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ESCOLA DE MEDICINA E CIRURGIA DA UNIVERSIDADE FE- DERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FARMACOLOGIA I SEMINÁRIO CHOQUE SÉPTICO DISCENTES: ADRIANO RAMOS DE OLIVEIRA LIMA, ALICE ZOPELAR ALMEIDA DE OLIVEIRA PENA, AMANDA DAL CASTEL FERREIRA, BRUNO FERNANDO RODRIGUES FERREIRA, CAIO CÉSAR DE PINHO PORTO, HELDER JOSÉ MOREIRA ALVES MACHADO, LARISSA PAULA DE MASCARENHAS, LORENZO SOUTO CASSARA, LUCAS MAIA PECLAT DE OLIVEIRA, LUIZA SANTOS BOTELHO ALONSO, MYLENA FERREIRA DA SILVA, PAULO VINICIUS CAMILO DA SILVA, PEDRO LEONARDO MORADA, WIILIAN ALBUQUERQUE FERREIRA DA COSTA DOCENTE: PEDRO CELSO BRAGA ALEXANDRE Dezembro de 2020 SUMÁRIO 1. Introdução .............................................................................................................................................................................3 2. Definições (sepse, sepse grave e choque séptico) ................................................................................................3 3. Etiologias ................................................................................................................................................................................3 4. Fatores de risco ...................................................................................................................................................................4 5. Dados epidemiológicos ....................................................................................................................................................4 5.1 Sepse e choque séptico no mundo .....................................................................................................................4 5.2 Sepse e choque séptico no Brasil ........................................................................................................................5 5.3. Estudo da Universidade Federal de Uberlândia sobre sepse, sepse grave e choque séptico: .....................................................................................................................................................................................................5 6. Fisiopatologia .......................................................................................................................................................................7 6.1. Sistema imune inato .................................................................................................................................................7 6.2 Anormalidades coagulacionais ............................................................................................................................8 6.3. Falência dos órgãos ..................................................................................................................................................9 7. Apresentação clínica...................................................................................................................................................... 10 7.1 Avaliação do paciente séptico ........................................................................................................................... 10 7.1.1 Manifestações clínicas no paciente séptico ........................................................................ 10 7.1.2 Critérios diagnósticos ......................................................................................................... 10 7.2 Exames complementares ..................................................................................................................................... 12 7.2.1 Exames Gerais ................................................................................................................... 12 7.2.2 Hemocultura ....................................................................................................................... 12 8. Tratamento ........................................................................................................................................................................ 12 8.1 Ressuscitação volêmica ........................................................................................................................................ 13 8.2 Suporte hemodinâmico ........................................................................................................................................ 14 8.3 Antibioticoterapia ................................................................................................................................................... 15 8.4 Controle do foco infeccioso................................................................................................................................. 15 8.5 Saturação Venosa Central de O2 ...................................................................................................................... 16 8.6 Corticoides .................................................................................................................................................................. 16 8.7 Controle glicêmico intensivo ............................................................................................................................. 16 9. Prognósticos ....................................................................................................................................................................... 17 10. Conclusões ....................................................................................................................................................................... 17 11. Referências Bibliográficas ....................................................................................................................................... 18 1. Introdução A sepse é definida como uma síndrome de resposta inflamatória, motivada por um agente agressor, associada à infecção sistêmica. Está diretamente relacionada, portanto, à inflamação desregulada do hospedeiro frente a uma infecção. Devido à gravidade, a doença representa cerca de 24% a 32% dos custos totais de uma unidade de terapia intensiva (UTI). Apesar da alta mortalidade e prevalência, trata-se de uma doença com curso clínico hete- rogêneo e ampla variação clínica. A razão para este fato está relacionada a diferentes fatores como origem do local de infecção, virulência do agente etiológico e estado de competência imunológica do paciente. 2. Definições (sepse, sepse grave e choque séptico) Do ponto de vista clínico, a apresentação da sepse se relaciona às múltiplas possibilidades de interação entre homem e microrganismos, distinguindo-se, desta feita, situações como infecção, síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), sepse, sepse grave, choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos e sistemas. Infecção é definida como a presença de um determinado agente que esteja causando dano ao hospedeiro junto à resposta inflamatória contra esse hospedeiro. A SIRS é caracterizada por ser uma resposta inespecífica do organismo a uma variedade de situações que geram in- flamação - infecção, queimaduras, pancreatite aguda, trauma, entre outras -, tendo como qua- dro clínico alguns sinais frequentes, como variações na temperatura, frequência cardíaca, respiratória e nos níveis de leucócitos. A sepse, por sua vez, é definida como uma SIRS desencadeada por uma infecção bacteria- na, viral, fúngica ou parasitária. Já a sepse grave, é aquela que evolui com disfunção orgâni- ca, hipoperfusão tissular (em que há oligúria, distúrbio mental agudo e/ou acidose lática) ou hipotensão arterial. Quando essa doença torna-se ainda mais grave, o paciente pode evoluir para o choque séptico, em que há hipotensão (não atribuível a outra causa) com hipoperfusão tecidual. Pode ser precoce, quando dura menos de uma hora (em resposta à infusão desolu- ção cristalóide), ou tardio, com duração maior que uma hora e/ou necessidade de aminas va- soativas (noradrenalina, dobutamina, adrenalina, entre outras). Já na disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (DMOs), geralmente presente no último estágio da sepse, há alteração da função de um determinado órgão, de modo que a homeostase não pode ser mantida sem in- tervenção terapêutica. 3. Etiologias Para um melhor prognóstico, é fundamental a identificação do microorganismo causador da infecção e o uso de um antimicrobiano adequado. Essencialmente, qualquer microorga- nismo pode causar sepse ou choque séptico, porém, as bactérias são os agentes etiológicos mais comuns. A maioria dos casos é devido às gram-negativas (E. coli, Klebsiella pneu- moniae, Enterobacter sp., Pseudomonas aeruginosa e outras), porém, as causas por bactérias gram-positivas (Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae) também são bastante frequentes. Nos pacientes imunossuprimidos, os fungos, bem como as bactérias, podem cau- sar sepse. Em estudo realizado com 212 pacientes em terapia intensiva, foi observado que o principal foco da infecção foi o pulmonar (43%), seguido pelo abdominal (30%), denotando, portanto, os focos primários de infecção mais prevalentes. 4. Fatores de risco Quanto aos principais fatores de risco, estudos mostram que 25% dos pacientes com sepse apresentam idade superior a 65 anos, e 76% destes vão a óbito independente do agravo da doença, mostrando que a idade elevada favorece a susceptibilidade desses pacientes. Ade- mais, o gênero masculino é o mais acometido nas diferentes gravidades da doença e apresenta maior mortalidade. Dentre as doenças crônicas, pacientes com Diabetes Mellitus (DM), neoplasias, Hiperten- são Arterial Sistêmica (HAS), doenças cardiovasculares, Doença Pulmonar Obstrutiva Crôni- ca (DPOC) e insuficiência renal são os que apresentam maiores taxas de mortalidade. Além disso, quanto maior a gravidade da doença, maior a exposição aos procedimentos invasivos durante a internação, como Cateter Venoso Central (CVC), Saturação Venosa (SV) e Ventilação Mecânica (VM), fato que pode explicar o agravamento da sepse. Dessa forma, o tempo de internação, presença de comorbidades e a exposição a procedimentos invasivos são fatores de risco que favorecem o agravamento da doença e o óbito desses pacientes. 5. Dados epidemiológicos 5.1 Sepse e choque séptico no mundo O choque séptico pode ser definido como estado geral de falência circulatória aguda de- vido a uma infecção, ou com presença de componente endotóxico. Globalmente, o choque séptico é a causa mais comum de admissão hospitalar adulta e pediátrica e é associada com um significativo e alto índice de mortalidade. É uma doença reconhecida pela OMS como prioridade no atendimento e tratamento. Tanto a sepse grave quanto o choque séptico confluem em alto valor de morbidade e mor- talidade em pacientes admitidos em UTIs. O choque séptico está relacionado com o compro- metimento da perfusão sanguínea de órgãos mais nobres, levando a síndromes respiratórias agudas, encefalopatias, falência hepática, entre outras patologias. Alguns estudos sobre a prevalência global da sepse mostram dados de prevalência entre 29,5% e 51%, excetuando o choque séptico. Uma outra revisão mostra que a taxa de frequên- cia e mortalidade do choque séptico fica por volta dos 10,4% e 37,3%, na Europa e América do Norte, respectivamente. A prevalência nos EUA atinge mais de 230 mil pacientes, provocando cerca de 40 mil mortes/ano. Já estudos Canadenses apresentam dados com incidência de sepse na UTI vari- ando de 11,8% a 37,4%, com taxas de mortalidade variando entre 35% e 53,6%. Dados globais mostram que cerca de 18 milhões de pessoas sofram sepse e cerca de 5 mi- lhões delas faleçam. Esse valor pode ser justificado pelo aumento do número de pessoas a- cometidas com idade superior a 65 anos, o que envolve 60% dos pacientes de sepse. Porém, a escassez de dados epidemiológicos globais sobre o choque séptico dificulta a avaliação do peso dessa patologia na perspectiva global. 5.2 Sepse e choque séptico no Brasil Grande parte dos relatos epidemiológicos significativos de sepse vem de países desenvol- vidos. Já na América Latina, as abordagens epidemiológicas apresentam alguns vieses no delineamento da pesquisa, população do estudo e desfecho clínico. Apesar disso, é imprová- vel que a América Latina apresente uma menor incidência de sepse ou melhor prognóstico se comparado aos países desenvolvidos. Devemos considerar uma maior prevalência de infecções agudas que podem levar à sepse nos países de baixa e média renda, onde os estudos epidemiológicos sobre a sepse são defici- tários. Qualquer estimativa derivada de países desenvolvidos, que acrescentem casos adquiri- dos no hospital, pode subestimar a real incidência de sepse nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. No Brasil, os estudos epidemiológicos sobre sepse e choque séptico não são realizados com a frequência ideal, apresentando como consequência uma maior dificuldade para analisar os dados. Contudo, o Consenso Brasileiro de Sepse mostra uma incidência de sepse e choque séptico de 27% e 23%, respectivamente; ademais, nos últimos 30 anos, o número de pacien- tes novos que apresentou sepse aumentou em uma razão de 13,7% ao ano. 5.3. Estudo da Universidade Federal de Uberlândia sobre sepse, sepse grave e choque séptico: Para criar uma maior amostragem sobre os dados, apresentamos um estudo sobre sepse, sepse grave e choque séptico, que analisou dados clínicos, epidemiológicos e o prognóstico em pacientes internados no hospital universitário da Universidade Federal de Uberlândia. Nesse estudo, as taxas de pacientes com sepse hospitalar e comunitária foram de 72% e 28%, respectivamente, e cerca de 74% dos pacientes com sepse hospitalar a adquiriram na UTI. Foi verificada uma incidência de 442 pacientes/dia e uma incidência por 1.000 pacien- tes/dia de sepse, sepse grave e choque séptico de 8,2; 5,0 e 3,1, respectivamente. O tempo de internação de pacientes com sepse é cerca de 3 vezes maior do que em pacientes sem sepse e a frequência de mortalidade é maior conforme a evolução da doença. A sepse grave e sua evolução para choque séptico é a causa mais frequente de óbitos nas UTIs brasileiras. Dados de um estudo clínico brasileiro revelam que a incidência de sepse grave no país é cerca de 27% em pacientes com mais de 24 horas de internação. Na casuística do estudo em questão, a definição de sepse seguiu os critérios do CDC e demonstrou taxas mais altas do que as relatadas no Brasil, incluindo taxas de sepse de 30,6%, sepse grave de 42,7% e choque séptico de 26,7%. Ademais, a frequência de mortalidade nos pacientes com sepse foi de 15,4%, 34,6% e 50% naqueles com sepse clínica, sepse grave e choque séptico, respectivamente, sendo 60% dos óbitos relacionados com a sepse hospitalar. 6. Fisiopatologia 6.1. Sistema imune inato A sepse é caracterizada por uma resposta tardia ou desregulada do indivíduo a uma infec- ção. Ocorre devido a um processo inflamatório sistêmico, promovendo uma sobrecarga no sistema imunológico e efeitos patológicos vasculares e metabólicos. Inicialmente, o organis- mo produz uma resposta inflamatória à infecção, seguida por fase de imunossupressão, carac- terizada por anergia, linfopenia e infecções secundárias. Os pacientes que sobrevivem à sepse inicial, geralmente desenvolvem infecção hospitalar, que costumam causar infecções em pa- cientes imunocomprometidos. É possível analisar que a infecção desencadeia, no hospedeiro, uma resposta complexa, va- riável e prolongada, na qual mecanismos pró e anti-inflamatórios podem contribuir para a desobstrução da infecção e recuperação de tecidos por um lado e lesões de órgãos e infecçõessecundárias por outro. Paradigmas recentes sugerem que as fases pró-inflamatórias e de imu- nossupressão podem ocorrer simultaneamente, com intensidades variáveis entre elas, depen- dendo de fatores do paciente – como fatores de risco – e do patógeno – como sua cepa e viru- lência. A resposta inflamatória tem início com a interação entre os padrões moleculares associa- dos ao patógeno (PAMPs) e os receptores de reconhecimento de padrões, expressos na super- fície celular de células imunes hospedeiras. Alguns exemplos destes receptores são os Toll- like (TLRs) e receptores de lectina do tipo C (CLRs). A interação entre os PAMPs e cada receptor estimula fatores de transcrição intracelulares que induzem a produção e a liberação de mediadores pró-inflamatórios e anti-inflamatórios. Os mediadores pró-inflamatórios - co- mo citocinas (TNF-α, IL-1, IL-2, IL-6 e IL-8, por exemplo), fator de agregação plaquetária (PAF) e mediadores lipídicos - quando liberados no meio, promovem quimiotaxia e aumento da adesão do neutrófilo ao endotélio, ativação do sistema complemento e da cascata de coa- gulação, que pode gerar microtrombos. A consequência da inflamação exagerada é o dano colateral ao tecido e a morte celular necrosada, que resulta na liberação de padrões molecula- res associados a danos (DAMPs), chamadas de moléculas de perigo, que também agem nos receptores de reconhecimento de padrões e perpetuam, pelo menos em parte, a inflamação. Por outro lado, os mediadores anti-inflamatórios, como a IL-10, atuam de forma a cessar a resposta inflamatória. Dentre os mecanismos associados a essas moléculas, há a redução da capacidade de apresentação de antígenos - relacionada à diminuição da expressão de MHC-II na superfície celular -, a indução de apoptose celular e a ativação das células Treg. Evidências apontam o aumento do número e participação das Treg no processo séptico, causando apop- tose de linfócitos B, T e de células dendríticas, levando à linfopenia, e importante alteração no fenótipo e na função dos monócitos, traduzida pela diminuição da expressão do receptor da HLA-DR, do fator estimulante de colônia de granulócitos e macrófagos, além da produção deficiente de citocinas pró-inflamatórias. As células Treg atuam, ainda, na minimização da multiplicação de outras populações de células T; são geradas na periferia por meio de uma grande quantidade de estímulos por antígenos ou em situações de tolerância, exercendo uma função imunossupressora a partir da liberação de citocinas, como IL-10 e TGF-β. Ademais, uma outra via de ativação do sistema imune ocorre por meio da proteína de mor- te celular programada (apoptose) e IL-7 (citocina pró-inflamatória), que também surgiram como um importante mecanismo subjacente à inibição da função das células T e, portanto, associa-se à sepse tardia e imunossupressão de pacientes que sobrevivem a sepse inicial. Essa observação leva à hipótese que o estado inicial de hiperinflamação evolui para um conse- quente estado hipoinflamatório com substancial imunossupressão Figura 1- Resposta imunológica na sepse 6.2 Anormalidades coagulacionais Mediadores inflamatórios também participam na coagulopatia amplamente presente na sepse. Várias vias de coagulação são afetadas, e a manifestação, quando presente, pode variar de um massivo tromboembolismo para uma deposição de fibrina nos microvasos. Uma grave complicação é a coagulação disseminada intravascular, que é caracterizada por microtrombos e hemorragia. Excesso na deposição de fibrina é conduzido pela coagulação por meio da ação do fator tecidual, uma transmembrana glicoproteica expressada por vários tipos celulares, assim como por debilitados mecanismos anticoagulantes, incluindo a proteína C e antitrombina, e também por um comprometimento na remoção da malha de fibrina devido à falha no sistema fibrino- lítico. Receptores ativados por proteases (PARs) formam o link molecular entre o processo de coagulação e de inflamação. Entre os 4 subtipos que são identificados desse receptor, o tipo 1 é trabalhado na sepse. Ele exerce um papel com efeitos citoprotetores quando estimulados pela proteína C ativada ou baixa dose de trombina, mas promove efeitos rompentes na função da barreira endotelial quando ativados por altas doses de trombina. O efeito protetivo da pro- teína C ativada em modelos animais de sepse depende da própria capacidade de ativar a PAR1, e não das propriedades coagulantes. 6.3. Falência dos órgãos Embora os mecanismos subjacentes à falência de órgãos na sepse não sejam totalmente compreendidos, continuam como uma área ativa na investigação científica. A sepse costuma interferir com a distribuição do fluxo sanguíneo sistêmico para os órgãos, devido a vasodila- tações e distúrbios na microcirculação. A oxigenação tecidual prejudicada também desempe- nha um papel fundamental, além de fatores - incluindo hipotensão, deformabilidade por redu- ção dos eritrócitos e trombose microvascular - que contribuem para a diminuição da oferta de oxigênio no choque séptico. Esses distúrbios estão bem relacionados com os piores desfe- chos. A inflamação pode causar disfunção do endotélio vascular, acompanhada de morte celular e perda da integridade da barreira, dando origem a edema subcutâneo e da cavidade corporal. Além disso, o dano mitocondrial causado pelo estresse oxidativo e outros mecanismos preju- dica o uso de oxigênio celular, assim como mitocôndrias lesadas liberam alarmes no ambi- ente extracelular, incluindo DNA mitocondrial e peptídeos, que podem ativar neutrófilos e causar mais lesões teciduais. A isquemia tecidual pode ocorrer por incompatibilidade sistêmica ou local entre a oferta e demanda de oxigênio. Além de distúrbios mitocondriais que podem levar a falhas na extração do oxigênio tecidual, apesar da oferta suficiente de oxigênio, numa chamada hipóxia citopá- tica. A hipóxia tecidual, a disfunção mitocondrial e a apoptose são possibilidades de importan- tes mediadores da disfunção dos órgãos induzida pela sepse, o que é uma valiosa previsão do prognóstico do paciente, que ao apresentar múltiplas disfunções, estará diretamente ligado a um maior risco de morte. Os pacientes com prognóstico positivo da sepse geralmente apresentam um balanço ade- quado entre os fatores inflamatórios e os anti-inflamatórios. Já aqueles pacientes que apre- sentam choque séptico fulminante, com mortalidade em poucas horas, geralmente demons- tram um perfil predominantemente pró-inflamatório. Por outro lado, aqueles com evolução adiada, frequentemente idosos ou com comorbidades graves, podem apresentar um perfil fi- siopatológico mais caracterizado, como imunossupressão ou anti-inflamatório. Esses paci- entes são extremamente suscetíveis a adquirir novas infecções durante a permanência hospi- talar, o que frequentemente ocorre devido ao fato de mais de 60% dos pacientes apresentarem mais de 65 anos, e isso é responsável pelo óbito tardio no curso do terceiro ou quarto episódio de sepse. Esse perfil fisiopatológico complexo da sepse, com muitas vias de sinalização celu- lar extremamente interligadas, pode explicar a dificuldade de obtenção de uma única droga para seu tratamento. 7. Apresentação clínica 7.1 Avaliação do paciente séptico 7.1.1 Manifestações clínicas no paciente séptico As manifestações clínicas da sepse decorrem do processo de infecção primária, do pro- cesso inflamatório subjacente e da disfunção. Desta maneira, o quadro clínico torna-se hete- rogêneo, variando com a gravidade da sepse, foco da infecção, idade e comorbidades do paci- ente. A sepse grave, porém, caracteriza-se pela manifestação sistêmica do foco da infecção. Sistemas Manifestações Clínicas da Sepse Grave Cardiovascular Taquicardia, hipotensão, hiperlactatemia, edema periférico, diminuição da perfusão periférica, livedo, elevação de enzimas cardíacas e arritmias. Respiratório Dispneia,taquipneia, cianose e hipoxemia. Neurológico Confusão, redução do nível de consciência, delirium, agitação e polineuro- miopatias. Renal Oligúria e elevação de escórias. Hematológico Plaquetopenia, alterações do coagulograma, anemia, leucocitose e leucope- nia. Gastroenterológico Gastroparesia, íleo adinâmico, úlcera de stress, hemorragias digestivas, diar- reia e distensão abdominal. Hepático Colestase, aumento de enzimas canaliculares e elevação discreta de transa- minases. Endócrino e meta- bólico Hiperglicemia, hipertrigliceridemia, catabolismo proteico, hipoalbuminemia, hipotensão por comprometimento suprarrenal e redução dos hormônios tire- oidianos. Tabela 2 - Manifestações clínicas relacionadas à sepse grave. O choque séptico apresenta-se como anormalidades circulatória e metabólica secundárias à sepse. É identificado em pacientes com hipotensão (PAS < 90 mmHg ou PAS com diminui- ção de 40 mmHg ou dois desvios padrão abaixo do normal, excluídas outras causas de hipo- tensão) ou pressão arterial média (PAM) < 65 mmHg, induzidas por sepse, e elevação do lactato que persistem apesar de ressuscitação fluida adequada. 7.1.2 Critérios diagnósticos A “suspeita de sepse” se dá a partir de uma suspeita clínica de infecção aguda ou apresen- tação de 2 pontos ou mais nos critérios de Quick SOFA. Em paciente em UTI, os critérios do qSOFA não se mostraram acurados o suficiente, devendo proceder para avaliação completa para se definir o diagnóstico independente de sua pontuação. Contudo, em uma rotina de e- mergência/triagem, o aspecto mais importante é a sensibilidade, não a especificidade. Critérios de Quick SOFA Pontos Critérios 1 FR > 22 rpm 1 Alteração mental 1 FC< 100 bpm Tabela 3: Critérios de Quick-SOFA Após a suspeita de sepse, deve-se aplicar a tabela SOFA a fim de firmar o diagnóstico. Os critérios de SOFA avaliam acometimentos sistêmicos, abrangendo as diversas possíveis ma- nifestações da sepse. Quando o paciente apresenta uma elevação de 2 ou mais pontos de seu SOFA basal, é confirmado o diagnóstico de Sepse. SOFA Escore 0 1 2 3 4 Respiração PaO2/FiO2 (a) > 400 < 400 < 300 < 200 < 100 Coagulação Plaquetas (10 3 /mm) > 150 < 150 < 100 < 50 < 20 Pressão arterial (b) PAM > 70 PAM < 70 Dopamina 5 ou Dobutamina Dopamina >5 ou Epinefrina ou nore- pinefrina 0,1 Dopamina >15 ou Epinefrina ou no- repinefrina > 0,1 Bilirrubinas (mg/dl) < 1,2 1,2 a 1,9 2,0 a 5,9 6,0 a 11,9 > 12 Critérios de Glasgow > 14 13-14 10-12 6-9 < 6 Creatinina (mg/dL) e/ou diurese (mL/dia) < 1,2 1,2 a 1,9 2,0 a 3,4 3,5 a 4,9 < 500 > 5 ou < 200 (a) Com suporte ventilatório; (b) Agentes adrenérgicos administrados por pelo menos 1 hora (doses em g/Kg/min) Tabela 4 - Critérios de SOFA Embora o critério tradicionalmente utilizado para triagem fosse o de SIRS (indicador de Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica), estudos demonstraram que este não é especí- fico nem sensível o suficiente para diagnosticar sepse, levantando questionamentos sobre sua função no fluxograma. Como exemplo, destacou-se um subgrupo de pacientes que não aten- diam 2 dos 4 pontos dos critérios, porém tinham alto risco de mortalidade por sepse na UTI. Por outro lado, infecções como gripes podem gerar tais alterações, assim como outras condi- ções não infecciosas podem desencadear estas manifestações pela severidade dos sintomas, como pancreatite aguda e trauma. Critérios de SIRS Pontos Critérios 1 Temperatura > 38,3°C ou < 36,0°C 1 FC > 90 bpm 1 FR > 20 ipm ou PaCO2 < 32 mmHg ou necessidade de ventilação mecânica 1 Leucócitos > 12.000/mm ou < 4.000/mm ou > 10% de formas imaturas (desvio à esquerda) Tabela 5 - Critérios de SIRS 7.2 Exames complementares 7.2.1 Exames Gerais - Hemograma completo - Uréia, Creatinina e Eletrólitos - Glicemia - Fibrinogênio e D-Dímero ou Bilirrubina (suspeita de CIVD) - Gasometria arterial e Lactato - Gasometria venosa central 60/60 min até ScvO2 70, se acesso central disponível - Proteína C reativa - Urina Rotina - Coagulograma (TP, TPPa) - Exames de imagem (conforme quadro clínico) 7.2.2 Hemocultura Devem ser realizadas, ao menos, duas hemoculturas em sítios diferentes antes do início da antibioticoterapia, sendo essencial para confirmação do patógeno responsável pela infecção. No entanto, não se deve atrasar o antibiótico para a coleta (solicitação e coleta < 15 min). O exame clínico do paciente pode indicar a necessidade de outras culturas além da citada. 8. Tratamento As primeiras horas de atendimento do paciente com choque séptico são cruciais, uma vez que o atraso no início do tratamento pode promover o surgimento de disfunções orgânicas e o aumento na chance de mortalidade. Além da monitorização, o manejo do choque séptico ba- seia-se em ressuscitação volêmica, suporte hemodinâmico, tratamento e controle precoce do foco infeccioso e suporte das disfunções orgânicas. 8.1 Ressuscitação volêmica O primeiro passo no manejo de indivíduos com choque séptico é a otimização volêmica. O raciocínio dessa abordagem baseia-se no fato de que o paciente apresenta vasodilatação signi- ficativa e aumento da permeabilidade vascular, levando à significativa diminuição do volume intravascular e, em um segundo momento, à queda na oferta tecidual de oxigênio. Por esse motivo, a estratégia de ressuscitação volêmica deve ser baseada em parâmetros perfusionais e hemodinâmicos. Parâmetros hemodinâmicos e perfusionais Saturação venosa O2 ≥ 70% ou mista ≥ 65% Diurese > 0,5 mL/kg/h Lactato < 36 mg/dL ou redução ≥ 10% em 6 h PAM > 65 mmHg PVC entre 8 e 12 mmHg Tabela 6 - Parâmetros hemodinâmicos e perfusionais Para a ressuscitação volêmica, podem ser utilizadas soluções cristaloides (soro fisiológico, Ringer simples e Ringer-lactato) ou coloides (albumina humana e amidos sintéticos). Os co- lóides apresentam vantagem teórica por permanecerem no espaço intravascular por mais tempo, garantindo um melhor efeito expansor e necessitando de menor infusão de volume. Contudo, há a possibilidade de causarem efeitos colaterais na coagulação sanguínea e na fun- ção renal. Os coloides sintéticos são contraindicados devido à sua associação com maior risco de injúria renal aguda e diálise. Devido ao baixo custo e ampla disponibilidade, as soluções cristaloides são consideradas o padrão para a expansão volêmica em muitas UTIs. No entanto, apesar de seus benefícios, o soro fisiológico pode estar associado à acidose hiperclorêmica, quando usado em grandes volumes, devido a sua elevada concentração de cloro. Dessa forma, tem-se dado preferência aos cristaloides balanceados, como Ringer-Lactato, pois apresentam benefícios na mortalida- de e na redução de lesão renal aguda. A reposição volêmica agressiva com cristaloides (dose de pelo menos 30 ml/kg na primei- ra hora após a detecção da hipotensão) é recomendada nos casos de paciente em choque sép- tico com hipotensão, sinais de hipoperfusão tecidual ou lactato sérico 2 vezes maior que o valor normal. Sendo necessária a avaliação frequente do estado hemodinâmico do indivíduo. Naqueles pacientes que apresentam insuficiência cardíaca congestiva, doença renal crônica dialítica, anúricos ou idosos com disfunção diastólica, a ressuscitação volêmica deve ser rea- lizada com cuidado, podendo-se optar por administração inicial de bolus de 250 ml de crista- loides com frequentes reavaliações. 8.2 Suporte hemodinâmico Para haver suprimento satisfatório de oxigênio no organismo, é necessária uma PAM de, pelo menos, 65 mmHg. No entanto, em um quadro de ausência da autorregulação vascular, é difícil atingir esse objetivo apenas com expansões volêmicas. Nesse sentido, em casos de permanência da hipotensão, da PAM < 65 mmHg ou de sinais indicativos de má perfusão tecidual após adequada ressuscitação volêmica, a terapia de suporte hemodinâmico é indi- cada, fazendo-seuso de droga vasopressora relacionada ou não a um inotrópico. O medicamento de primeira linha para o suporte vasopressor no paciente em choque sép- tico é a Noradrenalina, devido a sua alta potência e menor risco de desencadear arritmias quando comparado à Dopamina. Epinefrina, Vasopressina e Fenilefrina não são consideradas vasopressores de primeira linha, portanto, não devem ser administradas imediatamente no início de um quadro séptico, sendo reservados para casos de refratariedade ao tratamento. Dois novos vasopressores foram discutidos em estudos recentes, a Selepressina e a Angi- otensina II. Contudo, embora os resultados iniciais sejam promissores na elevação da pressão arterial e na diminuição da dose de Noradrenalina, ainda são necessários estudos mais robus- tos para que sejam considerados opções no tratamento do choque séptico. De acordo com a fisiopatologia da sepse, pacientes que apresentam volemia otimizada e PAM estável por medidas de tratamento anteriores, podem apresentar hipoperfusão persis- tente, relacionada a pressões de enchimento elevadas ou débito cardíaco reduzido. Dessa forma, faz-se uso de drogas inotrópicas com o intuito de elevar a oferta de oxigênio (DO2) às células. A droga de escolha nesses casos é a Dobutamina, cujos principais efeitos são em β1 e β2 adrenérgicos. Em pequenas doses, porém, pode atuar em α, promovendo queda na pressão arterial, que é muitas vezes compensado pelo aumento no volume sistólico. Medicamento Mecanismo de ação Indicação, dose e esquema Efeitos colaterais Noradrenalina Agonista de receptores α-1 e β-1 ∙ Suporte vasopressor na sepse. ∙ Dose: 0,01 μg/kg/min inicial. ∙ Não existe dose máxima. Aumento do consumo de oxigênio miocárdico, vasoconstrição renal. Dopamina Atua sobre os receptores dopaminérgicos D1 em do- ses baixas (< 2 μg/kg/min), β1 em doses suprafisiológi- cas (2-10 μg/kg/min) e α1 em doses ainda mais altas (> 10 μg/kg/min) ∙ Suporte inotrópico e vasopressor na sepse. ∙ Dose dopaminérgica até 2,5 μg/ kg/min. ∙ Dose β-agonista até 10 μg/kg/min e dose α-agonista acima de 10 μg/kg/min. ∙ Dose máxima de 20 μg/kg/min. Necrose isquêmica da pele; náu- seas; vômitos; taquiarritmias; con- dução cardíaca aberrante; supressão dos hormônios da hipófise anterior. Proscrita quando utilizada com ob- jetivo de nefroproteção. Adrenalina Agonista de receptores α e β adrenérgicos ∙ Suporte inotrópico e vasopressor na sepse. ∙ Efeito inotrópico potente. ∙ Não existe dose máxima. Piora de fluxo esplâncnico, corona- riano e renal; elevação do lactato; taquiarritmias; hiperglicemia. Uso limitado em pacientes que não responderam às terapias convencio- nais Vasopressina Atua sobre os receptores V1 (vasculatura periférica) e V2 (células principais do ducto coletor do néfron) 0,01-0,04 U/min (utilizada em as- sociação à noradrenalina) Redução da perfusão esplâncnica e aumento de necrose de pele; redu- ção do débito cardíaco Dobutamina Atua principalmente nos receptores β1, porém tam- bém tem efeito modesto nos receptores β2 ∙ Suporte inotrópico em sepse com falência miocárdica. ∙ Doses escalonadas de 2,5 μg/ kg/min com aumentos de 2,5 μg/ kg/min a cada 30 min até atingir 20 μg/kg/min. Taquicardia; arritmia cardíaca; hi- potensão; aumento do consumo de oxigênio do miocárdio. Deve ser e- vitada em pacientes hipotensos a despeito de suporte vasopressor. Tabela 7 - Drogas vasopressoras e inotrópicas na sepse. 8.3 Antibioticoterapia Assim como a ressuscitação volêmica, a antibioticoterapia deve ser iniciada na primeira hora após o diagnóstico de choque séptico. O atraso no início de sua administração ou até mesmo um erro na cobertura do agente em questão têm grande impacto na mortalidade do paciente. Estudos demonstraram que o tratamento inicial inadequado leva a um aumento da mortalidade, em 28 dias, de 26,7% para 42,9% dos casos. Dessa forma, imediatamente após a coleta da cultura, deve-se iniciar antibiótico por via endovenosa, de preferência exclusiva para os antimicrobianos. Para a escolha da antibioticoterapia, devem ser levados em consideração o foco suspeito, as comorbidades confirmadas do paciente, a história de uso de antibióticos e as infecções re- centes. Além disso, a conduta inicial de escolha é um antibiótico de amplo espectro, no in- tuito de descalonar em um segundo momento conforme o resultado das culturas. A dose inicial é plena e então reajustada conforme a presença de disfunções renal ou he- pática. Ademais, os antibióticos devem ser reavaliados diariamente, a fim de evitar indução de resistência, gastos desnecessários e efeitos adversos relacionados a eles, como a insufici- ência renal. O tempo do tratamento, em média, será de 7 a 10 dias, podendo ser estendido de acordo com o foco em questão, o estado imunológico e a evolução clínica do paciente. 8.4 Controle do foco infeccioso O controle ou remoção do foco infeccioso é uma das possíveis formas de tratamento nos pacientes sépticos ou chocados por sepse. Dentre as possíveis formas de realização, podem ser identificadas: limpeza cirúrgica, como desbridamento de tecido necrosado; drenagem, de abscessos ou empiema, por exemplo; retirada de acessos, cateteres, próteses, sondas e corpos estranhos, por serem possíveis fontes de infecção; ou mesmo controle definitivo, com ressec- ção de órgão ou parte deles ou amputação de membros infeccionados. Para realizar a erra- dicação do foco infeccioso, devem ser levados em consideração os riscos oferecidos pelo procedimento e a condição clínica do paciente. 8.5 Saturação Venosa Central de O2 Ainda foco de muitas pesquisas, três grandes estudos multicêntricos indicaram que não há benefícios na busca por valores alvo de SvcO2 em pacientes que receberam ressuscitação vo- lêmica e antibioticoterapia adequada. Estudos prévios e menores conflitam com este resul- tado, porém diferenças nos valores de base da saturação dificultam uma análise comparativa adequada. 8.6 Corticoides O princípio fisiopatológico do uso de corticoides no choque séptico é que a inflamação in- duz um aumento das citocinas circulantes, o que resulta na supressão da resposta adrenal à descarga de hormônio corticotrófico induzida pela inflamação na sepse. Outro aspecto é que essas citocinas parecem competir com os receptores periféricos de cortisol, o que leva à re- sistência a esse hormônio. Em teoria, além da disfunção da coagulação relacionada à infecção, a administração exó- gena de corticosteróides reverteria parcialmente a resposta inflamatória sistêmica ao inibir a resposta inata e reduzir a ativação das células endoteliais. Entretanto, ensaios recentes, não demonstraram que a terapia pode trazer benefícios à mortalidade no choque séptico, apenas uma resolução mais rápida do mesmo. Portanto, mesmo que os corticosteróides tenham demonstrado causar a reversão do cho- que, não há melhora significativa na mortalidade, além dos efeitos colaterais conhecidos dos esteróides, como aumento do risco de infecção, sangramento gastrointestinal e miopatia que geralmente atenuam o entusiasmo pelo seu amplo uso. Assim, chegou-se a um consenso de que as recomendações deveriam ser rebaixadas em relação às diretrizes anteriores (SSC 2013), que sugeriam o início de corticosteróides nos pacientes refratários às expansões volê- micas e que estão em uso de doses crescentes de drogas vasoativas. A dose recomendada, atualmente, é de 200 a 300 mg de hidrocortisona por dia, sendo suspensa assim que as medi- cações vasopressoras não se fizerem mais necessárias. 8.7 Controle glicêmico intensivo Embora estudos antigos pregassem por um controle glicêmico intensivo, uma metanálise mais recente não replicou os benefícios desta prática nos pacientes críticos. Além disso, picos hipoglicêmicos poderiam ser danosos para tais pacientes, sendo recomendadoapenas manter um controle da glicemia a níveis < 180 mg/dL. As pesquisas também são inconclusivas no que diz respeito à via de nutrição destes paci- entes (enteral ou parenteral), porém é indicado início dentro das primeiras 48h. Um estudo destaca a possibilidade da via enteral estar ligada a complicações gastrointestinais em pacien- tes ventilados no choque. 9. Prognósticos O choque séptico apresenta-se como uma síndrome clínica de prognóstico reservado. Ape- sar da variabilidade entre diferentes estudos e da melhoria nos últimos 20 anos, a mortalidade mantém-se elevada, com uma média de 44,3%. A priori, o prognóstico é definido por fatores independentes da intervenção médica. Qual- quer um destes estabelece um pior prognóstico: a infeção ter origem no SNC, ser disseminada ou estar associada à isquemia intestinal; a concentração de lactatos estar aumentada e/ou a sua clearance estar diminuída; a maior duração do compromisso hemodinâmico (PAM < 65 mmHg ou SvO2 < 70%) com maior necessidade de terapêutica vasopressora; e uma maior gravidade do quadro, avaliada pelo número de órgãos em falência e pela evolução da sua dis- função. Além do prognóstico basal definido pela infecção, pela resposta imunitária e pela saúde prévia do doente, o desfecho do quadro clínico pode ser melhorado com a implementação de determinadas medidas terapêuticas, reunidas nas guidelines da SCC - a adesão aos protocolos diminui a mortalidade e o tempo de internamento na UTI. Apesar da redução da mortalidade, estes doentes têm uma elevada taxa de internamentos (> 40% nos 90 dias após a alta). E além disso, com o aumento do número de sobreviventes a morbilidade associada ao choque séptico tem tido um impacto crescente. O prognóstico a longo prazo inclui um risco acrescido de fraqueza muscular, declínio cognitivo, depressão, perturbação pós stress traumático e uma diminuição da autonomia, da qualidade de vida e da sobrevida. 10. Conclusões O choque séptico é uma condição frequente, a qual ainda é associada a uma inaceitável mortalidade e, para aqueles que sobrevivem, morbilidades que se estendem por um longo prazo. Com o aumento dos estudos e conhecimento a cerca desta condição e com contínuas campanhas para melhoria da qualidade do tratamento, temos, agora, uma melhor compreen- são acerca abordagens necessárias, baseando-se em evidencias cientificas para gerenciar o problema, o que contribui para melhores resultados. Com definições mais precisas e perfis específicos dos pacientes, pode-se delinear uma estratégia de gestão do perfil molecular e bioquímico individualizada, permitindo resultados ainda melhores. Concomitantemente, grandes estudos científicos podem aumentar a compreensão do valor de tratamentos comu- mente usados, porém não baseados em evidencias. Além disso, seguem as buscas por melho- res tecnologias e técnicas de diagnósticos que possam facilitar o desenvolvimento de estraté- gias de gestão individualizadas e de agentes farmacológicos que modifiquem o processo da doença. Enquanto isso, a melhoria de cuidados básicos impulsionados pela educação e da qualidade programas relacionados ao cuidado com a saúde mental são a melhor esperança de resultados mais satisfatórios. 11. Referências Bibliográficas ANGUS, D. C.; VAN DER POLL, T. Severe Sepsis and Septic Shock. New England Journal of Medicine, v. 369, n. 9, 29 ago. 2013. BARROS, L. L. DOS S.; MAIA, C. DO S. F.; MONTEIRO, M. C. Fatores de risco associados ao agravamento de sepse em pacientes em Unidade de Terapia Intensiva. Cadernos Saúde Coletiva, v. 24, n. 4, dez. 2016. CARVALHO, R. H. DE et al. Sepse, sepse grave e choque séptico: aspectos clínicos, epidemiológicos e prognóstico em pacientes de Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Universitário. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 43, n. 5, out. 2010. JORGE, R. L. N. et al. Septic shock. Revista Médica de Minas Gerais, v. 26, 2016. PEREIRA JÚNIOR, G. A. et al. FISIOPATOLOGIA DA SEPSE E SUAS IMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS. 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