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MATERIAL DE APOIO1 Fernando do Rego Barros Filho2 Leonardo Evangelista de Souza Zambonini3 Introdução Esta será uma série de doze cursos que abordarão temais iniciais de Direito Administrativo, tais como regime jurídico de direito público, contratos, servidores, responsabilidade civil, dentre outros temas. Qual o objetivo de fazermos esses comentários? Dar suporte aos jurisdicionados em conceitos básicos utilizados na Administração Pública, aproxima-los dos demais cursos que oferecemos em nosso site e oferecer um primeiro contato com as principais decisões proferidas pelo TCE-PR. Neste primeiro curso, apontaremos o que representa o Direito Administrativo. A partir da demonstração didática de como se constitui o Estado contemporâneo, descreveremos as funções estatais básicas e organizaremos a atividade administrativa de forma fácil e compreensível. À consideração de que o Direito Administrativo cuida das relações em que o Estado atua, é importante compreendermos o que é Estado, correto? Aqui, não vamos nos ater às infindáveis definições, muitas vezes contraditórias, dadas ao termo pela Sociologia, Filosofia, História ou Ciência Política. Isso só causaria confusão e não nos ajudaria a progredir. Nesta aula, eu quero que você entenda a essência do que é Estado apenas refletindo sobre ele. Pense comigo sobre todos os Estados que você conhece ou de que já ouviu falar, atuais ou passados, o que eles têm em comum? Você talvez tenha pensado que todos eles existem soberanamente sobre um determinado território. De fato, é uma constatação correta. Não há Estado sem um território em que possa atuar. Sério? Sim, 1 Este material não possui a função de esgotamento do tema, mas tão somente servir como apoio às aulas em vídeo que constam no curso. 2 Analista de Controle do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Currículo na plataforma lattes disponível em <http://lattes.cnpq.br/1039825565487153>. 3 Analista de Controle do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. um Estado precisa atuar, de forma soberana, sobre uma determinada área, sob pena de se reduzir a uma mera organização sem fins lucrativos ou, pior, em uma milícia. Você, aliás, já deve ter ouvido a expressão Estado paralelo , regiões em que grupos paramilitares, em conflito com um governo central, tentam impor coercitivamente sua vontade ao povo local, normalmente sem sucesso a longo prazo. Isso, aliás, nos remete à segunda característica, ou elemento constitutivo, de um Estado, a saber, um povo, afinal, o poder estatal deve reger, submeter o comportamento de um povo, porquanto o Estado é uma organização política. Sintetizando, o segundo elemento de um Estado é um povo, cujo comportamento é informado pelo Estado, que é uma entidade política. Calma, vamos entender melhor tudo isso. Imaginemos uma ilha deserta, no meio do oceano, completamente isolada. Imaginou? Agora introduza um único morador nessa ilha, mais ou menos como no livro de Daniel Defoe, Robinson Crusoé . Nesse contexto que criamos, parece a você necessária a existência de um Estado, para coordenar as atitudes de nossa personagem? Não, né? Mas por que não? Simplesmente porque na nossa ilha não há como haver Política, ou, em outras palavras, entre uma pessoa e si mesma, não há espaço para Política. E o que é política? Bom, novamente temos uma ideia sobre a qual inúmeras grandes mentes já se debruçaram e, até o momento, não há consenso, um único conceito sobre ela. Então vamos raciocinar um pouco mais. Se não há política em uma ilha habitada por apenas uma pessoa, haveria política se duas pessoas a habitassem? Digamos que, agora, um homem e uma mulher habitem essa ilha, e que ambos sejam pessoas pacíficas, afeitas ao diálogo racional. Eles, muito espertos, já perceberam que, nos meses de junho e julho, sua ilha é açoitada por fortes tempestades, e que, portanto, seria interessante que ambos tivessem um local para protegerem-se da chuva. Em conversa, o homem propõe que eles se utilizem de uma caverna conhecida, no sopé de uma montanha. A mulher, por outro lado, ponderando que a caverna é habitada por insetos e muito úmida, afirma que seria melhor que eles construíssem uma casa, no meio das árvores, onde não bate muito vento. Depois de algum tempo, eles decidem que a casa é o melhor caminho a ser seguido, ao menos nessa primeira vez, e dão início à construção. Quando as tempestades chegam, o local já está pronto, e ambos não sofrem com as intempéries do tempo. Tudo dá tão certo que, a partir daquele momento, eles decidem, entram em consenso, que a mulher ficará responsável pelas decisões que se relacionem com abrigo, notadamente com a casa recém-construída. Ou seja, desde então, a mulher decidirá, deliberará a respeito da moradia de ambos, ao que o homem acatará. Veja, o homem, no nosso exemplo, está abdicando de parte de sua autonomia, de sua liberdade, em benefício de uma relação que ele entende vantajosa para si. Daquele momento em diante, ele não precisa se preocupar com a melhor estratégia para proteger-se das chuvas e dos insetos, ele deixa essa decisão a cargo de sua companheira e, assim, pode empregar seu tempo e energia em outros projetos, como caçar ou pescar mais. Ele não faz isso em virtude de uma lei que o obrigue, faz porque entende que é bom pra si. Chegamos aqui ao cerne da questão. Perceba que as decisões da mulher influenciam no comportamento do homem, são decisões que tem o PODER de balizar as atitudes do seu companheiro, em benefício de ambos. São, enfim, decisões políticas. Esse nosso simples exemplo nos mostra, ainda que de relance, a essência do que seja política, enquanto prática de induzir, coordenar ou mesmo coibir comportamentos alheios, por meio do consenso. Claro, você poderia me perguntar em que isso se diferencia de uma relação econômica, em cujo âmbito há troca consensual de recursos. Pois eu explico. Na relação política, não há intercâmbio de mercadorias nem interesses contrapostos, como em uma relação de compra e venda. Na política, os interesses são comuns e não há troca de liberdades, a autonomia de alguns, normalmente da maioria, é mitigada em benefício de todos. Continuando, extrapole nossa relação imaginada para nosso país, o Brasil. O que o presidente da república faz? Ora, ele decide os rumos da nação, o caminho que o país, que você, eu, todos nós enquanto povo, devemos seguir em nosso próprio benefício comum. É, como você já deve ter percebido, uma versão maior e mais complexa da nossa pequena ilha. Claro, a política pode ser desvirtuada e o é frequentemente e esse benefício conjunto pode ser preterido por interesses particulares, escusos. Contudo, nada disso altera o significado, a essência subjacente ao que seja política, a saber, arte de atuar sobre o comportamento alheio em prol do bem comum. Mas voltando ao nosso tema principal. Descobrimos que um Estado atua sobre um território e um povo, mas de que forma? Ora, ele atua politicamente, por meio de um governo, cuja natureza, por sua vez, vai dar o tom do nosso Estado. Fácil, não? Estado, portanto, é um amálgama de território, povo e governo soberano, o qual pode assumir várias formas. Estado Democrático de Direito Você já deve ter ouvido falar que o ser humano é gregário, certo? Pois então, o homem sempre nasceu e viveu em comunidades, grandes ou pequenas. A menor delas é a família. Para variar, não há consenso sobre o tema, mas estudos científicos robustos tendem a comprovar a tese de que nossa espécie vive, desde seu surgimento, em grupos familiares, compostos no mínimo por genitores e seus filhos. Não se sabe se, e por quanto tempo, a organização social limitou-se apenas a núcleos familiares. Contudo, é certo que as comunidades, com o passar do tempo, tornaram-se mais complexas, congregando pessoas que, à priori, não mantinham vínculos familiares entre si.O que é certo também é que todo esse processo aconteceu de forma natural, ou seja, à míngua de um arquiteto que dispusesse socialmente as pessoas segundo um ou outro modelo. Tudo aconteceu conforme a natureza humana, predisposta à convivência estruturada. É natural, portanto, e você já deve ter pensado sobre isso, que surgissem diferentes espécies de organização social politicamente estruturadas. Umas mais ou menos hierarquizadas, outras mais ou menos centralizadas, algumas mais ou menos autoritárias. Esses são, em linhas gerais, os princípios de cada comunidade segundo os quais as formas de governo e os regimes políticos foram criados. Enfim, nesse mar de possibilidades, uma espécie de regime político destacou-se entre as demais. Foi uma forma revolucionária de compreender o poder, a política, e surgiu em uma pequena comunidade, no sul do Continente Europeu, especificamente em uma região que hoje conhecemos por Grécia. Sim, você já deve saber do que estou falando. Refiro-me à Democracia. Em um universo repleto de oligarquias, aristocracias e tiranias, em Atenas, cidade-estado situada na Ática, região da Grécia continental, floresceu uma ideia nova, que via no povo, ou melhor dizendo, nos cidadãos, a fonte do poder exercido pelo Estado sobre a comunidade. Não mais a política seria baseada no prestígio ou na força de poucos, mas no consenso dos cidadãos em benefício dos quais, então, concedia-se o direito e o dever de atuar na condução do governo, ou seja, de influenciar o comportamento de toda a comunidade, em benefício comum. Mas esse tipo de responsabilidade demandava que esses cidadãos detivessem direitos não apenas contra uns e outros, mas contra o Estado, que não lhes poderia mais usurpar a liberdade de deliberação. Em outras palavras, os esboços do que hoje entendemos por sujeito de direitos começaram ser traçados. De lá para cá, o regime democrático sofreu mudanças, foi objeto de aperfeiçoamentos. Contudo, a essência permaneceu a mesma. Ainda hoje, entendemos que o poder político emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de seus representantes nos dias atuais, normalmente por formas de governo republicanas, em que o poder político do chefe de Estado é depositado sobre pessoas eleitas periodicamente, em contraposição à monarquia, em que esse papel é passado ao longo da linha sucessória da família real. Em linhas gerais, e para simplificarmos, grosso modo, um assunto a respeito do qual há muita discussão, podemos dizer que o sistema político diz com a criação de leis, ou mais precisamente, com a fonte de que emana o poder para editar normas de cunho geral, de natureza político-jurídica. De seu turno, forma de governo relaciona-se com a titularidade do papel de execução dessas leis e com como esse papel é transmitido. Pois bem, como falávamos, um desses aperfeiçoamentos foi a ideia de que o Estado como um todo, incluindo o governo exercido pela maioria, deveria se submeter a regras gerais, uniformes, de cunho constitucional, que prestigiassem o direito de cada indivíduo, contra eventuais desmandos políticos. Surge, assim, o Estado Democrático de Direito. Não entendeu? Calma, vamos explicar. Voltemos para Atenas. Imagine todos os cidadãos reunidos na ágora, a praça onde os assuntos públicos eram postos em pauta para deliberação. Esse grupo de pessoas é responsável por inúmeras obrigações, entre elas debater as questões do dia e votar as leis. Suponhamos que, entre eles, haja um cidadão muito esperto, ótimo orador, que tenha um desafeto. Para resolver o problema, ele propõe que o colegiado promulgue uma lei para condenar seu inimigo à morte, de forma sumária, sem direito a julgamento, ao fundamento de que teria cometido um terrível crime. Como seu poder de convencimento é alto, nosso ardiloso cidadão consegue fazer com que a lei seja aprovada e, finalmente, cumprida, levando ao fim o motivo de sua inimizade, pela execução da pena imposta. Ora, esse tipo de atitude parece justo? Veja, a lei foi proposta regularmente e aprovada pelos cidadãos reunidos, assim que por quem de direito, sem que tenha havido qualquer tipo de coação. A deliberação, portanto, foi formalmente válida. Roney Schaskos Na ciência política, oligarquia é a forma de governo em que o poder político está concentrado num pequeno número pertencente a uma mesma família, um mesmo partido político ou grupo econômico ou corporação. Roney Schaskos Aristocracia, a palavra que pode ser traduzida literalmente como “o governo dos melhores”, e que era uma forma de governo na qual o poder político era exercido por nobres, pessoas de confiança dos Monarcas ou dos Regentes iniciados na visão filosófica e política de Aristóteles. Roney Schaskos Tirania era uma forma de governo usada em situações excepcionais na Grécia em alternativa à democracia. Nela, o chefe governava com poder ilimitado, embora sem perder de vista que deveria representar a vontade do povo. Contudo, pergunto novamente, a você pareceu adequada a medida? Pois então, a mim também não. E justamente para evitar que isso ocorresse é que se desenvolveu a ideia de Estado Democrático de Direito, um Estado em que as leis são elaboradas pelo povo, direta ou indiretamente, em benefício de todos, mas sempre em respeito aos direitos humanos, segundo uma constituição, limite da coerção estatal justa. A propósito, consta do art. XVI da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na França em , que Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição . Nesse contexto, é possível percebermos que a separação de poderes é outra ideia de grande importância para as liberdades individuais, preceito básico de organização do Estado. A atividade administrativa Os primórdios da separação de poderes podem ser encontrados em Aristóteles, em cuja obra A Política já se faz referência aos riscos e injustiças de atribuir-se a um único homem todas as funções estatais. Contudo, é apenas no XVII que a doutrina da separação de poderes é sistematizada, com John Locke, cujas ideias apontavam para a necessidade de que as funções do Estado fossem desempenhadas por dois órgãos distintos: a) Legislativo, a cargo do Parlamento; b) Executivo, titulado pelo rei. Apesar dessa evolução, a concepção clássica, e mais adotada, de separação de poderes, entre Legislativo, Executivo e Judiciário foi elaborada apenas posteriormente, por Montesquieu, o qual, na obra Do Espírito das Leis, compreendeu que o Estado desempenha três espécies de funções completamente diversas entre si, ainda que confiadas a uma mesma pessoa ou órgão, e defendia que cada uma dessas funções deveria ser desempenhada por titulares distintos, como forma de assegurar as liberdades individuais. Perceba que toda essa construção teórica ocorreu no âmbito de um movimento intelectual que nutria contra o Estado profundas suspeitas, reflexos de tempos absolutistas em que a maior parte dos indivíduos não detinha ferramentas para opor direitos contra a vontade real. Foi, portanto, uma tradição que visava a reduzir os poderes estatais ao mínimo necessário para manter a ordem social. Pode parecer estranho, diante das diversas atribuições que se acometeram modernamente ao Estado, que se quisesse limitar o poder dos governantes a ponto de que suas funções ficassem resumidas à manutenção da coesão da sociedade, mas pense que todos esses autores viveram as agruras de sistemas autoritários, muitos de cunho absolutista, nos quais as funções públicas, os poderes fundamentais do Estado, depositavam-se nas mãos geralmente de apenas um homem, o rei, cujo poder, assim, não enfrentava resistência interna, pondo à mercê dele todos os demais indivíduos. Construiu-se, então, o sistema de separação de poderes, em virtude do qual esses poderes limitariam uns aos outros, por meio de umaintrincada rede de freios e contrapesos, baseada na dicotomia dos atos estatais, divididos, então, em atos gerais e atos especiais. Você deve estar se perguntando que atos são esses. Calma, é assunto que você já conhece, apenas concebido com outras palavras. Os atos gerais, a cargo geralmente de um parlamento, são aqueles que não têm um destinatário específico, regulam a vida em sociedade de forma geral, impessoal, consubstanciando mandamentos em tese. Ficou mais claro? Isso deve ter te lembrado de algo bastante familiar... Pois é, atos gerais são leis. Sim, você já deve ter se deparado com uma lei, regra abstrata emitida pelo Poder Legislativo para regular as relações sociais de forma geral, não tendo um destinatário específico. Claro, no nosso ordenamento, há algumas exceções a essa definição, mas vamos nos ater, nesta aula, à essência do ato geral, ou seja, uma norma cujos efeitos concretos sobre destinatários determinados não é conhecida a priori, no momento de sua emissão, características pensada a fim de que os titulares da legislatura, ou seja, as pessoas que criam as leis, atuem em benefício do bem comum, por meio de leis que Roney Schaskos Roney Schaskos sejam sempre elaboradas de boa-fé, sob pena de que eles próprios, ou seus interesses, sejam eventualmente prejudicados pelas leis ruins que criarem. De seu turno, o ato especial, ou de efeitos concretos, a cargo do Poder Executivo, é balizado pelo ato de cunho geral, que lhe retira a discricionariedade, impondo que a atuação estatal ocorra de forma impessoal, sempre em prestígio do bem da coletividade, fim último da lei promulgada. Em outras palavras, atos especiais são atos administrativos, normalmente proferidos pelo Poder Executivo segundo os limites dados pela lei. Por fim havendo conflito entre poderes ou indivíduos, e papel do Poder Judiciário dirimir a disputa, à luz dos atos gerais emitidos pelo Poder Legislativo e segundo os efeitos concretos dos atos especiais executados pelo Poder Executivo, promovendo pacificação social. Percebeu como as leis amarram a atuação estatal, de todos os poderes? Essa é, em linhas gerais, a divisão de poderes adotada na maior parte dos países democráticos. Embora seja uma teoria há muito criticada e, em certos pontos, até superada, como é o caso do sistema adotado pelo próprio Brasil, cujo Estado não se reduz a apenas essas três espécies de poder, como faz exemplo o Ministério Público, por vezes denominado de quarto poder, ainda hoje é nela, nessa teoria, que reside a fundamental separação de poderes responsável pela manutenção das liberdades individuais, que nos são tão caras. Para resumir, a teoria de separação de poderes relega ao Poder Legislativo a prerrogativa de elaborar leis, ao Poder Executivo o dever de executá-las e ao Poder Judiciário a obrigação de dirimir conflitos à luz delas. Por essa disposição, todos os poderes submetem-se à lei, à sua execução e à sua afirmação, de sorte que cada poder contrabalanceia os demais, tudo, naturalmente, à luz de uma constituição. Organizações da atividade administrativa Como vimos, a atividade típica ao Poder Executivo diz com atos especiais, de cunho específico, baseados na lei, a qual, por sua vez, e como também já dissemos, tem natureza geral. Contudo, mesmo esses atos diferenciam-se entre si, a depender da carga política de que desfrutem. Aqui, é importante que tenhamos em mente que a cúpula de todos os poderes detém, em maior ou menor grau, natureza política, em virtude da qual seus titulares desfrutam de maior liberdade para atuar, propondo, por exemplo, a aprovação de políticas públicas de longo prazo ou a forma como repartir as verbas públicas. Claro, essa liberdade não é total, baliza-se pelas normas contidas nas constituições e pelos direitos fundamentais previstos pelas teorias aceitas e integradas às sociedades. Contudo, nesses casos, as amarras legislativas são menores. Se você não compreendeu, vamos pensar juntos. Pensemos em um governador de determinado estado brasileiro. Havendo dinheiro em caixa, ele pode, por exemplo, decidir que é importante conceder aumento aos professores da rede estadual de ensino, medida que entende necessária para melhorar os índices de alfabetização das crianças matriculadas. Contudo, ele também poderia entender que o montante desses recursos seria melhor gasto se investido na ampliação da rede de saneamento básico de determinada comunidade carente, não? Pois é, são duas políticas que, aparentemente, condicionam-se a um fim público, ou seja, visam a atender necessidades justas da população. Cabe, portanto, aos governos decidir, segundo suas convicções pessoais, à margem de qualquer obrigação legal prévia, onde investir os respectivos recursos. Percebeu como a decisão é, até certo ponto, discricionária? Nesse contexto, temos aqui decisões tomadas pela Administração Pública em seu sentido amplo, integrada pelos órgãos de governo de função política. Pois bem, em contraste, a atividade voltada à execução dessas decisões que acabamos de mencionar, de cunho político, vincula-se estritamente à lei, não havendo margem de discricionariedade para os respectivos agentes. Aqui, estamos falando do que se tem por atividade eminentemente administrativa, desempenhada por entidades, órgãos e agentes que, por sua vez, Roney Schaskos compõem a Administração Pública em sentido estrito, de que estão à margem os órgãos de natureza política, ou seja, são integradas apenas por quem tenha atribuição cuja natureza diga estritamente com a execução das decisões tomadas pelas autoridades políticas. Para simplificar, vamos a outro exemplo. Imaginemos que a decisão do prefeito determine que uma escola seja construída em determinado bairro da sua cidade. Lembre-se, por ser a decisão política, um hospital público poderia ter sido escolhido em detrimento da escola, mas a escola, enfim, sagrou-se vencedora do embate. Sendo você o agente público responsável pela construção, não lhe cabe decidir se levantará ou não os muros, por achar mais importante que no local se construísse uma creche. Não, você deve, segundo suas obrigações legais, iniciar e entregar as obras. Você é, enfim, o responsável pela execução daquela escolha. Percebeu a diferença entre ambos os atos? Resumindo, um é de quase livre deliberação, tem caráter político, e pertence às cúpulas da Administração Pública em sentido amplo; em relação ao outro, quase não há discricionariedade, tem natureza executória, e põe-se interno à esfera da Administração Pública em sentido estrito. Mas como essa Administração Pública em sentido estrito organiza-se? Ora, muito fácil. A primeira divisão de Administração Pública nessa acepção se dá entre Administração Pública Direta e Indireta. A primeira é composta pelos órgãos que integram determinada pessoa política e que, no entanto, desempenham atividades de cunho administrativo estrito. É o caso, por exemplo, da Receita Federal do Brasil, órgão submetido ao Ministério da Fazenda, ligado ao Poder Executivo, responsável, entre outras, pela cobrança dos tributos federais. De seu turno, a Administração Pública Indireta é integrada por autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Mas, você pode estar se perguntando, por que apenas essas entidades compõem a Administração Pública? Eu respondo, a divisão subjetiva da Administração Pública é estritamente formal, ou seja, é Administração Pública o que a lei diz que é, independentemente da função que os respectivos órgãos ou entidades desempenhem, tanto que, normalmente, empresas públicas e sociedades de economia mista não exercem atividade administrativa em sentido estrito, mas de cunho empresarial, lucrativo, que só indiretamente atende às necessidades públicas. Ué, então no que a atividade desses entes se diferencia da ação das empresas comuns?Bom, quando tomadas em conjunto, não há um liame material entre elas. Contudo, a doutrina tem uma ideia do que seja atividade administrativa, qual seja, a atividade que se desenvolve, majoritariamente, sob regime de direito público, voltando-se à satisfação de interesses coletivos. Pode ser dividida em (na tela): a) Serviços públicos, que consubstanciam, diretamente, utilidades prestadas à população, tal como água tratada ou asfaltamento de ruas; b) Fomento, quando se incentiva determinada iniciativa privada que seja de interesse público. Como exemplo, podemos citar o setor de tecnologia, beneficiário de incentivos fiscais; c) Polícia administrativa, que é todo condicionamento ou restrição opostos a determinada atividade privada, de que é exemplo a restrição de funcionamento de casas noturnas abertas após determinado horário, em prestígio da paz dos vizinhos; e por fim d) Intervenção, havida sempre que o Estado regula a atividade privada ou vale-se da propriedade de particulares para fins coletivos, como no caso de desapropriações. Notaram como todas essas atividades dizem diretamente com um interesse da coletividade, em benefício do qual, geralmente, um interesse particular é relativizado? Pois é, o Estado atua assim, a fim de promover, em última instância, o bem comum. Depois dessa última constatação, chegamos ao fim de nosso módulo introdutório. Não se preocupe se algum conceito não ficou claro ou determinada ideia não foi abordada com a profundidade necessária, eles serão tratados novamente no transcorrer de nosso curso. Nessas aulas iniciais, esperamos que você tenha apreendido concepções amplas a respeito do que seja Estado, Direito Administrativo e Administração Pública.
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