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DIAS, Rosa Maria Nietzsche e Foucault A Vida como Obra de Arte


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Nietzsche e Foucault: a vida como obra de arte
Este estudo tem por objetivo apresentar pontos de convergência das 
concepções da estética da existência de Nietzsche e de Foucault. Tenho, como 
ponto de partida, o que o próprio Foucault revela: “sou simplesmente 
nietzschiano e tento, dentro do possível e sobre um certo número de pontos, 
verificar, com a ajuda dos textos de Nietzsche – também com as teses 
antinietzschianas (que são igualmente nietzschianas!) -, o que é possível fazer 
nesse ou naquele domínio. Não busco nada além disso, mas isso eu busco 
bem”.1 Ainda indagado por H. Dreyfus e P. Rabinow se antinomia entre a 
estética da existência e a moral universal não estaria afinada com o 
existencialismo sartriano, Foucault responde: “o meu ponto de vista está mais 
próximo de Nietzsche do que de Sartre”.2
Feitas essas observações, inicio minha exposição com o seguinte aforismo 
de A Gaia Ciência, onde Nietzsche estabelece uma relação muito estreita entre 
arte e vida: “Como fenômeno estético a existência ainda nos é suportável, e por 
meio da arte nos são dados olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para 
poder fazer de nós mesmos um tal fenômeno”. 3
Uma leitura cronológica da obra de Nietzsche mostra que Humano, 
demasiado humano marca definitivamente a passagem do autor para uma nova 
fase, que pode ser identificada, em termos biográficos, com o seu afastamento 
da filosofia de Schopenhauer e com a ruptura com Wagner. É Nietzsche mesmo 
quem anuncia sua modificação, numa anotação feita na época de Humano, 
1 FOUCAULT, M., “O retorno da Moral”, in Ditos e Escritos, V. Trad. Elisa Monteiro e Inês Autran 
Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p.260. 
2 FOUCAULT, M., « À propos de la généalogie de l’éthique : un aperçu du travail en cours » 
(entrevista com H. Dreyfus e P. Rabinow, versão modificada por Foucault) in Dits et écrits, IV, p. 618.
3 NIETZSCHE, F., A Gaia Ciência, §107. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das 
Letras: 2001.
1
demasiado humano: “Eu quero expressamente declarar aos leitores de minhas 
obras anteriores que abandonei as posições metafísico-estéticas que aí dominam 
essencialmente: elas são agradáveis, porém insustentáveis”.4
Nesse período, Nietzsche proclama a primazia da ciência, para ele 
sinônimo de método de investigação crítica, que tem por objetivo nos liberar do 
mundo metafísico, do sobrenatural e da coisa em si kantiana. Distancia-se não só 
do que havia revelado no prefácio de O nascimento da tragédia, quando escreve 
que a arte é “a atividade verdadeiramente metafísica” dessa vida, mas também 
de sua concepção do dionisíaco e, conseqüentemente, da idéia de “consolação 
metafísica” – da possibilidade de se chegar, através da música ao âmago da vida, 
e assim poder afirmá-la. Tudo isso é nesse momento para ele crença teológica. 
Não existe nenhum ser primordial com quem se identificar para sentir, por 
breves instantes, “o seu indomável desejo e prazer de existir”, nenhuma luneta 
mágica para se olhar diretamente a essência.5 Também a música não reina mais 
solitária no reduto das artes, não é mais a “linguagem imediata do sentimento”.6 
Não é profunda, nem significativa; não fala da “vontade”, nem da “coisa em si”. 
É arte que, mesmo no livre pensador, faz vibrar as cordas metafísicas de tal 
modo que, diante de certa passagem da Nona Sinfonia de Beethoven, pode se 
sentir “pairando por cima da Terra numa cúpula de estrelas, com o sonho de 
imortalidade no coração? (...) Tornando-se consciente desse estado, ele talvez 
sinta uma funda pontada no coração e suspire pela pessoa que lhe trará de volta 
a amada perdida, chame-se ela religião ou metafísica”.7
Também em “Miscelânea de opiniões e sentenças” (1879) e em 
“Andarilho e sua sombra” (1880), complementos de Humano, demasiado 
humano, Nietzsche continua a fazer avaliações críticas à arte, a desmascará-la, 
4 NIETZSCHE, F., Fragmentos Póstumos, 1876-1877, 23[159].
5 Cf. NIETZSCHE, F., Humano, demasiado humano, § 162. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: 
Companhia das Letras: 2000.
6 NIETZSCHE, F., Humano, demasiado humano, § 215.
7 NIETZSCHE, F., Humano, demasiado humano, § 153.
2
quando está envolvida em sua áurea metafísica. Há nesses livros, entretanto, um 
outro ponto de vista a partir do qual ele revaloriza a arte. Não se trata mais 
certamente de nenhuma que leve o homem a evadir-se de si mesmo, a buscar o 
fantástico, o além mundo, mas da arte de criar a si mesmo como obra de arte. O 
aforismo 174 de “Miscelânea de opiniões e sentenças”, intitulado “Contra a arte 
das obras de arte”, marca essa transição:
“A arte deve antes de tudo e primeiramente embelezar a vida, portanto, 
fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis 
uns aos outros: com essa tarefa em vista, ela nos modera e nos refreia, cria 
formas de trato, impõe aos indivíduos leis do decoro, do asseio, de cortesia, de 
falar e calar no momento oportuno. A arte deve, além disso, ocultar ou 
reinterpretar tudo o que é feio, aquele lado penoso, apavorante, repugnante que, 
a despeito de todo esforço, irrompe sempre de novo, de acordo com o que é 
próprio à natureza humana: deve proceder desse modo especialmente em vista 
das paixões e das dores e angústias da alma e, no inevitável e irremediavelmente 
feio, fazer transparecer o significativo. Depois dessa grande, e mesmo 
gigantesca tarefa da arte, a assim chamada arte propriamente, a das obras de 
arte, é um apêndice. Um homem que sente em si um excedente de tais forças 
para embelezar, esconder e reinterpretar procurará, por último, descarregar-se 
desse excedente também em obras de arte (...) – Mas, normalmente, começam a 
arte pelo fim, penduram-se à sua cauda e pensam que a arte das obras de arte é a 
arte propriamente dita, que a partir dela a vida deve ser melhorada e 
transformada – tolos de nós! Se começamos a refeição pela sobremesa e 
degustamos doces e mais doces, o que é de admirar, corrompemos o estômago e 
mesmo o apetite para a boa, forte, nutritiva refeição a que nos convida a arte!”8
8 NIETZSCHE, F., Humano, demasiado humano, “Miscelânea de opiniões e sentenças”, § 174. 
Trad.Rubens Rodrigues Torres Filho. Friedrich Nietzsche, Obras Incompletas, São Paulo: Abril 
Cultural,1974.
3
 Desse fragmento é possível depreender que a arte de embelezar a vida 
não é uma atividade cosmética, exercida sobre uma realidade descolorida e sem 
graça; não é a arte de esconder, envolvendo com véus a paixão e a miséria dos 
insatisfeitos. Nietzsche não está aqui reabilitando o apolíneo. Embelezar a vida é 
sair da posição de criatura contemplativa e adquirir os hábitos e os atributos de 
criador, ser artista de sua própria existência.
E como fica a arte das obras de arte nessa tarefa de criar a si mesmo como 
obra de arte? Nietzsche não se põe contra as obras de arte, opõe-se sim, em 
primeiro lugar, à deificação das obras de arte, ao pensamento que, por atribuir 
todos os privilégios da criação ao gênio, deixa de criar a si mesmo; em segundo 
lugar, ao desperdício de forças. Somente aqueles que trazem consigo um 
excedente de forças deveriam a ela se dedicar. É preferível empregar toda a 
quantidade de forças para criar a si mesmo a despendê-la na arte, e, com isso, 
pôr à mostra o que não merece ser mostrado. E, ainda, é preferível viver sem as 
artes, não ter necessidade dessa ou daquela, transformando-se continuamente a 
si mesmo, a fazer uso dela, por horas ou instantes, para afugentar o mal-estar e o 
tédio. Nietzsche sugere que se tome como exemplo mais uma vez os gregos que, 
por gozarem da mais perfeita saúde, “gostavam de ver sua perfeição mais uma 
vez fora de si: era o gozo de si que os levava à arte”9 e não como acontececom o 
homem moderno, que busca na arte lenitivo para a sua insatisfação. A arte das 
obras de arte é apenas um “apêndice” da arte de viver, a “sobremesa, e não o 
prato principal”. 
O segundo volume de Humano, demasiado humano é assim porta-voz de 
um deslocamento do centro de gravidade da filosofia de Nietzsche sobre a arte - 
a passagem da reflexão sobre as obras de arte para uma reflexão bem particular, 
a vida mesma considerada como arte. E desse modo Nietzsche diminui ainda 
9 NIETZSCHE, F., Humano, demasiado humano, “Miscelânea de opiniões e sentenças”, § 169. 
Trad.Rubens Rodrigues Torres Filho. Friedrich Nietzsche, Obras Incompletas, São Paulo: Abril 
Cultural, 1974.
4
mais a separação entre arte e vida, considera sua junção determinante para a 
construção de belas possibilidades de vida. 
Dito isso, podemos enfocar agora a sentença de Nietzsche “Como 
fenômeno estético, a existência, para nós, é ainda sempre suportável”. Em uma 
carta de dezembro de 1882 a Heinrich von Stein, época, portanto, da publicação 
das quatro partes de A gaia ciência, (a quinta parte só foi publicada em 1886), 
Nietzsche escreve que gostaria de livrar a existência humana de seu caráter 
cruel, sem a consolação metafísica, resquício de uma crença teológica. “O 
problema”, diz ele, “é o sofrimento e nossa vulnerabilidade a ele; não qualquer 
sofrimento (por exemplo, o de uma dor de dente), mas aquele para o qual não se 
encontra nenhum propósito redentor nem justificação, sofrimento que nos dispõe 
a ver a vida com náusea”. Sem Deus, a vida sem remédio – um absurdo! 
Em Humano, demasiado humano, a idéia de consolação metafísica é 
refutada e vista como fazendo parte de uma linguagem que não é de Nietzsche, 
mas sim, de Schopenhauer. Essa idéia, então, volta a perturbá-lo a tal ponto que 
se propõe, como filósofo-artista, a pensar uma saída para livrar a existência do 
sofrimento pela morte de Deus. Uma saída ou uma “linha de fuga”, para usar 
uma expressão de Deleuze, que não tenha nada de metafísica, ou seja, que não 
tenha nenhum propósito de redenção, justificação ou legitimação da existência.
Se pensarmos a seqüência da frase de A gaia ciência, teremos uma 
indicação de como Nietzsche tratará a questão. Diz ele: Por meio da arte nos são 
dados olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para poder fazer de nós 
mesmos um tal fenômeno”.10 Perguntamos: olhos e mãos para quê? Certamente 
não para qualquer atividade, mas para aquela que permite nos livrarmos do 
aspecto cruel da existência. É ela uma ação artística que tem a boa consciência 
do seu lado, isto é, que pode em alguns momentos ser “contra o costume e 
10 NIETZSCHE, F., A Gaia Ciência, §107.
5
mesmo imoral”. Uma atividade de criar a si mesmo como obra de arte, de ser o 
poeta de sua própria vida. Como isso pode ser feito?
Nietzsche apresenta em A gaia ciência duas saídas artísticas para fazer 
frente ao sofrimento de se estar diante de uma vida sem sentido e sem a ação 
consoladora de Deus. Chamaremos, por sugestão de Julien Young, uma de 
apolínea, outra, de dionisíaca. Caracterizaremos a primeira como arte de se 
poder ver a si mesmo à distância ou “a arte de se pôr em cena frente a si mesmo” 
e a segunda, como a arte de “tornar-se o que se é” – fórmula máxima da 
afirmação total da existência. Todas as duas saídas utilizam técnicas artísticas. 
Antes de esclarecê-las, é bom lembrar que ao se dar o nome de apolínea ou 
dionisíaca a essas atividades não estamos trazendo de volta a “metafísica de 
artista” de Nietzsche de O nascimento da tragédia.
A saída apolínea imita a técnica artística do teatro. Particularmente a da 
distância, a da distância artística. Existem dois aforismos importantes em que 
Nietzsche deixa de forma mais clara esse pensamento, os aforismos 78 e o 299 
de A gaia ciência. No aforismo 78, escreve: “Apenas os artistas, especialmente 
os do teatro, dotaram os homens de olhos e ouvidos para ver e ouvir, com algum 
prazer, o que cada um é, o que cada um experimenta e o que quer; apenas eles 
nos ensinaram a estimar o herói escondido em todos os seres cotidianos, e 
também a arte de olhar a si mesmo como herói, à distância e como que 
simplificado e transfigurado – a arte de se “pôr em cena” para si mesmo. 
Somente assim podemos lidar com alguns vis detalhes em nós! Sem tal arte, 
seríamos tão-só primeiro plano e viveríamos inteiramente sob o encanto da ótica 
que faz o mais próximo e o mais vulgar parecer imensamente grande, a realidade 
mesma”.11 No aforismo 299, intitulado: “O que se deve aprender com os 
artistas”, Nietzsche desenvolve ainda melhor essa idéia. Ele pergunta: De que 
meios dispomos para tornar as coisas belas, atraentes, desejáveis para nós, 
11 NIETZSCHE, F., A Gaia Ciência,§ 78.
6
quando elas não o são?” Responde: “Temos que aprender com os artistas, os que 
estão a rigor continuamente dedicados a realizar tais inventos e artifícios, a nos 
afastar das coisas até que tenhamos delas uma visão parcial, até que não as 
vejamos muito bem ou tenhamos que juntar muito delas para ainda vê-las, ou 
espreitá-las para vê-las como que em recorte, colocá-las de tal modo que se 
escondam parcialmente e só permitam ser vistas de relance, em perspectiva, ou 
contemplá-las através do vidro colorido ou à luz dos poentes, ou dar-lhes uma 
superfície e uma pele sem completa transparência. Tudo isso temos de aprender 
com os artistas, e em todo o resto ser mais sábios do que eles. Pois neles termina 
normalmente esta sua requintada faculdade: onde a arte acaba, começa a vida; 
nós, porém, queremos ser os poetas da nossa vida e, em primeiro lugar, das 
coisas mais pequenas e comuns”.12 
A arte de se ver a si mesmo e ao mundo através de filtros coloridos, de se 
pôr a si mesmo e as coisas em plano geral, para usar uma expressão 
cinematográfica, de se ver como herói que conquistou seus próprios temores, 
que se identificou com o ritmo e o fluxo da vida é uma maneira de se fazer 
frente ao sofrimento humano, quando lhe foram cortadas suas raízes metafísicas; 
a outra maneira é a dionisíaca, que faz pensar nas técnicas da literatura na 
construção de um personagem. Como observa Julien Young, em seu livro 
Nietzsche’s philosophy of art, essa saída é superior à apolínea, não é concebida 
para convalescentes, mas para aqueles que, diante da vida e em qualquer um de 
seus aspectos, podem afirmá-la inteiramente. A essa ação dionisíaca Nietzsche 
dá o nome de “Como alguém se torna o que é”: “O que diz a consciência?”, 
pergunta Nietzsche. “Deves tornar-te aquilo que és”
É preciso ressaltar, em primeiro lugar, que a expressão tornar-se aquilo 
que se é não tem nada a ver com a possibilidade de se chegar a um eu fixo, 
perdido no fundo do ser humano. Já em Schopenhauer como educador, 
Nietzsche descarta essa possibilidade. Nesse livro, vê a tarefa de descer ao fundo 
12 NIETZSCHE, F., A Gaia Ciência, § 299.
7
de si mesmo como uma tarefa inútil. “É, além disso, um empreendimento 
penoso, perigoso, vasculhar assim em si mesmo, descer violentamente pelo 
caminho mais curto ao fundo do seu ser. Como é arriscado ferir-se com isso de 
modo que nenhum médico possa curar. E ainda mais, pergunta ele, para que isso 
seria necessário, se tudo é testemunha de nosso ser, nossas amizades e 
inimizades, nosso olhar e nosso aperto de mão, nossa memória e o que 
esquecemos, nossos livros e traços de nossa pena?”.13 Assim, o que revela a “lei 
fundamental de nosso ser” é o conjunto dos objetos que nos preenchem e 
dominam. A sucessão dos “objetos venerados”, isto é, que temos amado, o que 
nos atrai, o que nos tem feito feliz e a comparação que se pode estabelecer entre 
elesé isto que revela nossa individualidade: “compara estes objetos, vê como se 
completam, se ampliam, se enriquecem, se iluminam mutuamente, como 
formam uma escala graduada com que elevaste a ti mesmo; pois teu verdadeiro 
ser não está escondido dentro de ti, mas, ao contrário, infinitamente acima de ti, 
ou pelo menos daquilo que consideras teu verdadeiro eu”.14
Assim, para Nietzsche, esse tornar-se o que se é não é uma volta ao eu 
verdadeiro, nem o desmascaramento dos obstáculos fictícios que entravam a 
cultura do eu. O “eu” é uma criação, uma construção, um cultivo de si 
permanente. Para ousar ser um si mesmo é preciso antes de tudo de uma tarefa: 
dar estilo ao próprio caráter, acomodando os vários aspectos de sua própria 
natureza, inclusive as fraquezas, colocando-as em uma totalidade aprazível de 
acordo com um plano artístico.15
Nessa tarefa de se tornar sem cessar o que se é, de ser mestre e escultor de 
si mesmo para enfrentar o sofrimento do mundo sem Deus, as técnicas do artista 
e principalmente as do poeta e do romancista podem ser de grande valia, já que 
elas mostram como é possível escrever para nós um novo papel, um outro 
13 NIETZSCHE, F., Schopenhauer como educador, § 1. Unzeitgemässe Betrachtungen III, Berlim/ 
Nova York: Walter de Gruyter, p. 340. 
14 NIETZSCHE, F., Idem.
15 Cf. NIETZSCHE, F., A Gaia Ciência, § 290.
8
personagem com novo caráter. Escrever por cima de memórias, caracteres, 
traços fortemente marcados e ambições profundas, que nos deram forma, uma 
nova espécie de personalidade superficial que experimenta o mundo com uma 
leveza fugaz, divinamente não perturbado, divinamente superficial, “por ser 
profundo”, uma incrível leveza em ser o que é. Aqui acrescenta algo, ali suprime 
outro tanto, mas em ambas as vezes aplica longa prática e trabalho diário. “Aqui 
esconde o que é feio e não pode suprimir, ali o transforma de modo a obter um 
significado sublime”. Muito do que era vago e resistia a tomar forma foi 
reservado para ser utilizado mais adiante. Por fim, terminada a obra, é manifesto 
o modo como o gosto próprio dominou e deu forma às coisas grandes e 
pequenas; “se o gosto foi bom ou mau, significa menos do que se pensa – é 
suficiente que seja um gosto próprio!”.16 
A estética da existência em Foucault
Passo agora à compreensão que Foucault tem da estética da existência. 
Em uma entrevista com H. Dreyfus e P. Rabinow, intitulada “À propos de la 
généalogie de l’éthique”, segundo a mesma percepção de Nietzsche, ele declara: 
“O que me surpreende é o fato de que, em nossa sociedade, a arte tenha se 
transformado em algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida 
(...) Mas a vida de todo indivíduo não poderia ser uma obra de arte? Por que 
uma mesa ou uma casa são objetos de arte, mas nossas vidas não?”.17 
A idéia de bios como material para uma construção artística aparece na 
obra de Foucault na década de 80. Segundo Roberto Machado, em seu texto 
16 NIETZSCHE, F., Idem.
17 FOUCAULT, M., « A propos de la généalogie de l’éthique : un aperçu du travail en cours » 
(entrevista com H. Dreyfus e P. Rabinow, segunda versão) in Dits et écrits, IV, p.617.Citado por Luiz 
Celso Pinho em sua tese de doutorado, ainda inédita, intitulada: Foucault uma experiência 
nietzschiana, p.119.
9
Foucault, a ciência e o saber, Foucault começa a esboçar seu interesse por uma 
estética da existência em uma conferência de 1981, intitulada “Sexualidade e 
Solidão”. Essa conferência é um dos seus primeiros textos a abordar a 
correlação entre sexualidade, subjetividade e verdade.18 Nesse texto, ainda numa 
reflexão muito próxima de Nietzsche, Foucault fala em “técnicas que permitem 
aos indivíduos efetuar, por si próprios, um determinado número de operações 
sobre seus corpos, suas almas, seus pensamentos, suas condutas, de modo a 
produzir em si próprios uma transformação, uma modificação, e atingir um 
determinado estado de perfeição, de felicidade, de pureza, de poder 
sobrenatural”.19 
Esse tema iria ser desenvolvido nos últimos volumes de sua obra História 
da sexualidade - O uso dos prazeres e O cuidado de si. Nesses livros, que 
representam investigações históricas sobre a ética sexual e a arte de vida greco-
romanas, Foucault se propõe a estudar as chamadas técnicas de si, pelas quais os 
indivíduos se constituem como sujeito moral, na prática pagã e no cristianismo 
primitivo. 
Como foi muito bem observado por Roberto Machado, “uma das idéias 
mais interessantes dessa genealogia dos modos de subjetivação é a hipótese de 
que, entre o século IV a.C. até o século II de nossa era, os gregos e depois os 
romanos formularam uma estética da existência, no sentido de uma arte de viver 
entendida como cuidado de si, de uma elaboração da própria vida como uma 
obra de arte, da injunção de um governo da própria vida que tinha por objetivo 
lhe dar a forma mais bela possível”.20
 Assim a genealogia foucaultiana da ética parte da antiguidade greco-
romana para definir o que é a estética da existência e reconhece no dandismo 
também uma forma de “elaboração de si”. Foucault dedica três páginas do seu 
ensaio “O que são as luzes?” para mostrar como há no dandismo, fenômeno 
18 Cf.MACHADO, R., Foucault, a ciência e o saber, p.180. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
19 FOUCAULT, M., « ‘Omnes et singulatim’: vers une critique de la raison politique », in Dits et écrits, 
IV, p.134-61. 
20 MACHADO, R., Foucault, a ciência e o saber, p.181.
1
particular do século XIX, ligado às transformações da vida urbana, como relatou 
Baudelaire em O pintor da vida moderna, uma invenção de si próprio com o 
sentido de fazer da vida uma obra de arte. Baudelaire propõe uma ética não das 
formas de arte, mas das formas de vida, uma estética da existência e não uma 
estética dos objetos.
As figuras baudelairianas do dândi e do flâneur introduzem esse problema 
da estética da existência de uma forma mais moderna do que épica: viver - não 
para deixar para trás gloriosas memórias, mas para inventar outras formas de 
vida diferentes das já previamente descritas.
Isso introduz uma ética, que não é baseada na ciência ou na religião, nem 
nos deveres morais kantianos: uma ética que é mais uma questão de escolha de 
vida do que uma obrigação abstrata. 
Assim, apoiando-se no esforço de Baudelaire, por expressar a poesia da 
vida moderna, Foucault define o que é ser moderno: “Ser moderno não é aceitar 
a si mesmo tal como se é no fluxo dos momentos que passam: é tomar a si 
mesmo como objeto de uma elaboração complexa e dura: é o que Baudelaire 
chama, de acordo com o vocabulário da época, de dandismo”.21
Baudelaire definiu assim, em 1863, o dandismo como uma instituição 
que, embora transcenda as leis, “incorpora leis rigorosas a que seus súditos 
devem obedecer estritamente”. Os que se submetiam à doutrina da elegância 
eram seres cuja vocação era cultivar a idéia de beleza em si mesmos, satisfazer 
suas paixões, sentir e pensar. Impulsionado por uma necessidade imensa de 
criar-se como uma personagem com uma originalidade pessoal, o dândi era um 
tipo estranho de espiritualista, dedicado a uma espécie de cultivo de si. Poeta da 
carne era sensível aos prazeres do corpo e levava uma vida erótica animada por 
um “capricho apaixonado pelo poético”.
O dândi tal qual Foucault o entende é uma espécie moderna de ascese 
(áskesis). Ao deixar que a imaginação jogue livremente e o conduza a qualquer 
21 FOUCAULT, M., Ditos e Escritos II, “O Que São as Luzes?”.Trad.Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: 
Forense Universitária, 2005, p.344.
1
parte, procura extrair o poético que a história contém. 
Ao buscar alguma coisa de eterno, que “não está além do instante presente, nem 
por trás dele, mas nele”, deixa transparecer a sua excessivapreocupação com a 
morte. Rebelando-se contra essa fascinação pela morte, impõe a si mesmo uma 
“disciplina mais despótica do que a das mais terríveis religiões” e “faz de seu 
corpo, de seu comportamento, de seus sentimentos e paixões, de sua existência 
uma obra de arte”. Mais uma vez, como não vislumbrar o pensamento de 
Nietzsche sob essa nova forma de roupagem? 
Inspirado no vínculo que Baudelaire estabelece entre o artista e sua época, 
Foucault defende que “o homem moderno não é aquele que parte para descobrir 
a si mesmo, seus segredos e sua verdade escondida: é aquele que busca inventar-
se a si mesmo”.22
Assim, ao estudar esses períodos da vida humana, Foucault não faz, como 
ele mesmo revela, “uma história dos costumes, dos comportamentos, uma 
história social da prática sexual, mas uma história da maneira como o prazer, os 
desejos, os comportamentos sexuais foram problematizados, refletidos e 
pensados na Antiguidade em relação a uma certa arte de viver”.23 Com isso, 
Foucault quer mostrar que o homem no curso de sua história não cessou de se 
construir a si mesmo, ou seja, de se constituir numa série infinita e múltipla de 
subjetividades diferentes que nunca alcançam um final.
Para finalizar, poderíamos nos perguntar por que Foucault chama essa 
postura em relação a si mesmo de uma ética da existência. Será que poderíamos 
deduzir disso tudo que discorremos que em Foucault essa ética da existência 
trata apenas de uma relação consigo mesmo?
Antes de responder a esta questão, uma observação se faz necessária. Tal 
como Nietzsche a entende, essa estética da existência não existe para embelezar 
a realidade, ela não é sinônimo de beleza. Nem é necessário dissociá-la da arte. 
22 FOUCAULT, M., Ditos e Escritos II, “O Que São as Luzes?”, p.344.
23 FOUCAULT, M., Ditos e Escritos V, “O cuidado com a verdade”, p. 241.
1
Podemos falar mesmo de uma convergência com a arte, já que ela trata de uma 
arte de viver. Desde o trabalho realizado pelas vanguardas do século XX, a 
separação entre arte e vida é uma coisa absurda. Assim, como arte de viver, a 
estética da existência deve estar sempre se instruindo com as artes, que foram 
elaboradas ao longo da história.
Então, para respondermos às questões levantadas acima, é preciso dizer 
que a estética da existência não trata apenas das relações do indivíduo consigo 
mesmo, pelo contrário, o outro é constitutivo dessa ética. A elaboração estética 
de si não constitui um exercício de solidão. Não há transformação de si sem 
transformação do mundo. A colocação em obra de uma arte de viver implica 
trabalhar na organização de uma sociedade. É assim tão importante trabalhar na 
organização das condições de uma existência em sociedade quanto trabalhar 
para criar a si mesmo, é por isso que se pode falar que, em Foucault, existe uma 
política da arte de viver.
Seguindo as observações que faz Wilhelm Schmid, em seu artigo, “De 
l’éthique comme esthétique de l’existence”, nós podemos dizer que essa “ética 
coloca o problema da organização da existência”.24 Ela trata das relações entre 
os indivíduos assim como da relação dos indivíduos com eles mesmos. E, nessas 
relações, o que fica mais presente são as relações de poder.
Concordo com Schmid quando mostra que o conceito de poder em 
Foucault é profundamente marcado pela análise do poder como fenômeno 
social. Assim sendo, a ética como conduta original do indivíduo deve impedir 
que as relações de poder se fixem, que elas se transformem em estruturas 
permanentes de dominação, como aconteceu com o fascismo e o stalinismo, 
formas patológicas de poder.
Para Foucault, a arte de viver se opõe a todas as formas de fascismo, que 
se caracteriza pela rejeição e mesmo pelo enfraquecimento do indivíduo, de tal 
modo que o que passa a definir esse indivíduo é a ausência de toda arte de viver. 
24 SCHMID,W., « De l’éthique comme esthétique de l’existence », in Magazine Littéraire, Foucault 
aujourd’hui, p.36.
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No fascismo, os indivíduos não têm mais o cuidado com eles mesmos, 
renunciam a si mesmos e deixam sua existência nas mãos de um só indivíduo 
que lhes dita, em todas as circunstâncias, o que devem fazer.
Dito isso, poderíamos pensar o que seria uma ética concebida como arte 
de viver. Foucault a entende desse modo: a ética como problema de organização 
de existência. A ética é inseparável da forma que o indivíduo se dá, da escolha 
que ele faz de si mesmo para não ser submetido às normas e às convenções.
A arte de viver é a adversária do fascismo. Ela diz respeito a uma 
micropolítica, não se trata mais de alienar o próprio poder para deixá-lo nas 
mãos daqueles que o representam – o Estado ou outra instância soberana.
É importante ainda dizer que Foucault concebe o cuidado de si como uma 
arma, uma forma de resistência contra o poder político, já que impede que as 
relações de poder se transformem em estados de dominação. Dessa maneira, a 
concepção de ética como estética da existência deve ter maior alcance que o 
interesse pela própria existência, sem que com isso se pretenda estabelecer uma 
ética universal válida para todos os tempos e todas as circunstâncias. 
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