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A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 1 A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola Professora Marceli Rodrigues A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 2 A Natureza do Trabalho Pedagógico no Interior da Escola 4 A Escola Refl exiva 5 A Ciência Pedagógica - Professores e Pedagogos 10 Dimensão Política 11 A Necessidade dos Saberes Pedagógicos 14 O Trabalho Coletivo 16 Competências da Equipe Pedagógica 18 O Projeto Político-Pedagógico 20 A Necessidade de Organizar o Trabalho Pedagógico 23 Relações Estruturais e Gestão Escolar 24 Gestão e Liderança 25 Para Ser um Bom Gestor e Líder 26 Bibliografi a 28 SUMÁRIO A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 3 A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 4 A NATUREZA DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO INTERIOR DA ESCOLA A natureza do trabalho pedagógico requer domínio de saberes específi cos das diversas áreas do conhecimento, bem como, daqueles relativos às metodologias e à compreensão dos processos presentes no planejamento, organização curricular, avaliação e gestão da educação escolar. (BRASIL, 2005) Ao iniciarmos este material, é preciso deixar claro que o conteúdo dessa aula está intimamente ligado ao conteúdo da aula A ESCOLA COMO LOCAL DE TRABALHO E SUA ESPECIFICIDADE, isso não signifi ca, porém, que trataremos de um mesmo assunto somente mudando palavras, mas que o seu olhar deve estar atento para estabelecer as relações necessárias entre os textos. Quanto às palavras, muitas delas estarão de volta, pois são elementos chave para a exposição e a compreensão do que signifi ca a natureza do trabalho pedagógico no interior da escola. Daremos atenção especial, contudo, a uma palavra: pedagógico, e o que ela signifi ca em termos de escola. Quando se fala de pedagógico, há um material quase infi nito que tratando do assunto, assim como, um grande número de autores, atuais ou do passado, que também o fazem; portanto, para introduzir esse tema, precisávamos selecionar um texto que fosse contemporâneo, objetivo e, de certa maneira, conciso, porque assim como uma escola lida com a gestão do espaço e do tempo, também nesta aula somos limitados por eles. Desse modo, escolhemos trechos do documento Referenciais para a formação de professores (BRASIL, 2002). O primeiro fragmento que você vai ler aborda a singularidade da educação a ser promovida pela escola, mostrando as condições em que a educação escolar deve acontecer, e apresentando o conjunto de aprendizagens que é preciso que o aluno desenvolva. Trata-se de capacidades e conhecimentos absolutamente indispensáveis a um profi ssional da educação, ainda mais, quando se trata de um gestor, seja ele integrante da direção, ou gestor na sala de aula, ou seja, o professor. A educação promovida pela escola distingue- se de outras práticas educativas, como as que acontecem na família, no trabalho, no lazer e nas demais formas de convívio social, por constituir uma ajuda intencional com o objetivo de promover o desenvolvimento e a socialização de crianças e jovens – e, em muitos casos, também de adultos. Em uma concepção democrática, entende-se educação escolar como responsável por criar condições para que todas as pessoas desenvolvam suas capacidades e aprendam os conteúdos necessários para construir instrumentos de compreensão da realidade e para participar de relações sociais cada vez mais amplas e diversifi cadas – condições fundamentais para o exercício da cidadania. Uma educação que se pretende de qualidade precisa contribuir progressivamente para a formação de cidadãos capazes de responder aos desafi os colocados pela realidade e de nela intervir. A refl exão que a comunidade educacional tem acumulado nos últimos anos indica que, para uma formação desse tipo, a escola deve garantir, a crianças e jovens, aprendizagens bastante diversifi cadas. Deve lhes garantir a possibilidade de, ao longo da escolaridade, compreender conceitos, princípios e fenômenos cada vez mais complexos e de transitar pelos diferentes campos do saber, aprendendo procedimentos, valores e atitudes imprescindíveis para o desenvolvimento de suas diferentes capacidades. É preciso que todos aprendam a valorizar o conhecimento e os bens culturais e a ter acesso a eles autonomamente; a selecionar o que é relevante, investigar, questionar e pesquisar; a construir hipóteses, compreender, raciocinar logicamente; a comparar, estabelecer relações, inferir e generalizar; a adquirir confi ança na A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 5 própria capacidade de pensar e encontrar soluções. É preciso que todos aprendam a relativizar, confrontar e respeitar diferentes pontos de vista, discutir divergências, exercitar o pensamento crítico e refl exivo. É preciso que aprendam a ler criticamente diferentes tipos de texto, utilizar diferentes recursos tecnológicos, expressar-se em várias linguagens, opinar, enfrentar desafi os, criar, agir de forma autônoma. E que aprendam a diferenciar o espaço público do espaço privado, ser solidários, conviver com a diversidade, repudiar qualquer tipo de discriminação e injustiça. Esse conjunto de aprendizagens representa, na verdade, um desdobramento de capacidades que todo cidadão – criança, jovem ou adulto – tem direito de desenvolver ao longo da vida, com a mediação e ajuda da escola. O desenvolvimento de diferentes capacidades – cognitivas, afetivas, físicas, éticas, estéticas, de inserção social e de relação interpessoal – se torna possível por meio do processo de construção e reconstrução de conhecimentos, o que depende de condições de aprendizagem de natureza subjetiva e objetiva. O conhecimento prévio, a crença na própria capacidade, a disponibilidade e curiosidade para aprender, a valorização do conhecimento e o sentimento de pertinência ao grupo de colegas são algumas das condições que explicam por que, a partir de um mesmo ensino, há sempre lugar para a construção de diferentes aprendizagens. Mas a aprendizagem depende também, em grande medida, de como o processo educativo se organiza em suas diferentes dimensões, ou seja, de condições mais objetivas. As propostas pedagógicas devem sempre resultar do cruzamento de duas variáveis essenciais: os objetivos defi nidos e as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Do contrário, não se promove a aprendizagem. E, nessa perspectiva, conhecer e considerar os diferentes fatores que concorrem para o processo de construção de conhecimento passa a ser uma tarefa à qual as instituições educativas e, portanto, os professores não podem se furtar (BRASIL, 2002). A ESCOLA REFLEXIVA Após a leitura desse texto, faz-se necessário abrirmos espaço para o que consideramos de extrema importância nessa época de mudanças tecnológicas e de discussões sobre o real papel da escola. Isso quer dizer que vamos falar da escola refl exiva e do que ela signifi ca. Conforme Alarcão (2001), Neste contexto de profunda mudança ideológica, cultural, social e profi ssional, aponta- se a educação como o cerne do desenvolvimento da pessoa humana e da sua vivência na sociedade, sociedade da qual se espera um desenvolvimento econômico acrescido e uma melhor qualidade de vida. Neste mundo de maravilhas, vive-se também o risco e a incerteza. E nessa complexidade desenvolvem- se novas racionalidades, cujos primeiros sinais começaram a emergir no século passado. Se nos encontramos perante uma nova mundividência, é importante que a analisemos e refl itamos sobre ela para não nos virmos a sentir uma espécie de extraterrestres deslocados. Essa refl exão é importante, sobretudo para nós, os educadores, já que temos uma responsabilidade acrescida na compreensão do presente e na preparação do futuro. Compete-nos interpretar na atualidade os sinais emergentes do porvir para o qual estamos preparando as nossas crianças e os nossos jovens cuja formaçãoa sociedade, em grande parte, quis confi ar-nos. Grande parte do seu tempo é passado na escola. Esta constitui um espaço, um tempo e um contexto de aprendizagem e de desenvolvimento. E mesmo que, por força das novas tecnologias, a aprendizagem desprenda-se da necessidade de espaços coletivos e tempos simultâneos, ela não deixará nunca de realizar-se em contextos, talvez em comunidades aprendentes interconectadas, às vezes globalmente interconectadas. Nem por isso se poderá deixar de pensar em escola. Com A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 6 novas confi gurações; porém, na sua essência, escola. [...] Desejamos uma escola refl exiva, concebida como uma organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão e na sua organização, e confronta-se com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo. Nessa escola, acredita-se que formar é organizar contextos de aprendizagem, exigentes e estimulantes, isto é, ambientes formativos que favoreçam o cultivo de atitudes saudáveis e o desabrochar das capacidades de cada um com vistas ao desenvolvimento das competências que lhes permitam viver em sociedade, ou seja, nela conviver e intervir em interação com os outros cidadãos. Tendo como adquirido que a aprendizagem é um processo continuado de construção experienciada de saber e que a escola tem uma função curricular a desempenhar, considera-se o currículo como guia orientador de aprendizagens e atribui-se à escola, em geral, e a cada escola, em particular, a gestão estratégica e fl exível desse enquadramento orientador. Assim, o currículo inerte nas folhas de papel torna-se vivo na ação do professor com seus alunos. Atribuem-se aos professores a capacidade de serem atores sociais, responsáveis em sua autonomia, críticos em seu pensamento, exigentes em sua profi ssionalidade coletivamente assumida. Solicita-se dos dirigentes escolares a capacidade de liderança mobilizadora de vontades e ideias partilhadas e a efetiva gestão de serviços e recursos. Acredita- se que os alunos formados por uma escola com tais características estarão mais bem preparados para demonstrar resiliência e capacidade de superação diante das difi culdades e para viver criticamente o cotidiano. Habituados a refl etir, terão motivações para continuar a aprender e para investigar, reconhecerão a importância das dimensões afetivas e cognitivas do ser humano, reagirão melhor em face da mudança e do risco que caracterizam uma sociedade em profunda transformação. [...] Desejamos uma escola do nosso tempo, janela aberta para o presente e para o futuro, onde se viva a utopia mitigada que permite criar e recriar, sem contudo perder a razoabilidade e a estabilidade. Uma escola onde se realiza, com êxito, a interligação entre três dimensões da realização humana: a pessoal, a profi ssional e a social. E onde se gerem conhecimentos e relações, comprometimentos e afetos. Colocar em prática a escola refl exiva proposta por Alarcão requer muito mais que vontade, exige dos profi ssionais da educação conhecimento e preparo, seja qual for a função por eles desempenhadas. O texto a seguir, selecionado do documento Referenciais para a formação de professores (BRASIL, 2002), mostra com clareza a necessidade de qualifi cação. Observe que a referência que se faz é ao professor – o mesmo ocorre no fragmento anterior, retirado do mesmo documento –, no entanto, entendemos que o conteúdo pode e deve ser estendido a outros profi ssionais da educação, em especial, aos gestores escolares. Outra das razões que nos levaram a incluir o fragmento abaixo é que o gestor deve ter conhecimento da realidade que o cerca – e nela estão incluídos os professores – para que o trabalho pedagógico possa apresentar resultados positivos e atingir os objetivos. Chamamos a atenção para as partes por nós destacadas em negrito, pois elas explicitam o que dissemos sobre a abrangência do texto a todos que, na escola, participam dos processos de ensino e aprendizagem. Por muitos anos, o professor e sua função docente receberam qualifi cações relacionadas diretamente a um vasto conjunto de virtudes: abnegação, sacrifício, bondade, paciência, sabedoria. Atualmente, o discurso educacional se A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 7 utiliza de outros substantivos: profi ssionalização, autonomia, revalorização..., ainda que as reais defi ciências dos professores no exercício profi ssional – e, consequentemente as suas causas – continuem, por assim dizer, ocultas por trás das defi ciências da instituição escolar, do currículo, das metodologias e dos recursos didáticos. Nos últimos anos, a desqualifi cação profi ssional sofrida pela categoria de professores tem sido grande e se verifi ca principalmente na progressiva deterioração dos salários, na diminuição do status social e nas precárias condições de trabalho. Embora essa questão seja, com frequência, tratada como um fenômeno relativamente recente na trajetória do magistério, a história está cheia de ilustrações que revelam o contrário: em São Paulo, no ano de 1927, por exemplo, existiam 1.500 classes vagas no ensino primário, apesar de haver professores devidamente habilitados, pois na época o salário dos professores era muito baixo. A feminilização da função, ao invés de representar de fato uma conquista profi ssional das mulheres, tem se convertido num símbolo de desvalorização social. O imaginário social foi cristalizando uma representação de trabalho docente destinado a crianças, cujos requisitos são muito mais a sensibilidade e a paciência do que o estudo e o preparo profi ssional. Em tese, as mulheres seriam mais afeitas a essas ‘virtudes’ e, portanto, a elas caberia muito bem a função de professoras polivalentes. Como, de um modo geral, o nível de formação e preparo requerido para o exercício profi ssional é um dos principais indicadores de salário em qualquer profi ssão, a baixa exigência para o ingresso no magistério – que por muitos anos permitiu, inclusive, o acesso de leigos – acaba sendo uma justifi cativa implícita para a má remuneração. Além disso, ao menos teoricamente, por tratar-se de um trabalho de jornada parcial e tipicamente feminino, o salário é tido como ‘complementar’ ao dos pais ou ao dos maridos. Assim, o magistério acaba sendo considerado uma função para mulheres que trabalham meio período. Entretanto, os baixos salários recebidos por uma jornada parcial de trabalho foram levando as mulheres a optarem por jornada de trabalho integral como professoras ou a buscarem outras ocupações no período que têm disponível. A consequência, quase sempre, é a difi culdade de investimento pessoal no desenvolvimento profi ssional para o exercício do magistério, o que, por sua vez, acentua uma cultura de desprofi ssionalização. De modo geral, não só no Brasil, mas na maioria dos países em desenvolvimento, o professor é uma pessoa de nível socioeconômico baixo, com formação geral insufi ciente (produto, ele próprio, de uma escola pública de má qualidade), formação profi ssional precária (ou inexistente), reduzido contato com a produção científi ca, a tecnologia e os livros – e, consequentemente, com o uso desses recursos. É possível afi rmar ainda – a partir da observação, de depoimentos pessoais e de estudos que começam a surgir – que, frequentemente, o professor está desatualizado em relação à discussão sobre a educação, à profi ssão e seu papel social, escreve e lê pouco, tem uma enorme dependência do livro didático – quando leciona no ensino fundamental – e uma visão bastante utilitária aperfeiçoamento profi ssional. E que desenvolve seu trabalho solitariamente e sem ajuda dos que teriam a função de apoiá-lo profi ssionalmente. Somem-se a esse perfi l as reais condições de trabalho, principalmente nas escolas rurais e da periferia dos grandes centros urbanos,e a razão de o magistério ter status de semiprofi ssão será totalmente compreensível. Evidentemente, quando se delineia o perfi l de um profi ssional, o que se leva em conta é o conjunto de características comuns à maioria, e não a todos. Existem professores leitores e pesquisadores, que investem pessoalmente A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 8 em seu desenvolvimento profi ssional, que exigem oportunidades de formação de seus empregadores, que trabalham em equipe, que participam do projeto educativo de suas escolas, que estudam sobre a aprendizagem dos alunos para ensiná-los mais e melhor... Mas não é assim com a maioria, e essa realidade precisa ser encarada de frente. (BRASIL, 2002) Vídeo 1 - Palestra de Maura Barbosa (Parte 2) Em uma conversa com a equipe da Revista Nova Escola, a especialista explica quais são os princípios que devem guiar o trabalho do diretor escolar. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v =vaeyJGJrgpY&feature=related “Desenvolve seu trabalho solitariamente”. Esta frase adquire signifi cado especial quando nos lembramos da gestão democrática, e da valorização do trabalho em equipe, portanto, esta é uma boa oportunidade seguirmos com Alarcão (2001) e o conceito de escola refl exiva: ... a escola, cada escola, deve conceber- se como um local, um tempo e um contexto educativo. A escola é um lugar, um edifício circundado, espera-se, por alguns espaços abertos. Todavia, às vezes, detenho-me a pensar se os edifícios escolares não estarão defasados em relação às concepções de formação, às formas de gestão curriculares e às exigências do relacionamento interpessoal neste início de milênio (...). A fi m de traçar o perfi l das nossas escolas, façamos um pequeno exercício mental do tipo inventário de características. Como são as nossas escolas: edifícios onde apenas existem salas de aula? Ou também há nelas espaços de convívio, de desporto, de cultura, de trabalho em equipe, de inovação e experimentação? Que espaços permitem ligações informáticas para manter a escola em interação com outras escolas, com outras instituições, com outros países, com o conhecimento hoje disponibilizado de novas formas? Será que as nossas escolas possuem locais que permitam a aprendizagem cooperativa e autônoma? E espaços que favoreçam a fl exibilização de atividades docentes e discentes? Também podemos analisar onde se localizam as escolas – longe ou perto das comunidades? – e questionar que tipos de relação estabelecem com essas comunidades – aberta ou fechada? No que se refere ao mobiliário e aos equipamentos, estes são bem concebidos e adaptados às crianças e aos jovens? E onde se acomodam os adultos quando têm acesso à mesma escola? As crianças se sentem tão bem na escola quanto em sua casa? Ou se sentem melhor na rua, porque nem na escola nem em casa há espaço para elas? No entanto, se a escola é um edifício, ela não é só um edifício. É também um contexto e deve ser, primeiro que tudo, um contexto de trabalho. Trabalho para o aluno. Trabalho para o professor. Para o aluno, o trabalho é a aprendizagem em suas várias dimensões. Para o professor, é a educação na multiplicidade de suas funções. Não se aprende sem esforço, e as crianças e os jovens precisam aprender a se esforçar, a trabalhar, a investir no estudo, na aprendizagem, na compreensão. Esforçar-se não deve equivaler a desprazer, mas tampouco pode traduzir-se em metodologias de papinha feita, castradoras do desenvolvimento das potencialidades escondidas em cada um. [...] Mas a escola, para além de lugar e contexto, é também um tempo. Um tempo que passa para não mais voltar. Um tempo que não pode ser desperdiçado. Tempo de quê? De curiosidade a ser desenvolvida e não estiolada. [...] A escola é tempo de desenvolver e aplicar capacidades como a memorização, a observação, A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 9 a comparação, a associação, o raciocínio, a expressão, a comunicação e o risco. Quais tarefas, na nossa escola, visam ao desenvolvimento dessas capacidades fundamentais para uma aprendizagem continuada ao longo da vida? É tempo de atividade e iniciativa. Que tempo e espaço de iniciativa concedemos aos nossos alunos? E aos nossos professores? E aos alunos, professores e funcionários em conjunto? É tempo de convivência saudável e de cooperação. Como aproveitarmos essas qualidades tão características da juventude e tão saudáveis para os profi ssionais que trabalham em conjunto? É tempo de turbulência. Como a controlamos, sem excessos e sem repressões não-compreendidas? A escola tem a função de preparar cidadãos, mas não pode ser pensada apenas como tempo e preparação para a vida. Ela é a própria vida, local de vivência da cidadania. Consideramos oportuno, neste momento, retomar o conceito de organização escolar e suas implicações, abrindo caminho para abordar a dimensão política do trabalho pedagógico e para o trabalho coletivo. Para tratar de organização escolar e sua complexidade, vejamos o que nos diz Pimenta (1993), sobre Complexidade da Organização Escolar. A(s) escola(s) é(são) múltipla(s), conjuntos, sistemas - o que requer competências administrativas para traduzir essa complexidade dos sistemas em benefício ao atendimento da fi nalidade que a Escola tem. Contudo, a Escola em si é complexa. A fi nalidade que busca não é simples de ser conseguida. Precisa da contribuição de vários profi ssionais especializados – professores/equipe pedagógica/ direção/coordenação/orientação/equipe de apoio. A organização da Escola é competência de todos - dentro e fora da sala de aula. A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além de suas paredes e, em certa medida, interfere para além de suas paredes. Como é durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem convergir as várias competências dos profi ssionais da Escola - o que não signifi ca que todos atuarão na sala de aula!; o que não signifi ca, também, que nela só atuam os professores!; o que não signifi ca, também, que os professores só atuam ali!; nem que as equipes pedagógicas e de apoio só atuam fora dali!; nem que aí só elas atuam. Enfi m, a organização da Escola é coletiva - requer o concurso de especialistas que atuem coletivamente. A CIÊNCIA PEDAGÓGICA - PROFESSORES E PEDAGOGOS Com SUCHODOLSKI (1979, p. 477), afi rmamos que: o conhecimento da ciência pedagógica é imprescindível, não porque esta contenha diretrizes concretas válidas para hoje e para amanhã; mas porque permite realizar uma autêntica análise crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor debruçar-se sobre as difi culdades concretas que encontra em seu trabalho, bem como superá-las de maneira criadora. Entendendo-a como não-exclusiva de pedagogos, é possível afi rmar que é tarefa da equipe pedagógica trazer a ciência pedagógica para o trabalho coletivo. Entendendo, ainda, que o coletivo não signifi ca “todos fazerem a mesma coisa”, é possível identifi car competências específi cas da equipe pedagógica: a administração e a coordenação pedagógica de curso, período, turmas, áreas, projetos etc. É interessante observar que, colocadas nesta sequência, as tarefas de coordenação evidenciam a possibilidade de algumas delas serem desempenhadas por pedagogos - coordenação de curso, de períodos - e outras por professores A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 10 - coordenação de turmas, período, áreas. Já a coordenação de projetos não é possível ser estabelecida a priori; ela depende do projeto. Entendendo, ainda, que os conhecimentos pedagógicos têm sido desenvolvidos explícita, intencional e sistematicamente nos cursos de Pedagogia que formam pedagogos, a presença destes na Escola é imprescindível como forma de trazer os conhecimentos pedagógicos necessários para a Escola. Seja nas tarefas de administração – entendida como organizaçãoracional do processo de ensino e garantia da perpetuação deste nos sistemas, de forma a consolidar um projeto político-pedagógico de Educação Escolar -, seja nas tarefas que colaborem com os professores no ato de ensinar de modo que os alunos aprendam. Ao referir-se a “além das paredes”, Pimenta nos remete ao fato de que as organizações escolares são partes de um sistema social mais amplo, e suas estruturas internas são afetadas pelos entornos sociais de muitas maneiras. Além de complexa, a estrutura é o produto total de regras, percepções e interações que se desenvolvem em uma organização, portanto, não é modelo abstrato, distante da realidade, nem um molde de gesso que não aceita atualizações e/ ou correções. Além disso, a estrutura deve ter, ao menos, um grau de formalização, pois as relações que se estabelecem entre indivíduos e estruturas caracterizam uma organização. Essas relações implicam poder e estão diretamente relacionadas com a organização do trabalho, ou seja, tem a ver com o tipo e a quantidade de trabalho, o tempo disponível, o número de pessoas, o equipamento técnico necessário, as possibilidades de intercâmbio profi ssional, etc. E, como estamos falando de escola, tem a ver com o trabalho pedagógico, como aponta Pimenta no último parágrafo do fragmento acima. Sobre as relações de poder vejamos o que nos diz BARTNIK (2003/2004): Para que a escola contribua na construção da cidadania, por meio da transmissão signifi cativa dos conhecimentos historicamente construídos, faz-se necessário repensar as relações de poder e a organização do trabalho pedagógico procurando compreender a natureza e especifi cidade do trabalho educativo. Observa-se hoje na escola que o poder parece ter mudado de lado: parece ter passado do autoritarismo repressivo para uma vivência permissiva e de tolerância, o que vem interferindo no processo de ensino-aprendizagem. O trabalho com o conhecimento científi co não pode se dar sem a observância de normas de conduta, de organização e de sistematização. É preciso ter clareza de que o trabalho pedagógico escolar não é um processo natural, espontâneo e muito menos ocasional, mas intencional, organizado, dosado, sequenciado e deve ser construído de forma a oportunizar a participação de todos nos processos de tomada de decisão e no estabelecimento de diretrizes, sem perder de vista o objetivo maior da instituição educativa – a transmissão e reelaboração dos conhecimentos sistematizados pelas gerações anteriores. A superação dos processos administrativos, centralizados e fundamentados apenas em decisões de natureza técnica e burocrática por uma gestão social e democrática, constitui um trabalho fundamental dos intelectuais comprometidos em pensar a organização de processos educativos com vistas ao bem comum e à construção da cidadania. Esta tarefa implica pensar a função e a atuação de diferentes profi ssionais da educação (diretores, supervisores, coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, funcionários, etc.), pois nas suas ações diárias permeiam relações de poder exigindo deles permanentes análises, contextualizações e ressignifi cações da gestão da escola, da organização do trabalho pedagógico e do encaminhamento dos processos de ensino- aprendizagem. Neste artigo, tentaremos A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 11 aprofundar a refl exão sobre as relações de poder e a organização do trabalho pedagógico a partir de três pressupostos que a meu ver são fundamentais: a construção de uma gestão democrática na escola; o comprometimento dos profi ssionais de educação – docentes e não- docentes – com a organização de um trabalho pedagógico coletivo na escola; e a incorporação de uma metodologia que propicie a assimilação signifi cativa e a reelaboração dos conhecimentos. A construção de uma gestão democrática na escola passa pela implantação, na instituição educacional, de uma gestão participativa, entendida como a articulação entre a ação educativa e a administração escolar. Esta deve superar tanto o autoritarismo da escola tradicional quanto a autogestão da escola nova, por meio de um novo enfoque de organização escolar que contemple o conhecimento, a compreensão e a participação de todos na elaboração das normas necessárias para garantir os interesses coletivos. O sentido pedagógico da administração colegiada reside na operacionalização de constantes momentos de análise, discussão dos problemas escolares e na busca de estratégias viáveis para atingir a fi nalidade essencial da escola. A inserção de todos os sujeitos envolvidos, nos problemas cotidianos, provoca um efeito pedagógico sobre todos os integrantes, pois, na medida em que pensam os problemas, propõem soluções e participam das decisões, assumem o papel de co-responsáveis no projeto educacional da escola e por extensão da comunidade. [...] A representação e o envolvimento dos diferentes setores devem se materializar nas diversas ações que se desenvolvem na escola, desde o plano de desenvolvimento institucional, a elaboração dos planos de ensino e a construção do projeto político-pedagógico. DIMENSÃO POLÍTICA Falamos de relações de poder e de construção do projeto político-pedagógico, e isso nos leva a considerar oportuno falar da dimensão política do trabalho dos profi ssionais da educação. Para abordar esse tema, primeiramente, vamos aos Referenciais para a formação de professores (BRASIL, 2002), e aqui mais uma vez ressaltamos que embora o texto aponte implicações na formação de professores, entendemos que essas implicações atingem a todos. Ao longo da leitura deste fragmento, você vai observar a importância das relações, sejam elas de qualquer natureza, se desenvolverem num ambiente participativo, em que haja diálogo, respeito à liberdade de escolha e compromisso em assumir responsabilidades, e da estreita relação da dimensão política com a natureza do trabalho pedagógico. A cidadania é, na sua historicidade, um processo aberto e permanente de transformações sociais, e não um estado fi xo que se resolve ao ser atingido. Democracia é, então, aqui entendida em seu sentido mais amplo, como ‘... uma forma de sociabilidade que penetra em todos os espaços sociais...’, que abrange toda a vida coletiva, social e política e tenha uma dimensão pessoal. A própria LDB contempla essas dimensões quando, em seu artigo 2º, estabelece que ‘a educação (...) tem por fi nalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho’. Essas dimensões – política e pessoal – não se opõem, não se excluem e nem se separam. Se, por um lado, a dimensão pessoal é também política (no sentido de que envolve legitimação de princípios éticos, de que a própria estruturação emocional envolve relações de poder, de que toda ação é uma ação política), por outro lado, não há exercício político de cidadania sem envolvimento pessoal. A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 12 Essa perspectiva da pessoa e do cidadão tem muitas decorrências, das quais pelo menos duas têm refl exo imediato na formação de professores: 1. Implica ter como objetivo da educação escolar o desenvolvimento das múltiplas capacidades do ser humano, e não apenas o desenvolvimento cognitivo, ampliando a concepção de educar para além do instruir. Essa questão vem sendo muito trabalhada no âmbito da educação infantil. Nesse sentido, um avanço signifi cativo foi a integração entre educação e cuidado, que pode – e deve – ser estendido às demais etapas da escolaridade, como se pode ver nos documentos dos PCN para o Ensino Fundamental ‘A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a desenvolver-se como ser humano. Cuidar signifi ca valorizar e ajudar a desenvolver capacidades (p. 24). (...) Além da dimensão afetiva e relacional do cuidado, é preciso que o professor possaajudar a criança a identifi car suas necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de forma adequada. Assim cuidar da criança é sobretudo, dar atenção a ela como pessoa que está num contínuo crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identifi cando e respondendo às suas necessidades. Isto inclui interessar-se sobre o que a criança sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando à ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos poucos a tornarão mais independente e mais autônoma’.* Essa perspectiva, embora aqui voltada para a Educação Infantil, abrange, também, crianças maiores, adolescentes, jovens e adultos, inclusive professores. 2. Implica afi rmar um determinado modo de relação com o conhecimento, com os valores, com os outros, um modo de estar no mundo que se expressa na ideia de relação de autonomia. Para se desenvolver a autonomia como capacidade pessoal, é necessária a vivência de relações sociais não-autoritárias, nas quais haja participação, liberdade de escolha, possibilidade de tomar decisões e assumir responsabilidades. Ao mesmo tempo, a efetivação das relações democráticas exige a participação de pessoas autônomas: capazes de fazer escolhas, tomar decisões e assumir responsabilidades compartilhadas. Autonomia não é, portanto, a possibilidade de fazer o que se quer sem ter que dar satisfação a ninguém; é o espaço da liberdade com responsabilidade. ... Não existe autonomia pura, como se fosse uma capacidade absoluta de um sujeito isolado. (...) Só é possível realizá-la como processo coletivo que implica relações de poder não- autoritárias. ** Articulando a dimensão pessoal e social, trabalhar na perspectiva da autonomia possibilita superar a dicotomia entre perspectivas ‘individualistas’ e ‘coletivistas’, redutoras, cada uma a seu modo, da complexidade das questões humanas, políticas e educativas. Tais considerações permitem afi rmar que a atuação do professor é simultaneamente coletiva e pessoal. Na atuação do professor, autonomia é exercício de cooperação e criatividade, práticas de intervenção e transformação com base na realidade social. Implica poder, conhecimento, sensibilidade, desejo e responsabilidade – exercida ‘no’ e ‘com’ o coletivo, a partir de envolvimento pessoal. Os professores são profi ssionais cuja ação infl ui de modo signifi cativo na constituição da subjetividade de seus alunos como pessoas e como cidadãos. Por isso, precisam compreender os contextos sociais e as questões contemporâneas com as quais eles e seus alunos estão envolvidos. Uma educação democrática exige relações de respeito mútuo, preocupação A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 13 com a justiça, diálogo, possibilidade de questionamento e argumentação. A afi rmação dos princípios da ética democrática, a superação das discriminações de ordem étnica, cultural e socioeconômica, a educação de jovens e adultos, estão entre os grandes desafi os da sociedade brasileira, para o enfrentamento dos quais a educação escolar – e, portanto, a formação de professores – é decisiva. Isso demanda, entre outras medidas, a constituição de uma escola que possa acolher e trabalhar as diferenças socioculturais e as necessidades especiais dos alunos. Somente uma nova perspectiva de educação como essa poderá contribuir para a superação do quadro de evasão e repetência reiterada que, no ensino fundamental, reverte no grande contingente de jovens e adultos analfabetos e sem escolarização. * Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, MEC/1998, Vol.1, p. 24 e 25. ** PCN, Apresentação dos Temas Transversais, Vol. 8, p 46. O trecho que citaremos a seguir faz parte do livro Competência pedagógica do professor universitário, mas não se deixe levar pelo título, trata-se de uma obra que pode – e deve – ser lida por todo profi ssional da educação. Nesse fragmento, Masetto (2003) ressalta ser imprescindível o exercício da dimensão política no exercício da docência. Antes de irmos ao texto, no entanto, entendemos ser importante retomar o que diz Pimenta (1993) a respeito de sala de aula: A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além de suas paredes - e, em certa medida, interfere para além de suas paredes. Como é durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem convergir as várias competências dos profi ssionais da Escola - o que não signifi ca que todos atuarão na sala de aula!; o que não signifi ca, também, que nela só atuam os professores!; o que não signifi ca, também, que os professores só atuam ali!; nem que as equipes pedagógicas e de apoio só atuam fora dali!; nem que aí só elas atuam. Após essa retomada, vejamos o que diz Masetto (2003) sobre a dimensão política: O professor, ao entrar na sala de aula para ensinar uma disciplina não deixa de ser um cidadão, alguém que faz parte de um povo, de uma nação, que se encontra em um processo histórico e dialético, participando da construção da vida e da história de seu povo. Ele tem uma visão de homem, de mundo, de sociedade, de cultura, de educação que dirige suas opções e suas ações mais ou menos conscientemente. Ele é um cidadão, um ‘político’, alguém compromissado com seu tempo, sua civilização e sua comunidade, e isso não se desprega de sua pele no instante em que entra em sala de aula. Pode até querer omitir tal aspecto em nome da ciência que ele deve transmitir. Talvez, ingenuamente, entenda que possa fazê-lo de uma forma neutra. Mas o professor continua cidadão e político; e como profi ssional da docência não poderá deixar de sê-lo. Como cidadão, o professor estará aberto para o que se passa na sociedade, fora da universidade ou faculdade*, suas transformações, evoluções, mudanças; atento para as novas formas de participação, as novas conquistas, os novos valores emergentes, as novas descobertas, novas proposições visando inclusive abrir espaço para discussão e debate com seus alunos sobre tais aspectos na medida em que afetem a formação e o exercício profi ssionais. A refl exão crítica e sua adaptação ao novo de forma criteriosa são fundamentais para o professor compreender como se pratica e como se vive a cidadania nos tempos atuais, buscando formas de inserir esses aspectos em suas aulas, A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 14 tratando dos diversos temas, selecionando textos de leitura, escolhendo estratégias que, ao mesmo tempo, permitem ao aluno adquirir informações, reconstruir seu conhecimento, debater aspectos cidadãos que envolvam o assunto, e manifestar suas opiniões a respeito disso. Vídeo 2 - Palestra de Maura Barbosa (Parte 3) Em uma conversa com a equipe da Revista Nova Escola, a especialista explica quais são os princípios que devem guiar o trabalho do diretor escolar. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v =UnwtGB5FPV4&feature=related A NECESSIDADE DOS SABERES PEDAGÓGICOS Tratar da natureza do trabalho pedagógico implica, naturalmente, falar de outros aspectos que se relacionam a esse tema. Já falamos da singularidade da educação na escola; do profi ssional da educação; da complexidade da organização escolar; da realidade do profi ssional da educação; das relações de poder e da dimensão política. Nesse momento vamos falar de saberes. Pimenta (1999) aponta como saberes da docência a experiência, o conhecimento e os saberes pedagógicos, dos quais nos ocuparemos a seguir. Os alunos da licenciatura, quando arguidos sobre o conceito de didática, dizem em uníssono, com base em suas experiências, que ‘ter didática é saber ensinar’ e ‘que muitos professores sabem a matéria, mas não sabem ensinar’. Portanto, didática é saber ensinar. Essa percepção traz em si uma contradição importante. De um lado, revela que os alunos esperam que a didática lhes forneça as técnicas a serem aplicadas em toda e qualquer situação para que o ensino dêcerto; esperam ao mesmo tempo em que desconfi am, pois também há tantos professores que cursaram a disciplina (e até a ensinam) e, no entanto, não tem didática. De outro, revela que de certa maneira há um reconhecimento de que para saber ensinar não bastam a experiência e os conhecimentos específi cos, mas se fazem necessários os saberes pedagógicos e didáticos. [...] Criticando a fragmentação de saberes na formação de professores e a fl utuação da pedagogia enquanto ciência que, ao restringir-se a campo aplicado das demais ciências da educação perde seu signifi cado de ciência prática da prática educacional, Houssaye (1995) aponta como caminhos de superação, que nos empenhemos em construir os saberes pedagógicos a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real, para além dos esquemas apriorísticos das ciências da educação. O retorno autêntico à pedagogia ocorrerá se as ciências da educação deixarem de partir de diferentes saberes constituídos e começarem a tomar a prática dos formados como o ponto de partida (e de chegada). Trata-se, portanto, de reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática social da educação. [...] No momento da terceira revolução industrial, quando novos desafi os estão colocados, à didática contemporânea compete proceder a uma leitura crítica da prática social de ensinar, partindo da realidade existente, realizando um balanço das iniciativas de se fazer frente ao fracasso escolar. Além da consideração dos aspectos epistemológicos característicos das áreas de conhecimento que denotam avanços intrínsecos e que colocam novas questões ao ensino, pois dizem respeito a novos entendimentos da questão do conhecimento no mundo contemporâneo, a renovação da didática terá por base os aspectos pedagógicos. [...] A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 15 Os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia não geram os saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, que os confronta e os reelabora. Mas os práticos não os geram com o saber da prática. As práticas pedagógicas se apresentam nas ciências da educação como estatuto frágil: reduzem-se a objeto de análise das diversas perspectivas (história, psicologia etc.). É preciso conferir-lhes estatuto epistemológico. Admitindo que a prática dos professores seja rica em possibilidades para a constituição da teoria, Laneve (1993) preocupa-se em como o professor pode construir teoria a partir da prática docente. Aponta, entre outros fatores, o registro sistemático das experiências, a fi m de que se constitua a memória da escola. Memória que, analisada e refl etida, contribuirá tanto à elaboração teórica quanto ao revigoramento e o engendrar de novas práticas. Pimenta (1999) ressalta a íntima vinculação entre teoria e prática docente: Nas práticas docentes estão contidos elementos extremamente importantes, como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais livres e mais sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não está confi gurada teoricamente. [...] A importância da memória/estudo da experiência, segundo Laneve, constitui potencial para elevar a qualidade da prática escolar, assim como para elevar a qualidade da teoria. [...] Os saberes pedagógicos podem colaborar com a prática. Sobretudo se forem mobilizados a partir dos problemas que a prática coloca, entendendo, pois, a de dependência da teoria em relação à prática, pois esta lhe é anterior. Essa anterioridade, no entanto, longe de implicar uma contraposição absoluta em relação à teoria, pressupõe uma íntima vinculação com ela. Do que decorre um primeiro aspecto da prática escolar: o estudo e a investigação sistemática por parte dos educadores sobre sua própria prática, com a contribuição da teoria pedagógica. Vídeo 3 – O papel do professor na gestão escolar - Parte 1 O vídeo apresenta experiências sobre o papel do professor na gestão democrática. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v =LmqPHA2h1Ec&feature=related A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 16 O TRABALHO COLETIVO Páginas atrás, ressaltamos a importância do trabalho coletivo dentro da concepção de gestão escolar democrática. Agora, vamos nos estender mais sobre esse tema. Antes, porém vamos refl etir sobre o que nos diz Alarcão (2001) a respeito do contexto de trabalho: Um bom contexto de trabalho requer um ambiente de exigente tranquilidade e de conscientização do lugar que cada um deve desempenhar. A escola tem de ser a escola do sim e do não, onde a prevenção deve afastar a necessidade de repressão, onde o espírito de colaboração deve evitar as guerras de poder ou competitividade mal-entendida, onde a crítica franca e construtiva evita o silêncio roedor ou a apatia empobrecedora e entorpecedora. Além disso, “é preciso deixar claro que o trabalho coletivo da equipe escolar “parte do pressuposto de que a tarefa que se realiza com a participação responsável de cada um dos envolvidos é o que atende, de forma mais efetiva, às necessidades concretas da sociedade em que vivemos.” (SÃO PAULO, 2007) Sabe-se que, tradicionalmente, a organização do ensino nas escolas é vista como uma distribuição de tarefas seguindo uma determinada linha hierárquica e burocrática. Isso signifi ca uma separação entre os que planejam e executam, entre os que avaliam e ensinam, e assim por diante. Trata-se de um modelo em que a direção se limita a exercer um controle administrativo que garanta a parte burocrática, potencializando um distanciamento entre as estruturas de gestão e coordenação e as demais estruturas, sendo que esse distanciamento favorece o desajuste e o funcionamento paralelo das estruturas. A estrutura atual das escolas obedece à natureza do trabalho que nela se desenvolve? Essa é a pergunta que, como educadores, devemos nos fazer. Devemos também refl etir sobre o fato de que as equipes docentes, a coordenação, as comissões de trabalho etc., são, na realidade, a medula de uma instituição pensada para o ensino. Não estamos falando de algo utópico ou “fácil” de se levar a cabo. Como bem apontam Silva & De Sordi (2006): Na observação do tempo escolar, bem como na estrutura atual da forma escola, o trabalho coletivo encontra entraves para se realizar, porque exige outras aprendizagens, como a da cidadania, do diálogo e da democracia, por exemplo. Como estas aprendizagens fi cam prejudicadas nos tempos e os espaços escolares, os sujeitos educativos vão seguindo, ora guiados pelo desejo de uma escola que promova a emancipação do ser humano e superação da realidade, implícitos teoricamente nos Projetos Pedagógicos, ora pelo desânimo causado pela constatação dos limites do real, que os impedem de materializar este desejo na prática, de ousar no enfrentamento desta realidade. As difi culdades não devem ser vistas como barreiras intransponíveis, pelo contrário, devem ser superadas, pois é o trabalho coletivo que permitirá alcançar os resultados pretendidos pela escola. Conforme Pimenta (1993): O resultado que a Escola pretende - contribuir para o processo de humanização do aluno- cidadão consciente de si no mundo, capaz de ler e interpretar o mundo no qual está e nele inserir- se criticamente para transformá-lo - não se consegue pelo trabalho parcelado e fragmentado da equipe escolar - à semelhança da produção de um carro, onde um grupo de operários aperta, cada um, um parafuso, sempre da mesma maneira, conforme o que foi concluído fora da linha de montagem -, mas sim com o trabalho A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 17 coletivo. Neste há a contribuição de todos no todo e de todos no de cada um. A especialização de um não é somada à especialização de outro, mas ela colabora com e se nutre da especialização do outro, visando a e por causade fi nalidades comuns. O trabalho coletivo tem sido apontado por pesquisadores e estudiosos como o caminho mais profícuo para o alcance das novas fi nalidades da Educação Escolar, porque a natureza do trabalho na Escola-que é a produção do humano - é diferente da natureza do trabalho em geral na produção de outros produtos. No entanto, reconhece-se, de um lado, que o trabalho coletivo não é tarefa simples, uma vez que a Humanidade, durante séculos e séculos em sua história, acostumou-se a formas de vida individualistas. De outro lado, o coletivo carrega uma contradição que precisa ser explorada. Forjada no modo de produção capitalista, a cooperação - inerente ao coletivo - é, conforme HYPOLITO (1991, p. 18), fundamental para que o trabalho da Escola se realize de acordo com os objetivos “(...) mas esta realidade é contraditória, pois se a cooperação pode ser um fator de estabilidade para o poder, ao mesmo tempo a reunião dos trabalhadores coletivos possibilita uma unidade de interesses e favorece formas de resistência à dominação. Falamos da importância do trabalho coletivo e das difi culdades que ele pode apresentar, portanto, consideramos oportuno, neste momento, abordar um ponto que, embora poucas vezes seja considerado, é fundamental quando se trata de trabalho em equipe: a criação de uma cultura de colaboração profi ssional. A colaboração é a característica essencial que defi ne um grupo de pessoas envolvidas em um mesmo projeto, e o trabalho de natureza pedagógica não é exceção. Atualmente, a complexidade e a especialização interna que atingiram as escolas tornaram imprescindível algum tipo de coordenação, mas esta não é garantia nem substituto de colaboração. No âmbito da educação, falar de cooperação é falar de trabalho coletivo, que se constitui, em realidade, na única forma racional de trabalhar em uma instituição construída sobre pressupostos de ensino- aprendizagem. O ensino em equipe permite potenciar e aproveitar a especialização do professorado, atribuir diferentes níveis de responsabilidade, aplicar variadas formas de agrupamento escolar, formar professores iniciantes, etc. Um dos inúmeros benefícios do trabalho coletivo é criar condições de tirar o professor de sua solidão profi ssional e pessoal. Vale aqui recordar o que diz a respeito o documento Referenciais para a formação de professores (Brasil, 2002): O professor “desenvolve seu trabalho solitariamente e sem ajuda dos que teriam a função de apoiá-lo profi ssionalmente”. Além disso, é o trabalho coletivo que permite contrastar pontos de vista, comunicar ideias, compartilhar ou construir conjuntamente o material didático, e possibilita uma maior solidez científi ca. Outro fator importante a ser considerado é que a tomada de decisões em uma estrutura descentralizada se realiza no ponto mais próximo possível ao lugar onde transcorre a ação. Isso, no entanto, só é possível quando se transmite a informação necessária, mostra-se confi ança e concede-se autonomia para tomar decisões, ou seja, quando se delega uma autoridade real. O objetivo da estrutura descentralizada deve ser o de estabelecer um modelo de interdependência – evitando tanto as formas de trabalho dependentes quanto as independentes – que estabelece uma relação de colaboração, um diálogo. A partir de modelo de relações interdependentes se estabelecem melhores condições para a direção escolar manter A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 18 o controle e fomentar a cooperação entre toda a equipe. Como dissemos anteriormente é necessário criar uma cultura de colaboração profi ssional, uma nova cultura, que permita a refl exão coletiva e a discussão coletiva dos princípios que guiam a prática, pois como vimos ao ler Pimenta (1999), “os saberes pedagógicos podem colaborar com a prática”. Outras vantagens que o trabalho em equipe apresenta são a promoção do envolvimento coletivo na busca de soluções; o favorecimento de um compromisso maior com as decisões tomadas; o aumento da diversidade e, com ela, o enriquecimento e a imparcialidade; a estimulação da participação, evitando sensações de manipulação. No entanto, para que o trabalho em equipe se desenvolva efi cazmente, são necessárias algumas condições, como aponta Bartnik (2003/2004): É condição sine qua non que os componentes das referidas equipes incorporem em si hábitos de estudo coletivo, de ouvir com atenção, de expressar claramente o seu ponto de vista, de discordar com argumentação e sem agressividade, de analisar as próprias ações, de aceitar críticas, de rever conceitos e pré- conceitos... Observa-se, ultimamente, que em nome da democracia, em debates, aulas ou reuniões, há excessos de conversas paralelas, quebra de concentração, interrupção de raciocínios, fragmentação de explanações que prejudicam o aprofundamento dos temas em discussão; há predominância de uma relação de monólogo ao invés do diálogo. Enfi m, urge a reavaliação das próprias convicções e posturas, a reformulação, a reintencionalização e uma nova sistematização do próprio trabalho, para, posteriormente, construir novos procedimentos e ações com seus pares. Estes, por sua vez, levarão estas práticas aos seus alunos, nas suas vivências em sala de aula. Para encerrar este tópico vejamos o que nos diz Bartnik (2003/2004) sobre a instituição do poder na construção de um trabalho coletivo de colaboração: “Para entender como o poder se institui na construção de um trabalho coletivo de participação, organicidade e totalidade, faz-se necessário que os envolvidos, principalmente os que coordenam este processo, compreendam como as personalidades individuais agem e reagem no coletivo. Sabe-se que a formação da personalidade tem um caráter histórico, não é, portanto, um produto passivo do meio social, mas um agente ativo. Petrovski (1984) demonstra que o processo de assimilação pelo indivíduo da experiência social se realiza através do mundo interior da personalidade, na qual refl ete a relação do homem com o que ele faz e com o que se faz com ele.. Ou seja, a personalidade dos indivíduos se manifesta por meio da conduta, das atitudes, ou modos de atuação das pessoas que o circundam nos diversos meios, ou situações em que estão inseridos. Segundo ele, a personalidade não é apenas a individualidade, mas algo do indivíduo para os outros, pois as características mais profundas da personalidade se formam por meio da comunicação e do trabalho e contribuem para a formação de outras personalidades, também pela comunicação e pela atividade. É a comunicação que o homem trava com os outros homens que determina as orientações mais importantes para sua conduta, tais como: a formação de opiniões, tomadas de decisões, formas de relacionamentos, gostos ou exigências que vão se constituindo em categorias sociais e formando um corpo de interferências na vivência grupal. A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 19 COMPETÊNCIAS DA EQUIPE PEDAGÓGICA Diante de tudo que dissemos até agora, uma questão se faz presente: o que se deve esperar da equipe pedagógica? Que competências lhe competem? E, mais uma vez, você observará que também quando falamos de equipe pedagógica destaca-se a importância do trabalho coletivo. Conforme Pimenta: ... vamos dizer que o eixo central articulador do trabalho coletivo da equipe escolar é traduzir os conhecimentos, as habilidades e as atividades necessários à formação do novo cidadão. Portanto, a consecução do projeto político- pedagógico precisa ser planejada, organizada, explicitando-se contínua e sistematicamente o quê - os conteúdos do trabalho escolar -, o porquê - a quais necessidades se articulam -, como fazer - projetos, cursos etc. -, quem faz – as responsabilidades, as competências -, quando, como etc. É trabalho para muitos. Vejamos algumas tarefas pelas quais a equipe pedagógica pode ser responsabilizada: • coordenar esubsidiar a elaboração dos diagnósticos da realidade escolar nos vários níveis; • coordenar e subsidiar a elaboração, execução e avaliação do planejamento: plano da Escola; planos de cursos, de turmas, de ensino etc.; • incentivar e prover condições para a elaboração de projetos de alfabetização, leitura, visitas, estudo de apoio, orientação profi ssional, saúde e higiene, informática, ética etc.; • compor turmas e horários, com critérios que favoreçam o ensino e a aprendizagem; • capacitar em serviço; • fornecer assistência didático-pedagógica constante; • assegurar horários para reuniões coletivas, planejá-las, coordená-las, avaliá-las etc.; • defi nir claramente, quanto às reuniões com pais, em que a presença destes é importante na construção do projeto político-pedagógico, traduzindo essa participação; • promover a articulação orgânica das disciplinas; • acompanhar o rendimento escolar dos alunos; • prever formas de suprir possível defasagem no rendimento escolar do aluno; • propiciar trabalho conjunto por áreas, por séries etc., para analisar, discutir, estudar, atualizar, aperfeiçoar as questões pertinentes às áreas, às séries e ao processo ensino-aprendizagem; • promover a integração de professores novos na Escola; • pesquisar causas de evasão, repetência e outras. Enfi m, há muito que fazer. Nesta tentativa de traduzir a competência da equipe pedagógica, fi ca claramente evidenciado o signifi cado de trabalho coletivo na Escola – não é possível trabalhar de modo fragmento, o objeto do trabalho da Escola; não é desejável estabelecer fronteiras claramente delimitadas sobre o que compete a quem, mas dá para identifi car claramente que este trabalho precisa de competências específi cas. A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 20 Para encerrar este tópico, selecionamos um texto de Bartnik (2003/2004) que deve ser objeto de refl exão sobre a competência da equipe pedagógica: Para que a escola possa se organizar democraticamente e atingir seu objetivo maior é de fundamental importância o trabalho da equipe pedagógica e diretiva da escola, a qual deve ter a clareza de que: a participação é elemento inerente à consecução dos fi ns, em que se busca e se deseja práticas coletivas e individuais baseadas em decisões tomadas assumidas pelo coletivo escolar, exige-se da equipe diretiva, que é parte desse coletivo, liderança e vontade fi rme para coordenar, dirigir e comandar o processo decisório como tal e seus desdobramentos de execução. Liderança, fi rmeza no sentido de encaminhar e viabilizar decisões com segurança, como elementos de competência pedagógica, ética e profi ssional para assegurar as decisões tomadas de forma participativa e respaldadas, técnica, pedagógica e teoricamente sejam cumpridas por todos. (VEIGA, 1995, p.45) O Projeto Político-Pedagógico Na elaboração de seu projeto pedagógico, cada escola parte da consideração da realidade, da situação em que a escola se encontra, para confrontá-la com o que deseja e necessita construir. Essa “idealização” não signifi ca algo que não possa ser realizado, mas algo que ainda não foi realizado; caracterizando um processo necessariamente dinâmico e contínuo. Elementos constitutivos do projeto pedagógico da escola, como o registro de sua trajetória histórica, dados sobre a comunidade em que se insere, avaliações diagnósticas dos resultados de anos anteriores relativas aos projetos desenvolvidos pela escola e aos processos de ensino e de aprendizagem são importantes para o estabelecimento desse confronto entre o que já foi conquistado e o que ainda precisa ser. (SÃO PAULO, 2007) Pensar na natureza do trabalho pedagógico inclui, necessariamente, pensar no Projeto Político Pedagógico (PPP). Pensar, levando em conta, como vimos no texto de abertura deste tópico, na realidade da escola em que trabalhamos, no contexto em que ela está inserida e na sua trajetória histórica. Aqui também é importante falar do trabalho em equipe, pois acolher um PPP, assumir o compromisso de segui-lo, ocorre com muito mais facilidade, ou naturalidade, quando ele é fruto do trabalho coletivo e não uma imposição. Vamos aprofundar mais esse assunto com Silva & De Sordi (2006): (...) não há como pensar uma organização do trabalho na escola, no curso, na sala, sem antes pensar no papel que cabe ao Projeto Pedagógico, nem afi rmar que a simples existência de um projeto seja sufi ciente para que todos o sigam. Podemos dizer que o Projeto Político Pedagógico construído verticalmente fi ca na superfície da instituição/curso, enquanto a ação humana, presente no trabalho não material dos sujeitos (professor/diretor/aluno) acontece nos seus subterrâneos. Ali, estes sujeitos, independente da vocação da instituição, produzem novas leituras e interpretações de mundo a partir da história pessoal e de projetos de trabalho elaborados na experiência prática de cada um, criando-se, a cada nova situação, um novo projeto pedagógico. Esta questão envolve a competência/ incompetência, seja do professor, da escola, dos sistemas ou dos homens que criam os sistemas, realçando a necessidade de se entender a questão do poder sob uma nova perspectiva. Vasconcelos (2002, p.53) nos diz que o poder: “não é uma coisa que está num determinado lugar, mas algo que fl ui entre os sujeitos em relação”. De acordo com o autor, trata-se de uma característica inalienável dos relacionamentos humanos e que, por conta disso, “[...] a questão passa a ser não negá-lo, mas discutir sua forma de exercício: a serviço do que e de quem se coloca. A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 21 Ainda sobre o signifi cado do PPP vale a pena ler o entendimento que Bartnik (2003/2004) apresenta: (...) um documento que não reduz à dimensão pedagógica, nem muito menos ao conjunto de projetos e planos de ensino isolados de cada professor em sala de aula. (VEIGA, 1998, p. 11- 12), mas que refl ete a realidade da instituição, situada em um contexto mais amplo que, ao mesmo tempo que infl uencia, é também por ele infl uenciado. O projeto político-pedagógico como plano global da instituição aponta um caminho, defi ne uma ação intencional, vincula-se com os interesses sociais mais amplos e à necessidade de formar cidadãos. A construção coletiva deste documento é uma ação indispensável à organização de um trabalho pedagógico de uma instituição educativa comprometida com uma sociedade mais solidária, inclusiva e humana. Veiga (1996, p. 157) afi rma que é (...) a primeira ação que me parece fundamental para nortear a organização do trabalho da escola é a construção do projeto pedagógico assentado na concepção de sociedade, educação, escola que vise à emancipação humana. Ao ser claramente delineado, discutido e assumido coletivamente ele se constitui como processo. E, ao se constituir em processo, o projeto político- pedagógico reforça o trabalho integrado e organizado da equipe escolar, enaltecendo a sua função primordial de coordenar a ação educativa da escola para que ela atinja o seu objetivo político-pedagógico. A seguir, apresentamos parte do documento Orientações para (re) elaboração do projeto político pedagógico das escolas municipais, elaborado pela Secretaria Municipal de Educação de Salvador (2008), que consideramos oportuno dentro do que aqui foi exposto sobre Projeto Político Pedagógico. A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 22 ORIENTAÇÕES PARA (RE) ELABORAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DAS ESCOLAS MUNICIPAIS A educação é projeto, e, mais do que isto, encontro de projetos; encontro muitas vezes difícil, confl itante, angustiante mesmo; todavia altamente provocativo, desafi ador, e, porque não dizer, prazeroso realizador. Celso Vasconcellos Segundo Nilbo Nogueira, a palavra projeto origina-se do latim projectu ,” lançado para diante”, e se refere a ideia que se forma de executar ou realizar algo,no futuro: plano, intento, desígnio. Empreendimento a ser realizado dentro de determinado esquema. Nessa perspectiva, até o fi nal do ano de 2008, caberá a cada escola da Rede Municipal, (re) elaborar, e implementar seu Projeto Político Pedagógico - PPP, assegurando, na forma da Leis 9394/96,11.274/06 o respeito aos princípios do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, garantindo-se a participação da comunidade escolar. Para tanto, o PPP deverá estar em consonância com os princípios éticos, políticos e estéticos previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e Ensino Fundamental, as Diretrizes Pedagógicas Municipais, as Diretrizes Ambientais e a prática da eco-pedagogia , as Diretrizes Municipais para a Inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Sistema Municipal de Ensino de Salvador, (Lei 10639/03) e o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA. Sendo o PPP o plano global da escola, um instrumento teórico-metodológico para intervenção e mudança da realidade sua construção deverá permitir o encontro, a refl exão, a ação sobre a realidade numa práxis libertadora. Para Muramoto (1991), trabalhadores que não se comunicam horizontalmente, para a refl exão de sua prática profi ssional, tendem a uma visão parcial, truncada do processo de trabalho, perdendo a possibilidade de controle sobre esse processo. O PPP de todas as unidades escolares da Rede Municipal de Ensino deverá ser pensado na perspectiva de Salvador, Cidade Educadora e ter como eixo norteador a diversidade. Uma cidade educadora só coexiste com a obediência irrestrita aos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos; Carta de Salvador - Cidade Educadora - 2007 A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 23 Segundo Veiga (1995), um projeto político pedagógico – PPP, ultrapassa a dimensão de uma proposta pedagógica. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso defi nido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sócio - político e com os interesses reais e coletivos da população majoritária. Ele é fruto da interação entre os objetivos e prioridades estabelecidas pela coletividade, que estabelece, através da refl exão, as ações necessárias à construção de uma nova realidade. Antes de tudo, é um trabalho que exige comprometimento de todos os envolvidos no processo educativo: professores, equipe técnica, alunos, seus pais e a comunidade como um todo. O político e o pedagógico são dimensões indissociáveis, porque propiciam a vivência democrática necessária à participação de todos os membros da comunidade escolar. Essa prática de construção de um projeto, deve estar amparada por concepções teóricas sólidas e supõe o aperfeiçoamento e a formação de seus agentes. Só assim serão rompidas as resistências em relação a novas práticas educativas. Os agentes educativos devem sentir-se atraídos por essa proposta, passando a ter uma postura comprometida e responsável. Trata-se, portanto, da conquista coletiva de um espaço para o exercício da autonomia. Essa autonomia, porém, é relacional, não deve ser confundida com apologia a um trabalho isolado, marcado por uma liberdade ilimitada, que transforme a escola numa ilha de procedimentos sem fundamentação nas considerações legais do sistema de ensino, perdendo, assim, a perspectiva do todo. A autonomia implica também em responsabilidade e comprometimento com as instituições que representam a comunidade (conselhos de escola, associações de pais e mestres, grêmios estudantis, entre outras), para que haja participação e compromisso de todos. Ao elaborar e executar o seu PPP a escola deverá destacar: • Os fi ns e objetivos do trabalho pedagógico, buscando a garantia da igualdade de tratamento, do respeito às diferenças, da qualidade do atendimento e da liberdade de expressão; • A concepção de criança, jovem e adulto, seu desenvolvimento e aprendizagem; • As características da população a ser atendida e da comunidade na qual se insere; • O regime de funcionamento; • A descrição do espaço físico, das instalações e dos equipamentos; • A relação de profi ssionais, especifi cando cargos, funções, habilitação e níveis de formação; • Os parâmetros de organização de grupos e relação professor/ aluno; • A organização do cotidiano de trabalho com as crianças, jovens e adultos; • A proposta de articulação da escola com a família e a comunidade; • O processo de avaliação, explicitando suas práticas, instrumentos e registros; • O processo de planejamento geral. • Trazer anexos como: a Matriz Curricular vigente e Projetos Especiais a serem desenvolvidos. Vídeo 4 – Projeto Político Pedagógico: conceitos e signifi cados – parte 1 Vídeo da série “Fazendo Escola” discute a Gestão Democrática nas Escolas Públicas do Ensino Médio, mostrando os problemas e as soluções que país, professores, diretores e comunidades estão encontrando para melhorar a escola, a partir da discussão do PPP (Projeto Político Pedagógico). Participação dos professores: José Luis Falmaso (SP), Roberto Lerre (RJ), Vera Lucia de Rosi (SP). Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=7O4VgWLXEdY A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 24 A NECESSIDADE DE ORGANIZAR O TRABALHO PEDAGÓGICO O trabalho efetivo desenvolvido na escola é aqui entendido como organização do trabalho pedagógico, que se faz necessária, inclusive, para a gestão do tempo. A organização da rotina é uma ação que precisa ser repensada periodicamente e que depende da explicitação referente aos objetivos do ensino, aos critérios de seleção e organização dos conteúdos e à refl exão sobre as formas de tratamento didático mais adequadas e, principalmente, do olhar atento do professor para o processo de aprendizagem dos seus alunos. Organizar o trabalho pedagógico permite potencializar o tempo didático, ou seja, aproveitar ao máximo o período em que o aluno permanece na escola, oferecendo situações signifi cativas que possam de fato favorecer a aprendizagem. Do ponto de vista do trabalho do professor, organizar rotinas implica tomar decisões acerca do uso inteligente do tempo didático e contribui para dar conta das expectativas de aprendizagem previstas, para aquele dado período da escolaridade. Permite organizar o trabalho de sala de aula de forma a atender às demandas dos estudantes e desenvolver as atividades previstas. Da mesma forma que não há como desenvolver um mesmo plano de ensino ano após ano, porque informações são acrescentadas e novas versões são produzidas, não é possível organizar rotinas de trabalho que sejam idênticas para as turmas com as quais o professor trabalha. Nesse sentido, as rotinas, ainda que tenham estruturas parecidas, precisam ser adequadas às características de um grupo particular e à história construída por este. (SÃO PAULO, 2007) Aproveitando que estamos falando de organização do trabalho pedagógico, vamos abrir espaço para a Hora de Trabalho Coletivo Pedagógico (HTPC), um espaço dentro da escola que é encarado de várias formas, algumas delas nem sempre positivas. Neuhaus e Chiaratto (2010) fazem uma abordagem da Hora do trabalho pedagógico coletivo: Segundo a pesquisadora Oliveira (2006), a Hora do Trabalho Pedagógico Coletivo foi historicamente construída para ser um local de discussões sobre ensino-aprendizagem. É fruto de uma conquista dos professores de São Paulo. Surgiu da necessidade de existência de um espaço dentro do horário de trabalho do professor, no qual pudesse ocorrer, além de formação, a discussão em grupo sobre os rumos de cada unidade escolar. Marin apud Falsarella (2004, p. 55) ressalta que “os profi ssionais da educação não podem e não devem ser persuadidos e convencidos de ideias; eles devem conhecê-las, analisá-las, criticá-las, até mesmo aceitá-las, mas medianteo uso da razão. De acordo com as pesquisas de Oliveira (2006) uma atividade de HTPC é composta pelos seguintes elementos: sujeito, objeto, instrumentos, regras, comunidade, divisão do trabalho e resultado. • O sujeito pode ser considerado o indivíduo ou grupo engajado. • O objeto refere-se ao problema ao qual a atividade está sendo direcionada, sendo possível moldá-lo e transformá- lo com ajuda de instrumentos físicos e simbólicos. • Os instrumentos são entendidos como os meios utilizados nas relações dos sujeitos sobre o objeto. Ex.: textos, livros, vídeos e a própria língua como instrumento de mediação. • A divisão do trabalho durante as HTPCs se dá entre os sujeitos de modo que tanto A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 25 professores e coordenadores tenham vez e voz para expor suas ideias. • As regras: as normas, as rotinas, os hábitos e os valores. Nesta atividade, as regras são estabelecidas inicialmente pela legislação que diz que os encontros devem ser coletivos e ter a duração mínima de duas horas semanais (Lei nº 10.172/01 – 10.3:3). A partir destas, outras regras são estabelecidas por meio da negociação entre os sujeitos. • A Comunidade vem a ser todos aqueles que se relacionam indiretamente na construção do objeto. A refl exão não é um processo mecânico, nem simplesmente um exercício criativo de construção de novas ideias, antes é uma prática que exprime o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na comunicação, na tomada de decisões e na ação social. (KEMMIS apud BRUNO, 2005, p. 11) Bruno (2005) salienta a difi culdade de se conseguir que a HTPC se realize a contento. O fato de vários profi ssionais com ideias, necessidades e expectativas diferentes compartilharem o mesmo espaço/tempo para juntos buscarem aprofundamento, refl exão e por que não, solução para seus alunos em particular, torna a HTPC um tanto tensa no início. Mas existem projetos realizados por pesquisadores da área que comprovam que mesmo com a reserva de alguns professores, o tempo, a seriedade e a persistência dos líderes com a HTPC (normalmente Coordenadores Pedagógicos), o ano se encerra com saldo positivo. Tanto os professores rendem-se à busca de conhecimento e refl exão teoria-prática, quanto a repercussão de todo este trabalho no rendimento dos alunos é visível. Para Campos (2007), é difícil modifi car o sistema cristalizado pelo tempo, questionar práticas pedagógicas que dão certo, ou parecem dar certo. Para modifi car a ação docente é importante conhecer o “sistema de crenças” dos professores, para então propor mudanças que conscientizem a necessidade de se auto- superarem no saber pedagógico e nos conteúdos das disciplinas. As HTPCs abrem espaço para esta auto-refl exão. RELAÇÕES ESTRUTURAIS E GESTÃO ESCOLAR A estrutura de uma organização condiciona o tipo de gestão que é nela exercida, por isso, a Gestão Escolar não pode ser concebida fora dos princípios da gestão democrática. Como já fi cou claro ao longo desse material, gestão democrática não é sinônimo de falta de liderança, e as estruturas participativas também necessitam de direção. Deve-se atentar, ainda, que, na escola, a gestão democrática pode ser mais efi caz que outros modos de gestão, por ser mais adequada às características do trabalho docente, o qual demanda mais que controle hierárquico, sistemas formativos e não impositivos, relações de colaboração e não de imposição, motivação e apoio. O exercício da gestão democrática não pode se basear em procedimentos de tipo autoritário, nem pode agir tomando como base somente sua posição hierárquica, é necessário que o gestor se afi rme na equipe e na negociação. Esse modelo de gestão nos leva a pensar no gestor como representante ofi cial da escola; como mediador entre a escola e os órgãos competentes ou entre os professores e os pais; como supervisor do cumprimento legal. Certamente, sem nos esquecermos do seu papel de incentivador, coordenador e motivador dos professores que estão sob sua direção e dos quais depende diretamente a qualidade do ensino oferecido pela escola. O que se faz necessário ressaltar é que as decisões técnico- A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 26 pedagógicas não podem ser suplantadas pelas decisões burocrático-administrativas. Trata-se, ainda, de um modelo que permite conciliar autoridade formal com liderança, tema que abordaremos a seguir. Vídeo 5 – As dimensões da gestão democrática - Parte 1 A função do gestor, seu papel e atuação nas decisões sobre a escola O vídeo apresenta uma discussão sobre a importância do trabalho do gestor para a qualidade social da educação, apresentando as qualidades fundamentais para esse exercício. Destaca também a relevância do trabalho em equipe e as relações dialógicas para a gestão democrática. Fonte: http://www.youtube.com/watch? v=VRlfIuf96vs&feature=related GESTÃO E LIDERANÇA Na escola concebida como o lugar social da comunicação humana, da reciprocidade e de práticas relativas ao processo ensino-aprendizagem, o papel desempenhado pelo gestor é de vital importância. Nesse caso, estamos falando de um gestor que atue como líder, e cujo interesse profi ssional deva ser o ensino, antes, durante e depois de desempenhar as funções de gestor. Em entrevista concedida à revista Nova Escola, a educadora paranaense Heloísa Lück (NADAL, 2010) fez apontamentos relevantes sobre a liderança na comunidade escolar. Selecionamos algumas questões que apresentamos a seguir: (...) Doutora em Educação pela Universidade Columbia e pós-doutora em Pesquisa e Ensino Superior pela Universidade George Washington, ambas nos Estados Unidos, Heloísa falou a NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR sobre as ações necessárias para o exercício da liderança. Segundo ela, o primeiro passo é tornar claros os objetivos educacionais da escola. Só assim as expectativas dos profi ssionais com relação à Educação permanecem elevadas, contribuindo para a construção do que ela chama de “comunidade social de aprendizagem. [...] É possível aprender a liderar? HELOÍSA Com certeza. Existem indivíduos que despontam naturalmente para exercer esse papel e certamente o farão se o ambiente favorecer. Mas mesmo eles precisam de orientação para empregar essa habilidade e toda a energia em nome do bem coletivo. Trata- se de um exercício associado à consciência de responsabilidade social. Onde a gestão é democrática e participativa, há a oportunidade de desenvolver essa característica em diversos agentes. Somente governos e organizações autoritários e centralizadores não permitem isso. E a escola, é claro, não deve ser assim. Quais são as principais características de um líder? HELOÍSA Geralmente é uma pessoa empreendedora, que se empenha em manter o entusiasmo da equipe e tem autocontrole e determinação, sem deixar de ser fl exível. É importante também que conheça os fundamentos da Educação e seus processos – pois é desse conhecimento que virá sua autoridade –, que compreenda o comportamento humano e seja ciente das motivações, dos interesses e das competências do grupo ao qual pertence. Ele também aceita os novos desafi os com disponibilidade, o que infl uencia positivamente a equipe. A natureza do trabalho pedagógico no interior da escola 27 Que questões do cotidiano costumam assustar o gestor que é líder de sua comunidade? HELOÍSA Os dirigentes que desenvolveram as competências de liderança nunca se deixam paralisar diante dos desafi os. Os que não as têm, contudo, se sentem imobilizados diante de pessoas que resistem às mudanças, sobretudo aquelas que manifestam de forma mais veemente seu incômodo com situações que causam desconforto. Em vez de colocar energia em atividades burocráticas e administrativas, fazendo fracassar os propósitos de criação de uma comunidade de aprendizagem, cabe aos gestores – e a todos os educadores, na verdade – promover
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