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Religião e Imaginação em Rubem Alves

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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
FELIPE RIBEIRO CAZELLI
RELIGIÃO E IMAGINAÇÃO NO PENSAMENTO DE 
RUBEM ALVES
VITÓRIA
2008
2
FELIPE RIBEIRO CAZELLI
RELIGIÃO E IMAGINAÇÃO NO PENSAMENTO DE 
RUBEM ALVES
Monografia apresentada ao Departamento de 
Filosofia do Centro de Ciências Humanas e 
Naturais da Universidade Federal do Espírito 
Santo, como requisito final para a obtenção do 
título de Bacharel em Filosofia, tendo como 
título Religião e Imaginação no Pensamento 
de Rubem Alves.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Vidal Nunes.
VITÓRIA
2008
3
Dedico o presente trabalho ao Prof. Dr. 
Antônio Vidal Nunes pelo seu carinho e 
atenção dedicados em sua orientação e 
também pelo estímulo e encorajamento 
para a realização destas pesquisas.
4
RESUMO
A religião é um fenômeno humano estudado e muito criticado no ambiente 
acadêmico. Rubem Alves vê a religião a partir de sua origem na imaginação, que é a 
capacidade que o homem tem de criar um mundo diferente daquele que é dado 
materialmente pela realidade objetiva. Seu pensamento tem como base as teorias 
de Feuerbach, Marx e Freud. Para Feuerbach, a religião expressa a essência 
humana projetada na transcendência, no entanto, ela necessita ser introjetada para 
que o homem volte tê-la dentro de si, voltando a estar no controle de sua vida; Marx 
teoriza a religião como sendo mais uma forma de alienação, dentre tantas outras, 
provocada pelo capitalismo e a organização contemporânea da sociedade civil, mas 
que ela não expressa verdade alguma e que, assim que o capitalismo for superado, 
ela deixará de existir; Freud considera a religião uma ilusão infantil em que surge do 
desejo humano, quando, por falta de maturidade, o homem acredita que seus 
desejos são onipotentes e podem ser realizados através da execução de ritos 
religiosos. Rubem Alves concorda com Freud que o homem é um ser de desejo, com 
Marx que ele é alienado por uma estrutura econômico-social e com Feuerbach que a 
religião diz algo de sua essência. Mas para ele, o homem faz religião pois essa é 
uma forma eficiente de resistir à opressão e de se lançar à realização de uma vida 
melhor.
5
ABSTRACT
Religion is a human phenomenon studied and much criticized in the Academy. 
Rubem Alves sees religion from its origins on imagination, that is the capacity the 
man has to create a world different from what is materially given by objective reality. 
His thoughts are based on the theories by Feuerbach, Marx and Freud. To 
Feuerbach, religion expresses the human essence projected on transcendence, 
however, it needs to be incorporated for the man to have it within once again, that 
way being on the control of his life; Marx's theory thinks religion as one more way of 
alienation, among many others, caused by capitalism and the contemporary 
organization of civil society, but it does not express any truth and, as soon as the 
capitalism is overcome, it will no longer exist; Freud considers religion a childish 
illusion that comes from human desire, when, not being mature, the man believes 
that his desires are omnipotent and they can become real through the execution of 
religious rites. Rubem Alves agrees with Freud that the man is a being of desire, with 
Marx that he is alienated by a social-economic structure and with Feuerbach that 
religion tells something about his essence. But for him, man makes religion because 
it is an eficient way of resisting the opression and to throw oneself into the completion 
of a better life.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................7
2. CONCEPÇÃO FEUERBACHIANA DE RELIGIÃO.........................................11
3. CONCEPÇÃO MARXISTA DE RELIGIÃO......................................................19
4. CONCEPÇÃO FREUDIANA DE RELIGIÃO...................................................24
5. ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA EM RUBEM ALVES....................................33
6. RUBEM ALVES – RELIGIÃO E IMAGINAÇÃO..............................................40
7. CONCLUSÃO..................................................................................................53
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................56
7
1. Introdução
Estamos presenciando, e mesmo vivenciando, um período que alguns teóricos 
convencionaram chamar de “retorno da religião”1. Ela tanto retorna enquanto 
fenômeno social quanto como um discurso sobre a religião, que advém de um limbo 
para o qual foi banido pela academia, para voltar a ser tema de estudo e pesquisa 
consistentes, que refletem um anseio latente da comunidade em geral pelo 
fenômeno religioso. Esse anseio, percebido pela proliferação de igrejas das mais 
diferentes vertentes e com as mais diferentes propostas, cresce a partir de uma 
busca de sentido para a qual as pessoas comuns se lançam, uma vez que não o 
percebem em suas vidas.
A moderna civilização tecnocrática é estéril de sentido. Entretanto, a busca desse 
sentido na religião é deveras perigosa, pois uma pessoa que enfrenta esse caminho 
corre o risco de cair em armadilhas dogmáticas que alienam, podendo levar a um 
fundamentalismo cego e mal direcionado.
Segundo Rubem Alves, nenhuma investigação pode ser dita inteiramente “objetiva” 
se nesse objetivismo se busca uma imparcialidade, ou seja, um distanciamento do 
objeto de estudo para que o resultado não seja “contaminado” pelos valores do 
pesquisador. Isso porque, ao se proceder uma determinada pesquisa, tem-se já que 
estar (ou ser) irremediavelmente partícipe da dinâmica da qual o objeto de estudo 
fala. Principalmente quando o objeto é a religião. Diz Rubem Alves (2006, p. 11-12):
Um surdo de nascença, poderia ele compreender a experiência 
estética que se tem ao ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven? Parece 
que não. No entanto, lhe seria perfeitamente possível fazer a ciência 
do comportamento das pessoas derivado da experiência estética: o 
surdo poderia ir a concertos e, sem ouvir uma só nota musical, 
observar e medir com rigor o que as pessoas fazem e o que nelas 
ocorre, desde suas reações fisiológicas até padrões de 
relacionamento social, conseqüências de experiências pessoais 
estéticas a que ele mesmo não tem acesso. Mas que teria ele a dizer 
sobre a música? Nada. Creio que o mesmo acontece com a religião.
1 Márcia Sá Cavalcante Schuback observa esse discurso sobre o retorno da religião (apesar de não concordar 
com ele) em Scintilla, Curitiba, vol. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2005.
8
O presente trabalho parte de um interesse pessoal que emerge no contato com a 
concepção religiosa de Rubem Alves, a forma como ele concebe o fenômeno 
religioso.
Dada toda a experiência humana com o fenômeno religioso, especialmente a 
contemporânea, percebemos que é um tanto quanto ingênuo, de fato, tentar 
apresentar alguma evidência do que seria uma “realidade divina” ou, em outras 
palavras, tentar comprovar a existência (ou não-existência) de (um) Deus através de 
palavras, argumentos lógicos, silogismos. Por menor que seja o contato que se tem 
com qualquer doutrina religiosa ou mesmo com a filosofia da religião ou com a 
lógica, é notório que Deus, enquanto realidade possível, é inalcançável por esse 
caminho. Não obstante, muito se fala e muito se argumenta a respeito de Deus e da 
experiência religiosa em nosso tempo. Logo surge uma importante pergunta: por que 
se fala tanto sobre Deus hoje?
A primeira resposta que nos ocorre é a de que o falar em Deus é um mecanismo de 
dominação ideológica, através do qual aqueles que estão no poder mantêm as 
pessoas controladas e submetidas aos seus desígnios.
A segunda respostadiz respeito à tentativa de atribuir um sentido à vida através da 
Revelação Bíblica (ou de qualquer outro livro sagrado). Esse é o caminho da 
Teologia, que busca orientar a existência humana como um “existir para Deus” com 
base nas Sagradas Escrituras. Apesar da leitura de Rubem Alves a respeito de como 
se dá esse “existir para Deus” ser, na maioria das vezes, bem diferente da doutrina 
cristã corrente, não adentraremos em questões teológicas, por ser este um trabalho 
de Filosofia da Religião e que, portanto, apresenta um enfoque filosófico.
Além disso, existe, tanto nesta resposta quanto na anterior, um grande potencial 
alienante, pois, uma vez que o controle das instituições religiosas se encontra nas 
mãos de uma elite sacerdotal, a idéia de Deus para a qual o homem existe é 
manipulada por essa elite, para atender aos seus interesses, dentre outros, o de 
permanecer no poder.
9
A partir daí ocorre que é, então, a terceira resposta aquela que mais nos interessa, a 
saber: fala-se de Deus na tentativa de estabelecer a dimensão do Sagrado como 
constituindo ontologicamente o homem. A defesa filosófica da construção de um 
discurso sobre tal dimensão se dá aqui com base no fato de ser o homem aquele 
para o qual o Sagrado se mostra.
 Nosso trabalho é, portanto, uma busca de conceituação da experiência do Sagrado, 
sua relação com a dimensão humana e com aquilo que lhe é intrínseco e ontológico 
– e aí estabelecemos a relação entre o fenômeno religioso e a imaginação – 
objetivando também desmascarar as formas de dominação ideológica impostas aos 
homens, através da religião, ao longo dos anos (especialmente as últimas décadas), 
para escapar do risco de cair na armadilha montada pela casta sacerdotal e sua “má 
fé”.
Este discurso pretende ser uma resposta àqueles que desqualificam a religião, 
condenando-a a um status de ilusão perniciosa, criada pelo homem para escapar da 
“realidade”, que seria aquilo com que ele deveria estar se preocupando – e se 
ocupando – imediatamente. Nosso objetivo é propor, a partir do pensamento de 
Rubem Alves, um resgate do valor da imaginação, que nem sempre é compreendido 
adequadamente, e relacionar essa imaginação à religião, enquanto fundamento 
desta.
Para a realização desse intento, recorremos a uma extensa bibliografia alvesiana 
sobre Deus e sobre religião. Além disso, por ser o pensador pesquisado 
profundamente influenciado pelos pensamentos de Marx, Feuerbach e Freud, 
trazemos, também, o pensamento destes como forma de mostrar a base de onde 
Rubem Alves retira a sua bagagem e a transforma no brilhantismo de sua obra.
10
2. Concepção feuerbachiana de religião
Feuerbach é comumente conhecido por seu declarado ateísmo. Por esse motivo, é 
colocado, geralmente, lado a lado com pensadores também declaradamente ateus e 
que criticam veementemente a religião, como Marx, Freud, Sartre, Nietzsche e 
outros. Acontece que, em um breve estudo sobre Feuerbach, com o intuito de avaliar 
de que maneira seu pensamento influencia Rubem Alves, notamos que o dito 
ateísmo do autor é passível de complexa relativização.
É famosa a proposição de Feuerbach de que a “teologia é antropologia”. Com tal 
afirmação, o filósofo remove Deus de seu trono metafísico e o coloca dentro do 
homem, em sua mente, em sua imaginação. A partir daí, a causalidade de Deus é 
exterminada, o que, por si só, já caracteriza o ateísmo – que se define como “a 
negação da causalidade de Deus”, acrescentando-se ainda que “o reconhecimento 
da existência de Deus pode ser acompanhado pelo ateísmo se não incluir também o 
reconhecimento da causalidade específica de Deus”. (ABBAGNANO, 2003, p. 87)
Sua crítica se dirige grande parte a Hegel e seu sistema. A infinitude, que antes 
Hegel atribuía ao Absoluto, em Feuerbach é uma característica do homem, e é no 
homem que o infinito e o finito se encontram em unidade. Enquanto Hegel diz que a 
consciência do homem sobre Deus é autoconsciência de Deus, Feuerbach afirma 
que a consciência do homem sobre Deus é autoconsciência do homem.
O eu finito, enquanto indivíduo, experimenta-se a si mesmo em 
facticidade existencial como infinitamente distante do que pode e 
deve ser. Com isso, na consciência humana, emerge a tensão 
fundamental entre o eu (indivíduo singular e finito) e a espécie-
homem (infinitude). A religião nasce onde o homem considera essa 
sua essência como separada de si como Deus. Neste caso é a 
projeção do que o homem deseja ser. Nada mais. (ZILLES, 2007, p. 
106)
Ou seja, a essência do homem nunca se dá no homem singular, mas sempre no 
homem enquanto coletividade, numa comunidade que tem por base sempre a 
relação entre os homens, entre o eu e o tu, que formam juntos uma unidade de 
11
gênero. Nessa unidade está a essência do homem para Feuerbach. O dito “ateísmo” 
nada mais é que uma determinação do homem agora por si mesmo, não mais por 
fatores externos, muito menos metafísicos transcendentais.
A diferença essencial entre o homem e o animal é a consciência. Consciência, no 
sentido feuerbachiano, se dá quando um ser consegue fazer, não apenas de si 
mesmo, mas de seu gênero, objeto. E a consciência dos gêneros leva à ciência. E 
só pode fazer ciência, ou seja, só pode ter como objeto os gêneros de uma forma 
geral, aquele que pode fazer de objeto o seu próprio. A consciência, no homem, é 
“consciência do infinito”.
A religião não tem, na essência do homem, apenas o seu fundamento, mas tem, 
também aí, o seu objeto. A essência do homem é, portanto, infinita, pois um ser de 
essência finita não é capaz de ter consciência do infinito, já que sua finitude é um 
limitador para sua consciência, que Feuerbach chega a chamar de “instinto” 
(consciência finita). A religião é a projeção da essência do homem para fora dele, 
para um plano metafísico.
Mas, perguntamos, poderíamos dizer, a partir dessa premissa, que Feuerbach é 
contra a religião, como Freud ou Sartre, por exemplo? Sua pretensão é estabelecer 
o verdadeiro lugar da religião e do sagrado. Poderíamos afirmar, assim, que 
Feuerbach desqualifica a religião, atribuindo-lhe um lugar entre as coisas das quais 
a humanidade deveria se livrar? Veremos que não. Ao contrário da “patologia” 
freudiana e do “ópio do povo” marxista, a compreensão feuerbachiana de religião é, 
de certa forma, positiva.
O próprio Feuerbach afirma, no prefácio à segunda edição do seu “A Essência do 
Cristianismo” (2007, p. 24):
Se a minha obra contivesse somente a segunda parte, então ter-se-ia 
de fato a razão de acusá-la de uma tendência unicamente negativa, 
de se atribuir como seu único conteúdo essencial a afirmação de que 
religião não é nada, é loucura. Mas não digo absolutamente (e quão 
fácil seria para mim!) – Deus não é nada, a Trindade não é nada, a 
12
Palavra de Deus não é nada, etc., mostro apenas que tais coisas não 
são o que são na ilusão da teologia, que não são mistérios 
estranhos, mas íntimos, os mistérios da natureza humana. 
Primeiramente, para efeito de esclarecimento, podemos notar que o autor fala em 
“segunda parte” de sua obra. Isso porque o livro “A Essência do Cristianismo” é 
dividido em duas partes. A primeira delas, intitulada “A essência verdadeira, isto é, 
antropológica da religião”, versa sobre os pensamentos do autor a respeito do que 
ele acredita ser a religião positivamente, ou seja, em termos daquilo que a religião 
realmente é e que papel ela representa (ou deveria representar) para o homem. A 
segunda parte, “A essência falsa, isto é, teológica da religião” nos dá a crítica do 
autor à religião (ou às formas reprováveis de se fazer religião ou de se pensar sobre 
ela).
Posteriormente, podemos notar que, de fato, o pensador chega a afirmar que deforma alguma classificaria a religião como “loucura”, mesmo porque ela faz parte de 
algo que diz respeito à “natureza humana”. Longe de nos adentrarmos 
profundamente nas idéias de Feuerbach, aqui se atém nosso objetivo, qual seja: é 
exatamente na “antropologia filosófica” de Feuerbach, isto é, na sua idéia de 
homem, ou, melhor dizendo, de “essência” ou “natureza” (Wesen) humana que 
reside a aproximação entre o pensamento de Rubem Alves e o seu.
O filósofo alemão afirma se afastar da chamada “filosofia especulativa” da religião 
para que possa emitir seus pensamentos e conclusões a respeito dela de forma 
objetiva. Para ele, a filosofia especulativa somente respeita a voz da religião se esta 
encontra eco eu sua própria voz. Por isso, Feuerbach não se permite entregar seu 
pensamento a uma filosofia especulativa, mas a apóia em fatos, através da 
experiência. Em suas palavras:
A especulação só deixa a religião dizer o que ela própria pensou e 
dito de maneira muito melhor do que a religião; ela determina a 
religião sem se deixar determinar por ela; ela não sai fora de si. (op. 
cit., p.22)
Para Feuerbach, a essência das coisas está nas próprias coisas, e podemos chegar 
13
a essa essência empiricamente, através da intuição sensível. Os nossos sentidos 
nos dão a essência das coisas e é através deles que chegamos até o mundo real.
Só o sensível é ser verdadeiro, real e só mediante os sentidos, não 
com o pensamento puro, é-nos dado um objeto propriamente como 
tal. O ponto de partida da nova filosofia proposta por Feuerbach é o 
ser real. A realidade fundamental é a natureza, não a consciência ou 
o pensamento, que são derivados ou secundários. O ser é o sujeito, 
diz Feuerbach, e o pensamento, o predicado. (ZILLES, op. cit., p. 
100)
É por isso que o filósofo decide abandonar a filosofia especulativa de cunho 
hegeliano. A abstração que ela contém é vazia e leva o homem a projetar sua 
própria essência na transcendência. Dessa forma, o homem se perde de si mesmo, 
aliena-se.
Religião é o comportamento do homem perante seu próprio ser 
infinito. Nisso está sua verdade. Por outro lado, a falsidade da 
religião está em o homem tornar independente de si mesmo o seu 
próprio ser infinito, separando-o e opondo-o como diferente de si, 
produzindo a bipolaridade Deus e homem, alienando, assim, o último, 
ou seja, empobrecendo-o. (ZILLES, op. cit., p. 101)
A essência do humano está, então, fora dele e mesmo fora do mundo, fora da 
realidade. Ao se voltar para Deus, o homem dá as costas às contingências do 
mundo que o cerca. O mundo real, no qual se está inserido, e todos os seus 
problemas são abandonados, ou, melhor dizendo, são aceitos pelo homem religioso 
que, em vez de lutar para mudar sua condição, resigna-se a projetar um mundo 
além mundo.
A necessidade de proclamar um “ateísmo” para Feuerbach se reflete na 
necessidade de abandonar a religião enquanto um instrumento de dominação, pois 
a religião vista dessa forma, a saber, como um olhar sempre voltado para o 
transcendente e esquecido do mundo, faz com que o homem aceite qualquer que 
seja a injustiça que lhe é imposta desde que ele receba a dádiva de uma felicidade 
no pós-vida, no reino de Deus, enfim, na transcendência.
14
Vemos, portanto, que a crítica do filósofo não se direciona à projeção em si, e sim ao 
seu resultado.
Feuerbach nega, pois, o correlato metafísico da fé, não a projeção. 
Ao projetar a si mesmo, o homem aliena-se de si mesmo, gerando a 
divisão de si mesmo. A alienação religiosa, segundo ele, é tomar 
como Deus algo que, na verdade, é apenas expressão do próprio 
homem. (ZILLES, op. cit., p. 103)
Rubem Alves completa (2006, p. 38), dizendo que “o que é ilusão não é a religião 
mas, antes, a tradução que dela faz a teologia, transformando-a em conhecimento 
de uma realidade metafísica, supra-sensória”.
Nesse modelo de religião, o homem projeta para fora, num ser metafísico, 
características que participam da própria essência do homem. Quais seriam essas 
características?
Para Feuerbach, a essência do homem consiste naquilo que ele chama de três 
forças: a razão, enquanto pensamento ou “força do pensar”; a vontade ou “força da 
vontade”, um querer que se traduz como “energia do caráter” e o coração ou “força 
do coração”, amor. Tais forças constituem teleologicamente o fundamento da 
existência humana e, conseqüentemente, a essência do homem.
Ao falar em razão, Feuerbach não se refere apenas àquilo que se convencionou 
modernamente chamar de razão, a saber, a lógica formal, matemática, “científica”. 
Ele inclui no conceito razão aquilo que considera suas “formas sensíveis”: 
imaginação, fantasia, representação, opinião, ou seja, tudo aquilo que é produto do 
pensamento.
A “razão” humana é a sua consciência, que é algo que separa homens de animais. 
Os animais não têm a capacidade de pensar em si mesmos enquanto gênero, isto é, 
não conseguem pensar em “animais” de forma geral, e colocar seu gênero na 
posição de objeto de seu pensamento, de sua reflexão.
15
Para Feuerbach, “consciência, em sentido estrito, só existe quando um ser tem 
como objeto o seu gênero, a sua essencialidade. O animal é decerto objeto para si 
enquanto indivíduo – por isso tem sentimento de si –, mas não enquanto gênero.” 
(op. cit., p. 9)
Assim, já que o homem é o único capaz de se perceber enquanto gênero (e é 
somente aí que temos a essência do homem “em geral”), o homem é capaz de 
conceber a sua própria essência. Seu reconhecimento leva o homem para a 
dimensão da vida religiosa. Por isso o pensador afirma que “a religião repousa na 
diferença essencial entre o homem e o animal – os animais não têm religião”. 
(FEUERBACH, op. cit., p. 9)
Em Feuerbach (...) o homem nunca toma consciência de sua 
essência de forma direta. Ele não conhece o que ele é. A essência se 
revela por meio de uma série de símbolos cujo significado 
permanece oculto ao próprio sujeito. Este é, por exemplo, o sentido 
dos símbolos religiosos. (ALVES, 2006, p. 43)
De forma que, a partir da capacidade que o homem tem de imaginar, fantasiar, que 
são possibilidades do intelecto humano, ele pode também criar um mundo que não é 
idêntico àquele que se lhe apresenta. Ou seja, o mundo onde os animais vivem é 
apenas o mundo da natureza; já o homem tem a natureza da mesma maneira que 
os animais, mas pode também projetar algo que não está na natureza e 
posteriormente dar corpo a esse algo. 
Esse processo de criar algo – que antes não existia – com o poder da imaginação é 
responsável pela civilização. Diz Feuerbach: “O animal tem, por isso, apenas uma 
vida simples, o homem uma vida dupla: no animal, a vida interior coincide com a 
vida exterior, mas o homem tem uma vida interior e uma vida exterior” (op. cit., p. 
10).
O problema é: ao criar Deus, faz o homem alguma alteração na própria realidade? 
Para Feuerbach, Deus, objetivamente, não existe, já que é absolutamente subjetivo, 
o que significa dizer que sua “existência” se limita à mente humana. Pergunta-se: 
16
dizer que a religião ou que Deus são criações humanas é de alguma forma diminuí-
los ou tirar-lhes importância? É o suficiente para taxar Deus e a religião de ilusões 
vazias, sem sentido e até mesmo patológicas?
Para Rubem Alves (2006), Feuerbach percebe que existe um discurso sobre a 
religião em que os símbolos são compartilhados tanto por teólogos quanto pelos 
empiristas. O Deus de que fala a religião deve ser, para ambos os grupos, um ente 
definido e concreto, com existência objetiva e independente. A questão é que os 
empiristas notam a falta da experiência sensível de Deus, de consequência, 
afirmando sua inexistência.Para os empiristas, os pais da ciência moderna, o pensamento deve ser uma 
representação perfeita, uma cópia das coisas do mundo, que chegam até as idéias 
por meio dos sentidos. Ou seja, qualquer idéia que não fosse antes uma realidade 
concreta percebida sensivelmente deve ser relegada ao status de “desarranjo 
mental”. Assim acontece com a imaginação lato sensu, e com a religião stricto 
sensu.
Juan Antonio Estrada (2003, p. 157) lembra que “a premissa ontológica e 
epistemológica é que só o objeto sensorial é real porque é um objeto externo à 
consciência” e consequentemente “Deus não existe porque não tem entidade fora do 
cogito, porque não é objeto sensorial, mas mera imanência humana projetada”. 
Feuerbach sugere que manter a projeção é um desvio das “energias humanas”, e 
que deveríamos nos reconhecer na projeção e introjetá-la, passando a ver em nós 
aquilo que vemos em Deus, mas que é essencialmente nosso.
Veremos que Rubem Alves em muito concorda com Feuerbach nas questões de 
pensar o homem como dotado de imaginação, considerando esta a mãe do 
fenômeno religioso. Entretanto, Alves não considera a religião uma ilusão perniciosa. 
Muito pelo contrário, atribuir ao homem a “invenção” da religião a coloca em seu 
devido lugar: uma dimensão da vida interior do homem, sem a qual sua própria 
existência estaria comprometida.
17
Dessa forma, coloca-se a religião dentro do homem, como constituinte de sua vida 
interna, desfazendo o equívoco de localizar a religião fora do homem, institucional e 
teologicamente. Mais adiante veremos de que forma se daria esse 
“comprometimento” da existência e a crítica alvesiana ao pensamento sobre a 
religião.
18
3. Concepção marxista de religião:
A “filosofia da religião” de Marx (se é que seja possível falar em uma) tem forte 
influência do pensamento de Hegel e sua dialética, principalmente seu caráter 
totalitário e a atenção que dedica à História. Por outro lado, também Feuerbach está 
muito presente no pensamento de Marx sobre a religião, em especial no tocante à 
inversão feuerbachiana da dialética de Hegel, sobre a qual tratamos no capítulo 
anterior, a saber, a substituição do idealismo pelo materialismo. Não nos ateremos, 
porém, à teoria de Marx como um todo, mas discutiremos o ponto em que ela toca a 
religião e em que momentos ela mais influencia Rubem Alves.
Marx concorda com Feuerbach principalmente quando este afirma que não é Deus 
quem cria o homem, mas sim o homem quem cria Deus. Ainda assim ele propõe 
uma superação do materialismo de Feuerbach, que considera “metafísico e 
mecanicista”, e o critica por não ter uma práxis, um projeto prático de mudança do 
estado de coisas. Além disso, em Marx a religião não tem o caráter de 
“autoconhecimento” de Feuerbach. Isso porque, para ser “autoconhecimento”, 
Feuerbach postula a religião como projeção da essência humana, que, para Marx, 
não existe.
Para Marx, toda alienação tem como origem ou causa a alienação primeira, de 
ordem econômico-social, em torno da qual orbita todo o seu pensamento, lembrando 
que a conceituação marxista de alienação difere sensivelmente da feuerbachiana. 
Para Marx, alienação diz uma dinâmica estritamente material de distanciamento 
entre o homem e sua capacidade produtiva, que fica nas mãos de outro. Enquanto 
em Feuerbach a alienação é um acontecimento fundante que gera efeitos 
posteriores, para Marx a alienação religiosa é secundária, já efeito de uma outra que 
lhe é anterior, a econômico-social.
O mundo alienado em que o homem vive no capitalismo é um mundo invertido, onde 
o que é bom ao homem é permanecer acorrentado. A religião nesse contexto não é 
uma realidade verdadeira que foi projetada num lugar falso: a transcendência (como 
19
é em Feuerbach), mas é uma realidade falsa, resultado da repressão. A respeito do 
pensamento de Marx sobre a “inversão” do mundo e o papel da religião, Rubem 
Alves assim resume:
O que caracteriza o discurso religioso é uma estranha inversão: as 
correntes são cobertas com flores e a dor real é esquecida sob os 
efeitos do ópio. O próprio sangue que sai das feridas é bebido como 
remédio. A doença é a sua própria cura. O grito de dor se transforma 
em canção de amor. Não existe, assim, nenhum trânsito 
epistemológico da religião para a realidade. Religião é 
inevitavelmente falsidade porque a sua função social é ser ópio. A 
religião é assim definida funcionalmente como o discurso que 
reconcilia o homem com o mundo que o oprime. (ALVES, 2006, p.54)
Não obstante ser Marx sempre citado como grande crítico da religião, não 
encontramos nenhuma obra sua que seja especificamente dedicada ao tema. 
Apesar de sua famosa afirmação “a religião é o ópio do povo”, ele não tem 
preocupações diretas com o fenômeno religioso, mas apenas se refere a ele de um 
modo consideravelmente indireto. A preocupação dele é econômico-social e a 
religião é apenas mais uma das diversas formas de alienação à qual a classe 
dominante lança mão para oprimir o proletariado.
Somando-se a isso, o projeto filosófico marxista exclui qualquer possibilidade de 
pensar a transcendência, impossibilitando a religião enquanto mediação entre o 
imanente e o transcendente. Para Marx, nada existe além da imanência.
Seguindo Hegel, Marx afirma a totalidade como única realidade 
ontológica, identificando, porém – contra o Mestre – o ser com a 
natureza. A doutrina de Hegel, segundo a qual a natureza “é criada” 
pelo Espírito Absoluto, nada mais é que a tradução, em linguagem 
filosófica, da velha afirmação metafísica da criação da natureza e do 
homem por um “ser abstrato e imaterial”, observa Marx. 
(STACCONE, 1991, p. 97)
E Marx despreza o “abstrato e imaterial”, considerando-o impróprio como objeto de 
reflexão filosófica. A “totalidade do ser” marxista é fundada na relação sujeito 
(enquanto “eu” consciente) x objeto (enquanto natureza, mundo real palpável). A 
existência de um ser fora dessa totalidade concreta é um non sense ou, no máximo, 
meramente fruto da imaginação, do pensamento.
20
Logo, longe de ser propriamente ateu, como comumente se apregoa, o ateísmo para 
Marx não faz sentido algum, pois ele é uma tentativa de negar Deus. Porém, vale 
ressaltar:
Afirmada a consistência ontológica autônoma da natureza em seu 
conjunto e do homem em especial, tanto a busca como a negação de 
Deus tornam-se atividades inúteis, pois o círculo da experiência 
prático-sensorial fecha-se na relação homem-natureza. (STACCONE, 
op. cit., p. 100)
O comunismo, entendido como a proposta marxista, seria então a “negação da 
negação”, negando tanto o ateísmo quanto a religião, os dois como desprovidos de 
sentido. Com isso, abre-se caminho para o prático, o positivo, onde o homem pode 
abandonar a auto-alienação e se apropriar de sua própria natureza. Marx critica todo 
o idealismo anterior a ele, considerando a filosofia uma especulação que deve ser 
superada, para dar lugar à razão prática que “se compromete na transformação do 
mundo”. Para Juan Antonio Estrada:
A superação da filosofia passa pela racionalização da realidade. Não 
basta a essência abstrata recuperável especulativamente, mas se 
deve detectar a origem social da religião e as causas históricas 
sociais que possibilitam a projeção teísta. A religião continua sendo 
um epifenômeno cuja “verdade” remete às outras realidades, por 
isso, para recuperar a essência alienada na religião, devem-se 
transformar as raízes históricas sociais que as tornam possível. 
(ESTRADA, 2003, p. 163-164)
Para Marx, a religião é alimentada e produzida primeiramente pela ignorância que o 
homem tem da natureza, quelhe gera um grande medo; isso estimula o homem a 
criar seres metafísicos que, ao menos em sua imaginação, o proteja do que quer 
que possa fazer-lhe mal vindo da natureza desconhecida. Tal postura deve ser 
superada com a ciência já que é ela o método mais eficaz de conhecimento dessa 
mesma natureza que, não mais amedrontadora, se mostrará conhecida e dominada. 
A religião perderia seu sentido.
Mas outro acontecimento que também alimenta a atitude religiosa é o Estado, que 
surge como “regulador” da sociedade civil, que é composta de vários grupos, lutando 
21
por seus próprios interesses, em conflito entre si. E um grupo acaba dominando 
todos os outros, criando imensas desigualdades, que só podem ser mantidas com a 
alienação daquilo que Feuerbach chamava de “energia” ou “essência” do homem. O 
Estado não executa seu trabalho de regulador. Todo esse sistema deve cair para 
que o homem seja senhor de si mesmo. Staccone ensina (op. cit., p. 113):
O Estado não anula tais desigualdades; ao contrário, existe sobre 
elas tal qual a religião. Daí, infere-se que a superação do Estado e da 
religião, enquanto alienações das forças humanas e sociais dos 
homens, só é possível destruindo a sociedade civil que as 
engendrou.
O homem, situado historicamente como Marx postula, é fruto de todas essas 
relações sociais. Trabalha e não consegue se perceber no fruto do seu trabalho. 
Está absolutamente submetido ao modo de produção material, mas o que ele produz 
lhe é “alheio”, “estranho”. Daí o termo alienação. O homem trabalha e não pode 
desfrutar do resultado do seu trabalho. Dentro dessa forma de opressão, ele precisa 
achar que é livre de alguma forma; precisa encontrar alguma maneira de protestar.
Na religião, o que acontece é que se cria um sem número de verdades metafísicas 
para levar os homens a acreditarem que, mais importante que vencer a opressão de 
que são vítimas neste mundo, é conquistar o direito a um outro mundo, irreal, 
imaginário, ilusório. Dessa forma, o homem é distanciado da possibilidade de 
recuperar sua dignidade. Da mesma maneira que na estrutura de mercado 
capitalista o homem é apenas mão-de-obra, nunca sendo considerado enquanto 
sujeito, assim também a religião o relega ao papel de engrenagem de um sistema 
maior, exterior a ele.
A realidade é fruto da vontade de Deus, ou seja, as desigualdades existem porque 
deveriam existir e não há o que se possa fazer. As injustiças são legitimadas e a 
população não se dá conta das raízes históricas e econômicas da situação na qual 
ela se encontra. A transcendência é o fundamento no qual se cultiva a conformidade 
e a resignação. “O sofrimento e a humildade transformam-se assim na mediação 
necessária para a salvação futura” (ESTRADA, op. cit., p. 166).
22
A superação da religião acabará acontecendo junto com a superação de toda 
opressão, pois, dessa forma, todas as alienações seriam superadas e, em sendo a 
religião uma delas, também desapareceria, perderia o sentido.
23
4. Concepção freudiana de religião:
As opiniões de Freud a respeito da religião constituem um dos pensamentos mais 
polêmicos a respeito do tema, em toda a história do pensamento ocidental, desde a 
modernidade. Freud considera a religião uma patologia, uma doença, e se esforça 
no sentido de esclarecer essa posição através de uma extensa teoria psicológica. O 
objetivo deste capítulo é esclarecer essa teoria, evidenciar sua postura e 
correlacioná-la com o pensamento de Rubem Alves.
Freud é um pensador positivista. O que significa dizer, em última instância, que ele 
aposta na Ciência como o estágio máximo do conhecimento humano e, mais do que 
isso, como a única forma legítima pela qual o homem pode vir a conhecer qualquer 
coisa. Todas as outras tentativas de conhecer, que não sejam conduzidas pelo 
processo ou método científico (revelação, adivinhação, intuição), devem ser 
relegados à patologia que Freud chamou de “neurose” – uma tentativa ilusória de 
realizar os impulsos do desejo.
A religião em Freud vira “neurose coletiva da humanidade”, sintoma de uma falta de 
maturidade das pessoas em geral, que precisa e será superada assim que 
consigamos nos desenvolver científica e tecnologicamente, atingindo plenamente a 
idade da Razão, superando a infância da fantasia e da ilusão.
Antes, porém, de definir propriamente a neurose, voltemos um pouco ao 
estabelecimento da teoria. É preciso, primeiramente, evidenciar a antropologia 
filosófica freudiana, ou seja, dizer quais são os fundamentos filosóficos, a partir dos 
quais Freud entende o homem em sua totalidade. A relação do pensamento 
freudiano com a religião perpassa todos os seus escritos, mas em três deles se 
percebe uma dedicação maior ao tema. São eles: “Totem e tabu”, “O mal estar na 
civilização” e “O futuro de uma ilusão”. Existe ainda um outro, “Moisés e o 
monoteísmo”, que, no entanto, é muito criticado e pouco levado a sério por completa 
falta de fundamentação das idéias que expõe.
24
A busca de Freud não é por falar a respeito de uma realidade última, emitir algum 
conhecimento sobre a existência ou não de Deus. Nesse ponto, parece ter, desde o 
princípio, tudo resolvido, ou seja, Deus não existe – não há o que questionar. A 
questão para Freud é: Deus não existindo, como o homem chega a crer em sua 
existência? Ou, mais diretamente: por que o homem faz religião?
A novidade da teoria freudiana é o inconsciente. Não é algo que tenha sido criado 
partindo absolutamente do nada. Freud desenvolveu sua definição de inconsciente a 
partir de sua experiência no atendimento a pessoas que apresentavam algum tipo 
de distúrbio mental (ou qualquer patologia que não se explicasse fisiologicamente). 
É com esse conceito que Freud revoluciona o pensamento sobre o homem. É 
quando ele descobre que o homem não é um ser racional.
Existe uma instância na psique humana (a mente, a alma ou como quer que se 
chame) sobre a qual sujeito algum teria controle, mas que determinaria o curso de 
várias ações humanas do cotidiano sem que alguém sequer perceba ou tome 
conhecimento de suas motivações ou de seus conteúdos. Além disso, esses 
processos mentais inconscientes são a causa de certas enfermidades que se 
manifestam inclusive no plano físico, como deficiências orgânicas.
Esses conteúdos potencialmente adoecedores são frutos do encontro entre uma 
estrutura mental humana e as experiências com o mundo externo. Na formação da 
pessoa, no seu desenvolvimento enquanto bebê, desde o nascimento, o sujeito 
encara uma série de questões que envolvem o estar no mundo. A partir daí, a mente 
cria uma instância denominada de ego, que reúne a personalidade subjetiva, aquilo 
que o sujeito entende como sendo o “eu”.
Entretanto, as experiências pelas quais a pessoa passa não são sempre e 
totalmente percebidas como benéficas à individualidade da pessoa. É quando o ego 
as ignora e, por considerá-las nocivas, prefere não tomar conhecimento delas. 
Contudo, essas experiências não passam completamente desapercebidas, pois 
existe o inconsciente que as percebe e as registra.
25
Começa então o conflito do ego (consciente) e do inconsciente. Este, uma força 
original, poderosa, que manifesta seus conteúdos sem que se apresente, nela 
mesma, um limite e se guia exclusivamente pelo princípio do prazer; aquele, a força 
da individualidade que luta pela sobrevivência e, dessa forma, tenta impedir que os 
conteúdos do inconsciente, prejudiciais, a invadam. Sobre o assunto, Urbano Zilles 
(2007, p. 139) esclarece:
Se os homens buscassem simplesmente a realização de seus 
desejos acabariam destruindo-se uns aos outros. Os indivíduos 
fazem então umpacto de defesa mútua contra as ameças da 
natureza mais forte. Surge assim a cultura como tarefa para o 
homem auto conservar-se diante do poder supremo da natureza.
Sobre a relação entre religião e civilização no pensamento de Freud, falaremos mais 
à frente. O interessante agora é saber que o mecanismo do qual o ego (a mente 
consciente) lança mão para impedir que os conteúdos do inconsciente cheguem até 
ele são o recalque e a repressão. A repressão impede que tais conteúdos sequer 
cheguem à consciência; o recalque os devolve para o inconsciente, após os 
mesmos haverem chegado à consciência e serem considerados impróprios, 
inadequados, nocivos.
Isso porque, em seu estudo com Breuer, seu professor, Freud descobriu que, 
quando a pessoa que apresentava um distúrbio como aquele citado acima lembrava 
ou revivia um determinado fato que, por ser traumático, teria dado origem a tal 
distúrbio, este desaparecia. Então, o responsável pela persistência do distúrbio é o 
recalque. A teoria de Freud é sempre apoiada por experimentos práticos no 
tratamento de pessoas com distúrbios psíquicos ou físicos de origem psicológica. 
Sobre isso, Palmer ensina:
Assim, sem que o indivíduo se dê conta, há um perpétuo conflito 
entre o inconsciente e a mente consciente, e é desse conflito que 
vêm os distúrbios neuróticos. A emoção passada quer descarregar-
se e tornar-se consciente; porém, vendo-se repudiada e 
desautorizada, canaliza-se para a produção de sintomas neuróticos. 
(PALMER, 2001, p. 28)
Freud acrescenta, ainda, ao conceito de neurose, o seu cunho sexual, a partir da 
26
elaboração do Complexo de Édipo. Quando a criança se vê às voltas com seus 
impulsos instintuais de deitar-se com a mãe e matar o pai – momento pelo qual, 
segundo Freud, toda criança passa –, acontece o recalque, já que tais impulsos são 
considerados “vergonhosos e ameaçadores”. Palmer (op. cit., p. 30) explica, então, 
que “a neurose tem a ver com a sexualidade recalcada do paciente ou, para usar a 
nova terminologia, com o recalque, pelo ego, dos impulsos instintuais localizados no 
id.”
Esse foi o começo do desenvolvimento de toda a teoria da sexualidade por Freud. 
Mais tarde, a divisão da psiquê entre consciente e inconsciente cedeu lugar a uma 
divisão um pouco mais complexa: id, ego e superego.
No id localizam-se aqueles instintos primários, que foram classificados como pulsões 
de vida (Eros) ou de morte (Thanatos). O ego é o nosso eu, a consciência. O 
superego, por sua vez, contém a influência dos pais na vida do sujeito; se relaciona 
aos pais tudo o que é imposto ao sujeito de fora para dentro, como normas sociais, 
valores, tradições, etc. Estas instâncias estão em conflito, gerando o distúrbio 
psicológico. Palmer assevera:
O superego, agindo no âmbito do inconsciente e infundido da 
moralidade da família e da cultura, insiste com maior agressividade 
ainda na supressão dos instintos emanados do id. (...) O ego 
obedece invariavelmente às exigências morais do superego, mas às 
vezes pode reagir a um superego demasiado exigente recalcando 
parte desse superego. Assim surge, diz Freud, o sentimento de culpa 
inconsciente tão típico dos neuróticos. (PALMER, op. cit., p. 30)
O conflito entre essas instâncias psíquicas gera uma situação na qual o sujeito 
muitas vezes assume uma certa atitude mental em que constrói um mundo ilusório, 
fantástico – uma quimera – dentro do qual seu desejo é onipotente no controle da 
realidade. Essa postura é alimentada pela necessidade de colocar um limite, uma 
proibição naquilo que, ao mesmo tempo, conduz à satisfação.
A onipotência do pensamento e as práticas dela advindas traem uma 
atitude emocional ambivalente – a saber, a proibição de um desejo – 
e, nessa medida, também elas confirmam o complexo de Édipo como 
27
o núcleo de toda neurose e de toda culpa. Por conseguinte, todos os 
rituais religiosos configuram-se como expressões do remorso e como 
tentativas de preparação pela reexperiência presente de algo 
ocorrido no passado. (PALMER, op. cit., p. 48)
Para Freud, os três estágios galgados pela humanidade em busca do conhecimento 
da realidade coincidem com o desenvolvimento psíquico de cada indivíduo, desde o 
seu nascimento até a vida adulta.
No primeiro estágio, o anímico, ao ser humano é atribuída a onipotência dos 
pensamentos, que lhe outorga poderes ilimitados sobre a realidade, assim 
correspondendo ao “auto-erotismo” da primeira infância.
Posteriormente, no estágio religioso, o homem não mais é onipotente, delegando, 
agora, esse poder a Deus. Entretanto, é possível, através de ritos e sacrifícios, obter 
de Deus a realização dos próprios desejos. Este momento acontece de modo similar 
ao desenvolvimento da psique infantil. Zilles (op. cit., p. 145) resume muito bem:
No seu relacionamento carinhoso com a mãe, a criança sente o pai 
como rival. Divide o amor da mãe com o pai. Por isso formam-se 
desejos agressivos em relação ao pai que, não raro, transformam-se 
no desejo de matá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a criança sabe que 
precisa do pai. Com isso constitui-se o conflito entre amor e ódio, 
afeição e hostilidade, admiração e medo do pai.
Esse é o Complexo de Édipo. E é através desse mesmo complexo que o homem se 
relaciona com Deus, um ser que ele cria como o Pai Supremo, ao qual devotará seu 
ódio e seu amor, odiando-o por suas características castradoras e opressoras e 
amando-o por sua benevolência e proteção.
A ciência, por último, representaria a maturidade, quando o homem se dá conta de 
que a realidade não tem a obrigação de satisfazer os seus desejos. Assim, o homem 
abandona a ilusão infantil em que vivia para adequar-se à realidade, projetando seu 
desejo em algo objetivo que essa realidade lhe apresente. Portanto, para Freud, “a 
religião é uma obsessão infantil que a maturidade deverá, se tiver sorte, descartar.” 
(PALMER, op. cit., p. 49)
28
A revolução social proposta por Marx de nada adianta a Freud, uma vez que, 
segundo sua teoria, a repressão dos instintos e a do princípio do prazer existiriam 
em qualquer ordem social, já que são praticamente “ontológicas” e se mostram 
“essenciais”, intrínsecas à condição humana. De forma que o homem só seria feliz 
se aceitasse se “ajustar” à realidade, mas não é o que ocorre. O que vemos é uma 
consciência que rejeita o real. Uma consciência “desajustada”. E a consciência 
religiosa é a expressão máxima desse desajuste.
Sob a ótica de Freud, por conseguinte, a religião reproduz, de forma universal, a 
mesma dinâmica da neurose obsessiva individual. Ao afirmar isso, ele não sugere 
que a fé religiosa seja falsa, mas que ela tem o objetivo de satisfazer os desejos das 
pessoas que crêem ser ela verdadeira. Objetivamente, porém, é improvável que ela 
tenha qualquer correspondência com o mundo real, não passando de uma ilusão, 
um engano.
Freud atribui, ainda, uma outra característica à ilusão: a indiferença que lhe é 
intrínseca quanto à verificação ou justificação racional. Para ele, não existem 
evidências que comprovem as asserções da religião, que tem que recorrer a 
argumentos de autoridade, de ancestrais ou de textos sagrados.
A religião tem três funções, dadas as exigências que a constituem. A primeira 
consiste em aplacar o sofrimento e o sentimento de impotência diante das forças da 
natureza, que constantemente ameaçam a sobrevivência humana.
A segunda, para aplacar também todo o tumulto interno, provocado pelos instintos 
primitivos do homem, que necessitam ser acalmados para que se possa viver em 
sociedade. Segundo Palmer, “Freud enumera entre esses desejos instintuais o 
incesto, o canibalismo e a sede de matar” (op. cit., p. 55). Para Freud, o homem 
guarda dentro desi muita hostilidade para com a sociedade que o obriga a reprimir 
seus instintos, fazendo-lhe uma série de imposições, outorgando-lhe um sem 
número de deveres.
29
A terceira e última função da religião que Freud isolou é a satisfação e realização de 
um desejo fundamental pela figura do pai existente na humanidade, que se encontra 
nas fundações da atitude religiosa da nossa sociedade. A força desse desejo se 
reflete na “instância psíquica” que Freud chamou de superego.
A agressividade humana precisa ser contida, para o bem da civilização. A forma que 
a psique encontra para fazê-lo é introjetar essa agressividade, devolvê-la para 
dentro. Uma porção do ego, então, dá conta dela e a devolve ao ego sob a forma de 
uma consciência exigente – o superego – levando àquilo que chamamos de 
sentimento de culpa. Dessa forma, o superego se relaciona à figura do pai, pela qual 
anseia o homem: “o superego enfrenta o ego tal como um pai severo enfrenta o 
filho” (PALMER, op. cit., p. 58)
Quando essa figura é, na fase adulta, novamente projetada para fora, temos a 
criação da figura de Deus Pai, a quem o homem ama e admira, desejando ser igual 
a ele – principalmente por sua onipotência ou capacidade de realizar qualquer 
desejo, que se contrapõe com a impotência humana – e, ao mesmo tempo, teme e 
odeia como aquele que é um obstáculo para a realização dos desejos individuais.
Logo, a religião seria o conjunto de rituais obsessivos baseados na crença (iludida) 
na existência desse Pai, a quem devemos agradar em troca de sua proteção e para 
quem devemos implorar que nos livre da culpa que sentimos por termos os instintos 
que temos.
Em seu livro “Totem e tabu”, Freud cria uma teoria sob forte influência darwinista 
onde ele postula ter sido o homem, tempos atrás, semelhante ao animal, vivendo 
numa espécia de “estado de natureza” pré-civilizatório. Nessa época, os homens se 
juntavam em pequenos grupos para terem mais chances de protegerem seus 
interesses. Acontece que esses grupos eram provavelmente comandados pelos 
machos mais fortes, que subjugavam os demais a ponto de, num dado momento, os 
outros se juntarem e o matarem. E assim é com todo macho que assume a 
liderança.
30
Na dinâmica de assassinarem o líder, os subjugados permanecem, até que entrem 
num acordo, fundando a “instituição totêmica”. Ao totem da tribo se devia respeito 
pois ele os mantinha unidos. Um animal geralmente simbolizava o ancestral daquela 
tribo e era proibido comer de sua carne, exceto num ritual feito de tempos em 
tempos. Tal rito objetivava lembrar a todos do assassinato do Pai, o ancestral mais 
antigo da tribo. 
Num misto de êxito por matarem o Pai opressor e culpa por assassinar aquele que 
também era o provedor, o rito se dá e o respeito ao ancestral continua na forma de 
condutas que visam respeitar as regras que teriam sido estabelecidas por ele. A 
religião participa dessa dinâmica e agora, em vez de um animal totêmico, temos um 
Deus Pai e comemos a carne de seu Filho (que também é o Pai) no ritual cristão que 
relembra a Santa Ceia.
A principal crítica que se faz a Freud diz respeito à sua fundamentação. Ele constrói 
uma antropologia extremamente negativa criando conceitos sobre a mente humana 
que dificilmente são refutados, justamente por não apresentarem nenhuma 
evidência objetiva, a despeito de todos os seus esforços nesse sentido. A teoria 
freudiana parece estar, consequentemente, cheia de axiomas e, por que não dizer, 
dogmas, se mostrando tão inverificável e injustificável racionalmente quanto a 
religião que ele tanto critica.
Ao mesmo tempo que Freud acusa o homem de não ser racional, afirmando, porém, 
que sua conduta está sempre embasada em fortes conteúdos emocionais, ele 
postula a objetividade e cientificidade de sua teoria. Não consegue reconhecer, 
portanto, que assim como qualquer outra teoria a respeito do homem (e das coisas, 
por que não?), a sua também contém uma auto-confissão das questões que se 
abriram para ele mesmo, inclusive sob o ponto de vista emocional.
Essa é a “metafísica” do pensamento freudiano que seu autor jamais foi capaz de 
reconhecer. Resta a pergunta sobre se de fato toda a teoria freudiana constitui um 
avanço na compreensão do homem ou se é uma “patologização” de uma condição 
31
humana perfeitamente saudável, apesar de complexa. A resposta de Rubem Alves, 
veremos mais adiante.
Sobre Freud e sua teoria, escreve Emil Ludwig (apud PALMER, op. cit., p. 22):
Milhares de pessoas saudáveis são declaradas doentes porque um 
homem estava doente e acreditava que os sintomas desagradáveis 
advindos de sua infância eram comuns a todos. O mundo é 
sexualizado, toda motivação é pervertida na fonte, porque uma 
natureza obstinada conseguiu impor suas visões patológicas a 
pessoas feitas de uma matéria menos resistente.
32
5. Antropologia Filosófica em Rubem Alves
Entendemos como “antropologia filosófica” uma ontologia do humano, ou seja, um 
falar sobre o homem enquanto determinação de sua essência, daquilo que ele é, de 
todas as suas possibilidades e como ele acontece no mundo. Dessa forma, vemos 
que o pensamento de Rubem Alves só faz sentido – como não poderia deixar de ser 
– a partir do momento que deixamos bem clara sua idéia de humanidade e de todas 
as forças em jogo na existência do homem. Veremos também que essa idéia é 
absolutamente influenciada pelos teóricos que vimos até aqui.
Duas palavras chaves na concepção alvesiana são alienação e desejo. O homem é 
um ser alienado e desejante. Mas o que Alves quer dizer com alienação?
Em sua obra “O suspiro dos oprimidos” (2006, p. 31-36) ele chama a atenção para 
três tipos de alienações: a primeira, a político-social. Cada indivíduo tem seus 
próprios interesses no mundo, tem desejos que gostaria de ver realizados, “oriundos 
de suas estruturas biológicas e psicológicas”. 
Entretanto, muitos desses desejos podem ir de encontro ao bem viver em 
sociedade, quer dizer, os interesses particulares podem não estar em consonância 
com as necessidades do coletivo, do social. Então, no surgimento da sociedade, os 
indivíduos tiveram que abrir mão de seus desejos individuais para apostar numa vida 
em sociedade, colocando as necessidades do coletivo acima das suas próprias. 
Assim, encontra-se a “ordem social”.
Mas Rubem assinala que, mascarado por trás do véu de igualdade social de direitos, 
está uma situação de desequilíbrio muito grande, porque, assim como foi mostrado 
por Marx e mesmo por Hegel antes dele, há uma luta de classes onde os mais fortes 
dominam os mais fracos. Vejamos:
Essa visão da ordem social sofre uma transformação profunda 
quando se toma consciência do fato de que o contrato social não se 
estabelece por iguais: ele é imposto pelos fortes sobre os fracos. Se 
33
este é o caso somos então forçados a concluir que, ainda que seja 
verdade, toda ordem social exige certo grau de alienação; a 
alienação, na sua presente forma histórica não é ontologicamente 
necessária e poderá ser abolida se se processar uma inversão na 
distribuição de forças que mantém a sociedade sob sua organização 
atual. (op. cit., p. 32)
É aqui que o marxismo entra na teoria de R. Alves. Ele seria a proposta de 
superação dessa alienação do cidadão na sociedade capitalista. Como a discussão 
aqui não é político-social, mas religiosa, continuemos.
A segunda forma de alienação é a “epistemológica”. É quando o pensamento e as 
percepções do sujeito não estão em consonância com os dados do real, com a 
realidade objetiva. Tal estado alienado seria a expressão de “estados emocionais 
individuais e coletivos” que contribuiriam para distanciar o sujeito do conhecimento 
objetivo do mundo. Mal esse a ser superadopela Ciência, com sua objetividade 
metodológica – a principal aposta de Freud. Reconhecemos como alienação 
epistemológica o que Marx chama de “ideologia” e também o que Freud chama de 
“neurose”.
Por fim, o terceiro sentido de alienação é o “psicológico” ou “existencialista”. É o 
fenômeno que se dá quando o sujeito, na tentativa de fugir de um mundo que lhe é 
hostil e ameaçador, se tranca em sua própria subjetividade. A identidade da pessoa 
é, então, reprimida ou suprimida por uma disciplina de ajustamento a essa realidade 
exterior. Diz Rubem Alves:
Alienação significa, aqui, o caráter ameaçador da realidade externa, 
tanto de indivíduos quanto de estruturas; significa o movimento de 
recolhimento subjetivo; significa a artificialidade das regras de 
operação efetiva pelas quais nos comportamos socialmente. 
Significa, em última análise, o esfacelamento e a fragmentação da 
experiência humana, dividida entre uma identidade reprimida e uma 
funcionalidade imposta. (op. cit., p. 33)
Rubem Alves aponta, a partir disso, dois principais pensamentos contrários à 
religião, ao sugerirem que ela é alienação. O primeiro é o que afirma ser a religião 
“falsa consciência”, ou seja, a partir do segundo conceito de alienação, temos a 
34
religião como ideologia ou neurose, um conhecimento que nada mais é que uma 
quimera, uma ilusão infantil a ser superada pelo conhecimento científico, que 
corresponde ao real e é, portanto, legítimo.
O segundo pensamento contrapõe uma pretensa criticidade científica com o 
conservadorismo religioso. A religião é dogmática e rígida, não suportando o 
questionamento de suas verdades metafísicas; enquanto que a ciência é a 
ferramenta que abre os olhos dos alienados, fazendo-os enxergar a verdadeira 
verdade.
Ora, essa concepção de religião, vem nos dizer Rubem Alves, não encerra toda a 
verdade a respeito do fenômeno religioso. Mesmo enquanto alienação, ele pode – e 
deve – ser interpretado positivamente como uma forma de lutar, de não aceitar o real 
como ele se apresenta, mas de imaginar um mundo novo, onde a opressão não 
exista e o homem possa viver em paz.
Considerada sob este prisma, a consciência religiosa contém 
sempre, ainda que de forma reprimida e inconsciente, um projeto de 
natureza política. A consciência que suspira em decorrência da 
opressão e que protesta contra o sofrimento, se projeta idealmente 
para a superação de tais condições. Não importa se os símbolos de 
que a consciência religiosa lança mão não sejam “cópias 
verdadeiras” do real. Na verdade, perguntaria a consciência religiosa, 
se as nossas representações se limitarem a descrever o dado, não 
estaremos condenados a uma postura conservadora e de 
ajustamento? (...) Ao contrário, se estamos em conflito com o real e 
projetamos a sua transformação, não é necessário que criemos 
símbolos de sua própria superação, símbolos estes que, por se 
referirem a um futuro inexistente e proibido pelo presente, só são 
sustentados pelo desejo e a imaginação – símbolos que têm de ter 
um caráter religioso, portanto? Considerada sob tal ponto de vista, a 
alienação é o pressuposto da crítica e da transformação. (ALVES, 
2006, p. 34)
Por outro lado, pensar a ciência como a grande libertadora também não parece ser 
completamente correto. Por trás da “ideologia de objetividade e de neutralidade”, ela 
tem se mostrado mais um instrumento de dominação, quando seu desenvolvimento 
é sustentado por questões econômicas e políticas, favorecendo a minoria opressora, 
minando qualquer potencial “revolucionário” que a ciência possa ter.
35
Então, Rubem Alves se pergunta, como superar a alienação? Ora, se tomarmos 
como alienação o conceito feuerbachiano, a saída é simplesmente introjetar 
novamente a projeção da essência que se encontra fora do homem. É meramente 
uma questão lógica, um salto de consciência, uma alteração de postura mental, 
psicológica.
Se tomarmos como ponto de partida a compreensão marxista, porém, a solução 
pode ser um tanto diferente, porque, para Marx, as causas da alienação são 
independentes, objetivas, fazem parte da “entidade” na qual se transformou o 
sistema econômico. Ela é simplesmente uma situação que se impõe ao homem. 
Rubem Alves tenta duas saídas para a superação dessa alienação, as duas 
representando as principais vertentes epistemológica da Filosofia: uma solução 
lógica e outra empírica.
A solução lógica não se mostra eficaz. Ele diz:
A dedução lógica (...) só é legítima quando a conclusão já se 
encontra presente nas premissas. Aqui não se permite a introdução 
de nenhum salto qualitativo no real. Procedimentos lógicos só são 
válidos sobre o pressuposto da unidade e continuidade do real. Mas 
a abolição da alienação é um destes saltos qualitativos. A via lógica 
está, assim, bloqueada. (ALVES, 2006, p. 63)
E quanto à solução empírica? Também não se revela útil, vejamos:
À parte da experiência nenhuma conclusão pode ser deduzida. Mas 
a abolição da alienação não é um dado da experiência. Ela ainda não 
ocorreu. Trata-se de um ideal, de uma esperança. Como, portanto, 
falar dela empiricamente? A via empírica está igualmente bloqueada. 
(id, ibid, p. 63)
Então, só resta uma saída. Aquela com a qual tentamos prever fatos do futuro, com 
base na nossa experiência do passado, explicada por David Hume. Aqui, Rubem 
Alves denuncia, na teoria de Marx, a presença do elemento “fé”. A crença na 
superação do passado (e do presente) pelo futuro. Alves termina sua análise 
dizendo:
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Parece-me, na verdade, que a explicação mais simples para o poder 
histórico do Marxismo não se encontra no rigor de suas análises 
científicas mas no seu poder para catalisar e exprimir o desejo 
daqueles que sofrem sob as condições de alienação e, portanto, 
sonham com sua abolição. (id, ibid, p. 64)
Vemos então que, para Rubem Alves, o homem é também um ser de desejo. O 
desejo é um fator determinante na vida humana. Mas, onde se localiza o desejo na 
religião?
Rubem Alves atribui ao desejo o lugar da diferença entre os homens e os animais. 
Nesse ponto aproxima-se de Freud. E também aproxima-se de Feuerbach, ao situar, 
na religião, um dos lugares mais próprios para a manifestação dos desejos 
humanos.
Segundo o ponto de vista freudiano compartilhado por Alves, o desejo humano 
nasce da percepção de uma falta. Ao homem há sempre um “algo” que falta e que 
lhe gera um desejo que não é outro senão o de, de alguma maneira, suprir essa 
falta, satisfazer esse desejo. 
Ora, aos animais, nada falta. Ou, melhor dizendo, não há para os animais 
consciência de falta. Por conta disso não há, para eles, tentativa alguma de buscar 
ser algo além do que aquilo que já lhes é dado desde o princípio, a saber, sua 
biologia, sua genética. Percebemos sua programação genética como reunindo todas 
as características e comportamentos que irão desenvolver no futuro. Rubem nos diz:
O animal é seu corpo. Sua programação biológica é completa, 
fechada, perfeita. Não há problemas não respondidos. E, por isso 
mesmo, ele não possui qualquer brecha para que alguma coisa nova 
seja inventada. (ALVES, 1999, p. 18)
Estruturalmente, a ontologia animal é fechada. Dada a espécie, já sabemos como se 
comportará em cada fase de sua vida. Com os seres humanos, é tudo bem 
diferente. Podemos dizer que o homem é “ontologicamente aberto”. Não está 
fechado em uma programação biológica que ditar-lhe-á seu comportamento ou suas 
realizações ao longo de sua existência material. Assim como Feuerbach, Rubem 
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Alves percebe que o animal vive apenas em um mundo: o mundo natural, sua 
natureza, aquilo que é biologicamente programado parafazer.
Ao passo que o homem vive em dois mundos: aquele que se lhe apresenta de fora – 
também o mundo da natureza, de forma semelhante aos animais – mas, além deste, 
vive num outro, que é seu mundo interno, com “a maldição da neurose e o terror da 
angústia”, derivados de uma abertura ontológica que, ao mesmo tempo que permite 
ao homem não ser aquilo que lhe é ditado pela natureza, da mesma forma lhe atribui 
a responsabilidade da escolha de qual caminho traçar, em busca de criar ou 
construir sua própria essência, seu próprio ontos.
O fato é que os homens se recusaram a ser aquilo que, à 
semelhança dos animais, o passado lhes propunha. Tornaram-se 
inventores de mundos. E plantaram jardim, fizeram choupanas, casas 
e palácios, construíram tambores, flautas e harpas, fizeram poemas, 
transformaram seus corpos, cobrindo-os de tintas, metais, marcas e 
tecidos, inventaram bandeiras, construíram altares, enterraram seus 
mortos e os prepararam para viajar e, na sua ausência, entoaram 
lamentos pelos dias e pelas noites. (ALVES, op. cit., p. 19)
Esse é um jeito poético – como lhe é sempre de costume – de Rubem Alves nos 
dizer que, ao escolher caminhos diferentes, os homens criam mundos diferentes, na 
tentativa de satisfazer seu desejo, de suprir sua falta. Afinal, só se deseja aquilo de 
que se sente falta e só se sente saudades daquilo que não está presente.
A solução alvesiana, entretanto, para o problema do desejo, a saber, o fato de que 
ele encontra uma realidade que lhe é hostil e que se mostra proibitiva à sua 
realização, é a expressão desse desejo de formas simbólicas, em discursos que 
contém sua própria “chave de interpretação”, ou seja, seu códigos participam de um 
jogo de linguagem fechado, ao qual não adianta se impor uma determinada 
interpretação que esteja fora dos significantes que o jogo em questão elabora.
Ora, Freud sugere que o sujeito que não se encontra “ajustado” ao real está doente. 
Vimos como denúncia marxista que a realidade está doente, já que vivemos um 
período em que o mundo se encontra estruturado sobre uma dinâmica em que a 
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maioria da população é oprimida por uma minoria e se ajustar a isso seria aceitar a 
opressão. Temos, portanto, um paradoxo. Tais questões passam despercebidas por 
Freud, mas não por Rubem Alves, que, além de tematizá-las, propõe uma nova 
leitura à religião, com o objetivo de resgatar sua função política.
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6. Rubem Alves – Religião e Imaginação
Para Rubem Alves, a religião nasce sempre de uma experiência mística originária, 
vivida por alguém que posteriormente se dedicou a transmitir a outras pessoas os 
caminhos que poderiam levá-las à mesma experiência. Mas que seria ela? Que tipo 
de sentimentos proporcionaria? Quais verdades revelaria? 
Ao nos depararmos com relatos daqueles que evidentemente a alcançaram, 
ouvimos (e lemos) falar em “encontro com a totalidade” e total identificação com o 
outro, a ponto de chamá-lo de “irmão” e amá-lo como a nós mesmos, num 
sentimento de pertença a uma realidade comum que, longe de ser fragmentada, 
como a consciência “profana” parece sugerir, é una e única, com todos fazendo 
parte dela, mesmo sem perceber.
O que acontece depois desse primeiro momento de vivência dessa experiência 
sagrada, divina – sim-bólica por excelência – é a fatídica tentativa de transmití-la. A 
única forma de transmissão de conhecimento que nós, seres humanos ocidentais, 
conhecemos é a razão expressa através da linguagem. E a palavra, uma vez 
arremessada para fora do corpo (seja através da fala ou da escrita), perde seus 
contornos subjetivos, aquelas nuances furta-cor que se nos apresentam sempre de 
forma a sugerir que jamais se encerrariam em si mesmas, mas que estariam sempre 
dispostas a conter algo de uma possibilidade de ser mais do que são – ou do que 
foram até então.
As palavras que são atiradas no mundo sofrem o processo do “desencantamento” e 
passam a ser cruas, frias, objetivas e duras, como barras de ferro; inflexíveis e 
inalteráveis. Ora, se essas palavras deveriam expressar aquilo que se sabia com 
verdade a partir de uma experiência legítima, natural e necessária às possibilidades 
humanas, então tais palavras são a expressão máxima daquela verdade, devendo, 
portanto, serem seguidas à risca. Aqui começam todos os problemas que tocam a 
religião e que enchem de motivos as críticas que a nossa época (séculos XIX e XX, 
especialmente) lhe dirigiu.
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Tais críticas, representadas no presente trabalho pelos pensamentos de Ludwig 
Feuerbach, Karl Marx e Sigmund Freud, acusam a religião de ser uma ilusão, uma 
mentira, pois não encontra correspondência com a realidade. Pior que isso: 
especificamente no caso de Marx e Freud, a religião é colocada como uma doença, 
uma ilusão perniciosa da qual a humanidade não só deveria se livrar, como 
certamente se livrará assim que atingir maturidade para tanto.
O que separa aquela experiência direta de uma realidade sagrada, divina, distinta da 
realidade comum e profana, dessa “ilusão”, dessa “doença” que não tem razão de 
ser na vida do homem? Para Rubem Alves, o que provoca essa separação são os 
dogmas. Dogmas formados por aquelas palavras “barras de ferro”.
Ora, é justamente de barras de ferro que é feita uma gaiola e essa é justamente a 
metáfora da qual Rubem Alves lança mão para nos mostrar o que é essa prisão em 
que nós mesmos nos colocamos e qual é o caminho para que possamos nos libertar 
dela. Ele diz:
As religiões são instituições que pretendem haver colocado numa 
gaiola o pássaro encantado. E não percebem que o pássaro que têm 
nas suas gaiolas de palavras é um pássaro empalhado. (...) E 
proclamam que o pássaro só pode ser encontrado dentro das suas 
gaiolas. Religiões: uma enorme feira onde se vendem pássaros 
engaiolados de todos os tipos. (ALVES, 2005, p. 10)
O “pássaro encantado” de Alves é a Verdade. E é por isto que o pássaro está 
empalhado: a Verdade não está nos dogmas porque o caminho que ela trilha até 
chegar neles é desencantador, é desmistificante, mata a própria experiência. As 
palavras são expressão da razão humana e, apesar de inúmeros esforços na 
tentativa de representar dimensões “não racionais” do humano através delas, ainda 
assim a tradição ocidental nos orienta pela crença de que a Verdade só o pode ser 
quando transmitida racionalmente. Caso contrário, não passa de uma expressão da 
subjetividade e não pode – e nem deve – valer para outras pessoas. Rubem expõe:
Nossa tradição filosófica fez seus mais sérios esforços para 
demonstrar que o homem é um ser racional, ser de pensamento. Mas 
41
as produções culturais que saem de suas mãos sugerem, ao 
contrário, que o homem é um ser de desejo. (ALVES, 1999, p. 21)
Sobre o fato de o homem ser um “ser de desejo” já tratamos no capítulo anterior. O 
importante aqui é observar que, não obstante estarem vazios de seus conteúdos 
originários, os dogmas chegam até as pessoas e elas, a partir de sua abertura e 
possibilidade de escolha, escolhem ouvir, seguir, obedecer a eles, muitas vezes de 
forma cega e fundamentalista. 
A tentativa de suprir a falta encontra salvação quando alguém que se diz não-
faltante – no caso, o sacerdote – por ter encontrado o conforto da unidade com a 
totalidade (chamada de Deus), oferece o caminho para que se encontre, cada um 
em sua própria vida, a mesma unidade. As pessoas se apegam a esse caminho pelo 
medo da danação eterna e acreditam veementemente nele; qualquer que seja 
aquele que venha para colocar em xeque aquelas verdades deve ser encarado 
como herege, pecador, e deve ser combatido com todas as forças.
A danação eterna nem sempre é um inferno metafísico para onde as pessoas más 
vão quando morrem, mas tambémse apresenta como a possibilidade de enxergar a 
realidade como “sempre inacabada, sempre em mutação, sempre perturbadora, 
sempre questionadora”. (ALVES, 1988, p. 12) 
E dessa forma, a imposição de dogmas encontra ressonância na alma de uma 
grande parcela da humanidade, que se sente aterrorizada pelo simples pensamento 
de viver num estado de incerteza, numa realidade que se dá a cada momento de 
uma forma diferente, que exige um cuidado constante e um igualmente constante 
esforço de construção, de um fazer que se dá sempre mais uma vez, numa 
realidade eternamente incompleta. 
Para essas pessoas, a forma dogmática de religião nada mais é do que um alívio, 
um porto seguro, cheio de certezas e verdades às quais se apegar para se estar 
então numa situação confortável, distante da angústia trazida pelo caos.
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Por isso é necessário atribuir um caráter último aos dogmas, às crenças, a essas 
verdades aprisionantes – esta, a definição alvesiana de “fundamentalismo”. Uma vez 
que haja qualquer coisa que abale a veracidade dessas fórmulas, a consequente 
volta àquele estado de caos é uma possibilidade, cuja proximidade provoca pânico, 
terror e angústia. A partir daí, a religião passa de experiência mística a instrumento 
de dominação das massas por uma minoria eclesial. O nome de Deus ganha força 
na alma das pessoas, servindo muito bem a propósitos escusos, como expõe 
Rubem:
Deus se tornou uma arma ideológica para a preservação do poder, 
para justificar as coisas, tais como elas eram, para executar os 
dissidentes. Assim, de forma concreta, a palavra Deus ficou 
repentinamente sem sentido. Ou melhor: esvaziou-se, dentro do 
contexto institucional e teológico tradicional. (ALVES, op. cit., p. 16)
É a morte de Deus, tão propagada pela crítica à modernidade. Que esperança 
podemos ver, entretanto, num mundo sem Deus? Aqui entendamos Deus em seu 
aspecto teleológico, como Senhor de um mundo melhor do que este. Um sentido 
que se mostra aquele mais nobre no qual pode um homem depositar suas súplicas: 
o sentido do Amor. 
Amor como condição básica para uma existência humana em que, através Dele, 
haja uma identificação dos humanos uns para com os outros na construção de um 
mundo comum, em cooperação, com todos os direitos básicos assegurados. 
Atribuindo-se, ao invés disso, o sentido da vida humana à técnica, à burocracia, à 
política ou à economia, à produção e ao consumo, que tipo de mundo poderemos 
esperar?
Assim, aqueles que um dia viram seus deuses morrer, (...) 
descobriram repentinamente que a menos que eles fossem capazes 
de dar à luz novos deuses, só lhes restava a loucura. Mesmo 
Nietzsche, que proclamou a morte de Deus, sentiu que um universo 
em que Deus morreu é frio e escuro. (ALVES, op. cit., p. 18)
Enfrentamos a questão de vivermos a partir de paradigmas que essencialmente 
fundam a nossa realidade. A essência da realidade que vivemos nada mais é que os 
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paradigmas que a determinam. São verdades que aceitamos antes mesmo de 
qualquer questionamento, ou poderíamos dizer que, mesmo para questionar, 
necessitamos já estar pisando sobre um chão ladrilhado de verdades. Entretanto, 
exatamente por serem a priori da nossa realidade, não conseguimos perceber esses 
paradigmas; por serem requisito de todo questionamento, não conseguimos 
questioná-los.
Como diz Rubem Alves, eles são “como os nossos olhos: vemos através deles, mas 
não os vemos” (op. cit., p. 22). É por isso que eles nos “enfeitiçam”: nós não temos 
escolha a não ser olhar o mundo da forma como eles determinam. Tal forma de 
modo algum poderia tomar ares de coisa-em-si. Mas, de que outra coisa podemos 
falar, se esta é a única que estamos aptos a conhecer? Nos rendemos, então.
E nos rendemos a quem, afinal? Ora, atualmente a ciência e a técnica ditam os 
paradigmas, a ponto de podermos dizer que vivemos uma sociedade “tecnocrática”, 
ou seja, governada pela técnica. Um dos principais paradigmas científicos que 
determinam o nosso tempo diz respeito à nossa forma de conhecer. A ciência aposta 
numa realidade objetiva que não se submete aos desejos humanos, mas afirma que, 
a despeito deles, ela vai seguir seu curso histórico.
Assim, o conhecimento a respeito dessa realidade (que outro conhecimento poderia 
existir?) se dá pela capacidade de reproduzir, de duplicar aquilo que é dado. E, para 
que esse conhecimento obtenha qualquer validade (uma espécie de selo invisível 
com o qual a sociedade presenteia determinados pensamentos), ele precisa ser 
verificado. Verificação essa que nada mais é que uma comparação com aquilo que é 
real (objetivo). Se o pensamento e o real forem idênticos, tem-se aí uma verdade.
A partir disso, temos algumas conseqüências profundas em nossa organização 
social. Por exemplo: daí podemos inferir que o sujeito que não esteja apto a 
reproduzir o real, a reduplicar os dados empíricos da realidade objetiva, não é um 
sujeito normal. Vem Freud nos dizer que esse sujeito apresenta uma patologia; é um 
enfermo. 
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Rubem Alves sintetiza: “ao ideal científico de objetividade, no nível epistemológico, 
corresponde um padrão psicossocial de normalidade em termos de ajustamento” 
(op. cit., p. 23).
Logo, todas as pessoas normais e saudáveis são aquelas que correspondem àquilo 
que lhes é apresentado pelo real. Aqui encontramos outra consequência desse 
paradigma: a história do homem prescinde do próprio homem. Não há uma conexão 
entre os processos sociais e históricos e a vivência subjetiva do ser humano, a não 
ser na forma de uma determinação deste por aquele, e nunca o contrário.
Em última análise, o homem não é um fator. Ele não faz história. Sua 
ação não brota da sua liberdade, mas antes dos determinismos 
concretos que o cercam. (...) [Consequentemente] a imaginação não 
faz história. (1988, p. 24)
É a história, os contextos sociais, que fazem do homem o que ele é, que o 
determinam. Eles são as causas do comportamento humano. Já Rubem Alves 
observa que os conteúdos da consciência são a causa dos processos sociais, nunca 
seu efeito. Assim, a imaginação faz história.
Para ele, religião é imaginação e vice-versa, ou seja, a imaginação para o homem 
tem sempre uma dimensão religiosa. Se a desconsideramos, temos que assumir a 
metafísica científica, que nos diz que conhecimento é adequação e que a verdadeira 
consciência é aquela que reproduz o real. Entretanto, “o ambiente nunca é 
percebido como algo neutro” (op. cit., p. 25) porque um imperativo que se mostra ao 
homem, sempre e a todo momento, é o da sobrevivência.
Porque quer viver, o homem se emociona, se irrita, se comove, se assusta, sente 
medo, amor, esperança, frustração. Da mesma forma que o mundo promete vida e 
prazer, também apresenta morte e dor. A vida é recheada de emoções as mais 
diversas porque o homem se encontra no mundo em meio à batalha pela própria 
sobrevivência. A consciência, para Rubem Alves, longe de estar próxima a uma 
razão pura, é uma “função do corpo”.
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Essa foi uma grande “descoberta” de Freud, a saber, que a vida do homem não é 
racional. E que até mesmo os sonhos têm um significado, e não são apenas 
manifestações sem sentido da psique. E se o sonho para Freud é um conteúdo 
simbólico inconsciente, Rubem concorda que a religião seja um sonho coletivo da 
humanidade. Não uma neurose no sentido patológico, mas a expressão da 
esperança humana de que o desejo pela vida se realize no mundo, mesmo que esse 
mundo não dê mostras de que essa realização seja possível.
Toda a teoria de Rubem Alves indica que, para que haja uma pesquisa séria no 
campo da religião, é necessário que ela seja compreendida, não mais a partir 
apenas de suas características

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