias 
históricas que foram defendidas ainda na Grécia antiga:
• A história é constituída de relato e narração.
• A fi nalidade da história é que a memória dos acontecimentos não 
se apague.
• A história é temporal, baseada na sucessão de épocas e sociedades.
• Existe um contraponto na história entre subjetividade e objetividade.
Le Goff (1990) escreve que o saber ocidental parte do pressuposto de que 
a história nasceu com os gregos. Essa tese se encontra veiculada a motivação 
e necessidade em distinguir os gregos dos povos bárbaros, ou seja, trata-se de 
uma noção de diferenciação de desenvolvimento civilizacional.
Hartog (2013) ilustra a questão, apontando que Heródoto considerava os 
líbios, os egípcios e, principalmente, os citas e os persas, os bárbaros de seu 
tempo. Isso, por sua vez, transferia aos povos não gregos certo olhar étnico 
de diferenciação. Le Goff (1990) explica que, para os gregos, o nomadismo 
dos povos citas os inferiorizava como povo e civilização. Na perspectiva de 
julgamento grega, noção de fronteira, de imperialismo e hegemonia não podem 
ser desconsideradas. Na concepção de mundo dos gregos,os líbios, egípcios, 
citas e persas, ou melhor, os estrangeiros, representavam a barbárie. Os citas 
que atravessavam a fronteira e se aproximavam da civilização foram mortos.
 
Arendt (1992) argumenta que o surgimento da historiografi a na história 
ocidental acontece na antiguidade, quando ocorre a necessidade de distinguir 
a mortalidade dos homens da imortalidade dos seres da natureza, baseado na 
percepção das coisas que existiam por si mesmas na natureza e as que haviam 
sido feitas pelo homem, conforme é possível identifi car na passagem abaixo:
Todas as coisas que devem a sua existência aos homens, 
tais como obras, feitos e palavras, são perecíveis, como que 
contaminadas com a mortalidade de seus autores. Contudo, 
se os mortais conseguissem dotar suas obras, feitos e palavras 
de alguma permanência, e impedir sua perecibilidade, então 
essas coisas ao menos em certa medida entrariam no mundo 
da eternidade e aí estariam em casa, e os próprios mortais 
encontrariam seu lugar no cosmo, onde todas as coisas são 
imortais, exceto os homens (ARENDT, 1992, p. 72.) 
15
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
Na obra intitulada a Ideologia Alemã, de 1846, Marx (1818-1883) e Engels 
(1820-1895) abordam as bases do materialismo histórico e procuram defender 
que o homem é fruto do seu trabalho e das relações de produção, mas não da 
vida espiritual. Para Marx e Engels (2010), o trabalho diferencia e distingue os 
seres humanos das outras espécies. A concepção de história defendida por Marx 
e Engels reside na vida material, no modo de produção e na estruturação da 
sociedade civil.
O historicismo, corrente historiográfi ca que prevaleceu na segunda metade 
do século XIX, dedicou-se especialmente a formular, pela primeira vez, a ideia 
da interpretação histórica como sendo a operação essencial do pesquisador. A 
interpretação histórica consistia em transformar os dados empíricos em fatos 
históricos, tecê-los em uma narrativa erudita uniforme e linear. 
Dosse (2003) discute que no século XIX, em meio às concepções metódicas 
e historicistas, prevaleceu uma noção de que o bom historiador era o que 
expressava amor e devoção ao trabalho, que deveria ser realizado com modéstia 
e profunda erudição, baseado em critérios incontestáveis de julgamento científi co 
e controle da subjetividade, obtidos a partir da pesquisa para épocas distantes do 
presente.
O movimento dos annales, a partir do século XX, dedicou-se à crítica da 
historiografi a historicista, retomando a noção grega de história, ou seja, que a 
história constitui uma interpretação do passado que se dá a partir do presente. 
O aporte teórico e referencial dos estudiosos dos annales foi Benedetto Croce 
(1866-1952), responsável por escrever La storia come pensiero e come azione (A 
história como pensamento e como ação).
 
Croce (1962) explica que, por mais afastados no tempo que pareçam os 
acontecimentos, a história liga-se e encontra-se legitimada às necessidades e às 
situações presentes, nas quais esses acontecimentos têm ressonância e impacto 
na realidade. De fato, Croce (1962) pensa que a partir do momento em que os 
acontecimentos históricos podem ser repensados constantemente, deixam de 
estar no tempo de forma aleatória e gratuita, pois, quando tomados aos estudos 
e à inteligibilidade pela história, fatos e acontecimentos adquirem caráter de 
conhecimento do eterno presente.
Para Felix (1998, p. 27):
A polissemia da palavra história permite que seja entendida 
como: ciência ou disciplina do acontecido, isto é, história-
conhecimento; história como notícia dos fatos e história 
como fatos acontecidos, ou seja, história-processo. Os fatos 
históricos (em sua dimensão individual ou agrupados em 
16
 Memória e História Oral
dimensões conjunturais e estruturais), objetos da história-
conhecimento, foram percebidos e analisados diferentemente 
ao longo da trajetória da história-processo, permitindo, assim, 
a existência de um campo próprio do conhecimento histórico 
voltado para sua análise: a historiografi a, à qual compete 
examinar as diferentes formas de conceber e escrever a história 
nos espaços e tempos. A história como conhecimento, isto é, 
como operação intelectual, envolve registro, distanciamento, 
problematização do objeto, crítica e refl exão.
Ginzburg (1991 apud PALLARES-BURKE, 2000) afi rma que a história é como 
a química antes de Boyle ou a Matemática antes de Euclides, ou seja, não houve 
um Galileu ou Newton que criasse um paradigma da história, e talvez jamais haja. 
Os historiadores podem dizer muitas coisas distintas e confl itantes, mas ainda 
assim serem considerados profi ssionais da história. 
Hegel (1798 apud NICOLA, 2005), dizia que a coruja de minerva 
alça seu voo ao crepúsculo, ou seja, o pássaro da história alcança 
seu voo quando a noite estiver caída, quando o presente estiver 
defi nitivamente morto. Os historiadores do século XIX defendiam 
que a história só nasce para uma época quando ela está inteiramente morta. A 
partir da renovação do pensamento histórico, em especial da história nova dos 
anos de 1970, a incumbência do historiador do presente está em fazer, de forma 
consciente, o passado manifestar-se no presente, ao invés de fazer o presente se 
manifestar no passado. Nesse processo apela à memória para renovar e ampliar 
o campo da história contemporânea.
O SENTIDO DA HISTÓRIA
“Para quem não tenha a alma pequena e vil, a experiência 
da história é de uma grandeza que nos aniquila”.
 Henri-Irenée Marrou
Mesmo em meio a terreno incerto, é possível enumerar algumas defi nições 
que são historicamente legitimadas, que auxiliam no momento da experiência 
profi ssional e que justifi cam o conhecimento válido.
Buscar o sentido da história é uma questão difícil, por isso, acaba 
embaraçando muitos estudiosos, não somente historiadores, mas também 
fi lósofos, pois na tentativa de apresentar respostas imediatas e efi cientes, há risco 
de cair em defi nições simplistas, mecânicas e reducionistas. Por muito tempo 
a história foi defi nida como sendo um saber de natureza particular, que ocorre 
apenas uma vez, ou seja, um fato único, um acontecimento que não se repete, 
porém foi reelaborada e mais contemporaneamente se tornou consenso entre os 
A coruja de minerva 
alça seu voo ao 
crepúsculo.
17
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
historiadores, assim como das demais ciências que tratam do estudo do passado. 
Dosse (2003) refl ete, dizendo que a disciplina de história constitui um 
conhecimento indireto, um saber que só chega, é captado e compreendido 
por meio de vestígios; e o que se faz é tentar preencher os vestígios em suas 
ausências. O passado é um conceito que pertence a uma temporalidade, o qual 
se encontra, de forma aleatória, desorganizado ou até sobreposto e que, por 
sua vez, pode ser transformado e sistematizado em conhecimento por meio das 
perguntas/problemas e das concepções teóricas/metodológicas, atribuídas a ele 
pelos pesquisadores/estudiosos. 
Le Goff (1990) descreve que os historiadores da antiguidade, quando estavam 
debruçados sobre as histórias de suas civilizações, impérios, povos e cidades, 
acreditavam estar dando conta de toda a história da humanidade. Os historiadores 
da época medieval, em sua maioria cristãos, dedicavam-se a escrever a história 
de deus, dos santos e da própria igreja. Os estudiosos do renascentismo e do 
iluminismo estavam convictos de que pesquisavam a história do homem. Já 
os pesquisadores da modernidade, entendiam que a história consistia em uma 
ciência em evolução, preocupando-se com a evolução das sociedades humanas. 
O teórico revolucionário do movimento comunista, Karl Marx (1818-1883), 
em suas refl exões sobre as teorias da história, descrevia que os homens são 
os responsáveis por fazer a sua própria história, mas devem estar atentos, 
pois existem condições e estruturas herdadas do passado, que infl uenciam e 
determinam o agir e o viver nopresente. Júlio de Castilhos (1860-1903), político 
que se manteve atuante por muitos anos no Estado do Rio Grande do Sul pela 
vertente política do positivismo, gravou na lápide de seu jazigo no cemitério da 
Santa Casa da Misericórdia, na cidade de Porto Alegre/RS, a seguinte frase: “os 
vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”.
18
 Memória e História Oral
Figura 2 - Jazigo de Júlio de Castilhos
Disponível em: <http://goo.gl/91eqkv>. Acesso em: 21 fev. 2016.
Ambos, pertencendo ao mesmo momento histórico, porém em contextos 
políticos e ideológicos diferentes, apresentam uma compreensão semelhante 
sobre a infl uência do passado no presente, reconhecendo que a consciência dos 
vivos pode sofrer ou sofre a infl uência e determinação das gerações passadas.
Rodrigues (1984) chama a atenção para a perspectiva de que a afi rmação 
expressa por Júlio de Castilhos possui pouco espírito crítico e comprometido com 
o presente, pois pretende defender e restaurar o passado diante do presente, 
representando um equívoco que os historiadores não podem se dar ao luxo de 
cometer. O passado não volta, o historiador precisa estar comprometido com o 
seu tempo, o presente.
Rüsen (1996) aborda que quando a história foi reconhecida como uma 
ciência (a ciência do passado), na segunda metade do século XIX, os estudiosos 
19
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
historicistas herdaram toda uma tradição que atribuía à história a função de 
julgar o passado e instruir os homens para que tirassem o melhor proveito para 
sua geração e para as gerações sucessoras. No entanto, posicionaram-se 
contrários àquela função da história e defenderam que os historiadores, a partir 
do século XIX, deveriam somente mostrar e explicar como as coisas efetivamente 
aconteceram.
Bloch (1886-1944), um dos principais idealizadores da escola do annales, 
procurou combater a ideia de estudar o passado pelo passado, dos fatos pelos 
fatos, posição que havia sido defendida no centro do movimento historicista e, 
com os demais adeptos dos annales, defendeu que o interesse pelo passado 
deveria ser o de esclarecer o presente, pois o passado é atingido/explicado a 
partir do presente.
Essa concepção de história requer, por parte do historiador e dos profi ssionais 
da história, uma postura de deslocamento de percepção e entendimento, a qual, 
por sua vez, parte do presente em busca do tempo passado e, quando ambientado 
e contextualizado em meio ao passado, identifi ca/reconhece os embriões e as 
sementes que se desenvolvem no presente.
Outra discussão de Bloch (2001) está na ideia de que a história se encontra 
desfavorável às certezas. A história é essencialmente equívoca, no sentido de que 
é virtualmente événementielle (eventual - eventualidade) e virtualmente estrutural. 
Le Goff (1990) contribui com as teses de Bloch, explicando que a história é um 
campo do inexato e isto é estrategicamente favorável ao historiador, pois o ponto 
de partida da investigação histórica é o da incerteza e o da dúvida.
Segundo Bloch (2001), o que mais importa é mostrar, em primeiro plano, 
por meio de alguns exemplos, o tipo de relações que as sociedades históricas 
mantiveram com o seu passado e o lugar que a história ocupa no seu presente. 
Nesse sentido, as teorizações de Lucien Febvre (1978-1956), contemporâneo e 
parceiro intelectual de Bloch, defendem que a história recolhe sistematicamente, 
classifi cando e agrupando os fatos passados, em função das suas necessidades 
atuais, pois, segundo o autor, organizar o passado em função do presente alcança 
a função social da história.
Tais teorizações, em contrapartida, foram amplamente criticadas por 
Hobsbawm (1998), interpretando que a história atualmente é revista ou inventada 
por gente que não procura ou deseja saber do passado como ele realmente 
ocorreu, mas pelo passado que sirva aos objetivos e aos interesses de quem o está 
buscando. O autor ainda prossegue, refl etindo que hoje, no interior da produção 
do conhecimento histórico, vive-se uma grande era da mitologia histórica. 
20
 Memória e História Oral
Le Goff (1990) descreve que a ciência histórica conheceu, a partir dos anos 
de 1970, avanços e renovações surpreendentes nos aspectos de novos temas, 
objetos e questões de pesquisa, enriquecimento de técnicas e métodos, bem 
como de aportes teóricos e de categorias de análise.
 
Collingwood (1989) defende que existe uma relação muito próxima entre 
passado, presente e o ato de refl exão do historiador sobre o seu trabalho. O 
passado é um aspecto e/ou uma função do presente e é sempre assim que ele 
deve aparecer ao historiador o qual refl ete inteligentemente sobre o seu próprio 
trabalho, ou, dito de outro modo, deve-se ter em vista a ideia de fazer também 
uma espécie de fi losofi a da história.
No tempo presente, existe um grande fardo de tarefas e explicações que são 
herdadas das gerações anteriores, bem como são frutos de nosso próprio tempo 
(equívocos, injustiças e desigualdades). Isso faz com que muitos indivíduos 
prefi ram, estrategicamente, refugiar-se em algum lugar do passado, quase 
sempre em um passado romântico, idealizado, isento de confl itos, impasses ou 
situações para resolver.
 O peso das tarefas do presente, muitas vezes, recai mais sobre os jovens 
do que sobre os antigos integrantes das gerações anteriores, pois aos jovens é 
conferida a missão de transformar a realidade. Quando ocorre a oportunidade de 
implementar algo novo no sentido de agir/transformar o presente, é comum surgir 
dicotomia nas opiniões dos indivíduos, na perspectiva de que alguns defendam 
que é necessário conservar tudo e outros, por sua vez, defendam que é preciso 
desfazer tudo e edifi car/reescrever outra vez.
Diante disso, Rodrigues (1913-1987) aponta que ambos os pontos de vista 
dialoguem no sentido de estabelecer uma proximidade de equilíbrio entre o ritmo 
da vida (presente) e da história (passado). Veja:
O passado não deve ser estudado como um objeto morto, 
como uma ruína, nem como uma autoridade, mas como uma 
experiência. Uma experiência aprendida e consolidada. Por 
mais arrogante que seja o presente, nele se inserem forças do 
passado, sem cujo conhecimento a compreensão do presente 
é incompleto (RODRIGUES, 1966, p. 212-213).
O citado autor defende que a história deve ser tanto mais viva quanto mais 
próxima da problemática da vida, assim terá condições de deixar de ser uma 
seara de fatos mortos e infecundos. Veja novamente:
O objetivo da história é dar sentido ao passado; é conhecer 
e compreender não para contemplar um passado morto, mas 
para agir, para libertar consciências, para dar força às forças 
do progresso, para identifi car e integrar o país com sua história 
21
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
e seu futuro, essa é toda a tarefa da história (RODRIGUES, 
1984, p. 39).
Nos escritos de Glenisson (1991) também se encontram outras defi nições 
para a história e para orientação do profi ssional dessa área, tais como a de Henri 
Pirenne (1862-1935) para quem o historiador nada mais é do que um homem 
que se dá conta da mudança das coisas – a maioria das pessoas não 
toma consciência disso – e que procura a razão dessa mudança. Já 
para André Piganiol (1883-1968), a história está para a humanidade 
assim como a memória está para o indivíduo, considerando que a 
história é a memória coletiva. Para Gabriel Monod (1844-1912), trata-
se do conjunto das manifestações da atividade e do pensamento humano, ambas 
consideradas em sucessão e desenvolvimento, com relações de conexão e/ou 
dependência. Para Marc Bloch (1866-1944), o objeto da história é por natureza, o 
homem.
A história pode ajudar a conectar as estratégias que as pessoas dispunham 
em seu momento histórico para transcender a realidade e mobilizar forças 
espirituais e psíquicas, a fi m de conscientizar-se das chances de criatividade 
cultural e potencial de superação humana que há no presente,bem como as 
difi culdades em percebê-las e captá-las.
O objeto da história 
é por natureza, o 
homem.
Atividades de Estudos:
Caro(a) pós-graduando(a), acerca das indagações e refl exões que 
vão desde o campo teórico/metodológico até o fazer histórico 
propriamente dito, responda às seguintes perguntas:
1) De onde vem sua motivação pela história? Qual o motivo da sua 
decisão ou escolha pela história?
 ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
2) Qual é a moral e o sentido que você atribui para a história? 
 ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
22
 Memória e História Oral
____________________________________________________
____________________________________________________
AS DIFERENTES NOÇÕES DE TEMPO
“História: homem no tempo”.
Marc Bloch
Na mitologia grega, existe a narrativa do deus do tempo, chamado de 
Cronos, fi lho de Urano (deus do céu) e Gaia (deusa da terra), o principal deus 
da linhagem dos titãs que regia os domínios da agricultura e do tempo, casado 
com Reia (também fi lha de Urano e Gaia). Para se precaver da profecia de que 
seria destronado por um dos fi lhos, devorou-os no momento do nascimento. 
Reia conseguiu esconder um deles, Zeus (deus dos deuses), no interior da ilha 
de Creta. Quando adulto, liberou os titãs e fez o pai, Cronos, regurgitar os fi lhos 
devorados. Uma vez que Zeus derrotou Cronos, o deus do tempo adquiriu o poder 
da imortalidade, que atribuiu aos demais deuses.
Figura 3 - Cronos: o deus do tempo
Disponível em: <https://goo.gl/3MBKEr>. Acesso em: 20 fev. 2016.
23
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
O deus mitológico Cronos vincula-se à representação que a palavra tempo 
adquire quando associada à idade. As pessoas de maneira geral não se sentem 
muito à vontade quando indagadas sobre sua idade. Isso é um fato da sociedade 
contemporânea, na qual os indivíduos almejam pela eterna juventude e os 
sentimentos de angústia e desespero, bem como as técnicas de rejuvenescimento 
e as tecnologias controlam e informam a passagem do tempo.
 
Nesse contexto, José Saramago (1922-2010) possui uma crônica que pode 
promover uma relação mais sensível, signifi cativa e valorativa da passagem do 
tempo, bem como da sua ação sobre o homem. Observe:
QUANTOS ANOS TENHO?
Tenho a idade em que as coisas são vistas com mais calma, 
mas com o interesse de seguir crescendo.
Tenho os anos em que os sonhos começam a acariciar com os 
dedos e as ilusões se convertem em esperança.
Tenho os anos em que o amor, às vezes, é uma chama intensa, 
ansiosa por consumir-se no fogo de uma paixão desejada. E outras 
vezes é uma ressaca de paz, como o entardecer em uma praia.
Quantos anos tenho? Não preciso de um número para marcar, 
pois meus anseios alcançados, as lágrimas que derramei pelo 
caminho ao ver minhas ilusões despedaçadas…
Valem muito mais que isso.
O que importa se faço vinte, quarenta ou sessenta?
O que importa é a idade que sinto.
Tenho os anos que necessito para viver livre e sem medos.
Para seguir sem temor pela trilha, pois levo comigo a experiência 
adquirida e a força de meus anseios.
Quantos anos tenho? Isso a quem importa?
24
 Memória e História Oral
Tenho os anos necessários para perder o medo e fazer o que 
quero e o que sinto.
Fonte: SARAMAGO, José. Quantos anos tenho? Disponível em: 
<http://goo.gl/OhAhWM>. Acesso em: 23 mar. 2016.
Le Goff (1990) descreve que o calendário é o produto e a expressão 
da história. Encontra-se ligado às mais remotas origens míticas e religiosas 
da humanidade (festas), que, posteriormente, foi adaptado aos progressos 
tecnológicos e científi cos (medida do tempo), à evolução econômica, social e 
cultural (tempo do trabalho e tempo de lazer). 
Ele manifesta o esforço das sociedades humanas em transformar/domar 
o tempo cíclico da natureza e dos mitos, do eterno retomo num tempo linear e 
sistemático em grupos de anos: triênios, lustros, décadas, olimpíadas, século, 
milênios, eras, entre outros. Os principais processos consistem na defi nição de 
pontos de partida cronológicos (fundação de Roma, era cristã, mês de ramadã, 
pentecostes, entre outros), na busca de uma periodização e na criação de 
unidades iguais e mensuráveis de tempo: dia de vinte e quatro horas, décadas, 
século, etc.
Tem-se o calendário solar, que foi utilizado por inúmeras comunidades 
antigas e serviu de base para a formação do calendário gregoriano, o qual foi 
imposto pelo papa Gregório XIII no século XVI e que rapidamente foi adotado por 
quase todas as nações cristãs ocidentais da época.
Le Goff (1990) analisa que a capacidade de universalização alcançada pelo 
calendário gregoriano foi possível porque congregou três dimensões temporais 
fundamentais: o tempo cíclico dos acontecimentos litúrgicos, como o natal, a 
páscoa e o dia dos principais santos; o tempo evolutivo, antes e depois de cristo; 
o tempo salvacionista, o tempo futuro da ressurreição e da redenção dos homens 
no reino de deus. 
Os tempos que sucederam a divulgação do calendário gregoriano foram os 
das grandes navegações e o da revolução industrial, em que os instrumentos de 
medição e controle do tempo foram aprimorados cada vez mais. Aliado a isso, 
ocorreram também mudanças na percepção e no valor atribuído ao tempo, em que 
o tempo adquire conotação do sistema econômico do capitalismo, caracterizado 
pelas noções de capital, produção, dinheiro e lucro.
25
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
A partir da sistematização do calendário gregoriano, os historiadores 
procederam a outras reorganizações do tempo, criando idades, décadas, séculos, 
milênios e situando os mais expressivos acontecimentos, eventos, revoluções e 
feitos em cada um deles, no sentido de demarcar o início e o término, a passagem 
de um para outro.
Um dos problemas da criação das padronizações de tempo está no fato de 
que muitas vezes a passagem do tempo tende a ser percebida numa dinâmica 
linear, progressiva, evolucionista e triunfante, isenta de contradições, involuções, 
permanências, retrocessos, danos e perdas do ponto de vista técnico, em meio à 
natureza e de valores humanitários/ civilizacionais.
Le Goff (1990) descreve que, até o renascimento ou mesmo até o fi nal do 
século XVIII, as sociedades ocidentais valorizaram o passado, o tempo das origens 
e dos ancestrais, entendidos como tempos e épocas de inocência, fertilidade, 
proteção e felicidade. Imaginaram-se eras míticas: idades-do-ouro, o paraíso 
terrestre e o jardim do éden, porém conforme se aproximava do tempo presente, 
a história do mundo e da humanidade aparecia como uma longa decadência, de 
paraíso perdido, de privações e lamentos.
Le Goff (1990) descreve que surgiu na Europa da segunda metade do século 
XVII e na primeira metade do século XVIII a evidência da oposição e disputa entre 
antigo/moderno. O debate foi proposto e sustentado em meio às teorias científi cas, 
literárias e artísticas que estavam em crescente consolidação na época. O debate 
propunha a concepção de que o antigo era sinônimo de superado e o moderno, 
de novo, progressista e sofi sticado. Essa concepção reinou absoluta ao longo do 
século XIX e nas primeiras décadas do século XX, somente sendo questionada a 
partir das catastrófi cas experiências das guerras mundiais.
O autor prossegue, dizendo que os fracassos dos projetos de modernidade 
(industrialização, urbanização, racionalização do pensamento, secularização da 
sociedade, laicidade do Estado), modelos globalizantes, como o do marxismo, 
as denúncias das práticas stalinistas e do gulag, os horrores do fascismo e, 
principalmente, do nazismo, os campos de concentração,a revolução cultural 
chinesa, os mortos e as destruições das cidades pela segunda guerra mundial, 
a bomba atômica, somados aos processos de descoberta e reconhecimento de 
culturas distintas e distantes do norte do Atlântico e do Mediterrâneo, podem ser 
indicadas como as principais evidências desse processo (LE GOFF, 1990).
Le Goff (1990) explica que essa avalanche, que vem renovando e 
multifacetando a produção do conhecimento histórico e que colocou ainda 
mais em xeque a crença no progresso linear, contínuo, triunfante e irreversível, 
sustentada em um único modelo totalizante e homogeneizante, também carrega 
26
 Memória e História Oral
consigo outros problemas. A história passou a se defrontar com crenças que 
ganharam proporções de verdadeiras coqueluches mundiais, caracterizadas por 
uma espécie de grande revival, em que são retomadas profecias e visões, em 
geral catastrófi cas do fi m do mundo ou, pelo contrário, revoluções iluminadas, que 
invocam milenarismos, favorecendo o surgimento de seitas neopentecostais, as 
quais abarcaram tanto as populações dos países em desenvolvimento como as 
do chamado primeiro mundo. Trata-se de um retorno à já conhecida escatologia.
Escatologia: doutrina do destino último do homem (morte, 
ressureição, juízo fi nal) e do mundo (estado futuro) (MICHAELIS, 
2009).
A preocupação com o tempo é um dos atributos específi cos e particulares 
da história. Independente de qual for a concepção de história adotada, o tempo 
se impõe aos profi ssionais dela. Os fatos humanos são, por essência, fenômenos 
delicados e que podem escapar a qualquer medida matemática. O tempo 
verdadeiro constitui uma espécie de continuum e ao mesmo tempo uma perpétua 
mudança (BLOCH, 2001). Segundo Glenisson (1991), não é possível escapar da 
necessidade de datar ou fi xar cronologias e, mais especifi camente, impedir de 
determinar a duração dos fatos e eventos históricos.
Historiadores, como Henri Pirenne e Marc Bloch, defendem que o profi ssional 
da história é aquele que percebe a mudança das coisas. Percepção que se dá 
somente quando são analisados os eventos e os acontecimentos por meio de 
uma dada organização cronológica.
Tanto os esquemas (modos de produção) marxistas, como a 
cronologia europeia francesa, representam casos limites signifi cativos, 
permitindo análises coerentes e seguras em termos de tempo histórico 
e dinâmicas políticas, econômicas, sociais e culturais, porém ambas 
representam condições históricas localizadas e generalizantes que, por 
sua vez, são frágeis para servirem de recipientes sufi cientes da complexidade 
das experiências e dos processos históricos que compõem a humanidade. A 
experiência humana, pensada na sua diversidade e complexidade, não cabe, 
transborda.
Existem inúmeras noções que podem ser utilizadas na tentativa de captar 
o desenrolar do tempo, como a noção de tempo vivido (que é marcada no 
A experiência 
humana, pensada 
na sua diversidade e 
complexidade, não 
cabe, transborda.
27
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
intervalo transcorrido entre o nascimento e a morte), o tempo psicológico, o tempo 
biológico, o tempo concebido (que varia conforme cada sociedade compõe seu 
universo de valores e crenças), o tempo cronológico (geralmente regulado com 
a adoção de calendários), o tempo astronômico (caracterizado pelas órbitas de 
planetas ou presença de estrelas, cometas, etc.), o tempo geológico (que condiz 
com a formação do planeta terra e da natureza), entre outros.
Outro processo que é necessário conhecer refere-se às sucessivas 
revoluções técnicas, à substituição de matérias-primas e aos novos objetos que 
são adicionados aos modos de vida que ampliam desmedidamente o intervalo 
psicológico entre uma geração e outra. Bloch (2001, p. 62) afi rma que “não sem 
alguma razão, talvez o homem da era da eletricidade e do avião se sinta bem 
longe de seus ancestrais”.
Outro aspecto que pode enriquecer a ampliar a percepção da passagem do 
tempo é alcançado relacionando e comparando a dinâmica de vida dos indivíduos 
que residem em cidades e se encontram num contexto de trabalho industrial, 
regrados pelos horários dos meios de transporte, das atividades comerciais; com 
a relação que as comunidades rurais e campesinas estabelecem com os ciclos e 
estações do ano, no manejo da terra e trato de animais, na percepção a partir dos 
rituais de grupos indígenas, na percepção do tempo das comunidades ribeirinhas 
diante da oscilação do nível das águas, das épocas de chuva e estiagem, 
assim como não se pode perder de vista a existência de lapsos, amnésias, 
esquecimentos (voluntários e involuntários), doenças como o mal de Alzheimer, 
entre outros fatores que sugerem observação e compreensão do tempo como 
sendo uma ocorrência relativa.
Conforme Bittencourt (2008, p. 204), “um dos objetivos básicos da 
história é compreender o tempo vivido de outras épocas e converter o 
passado em nossos tempos”. Ou seja, aproximar e tornar familiar na 
experiência do tempo presente, os tempos distantes, o tempo passado, 
no sentido de reconhecer o que aquele conhecimento do passado pode 
contribuir para com as problemáticas e impasses que se apresentam 
na época presente.
Ao dar conta desse exercício, o historiador pode utilizar-se de categorias 
temporais como o acontecimento, o ciclo, a estrutura, a conjuntura e, por sua 
vez, as noções de tempo qualitativo dos processos e das durações que procuram 
evidenciar as sucessões diacrônicas e marcar mudanças/rupturas, bem como a 
simultaneidade, as permanências e as continuidades.
Caro(a) pós-graduando(a), não se esqueça das ressalvas proferidas por 
Bloch (2001): o tempo humano permanecerá sempre rebelde, tanto para a 
Conforme Bittencourt 
(2008, p. 204), 
“um dos objetivos 
básicos da história 
é compreender o 
tempo vivido de 
outras épocas e 
converter o passado 
em nossos tempos”.
28
 Memória e História Oral
implacável uniformidade como também para a divisão rígida do tempo do relógio. 
Faltam medidas adequadas que contemplem a variabilidade do ritmo e do 
desenrolar do tempo.
Diante desse contexto de tensões e impasses sobre a periodização da história 
da humanidade, Fernand Braudel (1902-1985), estudioso francês, incorporou os 
fundamentos da antropologia, da economia e da geografi a, no sentido de captar e 
perceber os diferentes ritmos e níveis que impregnam o tempo histórico.
Braudel (2005) propôs três ordens que apresentam ritmos e dinâmicas 
diferentes: o acontecimento, a conjuntura e a estrutura. 
O acontecimento possui breve duração e engloba fatos de ordem acidental 
e individual, tal como um nascimento, uma morte, uma greve/invasão/ataque, um 
ato público ou um discurso, encontrando-se vinculado mais à esfera política das 
atividades humanas.
A conjuntura apresenta média duração e registra as fl utuações e os 
movimentos, como de uma revolução, uma guerra, os regimes de ditadura e 
democracia na américa latina, as crises econômicas, geralmente tratando das 
relações de poder que possuem dinâmica econômica e determinam as relações 
sociais. 
A estrutura corresponde à longa duração dos fenômenos que os marcos 
cronológicos não limitam ou não alcançam devido à lentidão na qual se processam 
no interior dos comportamentos coletivos. Os fenômenos estão fortemente 
sedimentados nas mentalidades dos indivíduos e são compostos de ideologias 
oriundas das tradições religiosas/culturais (judeus, islâmicos, cristãos) que, por 
sua vez, permeiam várias épocas, como, por exemplo, a prática da escravidão, os 
valores cristãos, as leis e os códigos morais.
Le Goff (1990) discute que a aplicação à história dos dados da fi losofi a, da 
ciência, da experiência individual e coletiva, tende a introduzir, junto aos quadros 
mensuráveis do tempo histórico, a noção de duração, de tempo vivido, de tempos 
múltiplos e relativos, de tempos subjetivos ou simbólicos. Nesse cenário, o tempo 
histórico tem a oportunidade de encontrar,em um nível muito sofi sticado de 
percepção do tempo, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a 
alimenta.
Le Goff (1990) prossegue e alerta que existe uma relação de dependência 
da história do passado com a história do presente, requerendo, por sua vez, uma 
postura cautelosa por parte dos estudiosos, pois o passado não cessou de viver, 
de se atualizar e de se apresentar como presente com uma roupagem de novo. 
29
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
Por outro lado, a consciência dessa perpetuação e perduração do passado não 
pode se tornar um empecilho e muito menos fazer o historiador de refém num 
passado longínquo. É prudente que o historiador e/ou o profi ssional da história 
mantenha uma distância reverente, respeitosa e necessária para evitar os 
possíveis anacronismos (o fato de atualizar ou utilizar elementos e personagens 
de outras épocas no tempo presente de forma equivocada).
Atividades de Estudos:
1) Caro(a) pós-graduando(a), relacione os principais marcos 
temporais da sua vida, apresentando um resumo dos respectivos 
fatos e acontecimentos.
 ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
2) Em conjunto com outros integrantes da sua família, relacione 
os principais marcos temporais que compõem a história dessa 
família, apresentando um pequeno resumo dos respectivos fatos 
e acontecimentos.
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____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________ 
3) Qual a participação e a relação que você reconhece existir entre os 
fatos ocorridos no contexto familiar e os fatos que são específi cos 
da sua vida?
 ____________________________________________________
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____________________________________________________
____________________________________________________
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30
 Memória e História Oral
O ESPAÇO E AS RELAÇÕES ATRIBUÍDAS À 
MEMÓRIA
“O mundo esquece tanto que nem sequer dá pela falta do que esqueceu”.
José Saramago
Sentados em círculo, rodeando uma fogueira, aquecidos e acalentados 
pelas labaredas, os membros de tribos caçadoras e coletoras do período neolítico 
acompanhavam, de forma encantada e apreensiva, as narrativas sobre os 
nobres feitos de seus ancestrais, dos deuses, dos líderes guerreiros ou de seus 
sacerdotes.
Nos tempos de forte predomínio das narrativas mitológicas 
da Grécia antiga, existia a deusa Mnemosine, a personifi cação da 
memória. A atribuição de Mnemosine naquela sociedade era revelar 
o que foi (passado) e o que seria (futuro). Presidia a função poética, 
concedia aos poetas e adivinhos o poder de voltar às origens e à 
essência (geralmente identifi cadas com o passado) para lembrá-las à 
coletividade. Também conferia o dom da imortalidade, uma das forças 
de vencer o tempo (BOSI, 2001).
Nos tempos de 
forte predomínio 
das narrativas 
mitológicas da 
Grécia antiga, 
existia a deusa 
Mnemosine, a 
personifi cação da 
memória.
Figura 4 - Escultura de granito representando Mnemosine
Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/kEuQAO>. Acesso em: 15 fev. 2016.
31
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
Mnemosine era fi lha de Urano (céu) e Gaia (terra), irmã de Cronos (deus do 
tempo). Era protetora das artes e da história e costumava ser invocada diante 
dos perigos do esquecimento e da fi nitude. Foi casada com Zeus, com quem 
teve nove fi lhos, entre eles, nasceu Clio, a musa da história, da criatividade e a 
responsável por divulgar e celebrar as realizações.
Segundo Dantas (2010), uma das funções mais importantes da memória é ser 
fonte de respostas às questões que intrigam o ser humano, como, por exemplo, a 
sua origem, a sua identidade e a sua posição/papel no mundo, motivo pelo qual 
é muito signifi cativo que Mnemosine esteja ligada à faculdade da orientação e da 
desorientação no tempo e no espaço. 
Outra função importante de Mnemosine era a seleção das informações que 
seriam transmitidas, havendo uma relação de dualidade diante da existência de 
Lemosyne (deusa do esquecimento).
Enquanto vigorou e prevaleceu a sociedade mítica e oral na Grécia antiga, a 
memória era valorizada como imprescindível à coesão dos laços sociais. O aedo 
(inspirado pelas musas que cantavam em voz alta as mais diversas epopeias) foi 
o responsável por resgatar a memória e a sua importância. O grego Homero (928 
a. C – 898 a. C) escritor de Ilíada e Odisseia foi um aedo. Aedo pode ser traduzido 
como poeta, que, em suas narrativas e declamações, confere grandeza, fama e 
glória aos seus personagens, com o intuito de monumentalizar e imortalizar os 
feitos dos deuses e homens.
Alétheia é a palavra grega que designa verdade. Alétheia 
resulta da composição de a - alfa privativo + letheia – esquecimento, 
logo deduz-se que para os gregos a verdade poderia corresponder 
ao não esquecimento.
O termo grego alétheia se refere ao que é conservado pela memória e pela 
palavra. A palavra deriva de léthe, que compreendia o campo do esquecimento, 
do silêncio e da obscuridade. Na mitologia grega, léthe foi um dos rios de hades, 
no mundo dos mortos, que fi cava nos subterrâneos da terra. No mundo inferior, 
qualquer ser humano que bebesse ou se banhasse nas águas de léthe fi cava 
sentenciado com a perda da memória e das lembranças. 
32
 Memória e História Oral
A verdade, como consta na designação grega, não possui mais condições 
de ser associada ao sentido que a verdade recebe na época moderna, agora com 
conotação racional, que só é aceita a partir de comprovação por meio de fontes 
e testemunhos, que foram rigorosamente submetidos e testados por métodos 
científi cos.
Le Goff (1990) apresenta que, desde muito cedo, os chineses cumpriram 
dois gestos constitutivos do procedimento histórico, quais sejam, formar arquivos 
e datar os documentos. O autor prossegue dizendo que na China a história está 
estritamente ligada à escrita, porém os escritos não têm função de memória, mas 
sim função ritual, sagrada e mágica. São meios de comunicação com as potências 
divinas e com os ancestrais. São anotados para que os deuses os observem e, 
assim, tornem-se efi cazes num eterno presente. O documento não é feito para 
servir de prova, mas para ser um objeto mágico, um talismã. Não é produzido 
para ser dedicado aos homens, mas sim aos deuses.
Os gregos, quando da consolidação do pensamento racional, desconfi avam 
da memória, em especial Tucídides (460 a. C - 395 a. C), que privilegiava o 
testemunho ocular. Segundo Tucídides (2001), aquele que narra, esquece, não 
resiste ao prazer de agradar àquele que escuta ao ouvido.
Esse debate foi reforçado no século XIX pelos historiadores do historicismo e 
somente ganhou espaço novamente a partir dos anos de 1970, porém com fortes 
ressalvas de que o historiador deveria saber se servir da memória e história oral 
com cautela e resguardos narrativos.
Sigmund Freud (1856-1939) foi quem iniciou amplos debates em torno da 
memória humana, trazendo à tona seu caráter seletivo, ou seja, o fato de que nos 
lembramos das coisas de forma parcial, a partir de estímulos externos, escolhendo 
as lembranças que guardamos e relembramos. Freud (1970) distinguiu a memória 
de um simples repositório de lembranças, pois, para ele, nossa mente não é um 
museu. Nesse aspecto, remete à Platão, que, na antiguidade, apresentava a 
memória como um bloco de cera no qual nossas lembranças são impressas.
O estudo da memória não fi ca restrito à história e à psicanálise, mas passa 
da psicologia à neurofi siologia, pois cada aspectoseu interessa para uma ciência 
diferente, sendo a memória social um dos meios fundamentais para abordar os 
problemas do tempo e da história. A memória compõe os alicerces e as estruturas 
iniciais da história, permeia e se confunde com o documento, com o monumento e 
com a oralidade. Foi somente a partir dos anos de 1970, em meio às discussões 
do grupo da nova história, que passou a ser reconhecida pela historiografi a. Para 
abordar os temas da memória, estreitou-se o diálogo com as áreas da fi losofi a, 
sociologia, antropologia, etnologia, psicanálise e história das mentalidades. Em 
33
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
1970, nos países onde ocorriam regimes militares, como, por exemplo, no Brasil 
e no Chile, foi necessário mais tempo para que a temática da memória e história 
oral fosse contemplada.
Coelho (1997) discute que a memória não consiste em referências 
passivas, fragmentadas e isoladas, pois entende que memória é 
um ícone, uma fração que reserva um todo. A memória participa da 
natureza do imaginário (conjunto de imagens) não gratuito, tratando-
se de um princípio de organização que ordena o conjunto de todas as 
referências.
Ki-Zerbo (2010) defende que a oralidade é uma atitude diante da realidade 
e não a ausência de uma habilidade, no caso, a habilidade de escrever. São 
justamente as sociedades orais que melhor preservam a capacidade de 
compreensão de seu passado por meio da memória coletiva. As sociedades 
africanas podem fornecer exemplos expressivos dos processos de transmissão 
da história, dos rituais e dos saberes por meio da oralidade.
Conforme Abbagnano (2007), a memória parece ser constituída por duas 
condições ou momentos distintos. A primeira é a conservação ou persistência de 
conhecimentos passados que, por serem do passado, não estão mais à vista. É 
chamada memória retentiva. A segunda trata da possibilidade de evocar, quando 
necessário, o conhecimento passado e torná-lo atual ou presente; é propriamente 
a recordação.
Para Bergson (1999), a memória não consiste na regressão do 
presente para o passado, mas, ao contrário, no progresso do passado 
ao presente. É no passado que nos situamos de chofre e de um ponto 
estratégico. Segundo o autor, partimos de um estado virtual que, pouco 
a pouco, por meio de uma série de planos de consciência diferentes, 
vamos conduzindo até o termo em que ele se materializa no contexto 
e confi guração atual, ou seja, até o ponto em que se transforma num 
estado presente e agente, até o plano extremo de nossa consciência 
sobre o qual se desenha e sustenta nosso corpo. Segundo o autor, a 
memória possui também função fantástica de eufemismo, que ignora 
a decadência e a morte, afronta o tempo, alisa e disfarça as marcas 
físicas/conceituais e transveste o passado com uma aura idealizada e 
romântica.
Nora (1993) descreve que a memória é vida e é sempre carregada por 
grupos vivos, assim ela está em permanente evolução, suscetível à dialética 
da lembrança e do esquecimento, da desmemoria, do inconsciente de suas 
deformações sucessivas, descontextualizações, recontextualizações, vulnerável a 
Memória é um ícone, 
uma fração que 
reserva um todo.
A memória possui 
também função 
fantástica de 
eufemismo, que 
ignora a decadência 
e a morte, afronta 
o tempo, alisa e 
disfarça as marcas 
físicas/conceituais 
e transveste o 
passado com uma 
aura idealizada e 
romântica.
34
 Memória e História Oral
todos os usos, abusos e demais manipulações, susceptível de longas latências, 
silêncios, vazios e de repentinos resgates, revitalizações, supervalorizações, 
sendo, nesse percurso, tudo enraizado no concreto, nos objetos, no espaço, nos 
costumes, nos gestos, nas imagens, nos imaginários, nas mentalidades e nos 
corpos.
Brandão (2008) chama a atenção para o fato de que o passado não pode 
ser entendido somente a partir das marcas e vestígios vistos como explícitos e 
evidentes, pois, muitas vezes, tratam-se de situações e circunstâncias que são 
somente do presente e não possuem origem e recorrência com o passado. A 
tristeza, o sentimento de perda ou as cicatrizes físicas causadas por um acidente 
constituem os vestígios e não a memória do acidente, ao passo que as recordações 
podem estar disponíveis e prontas, latentes no campo emocional, sem precisar da 
ajuda de nenhum vestígio ou outro recurso para serem sensibilizadas e acionadas.
Le Goff (1990) discute que uma das grandes preocupações das 
classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as 
sociedades históricas esteve e está em forjarem estruturas legais/ofi ciais 
e se tornarem senhores monitores da memória e do esquecimento. 
Assim, as memórias e os seus espaços não são espontâneos e naturais, 
seus agentes antes vigiam e defi nem o que há de ser lembrado e o que 
deve e pode ser esquecido. Fato que ilustra isso são os arquivos de 
guerras e de ditaduras, em que os governos, com receio do ônus e da 
responsabilidade que lhes possam recair, destroem os vestígios e/ou 
restringem o acesso das partes interessadas e da imprensa.
Nora (1993, p. 13) diz que ao abordar a memória pelo aspecto do que deve e 
pode ser lembrado, comemorado e festejado, é necessário não perder de vista os 
seguintes aspectos:
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que 
não há memória espontânea, é preciso criar arquivos, é preciso 
manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios 
fúnebres, notoriar atas, porque essas operações não são 
naturais. [...] Sem vigilância comemorativa, a história depressa 
as varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se 
o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, 
tampouco, a necessidade de constituí-los. Se vivêssemos 
verdadeiramente as lembranças que elas envolvem, eles 
seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se 
apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, salvá-
los e petrifi cá-los eles não se tornariam lugares de memória. 
É este vai e vem que os constitui. [...] Museus, arquivos, 
cemitérios, coleções, festas, aniversários, tratados, processos 
verbais, monumentos, santuários, associações, são os marcos 
testemunhas de uma outra era, das ilusões de eternidade.
As memórias e os 
seus espaços não 
são espontâneos 
e naturais, seus 
agentes antes 
vigiam e defi nem 
o que há de ser 
lembrado e o que 
deve e pode ser 
esquecido.
35
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
Nora (1993) adverte que os empreendimentos e movimentos ofi ciais/festivos 
possuem caráter nostálgico, representando rituais de uma sociedade sem 
ritual, de sacralizações passageiras, que é dessacralizada e desespiritualizada; 
de fi delidades particulares de uma sociedade que enquadra e aplaina os 
particularismos; de diferenciações efetivas numa sociedade pós-moderna, que 
nivela por princípio; de sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo 
numa sociedade que só tende a reconhecer indivíduos iguais, comuns e idênticos.
A sociedade que Nora (1993) explica como sociedade sem ritual, carrega 
consigo um estigma de vazio, falta de sentido e signifi cado; o momento presente 
tem aspecto de frustração, fazendo com que se busque no passado o conforto; o 
retorno ao passado se dá de uma forma romântica e idealizada, em que cenários 
de outras épocas são refeitos, conceitos são atualizados (vintage, o rústico, 
o retrô), no sentido de conferir e agregar bem estar aos espaços e ambientes 
tanto públicos (restaurantes, cafés, bares) como privados (residências); o 
rompimento dos vínculos reais com o passado causa um sentimento de vazio e 
sem perspectiva de consolo.
Hartog (2013) diz que nossa memória hoje é história, vestígio e triagem. 
Preocupada em fazer memória de tudo, ela é arquivística, uma espécie de 
historicização do presente e de caráter psicologizado. É instrumentalizadora de 
quem procura diferenciar sua identidade, como, por exemplo, descendente de 
indígenas, de portugueses, de italianos, de alemães ede espanhóis. A tarefa 
acaba em mim, sujeito com receio da desreferencialização e consciente de que 
o passado não está mais no mesmo plano. Assim, passou-se de uma história 
preocupada com a continuidade da memória, para uma memória que se projeta na 
descontinuidade da história, ou seja, a memória é o que faz com que o presente 
seja presente para si mesmo.
Hartog (2013) problematiza ainda mais esse contexto de uso da memória, 
afi rmando que as rupturas modernas conduziram a uma multiplicação de 
memórias coletivas, de maneira que a história se escreve agora sob sua pressão, 
ou seja, a própria história científi ca vê seus interesses e suas curiosidades ditadas 
por elas. Sendo assim, a análise das memórias deve se tornar a ponta da lança 
de uma história que se pretende contemporânea. A história é uma, enquanto 
há tantas memórias coletivas quantos grupos, nas quais cada um imprime sua 
própria duração. 
Felix (2002) entende que memória é essencialmente um ato de evocação, 
ou seja, é o ato de recuperar mentalmente a imagem. Portanto, é um ato de 
representação do real que se dá por meio de imagens mentais, pois o passado, 
como tal, não volta, ele apenas retorna em forma de lembranças.
36
 Memória e História Oral
Segundo Felix (2002), a evocação dessas imagens mentais se dá por meio 
de diferentes suportes e exemplares depositários de memória, que podem ser 
de natureza icnográfi ca, fotográfi cas e álbuns, como também de natureza objetal, 
com os diversos tipos de objetos materiais associados a uma determinada 
memória e que compõem o universo dos bens ou patrimônios materiais. Pode 
ser de natureza perspectiva e sensorial, quando desencadeada por ideias/
associações, como também de natureza do universo da memória dos sentidos, 
como, por exemplo, sons, ruídos e cheiros que compõem o rico e diversifi cado 
universo denominado de bens e patrimônios imateriais.
O potencial da memória reside, também, em sensibilizar o que está à beira 
do esquecimento e trazer à luz o que se encontra em processo de ofuscamento, 
perda do brilho em meio à dinâmica do tempo, tirar o pó. Isso favorece a 
elaboração de genealogias, em que o enriquecimento narrativo na redação de 
biografi as e demais temas da história solicita a compressão e a abordagem pelo 
campo da interdisciplinaridade. Pode ser feita a partir dos lugares topográfi cos, 
monumentos ou símbolos funcionais onde a sociedade deposita voluntariamente 
suas lembranças. Pode contemplar também o patrimônio imaterial/intangível que 
se encontra latente nos dialetos, sotaques, cheiros, constelações, paisagens, 
sons, antigos fazeres e dizeres.
Além dos autores que foram arrolados durante o desenvolvimento do presente 
capítulo, a temática da memória também é abordada pelos pesquisadores das 
áreas de história, linguística, fi losofi a, antropologia e sociologia, como, por 
exemplo, Michael Pollack, Maurice Halbwachs, Vidal Naquet, Marcel Detiènne, 
Michel de Certeau, Paul Ricoeur, Nicole Lourax, Adélia Bezerra de Menezes, 
Regina Horta Duarte, Miriam Barros, Ulpiano Bezerra de Menezes e outros. 
Conforme for possível, procure aproximar-se e se apropriar dos estudos desses 
autores!
Sobre o tema da memória, sugere-se a leitura da seguinte obra:
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. Lisboa: 
Relógio d’ água, 2003, 7 volumes. Tradução: Pedro Tamen. 
37
HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA Capítulo 1 
Sobre o tema história oral, sugere-se o seguinte fi lme:
Uma cidade sem passado. Michael Verhoeven. Alemanha,1990 
(drama, 93 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=kKiykbMCtRM>.
Atividade de Estudos:
1) Segundo as refl exões de Nora (1993) abordadas neste capítulo, 
quais são as principais problemáticas que acompanham a noção 
de memória? Enumere-as abaixo:
 ____________________________________________________
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____________________________________________________
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Nossa época, marcada pela crise do otimismo, da redenção da ciência, do 
homem no futuro, conta com instituições e organizações sociais que se esforçam 
em amenizar e compensar os custos causados pelos projetos de modernidade 
(urbanização, industrialização, racionalização, secularização). Para tanto, podem 
encontrar na apreensão da noção de tempo, espacialidade, historicidade das 
memórias e lembranças recursos fundamentais promotores e ressignifi cadores 
dos valores/sentidos culturais da humanidade. 
Seixas (2004) nos ajuda a tecer algumas sistematizações mais pontuais 
como a de que a memória consiste na tradição viva, que a memória é a vida, é 
afetiva, é espontânea, é frágil, que está em processo contínuo de presentifi cação 
e atualização. A história, por sua vez, é construção intelectual, analítica, 
problematizadora, crítica e sistemática. A memória possui ritmo e sinuosidade 
sensível em meio às categorias de tempo e espaço. A história se debruça sobre 
acontecimentos e fatos que são reclamados pela sociedade. Os estudos sobre 
38
 Memória e História Oral
memória se preocupam como os fatos e os acontecimentos que afetaram e 
impactaram numa comunidade e nos indivíduos. 
A memória representa uma possibilidade de recuperar o que está submerso 
no subsolo, na caixa preta, no sótão, nas mentalidades, no imaginário do indivíduo 
e do grupo. A história trabalha com o que a sociedade trouxe a público e, a partir 
do acesso e do empoderamento dessas informações, os sujeitos podem se munir 
de argumentos para ganhar coesão, sentirem-se pertencentes e contribuintes, 
empoderarem-se, no sentido de galgar por sua realização e a da coletividade na 
qual se encontram inseridos.
REFERÊNCIAS
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