Buscar

Aprendizagem Humana e Suas dificuldades -

Prévia do material em texto

2 
 
 
 
EVARISTO V. FERNANDES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
APRENDIZAGEM HUMANA 
 
E 
 
SUAS DIFICULDADES 
 
 
( CÉREBRO, EMOÇÃO, MENTE E ACÇÃO ) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 3 
 
ÍNDICE 
 
 
 
 
CAPÍTULO I – O HOMEM E SEUS PROCESSOS CEREBRAIS .............................. 4 
 
I - Dinamismos neuro-cerebrais do organismo humano na criação da mente ..........11 
II – Cérebro e mente em recíprocas interacções e dinâmicas ..................................17 
 
CAPÍTULO II – FUNÇÃO DO CÉREBRO E SUAS INTERFUNCIONALIDADES 
CEREBRAIS 
....................................................................................................................................27 
 
I – Dinamismos neurocerebrais nos processos de interacção com os meios ...........35 
II – Mente individual e consciência pessoal nos processos bio-neuro-psíquicos ......41 
 
CAPÍTULO III – NATUREZA E MECANISMOS DOS ESTADOS MENTAIS E DOS 
FENÓMENOS PSÍQUICOS ......................................................................................54 
 
I – Dinamismos dos processos sensório-perceptivos dos estados mentais .............61 
II – Endo-exogenias dos mecanismos processuais do cérebro humano ..................76 
 
CAPÍTULO IV – ACÇÕES E INTERACÇÕES NEURO-SÓCIO-PSÍQUICAS NOS 
PROCESSOS DE APRENDIZAGEM ........................................................................92 
 
I – Interacções dos sistemas e dos não sistemas neuro-cerebrais .........................101 
II – Causas e processos deficitários do aparelho neuro-cerebral ...........................112 
 
CAPÍTULO V – MODALIDADES CAUSAIS DAS DISFUNÇÕES DO CÉREBRO 
HUMANO .................................................................................................................123 
 
I – Trissomia vinte e um ou Mongoloidismo ............................................................135 
II – Disfunções nos processos neurocerebrais ........................................................150 
III – Deficiências e níveis processuais das deficiências ..........................................163 
 
CAPÍTULO VI – O EMOCIONAL NAS EMERGÊNCIAS PROCESSUAIS DAS 
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ..................................................................180 
 
I – Acções e inacções dos sistemas neuro-sócio-psíquicos nos processos das 
dificuldades de aprendizagem .................................................................................190 
II – Dos dinamismos dos sistemas neuro-psíquicos aos sócio-cognitivos ..............199 
III – Fenómenos afectivos-emocionais em suas interacções com o dinamismo das 
estruturas neuropsíquicas .......................................................................................204 
IV – Dinamismos afectivo-emocionais nos processos de aprendizagem ...............212 
V – Interactividades psicoemocionais da aprendizagem ........................................218 
 
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................232 
 
 4 
 
 
CAPÍTULO I 
 
 
O HOMEM E SEUS PROCESSOS CEREBRAIS 
 
 
Sendo o ser humano uma concreta e indissociável realidade bio-neuro-
sociopsicológica esta constitui um sistema que existe e age dentro de sistemas 
sociais, culturais, económicos, familiares e políticos mais ou menos organizados, 
certos ou incertos, estáveis e instáveis, transitórios ou duradouros. É, por isso, um 
ser de acção sujeito a miríades de acções dos sistemas envolventes e, por tal facto, 
é, simultaneamente, filho e progenitor de tais sistemas. A sua dimensão de filho 
transforma-o em sujeito que busca uma crescente expansão, realização e poder, e, 
a de progenitor um certo antagonismo. No seio de tal teia ele procura as suas vias 
de desenvolvimento natural, o fervilhar da própria vida e a concretização das suas 
intencionalidades. 
As potencialidades de concretização de um tal pré-projecto existencial 
emergem de sua própria dinâmica biológica em interacção mútua e recíproca com a 
própria realidade envolvente. 0 biológico do indivíduo ou o seu corpo é uma máquina 
com mais de 30 biliões de células constituídas por combinações de hidrogénio, de 
carbono, de oxigénio e de azoto no todo de um aparelho neuronal ou cérebro que 
faz com que o indivíduo pense, fale, relacione, escreva, leia, etc.. 
O cérebro ou encéfalo, constituído por massa nervosa contida na caixa 
craniana, massa que é composta por células nervosas ou neurónios, interage 
unitariamente com todo o corpo e é dos resultados de tais interacções que o cérebro 
constitui seus quadros de referencias, os seus parâmetros de vivências e seus 
esquemas de acções. Isto demostra que cérebro e organismo constituem uma 
unidade indissociável com interacções mútuas e recíprocas , e que é o indivíduo, no 
seu todo, que interage com os meios e os ambientes e que, se para estes se 
projectam mensagens também deles se recebem informações. Isto porque o 
aparelho cerebral contém, em si mesmo, um imenso potencial concentrado nos 
principais receptores sensoriais, e é graças aos investimentos vindos do exterior que 
um tal potencial se desenvolve, expande, enriquece e orienta no sentido de 
encontrar a sua individualidade, a sua subjectividade e funcionalidade. 
É que o aparelho cerebral, constituído por milhões de neurónios e por 
hipercomplexas conexões, quais indiscritíveis arborescências, age e interage, 
organiza-se e reorganiza-se em função da sua própria natureza, dinâmica e 
exigências ou solicitações dos meios, processo este que gera no indivíduo o seu 
aparelho genofenoménico, ou seja, a capacidade para organizar as suas relações 
com o exterior, gerando ou regenerando informação, recebendo estímulos e 
mensagens e desenvolvendo-se acentuadamente até se tornar um aparelho 
neurocerebral que comportará mais de 30 biliões de neurónios e transformar-se-á no 
órgão central de comando do organismo bem como de controlo das actividades 
deste. 
Este enorme potencial do aparelho neurocerebral do indivíduo possui 
indiscritíveis potenciais de habilidades, de estímulos e de motivações, de acções e 
de envolvimentos, de estratégias e de planificações, de ideias e raciocínios, de 
retenções e concentrações. Porém, o desenvolvimento de um tal potencial do 
aparelho neurocerebral é resultado de múltiplos e complexos processos de 
 5 
desenvolvimento da história da espécie humana, processos que geraram, num tal 
aparelho, potenciais de flexibilidade e de adaptabilidade, de eficiência e de eficácia, 
de organização e reorganização, de estratégias de planificação, de concretização, 
expansão e contenção. 
No entanto, o processo de desenvolvimento do cérebro humano é fruto de 
milhões de anos de evolução, a qual, construída pela interactiva sincronia da dupla: 
gènes-experiência, sucessivamente, efectua remodelações das redes neuronais sob 
influência da acção da programação genética em interacção com os estímulos ou 
solicitações dos meios. E isto apesar de todo o cérebro humano, no desenvolvimen-
to do seu período fetal, passar pelo menos pelas seguintes etapas: 
- Indução da placa neuronal. 
- Proliferação localizada das células nas diferentes regiões. 
- Diferenciação dos neurónios imaturos. 
- Estabelecimento das conexões com outros neurónios. 
- Morte selectiva das células. 
- Eliminação de certas conexões estabelecidas inicialmente e estabiliza-
ção de outras. 
Segundo Edelman (1988,1991) o cérebro humano, já durante a fase de seu 
desenvolvimento embrionário, possui elevadíssimas cotas de desenvolvimentos 
individuais, as quais interdependem não só das características morfológicas gerais 
da anatomia do cérebro, mas são, também, da origem rigidamente genética, 
comuns à espécie e dizem respeito às densas arborescências das dendrites e dos 
axónios das células cerebrais. 
Uma tal diferenciação, que faz com que todo o cérebro se torne diferente 
um do outro, já em sua fase fetal, é resultado de processos epigenéticos que não 
são submetidos estritamenteao controlo genético e que regulam acentuadamente a 
actividade, o desenvolvimento, a divisão, a emigração ou a morte das células 
cerebrais. Uma tal individual revelação epigenética, orientadora da morfogènese do 
sistema neuronal, interdepende, sobretudo, da acção de dois grupos de moléculas 
morforeguladoras que agem a nível da membrana celular: as moléculas do primeiro 
grupo favorecem os processos de adesão das células entre elas e as moléculas do 
segundo grupo favorecem a adesão das células ao tecido conectivo, o que constitui 
o substracto de adesão das moléculas, constituindo-se, assim, a existência de 
grupos neuronais, os quais representam a unidade da selecção durante o percurso 
do desenvolvimento e do funcionamento do sistema nervoso central, pois os grupos 
neuronais diferenciam-se através da forma e dimensão da sua anatomia, pelo tipo 
de desenvolvimento, pelas características das suas sinapses, pela natureza dos 
inputs e segregam outros grupos de neurónios ou modificam-os desde que se 
mudem as condições dos estímulos e das motivações, dos meios ou dos ambientes. 
Ora, sendo a natureza do aparelho neurocerebral do indivíduo resultado de 
uma progressiva e constante evolução da espécie humana, sem rupturas nem 
saltos, e, quando muito, resultado de variedades, as quais diferenciam-se por 
divergências e por isolamentos ou pelo acumular de pequenas modificações 
sucessivas sofridas no decurso de seus processos de adaptação. 
O cérebro do adulto, com aproximadamente 1450 g de massa , células e 
neurónios, cresceu, ao longo de milhares de anos, debaixo para cima, tendo os seus 
centros mais superiores desenvolvido como elaborações das partes inferiores, sendo 
as mais antigas ou mais primitivas partilhadas com todas as espécies animais como 
sejam, por exemplo, o tronco cerebral, o qual rodeia o topo da espinal medula. 
É o tronco cerebral que regula as funções básicas da vida como, por 
 6 
exemplo, o respirar, o metabolismo, as reacções e os movimentos estereotipados, 
mantém o corpo a funcionar como deve e a reagir de maneira que garanta a sua 
própria sobrevivência. É um cérebro que não pensa, mas foi a partir deste que 
emergiu o cérebro emocional, o qual, por sua vez, originou o neocórtex ou o cérebro 
pensante. 
Estas e as restantes instâncias, áreas, regiões ou localizações do cérebro 
humano são constituídas por células nervosas e fluídos neuronais que geram no 
indivíduo intencionalidades globais e parciais. A primeira e fundamental dessas 
intencionalidades é a da sua organização em consonância com seus códigos 
genéticos, sua actividade, dinâmica, potencial perceptivo e acção sensorial. 
A coerente concretização de uma tal intencionalidade contém, em si mesma, 
a potencialidade de organização do organismo humano não só horizontal ou vertical 
mas também poligonalmente, isto é, em todas as suas dimensões, aspectos e níveis 
do seu sistema, subsistemas e micro-sistemas, graças à vida, interacções e 
retroacções das suas células e moléculas, as quais se organizam e reorganizam, 
geram e regeneram, activam-se e sensibilizam-se através da sua própria acção e do 
tecido nervoso do organismo, concretizações que necessitam de interacções 
moleculares e de reacções às dinâmicas dos meios e dos ambientes, 
intencionalidades cujas concretizações necessitam do sensorial, do motórico, de 
exteriorizações e interiorizações, concretizações comportamentais cuja multiplicação 
e aperfeiçoamento desenvolvem não só os receptores sensoriais mas também a 
sensibilidade e a afectividade, alicerces essenciais ao desenvolvimento de 
competências neurocerebrais, cujo progressivo desenvolvimento implica recíprocas 
interacções entre o aparelho neurocerebral e o corpo, entre a motricidade e a 
sensibilidade, entre o exterior e o interior, entre a acção e a emoção, interacções que 
criam, simultaneamente, tanto a dependência do organismo humano como a sua 
liberdade, visto ser a partir de um tal nível de desenvolvimento que o humano pode 
desenvolver os seus comportamentos em todas ou só em algumas direcções ou 
sentidos de exterioridade e de interioridade, o que diferenciará futuros comporta-
mentos e produzirá diferentes níveis de sensações ou percepções, de sensibilidades 
e emoções, de estímulos e motivações, o que condicionará, estimulará ou orientará, 
teoricamente, a maior ou menor eficácia do aparelho neurocerebral do indivíduo. 
É que, sendo o desenvolvimento do aparelho neurocerebral produto da 
acção é sua profunda necessidade manter permanente relação com o exterior, o 
qual, impregnando-se no cérebro, este elabora-o no seu interior e retém-o como algo 
individualizado, íntimo e pessoalizado, e, por sua vez, projecta-o nos factos e 
acontecimentos do exterior, gerando-se, então, interacções e retroacções que 
elaboraram novas e diferentes impregnâncias, sensibiIidades, percepções, emoções 
e interacções interior-exteriores. 
Um tal enorme potencial de adaptação do organismo humano, acrescido 
do enorme e riquíssimo património neuronal, gera, no organismo humano, ilimitados 
potenciais de habilidades, destrezas e de competências cuja genialidade humana 
jamais explorará ou desenvolverá na sua totalidade. É que os fluxos de energias das 
células, moléculas, gènes, cromossomas, etc., das suas combinações e recombina-
ções, das suas reacções, intensidades ou velocidades, dos seus equilíbrios ou 
motivações parecem indecifráveis, apesar de sabermos que as células adaptam o 
seu trabalho às suas necessidades, produzindo aquilo de que precisam e quando 
precisam. 
Um tal potencial de respostas às suas necessidades, por parte das células, 
implica, para sua entrada na via da eficiente eficácia, desprovimento de rigidez e de 
 7 
desperdício, de parasitismo e fragilidade, de desvios e de erros e orientação verso 
uma policêntrica organização, expansora dos fluxos e das energias nas várias 
orientações e níveis de necessidades, de acções, de interacções e retroacções, 
comportamentos generadores de organizações sensoriais e motoras equilibradas, 
vivas, activas e dinamizadoras de espontaneidade, naturalidade e bioenergia, o que 
facilita as acções de auto-organização e de reorganização, de vivência e de 
restruturação. 
O conjunto de tais interacções, qualidades, níveis e intensidades geram 
estabilizações e dinâmicas selectivas, implementadas em função da estimulação do 
meio e das necessidades percepcionadas pelo organismo do indivíduo, o que cria, 
em sua dinâmica neurobiológica, variados níveis de necessidades de acção, de 
interacção e reciprocidade com seu próprio meio, visto ser princípio essencial básico 
que todo o indivíduo é um ser biológico em interacção com o meio, isto é, sujeito 
activo e passivo do paradigma sistémico-comunicacional-informacional. 
No seio de tal paradigma o ser biológico exige o funcionamento da sua 
totalidade, apesar de correr os riscos de uma tal necessidade ser subvertida pela 
acção ou acções do meio e, em tais subversões, não só distorcer mas também 
anular tais necessidades vitais. 
Um tal conjunto de necessidades é intrínseco à própria natureza do cérebro 
do organismo humano. 0 cérebro humano, mais que nunca, tem necessidades de 
alimentar-se a si mesmo e, uma tal alimentação é efectuada através do seu 
funcionamento, isto é, pelo desenvolvimento das suas principais funções, 
aperfeiçoamento dos seus centros de habilidades e processamentos de 
informações. Torna-se impossível, no entanto, efectuar uma estimativa aproximada 
do potencial do cérebro humano. 
É que, de facto, cada célula cerebral ou neurónio contém um vasto e 
complexo potencial electroquímico competente e um corpo central de dezenas, 
centenas ou milhares de tentáculos que irradiam desde o centro ou núcleo da céluIa. 
Estas irradiações ou ramificações da célula, conhecidas pelo nome de dendrites, 
representam as expansões do corpo celular e o seu conjunto forma o pólo receptor 
do neurónio. Uma das extremidades do neurónio, particularmente larga,domina-se 
axónio, o qual desempenha a função da saída principal da informação transmitida 
por essa célula. Entre um neurónio e outro encontra-se a sinapse e efectua a 
articulação entre um neurónio e um músculo ou entre um neurónio e uma glândula e 
faz com que a actividade ou excitação de um neurónio active ou iniba a acção do 
outro. 
Por isso, representando a sinapse um espaço de comunicação entre os 
elementos excitáveis do cérebro, os seus fluxos desencadeiam a Iibertação de 
neuro-transmissores ou neuro-mediadores e, por tal facto, a efectuação das 
comunicações inter-neuronais, quer estas ajam como neuro-modeladores quer como 
neuro-transmissores. E, como se distingue, em média, 40 mil sinapses mesma célula 
do córtex cerebral não admira que tanto as dendrites como as sinapses possuam 
substâncias químicas constitutivas dos principais mensageiros do processo do 
pensamento humano, o qual, graças ao seu desenvolvimento, vai reduzindo, 
progressivamente, as resistências bioquímicas e electromagnéticas até fazer com 
que uma célula cerebral possa receber, por segundo, centenas de milhares de 
pulsações provenientes de outros tantos pontos da conexão, o que faz com que os 
neurónios actuem como vastas e hipercomplexas centrais telefónicas computando, 
em micro-segundos, a soma dos dados de toda a informação, laboriosa actividade 
que desenvolve, nessa emaranhada arquitectura cerebral, componentes de sistemas 
 8 
sintetizadores e tipos particulares de receptores neuronais (Watson, 1992), o que 
reforça a ideia de que não só entre os cérebros humanos, mas, também, no interior 
de um mesmo cérebro existem capacidades de inúmeros níveis de funcionali-
dade, de convergência, de divergência e de irradiação. 
Em relação à existência de níveis e de diferenças de funcionalidade, 
Sigmund Freud, pai da Psicanálise, em "Projecto de uma Psicologia" (1895) parece 
admitir a distinção entre sistemas neuronais específicos e sistemas neuronais não 
específicos ao efectuar a distinção entre neurónios fi e neurónios psi. 
 Apesar de uma tal distinção não contar, hoje em dia, com muitos adeptos, 
a realidade é que a mesma estimulação ou estimulações dirigidas às mesmas áreas 
neuronais dos cérebros humanos produzem efeitos diferentes, e, tais efeitos 
compatizam-se com efeitos de outras acções, gerando out-puts diferentes de 
indivíduo para indivíduo, os quais, por sua vez, impregnam a totalidade do organis-
mo e se anexam ao seu potencial comportamental. 
Como é óbvio, uma modificação mínima, mas duradoura, não só transforma 
o indivíduo mas também o reorganiza diferentemente, o que gera, em si mesmo, 
capacidades de novas reorganizações, restruturações ou invenções, e, daí, 
simultaneamente, diferentes capacidades de utilização ou recombinações das 
potencialidade do aparelho neurocerebral. 
Um dos agentes da génese de tais modificações encontra-se também não 
só no quantitativo dos neurónios cerebrais de cada um mas também na qualidade da 
acção das sinapses. É que, de facto, as dendrites e sinapses pertencentes a cada 
célula cerebral interagem com as sinapses de outra célula cerebral, de tal maneira 
que, quando um impulso eléctrico atravessa a célula cerebral, produz-se 
transferências de substâncias químicas através da brecha sináptica. Estas 
substâncias introduzem-se na superfície receptora, criando impulsos que se 
transmitem através da célula cerebral e, a partir daí, encaminham-se para as outras 
células produzindo uma microscópia imagem de uma espécie de "abraços 
neuronais". Em tal espécie de abraços, sinapses eléctricas e sinapses químicas, 
pela acção do fluxo nervoso, efectuam a conversão do sinal eléctrico em sinal 
químico, acção própria dos neurotransmissores, os quais, possuindo tanto funções 
activadoras como inibidoras, desempenham um papel fundamental no 
processamento e desenvolvimento das emoções, dos afectos, dos sentimentos, das 
atitudes; no processamento da informação, do conhecimento e da aprendizagem, 
visto a acção dos neurotransmissores ou neuro-mediadores expandir-se do sistema 
periférico, do sisterna nervoso autónomo à junção neuro-muscular para aceder aos 
dinamismos mais centrais do aparelho neuro-cerebral. 
Aparecendo, então, a actividade neuro-cerebral do ser humano como um 
efeito das inter e retroacções de todas as propriedades e potenciais do organismo 
humano, este partindo da acção dos seus gènes, (generatividade) organiza-se e 
reorganiza-se, estrutura-se e restrutura-se em função das suas actividades 
fenoménicas e dos acontecimentos organizadores que surgem tanto do exterior 
como do interior do próprio organismo. 
No seio de um tão hiper-complexo turbilhão de mudanças e mutabilidades, 
tanto exteriores como interiores, as células neuronais, as mais especializadas do 
organismo, permanecem imutáveis, embora todo o cérebro humano possua 
muitos milhares de neurónios de reserva, os quais, quando chamados a entrar em 
função, asseguram a conservação da informação dos outros e possuem 
capacidades de activar, dinamizar e especificar. 
A existência de tais unidades neuro-cerebrais, que completam, reforçam ou 
 9 
substituem a actividade de outras, faz com que o ser humano não se submeta a 
sistemas condicionantes nem a normas pré-estabelecidas, e com que a sua norma 
seja a lei da contingência submetida ao jogo das interdependências, das interacções 
e retroacções, das aferências e recorrências. 
No entanto, no cérebro humano, como em geral em todo o organismo, não 
existe uma organização, mas sim uma série de organizações encaixadas umas nas 
outras e, a análise, revela uma certa hierarquia, cuja organização superior integra a 
organização inferior e esta confere as suas propriedades à superior e assim 
sucessivamente. 
Face a uma tal interdependência e interactividade organizativa, e 
considerando que o cérebro humano como mecanismo associativo possui pelo 
menos as funções de recepção, retenção, análise, missão e controlo, potenciais 
compatíveis com as funções cerebrais em geral, uns e outros se reforçam, se 
estimulam ou inibem mutuamente. É que sendo o cérebro humano um hiper-
complexo sistema, constituído por subsistemas, os quais, por sua vez, são dotados 
de mini-micro-sistemas, precisa da participação activa de todos eles para 
concretização de todas as suas grandes funções, como sejam, por exemplo, a 
percepção, a linguagem, a memória, o pensamento, etc., etc.. 
O conjunto de funções do cérebro humano, apesar da descoberta de áreas 
ou regiões cerebrais mais especificas para cada função, na sua eficiente e dinâmica 
concretização necessita de um equilibrado, interactivo e cooperante dinamismo entre 
todas as áreas, isto é, da activação do tronco cerebral, do cérebro reptílico, do 
cérebro mamífero, do cérebro racional ou neo-córtex bem como da activação dos 
canais neuronais, neuro-transmissores e neuro-receptores ou, por outras palavras, 
e, em complemento do anterior, do cérebro intestinal (Sarna e Otterson, 1988), visto 
o aparelho gastro-intestinal ser um órgão altamente inteligente, que sente não só a 
presença dos alimentos mas também a sua composição química, a sua quantidade e 
a sua viscosidade, visto a parede intestinal ser constituída por suaves camadas de 
músculos, pelas estruturas neuronais e pelas células paracrinicas-endócrinas. 0 
cérebro onírico, dos sonhos, durante o sono manifesta acentuada força e enorme 
vitalidade e desperta o indivíduo para a consciência. 0 cérebro libidinal é, então, o 
desencadeador das transformações da energia pulsional através de deslocamentos 
e de sublimações orientando as energias, as tendências ou apetências. O cérebro 
emocional é activador de manifestações fisiológicas expressivas e subjectivas como 
as da excitação, do interesse, da alegria, da tristeza, do stress, da ansiedade, da 
cólera, do medo, da vergonha, da dôr, da náusea, da ira, do desgosto, etc., e 
desempenha uma função importantíssima tanto na saúde física como na psíquica, 
bem como emtodos os processos de somatização. 
Este cérebro emocional situa-se, predominantemente, no sistema límbico do 
aparelho neuro-cerebral do indivíduo, isto é, segundo Maclean (1970) entre o 
cérebro primitivo (arquiocórtex) e o cérebro racional (neocórtex). 
 É óbvio, no entanto, que dadas as múItiplas conexões e recíprocas 
interacções entre as partes do cérebro torna-se extraordinariamente difícil 
separar as diferentes estruturas dos denominados cérebros do Cérebro de um 
indivíduo ou os subsistemas do Sistema cerebral de uma pessoa. 
Apesar de uma tal dificuldade sabemos hoje que o cérebro reptílico ou 
primitivo funciona como sede dos actos e reflexos, e, por isso, mantém a auto-
preservação e a sobrevivência do indivíduo; que edita os seus comportamentos 
motores de aproximação e de afastamento, de ataque e defesa, de sensorização e 
de locomoção em função de sinais apercebidos no meio ambiente. 
 10 
O cérebro reptílico, por si só, não tem acesso à vontade nem à memória e 
muito menos à consciência. 
Por seu lado, o cérebro emocional (intermediário), com sede no sistema 
límbico, possui a capacidade de efectuar preferências, escolher comportamentos e 
reconhece as situações, memoriza atitudes e comportamentos, está liberto de 
automatismos, hierarquiza sentimentos e afectos, objectivos e comportamentos, 
consegue dar côres e afectos à vida e constitui a estrutura essencial de uma boa e 
positiva dinâmica do desenvolvimento de uma personalidade equilibrada, visto 
impregnar nesta os reflexos dos afectos, sentimentos e desejos; das experiências e 
das vivências, sendo de capital realce as vivências efectuadas mais ou menos até 
aos 7 anos de idade, apesar das posteriores, com maior ou menor intensidade, 
impregnâncias ou forças continuarem a ser registadas no cérebro emocional e, por 
tal razão, marcarem, esquematizarem ou condicionarem o futuro da pessoa. 
 O cérebro racional (néo-córtex), em seu aspecto macroscópico, compreen-
de os hemisférios cerebrais que, por sua vez, possuem diversos tipos de córtex, isto 
é, o córtex motor que se situa a nível do lobo frontal ascendente, o córtex sensorial 
que se situa a nível da circunvolução parietal ascendente, o córtex auditivo que se 
situa a nível da primeira circunvolução temporal e da fissura de Silvio e o córtex 
visual. 
As localizações das funções psíquicas situam-se mais ou menos a nível do 
lobos pré-frontal, como sucede, por exemplo, com a memória, que é localizada mais 
especificamente a nível do lobo temporal. A linguagem encontra-se localizada no 
hemisfério esquerdo e, mais concretamente, no quadrilátero de Wernicke e a 
linguagem articulada na zona da terceira circunvolução frontal, isto é, na zona de 
Broca. 
No entanto, sendo o néo-córtex o responsável essencial da cognição, 
aprendizagem e abstracção também é nele que residem as possibilidades do 
indivíduo prever ou antecipar o futuro, permitindo-Ihe imaginar soluções ainda não 
previstas, colocar hipóteses, fantasiar ou projectar o futuro. Estas acções e 
comportamentos, emanados essencialmente do córtex e néo-córtex, necessitam da 
acção colaborante dos restantes cérebros, de maneira particular da acção do 
cérebro emocional, visto as emoções, sentimentos e afectos, bem como seus 
respectivos processos jamais deverem deixar de estar presentes nos 
comportamentos harmoniosos ou equilibrados do ser humano. 
O néo-córtex, por sua vez, dá ao indivíduo a possibilidade de inibir os seus 
reflexos e de Ihe conferir a liberdade final da decisão nas suas relações com os 
meios e os ambientes. 0 córtex pré-frontal ajuda o indivíduo a aceitar as demoras na 
realização dos seus objectivos, refreia as suas pulsões e, para o melhor ou para o 
pior, dirige a existência individual e social de cada um. 
As acções e interacções cooperantes e convergentes de tais estratos e 
subestratos neuro-cerebrais elaboram uma espécie de "secreção" que denominamos 
pensamento (convergente, divergente, irradiante) e, como produto final, é efeito das 
estruturas neuro-biológicas e da sua actividade, especialmente do córtex, das 
células cerebrais, da memória, da aprendizagem, da inventividade e da criatividade, 
e, para sua adaptação ou integração no social, precisa de ser alfabetizado, educado 
e flexibilizado, libertando e orientando os potenciais do cérebro para investimento na 
totalidade do próprio indivíduo, realização individual e pessoal, para bem da 
comunidade e da sociedade em geral. 
Apesar disso, porém, tendo a última década do Séc. XX sido denominada, 
pelo Congresso Norte Americano, a década do cérebro e, tendo sido efectuado 
 11 
enormes progressos no desenvolvimento das neuro-ciências, talvez aquilo que ainda 
haja para descobrir acerca do cérebro e sua funcionalidade seja muito mais que 
aquilo que já se descobriu. No entanto, certas coisas são certas: é necessário 
investigar-se e desenvolver-se uma Iiteracia cerebral, uma educabilidade mental, 
uma dinâmica e uma flexibilidade comportamental e desenvolver-se as dimensões e 
as capacidades do pensamento divergente e irradiante. 
 
 
 
 
I - DINAMISMOS NEURO-CEREBRAIS DO ORGANISMO HUMANO NA CRIAÇÃO 
DA MENTE 
 
 
 
Gènes, cromossomas, moléculas, células e neurónios possuem em si 
mesmos existência vital, a qual, interagindo com os elementos mais próximos, 
retorna sobre si mesma, revitaliza-se e cria reflexos, impulsos e movimentos de 
vários níveis e dimensões. Estes movimentos possuem geometria e lógica, criam 
acções e coordenam-se, expressam a natureza da sua causalidade, exprimem 
emoções, sensações e percepções, penetram na natureza mais profunda do 
organismo humano, exteriorizam a sua natureza e vitalidade. Possuindo a sua sede 
central no aparelho neurobiológico, as células neuro-cerebrais desempenham então 
a função de uma espécie de empresa bioquímica de extraordinária hipercomple-
xidade associativa e funcional, sensorial e motora, bem como de coesão e 
coordenação tanto dos órgãos como dos sentidos. 
Encontrando-se a essência de um tal motor de produção, organização e 
coesão no sistema nervoso central do organismo, o qual é formado principalmente 
por corpos celulares de neurónios e axónios dos neurónios, tanto uns como outros 
possuem os pilares do seu movimento e acção, operatividade e funcionalidade no 
cérebro, no cerebelo, no tronco cerebral e na medula espinal. Neurónios sensitivos, 
sensoriais e motores interagem, integram a acção, desenvolvem-a e expandem-a; 
planificam novos comportamentos, mobilizam energias, criam e desenvolvem 
emoções, emergindo, daí, sistemas e subsistemas os quais “são mais que a soma 
das suas partes” formando então níveis de integração superiores aos constituídos 
pelos seus próprios elementos de integração, elaborando-se níveis hierárquicos de 
organização superior do ser vivo, os quais, por sua vez, interagem com os níveis 
inferiores e cujos efeitos de tais interacções e retroacções não são necessariamente 
lineares, nem previsíveis de maneira particular quando interagem com as variáveis 
do meio, dos ambientes ou das circunstâncias. Estes imprevisíveis efeitos podem 
interagir com suas estruturas causais e modificá-las a ponto de poderem ocasionar 
funções ou desvios de funcionamento completamente inadequados às próprias 
estruturas. 
Ora, sendo as excepções confirmadas pela regra, parece factual que as 
funções inferiores, pelas suas interacções, originam funções superiores, e estas 
estimulam, aperfeiçoam e activam as inferiores, através de processos de retorno, 
recorrência e emergência facilitadores de inter-comunicações, desenvolvimentos e 
progressões, cuja meta final é e será impossível de determinar, como se pode 
constatar, por exemplo, pela simples acção dos neurónios activadores do aparelho 
 12 
motor, os quais, conduzidos por seu potencial de informação, colocam o organismo 
em acção e a acção deste implica recorrência à acção da espinal medula, do 
mesoencéfalo, do diencéfalo e, em geral, recursoao córtex cerebral, fazendo com 
que o motor ou o sensório-motor se transforme em operacional, graças às 
influências mútuas e recíprocas que tanto uns como outros efectuam. 
Estas interligações e recíprocas influências entre motricidade e cérebro 
geram efeitos multiplicativos não aditivos a nível de processos de ontogénese do ser 
humano, e, por isso, este necessita não só de genoma ou hereditariedade mas 
também de idade gestacional, maturacional, postural, cronológica e acção do meio 
para que o seu desenvolvimento assente em princípios e em estruturas filogenéticas 
e biológicas e efectue o seu desenvolvimento potencial. 
 Em tal processo de desenvolvimento quanto mais este se realiza mais a 
acção do genoma é menor, como se constata, a nível de psicologia comportamental 
e do desenvolvimento pelos estudos efectuados com crianças selvagens, 
abandonadas, adoptadas ou mesmo com elementos de uma mesma constelação 
familiar, demonstrando-se, assim que se as diferenças genéticas individuais de um 
indivíduo possuiem um grande impacto no seu futuro desenvolvimento, acção ou 
comportamento, as diferenças do meio, de forma alguma, tem menor impacto e 
influência. 
Daí o facto da existência de esquemas de acção e de comportamentos não 
poderem, de forma alguma, serem interpretados rigidamente em termos de reflexo, 
visto existir no cérebro um forte e acentuado potencial de actividade espontânea 
para compreensão da qual bastaria recordarmo-nos dos diferenciados efeitos da 
estimulação eléctrica a nível de sistema nervoso e das suas diferentes áreas de 
estimulação como sejam, por exemplo, a nível de tronco cerebral, de hipotálamo, de 
diencéfalo e de néo-córtex, cujos efeitos ou reacções são totalmente diferentes de 
indivíduo para indivíduo. 
Uma tal espontaneidade da actividade neuro-cerebral gera, no entanto, 
flexíveis esquemas sensório-motores em cadeia, os quais, não sendo simples 
acções materiais, estimulam e desenvolvem conexões anatómicas específicas no 
seio do sistema nervoso, geram inputs sensoriais, estimulam a actividade perceptiva 
e criam a "consciência primária", comum ao homem e aos animais superiores, 
capacidade indissociável dos movimentos e das percepções de cujas recíprocas 
interacções emergem sistemas ou estruturas de novas transformações e acções 
como sucede, por exemplo, quando, por volta dos 6-8 meses de idade, o bebé inicia 
o reconhecimento do rosto da sua mãe ou, entre os 8-9 meses de idade, descobre a 
permanência de um objecto, isto é, começando a conceber que um objecto pode 
passar dum estado de longínquo a um estado próximo, desenvolvimentos cujas 
interacções, recriprocidades, exercitações, desenvolvimento e maturação 
conduzem-o a novas descobertas e novas transformações, auto-alimentando-se 
mutuamente e, reciprocamente, auto-auxiliando-se, o que faz com que a consciência 
primária elabore imagens do próprio corpo e o corpo, graças a uma tal "consciência", 
progressivamente se vá adaptando a meios e a ambientes que não podiam ter sido 
previstos pelo próprio genoma do indivíduo. 
Uma tal consciência, progressivamente, mentaliza o corpo e o corpo 
sobrevive, desenvolve-se e adapta-se graças à acção mentalizadora de uma 
 13 
consciência, construindo imagens tanto do seu próprio funcionamento exterior como 
interior, e, por tais processos, interacções e retroacções o indivíduo desenvolve 
flexibilidade e adaptabilidade aos meios ambientes, às circunstâncias e às 
solicitações, auto-regulando estados de funcionamento bioquímico, neurofisiológico 
e de representações. 
Estas representações, distribuídas por diversas regiões cerebrais e 
coordenadas por conexões neuronais, reconhecem a pele como abrangência, a qual 
passa a funcionar como ponte de interligação do interior com o exterior e gera, na 
dita consciência primária, a primeira dinâmica estrutural da existência do uno 
individual, indivisível e homeostaticamente auto-regulado, solicitado por estímulos e 
informações de diversas proveniências e controlado por sinais neuronais do cérebro, 
o que gera evoluções, selecções e interacções complexas, bem como respostas 
motoras e neuroconsciencializantes tanto ao organismo como ao meio ambiente. 
Estas actividades de interacções e retroacções cérebro-corpo, efectuadas através 
dos circuitos neuronais, configuram a génese da mente individual, a qual, para 
funcionar normal e equilibradamente, terá de conter representações básicas do 
organismo e representar os novos e diferenciados estados do organismo em acção 
visto corpo e cérebro constituírem o conteúdo essencial do funcionamento de uma 
mente normal. 
A acção de tais circuitos neuronais, com os respectivos movimentos 
corporais, percepções sensoriais, espontaneidade cerebral e respectivos efeitos das 
acções interactivas criam processos cerebrais geradores da mente, da consciência e 
da inteligência, faculdades que, por sua vez, interagem com os próprios dinamismos 
corporais e processos cerebrais. Daí o facto dos processos cerebrais possuírem 
potenciais preparatórios e desenvolvedores da mente e todo e qualquer facto ou 
fenómeno mental possuir correspondência. 
Por isso, encontrando-se a génese e dinâmica da mente humana de um 
indivíduo nos efeitos das recíprocas interactivações corpo-cérebro, da funcionalidade 
do seu dinâmico equilíbrio emerge também o equilíbrio da mente. 
 De facto, um tal equilíbrio pressupõe a existência de uma harmoniosa 
interactividade entre órgãos e suas funções, sentidos, percepções, pulsões, 
emoções, sentimentos e afectos como princípio activador da mente, a qual, por sua 
vez, e, primeiramente, ocupar-se-à dos seus princípios e fundamentos. Isto porque a 
mente, emergindo do próprio organismo, existe por ele, para ele e com ele. Por isso, 
ocupa-se primeiramente do corpo e, após indispensável evolução, poder e reforços, 
criação de múltiplas e variadas dimensões, ocupa-se não só do corporal mas 
também do imaterial, do concreto e do abstracto, do real e do imaginário, do 
presente, passado e futuro, funções comportamentais da mente, indissociáveis do 
corpo, que, em simultâneo, estimulam o desenvolvimento dos potenciais 
neurobiológicos do organismo, criam processos de operacionalização, fecundam 
estruturas e fazem com que uns interajam com as outras, provocando 
transformações e mudanças bem como proliferação de novos e diferenciados 
processos e estruturas de cujas recíprocas interacções emergem novos e mais 
evoluídos processos mentais e interiorizações corporais, das quais emergem as 
funções superiores do ser humano, como o raciocínio e a criatividade, a 
convergência e a divergência, a centração e a irradiação, a planificação e a 
 14 
projecção, a vontade e a responsabilidade, a consciência e a auto-
consciencialização. 
Este conjunto de capacidades superiores do ser humano, atributos 
essenciais da sua mente, emerge de bases e estruturas cerebrais e, por acções de 
retorno e recorrência, agem sobre o sistema nervoso central, sobre os órgãos e os 
sentidos, sobre as percepções e as emoções, sobre os afectos e as sensibilidades. 
Os órgãos, suas estruturas e funções, seus níveis de profundeza, de funcionalidade 
e de interdependências tornam-se agentes essenciais das faculdades mentais, visto 
as suas coordenações orientá-los para objectivos comuns e impulsionarem a 
orientação da acção vital, apesar de submetida às mais variadas influências do 
exterior e do interior. As pulsões das funções dos órgãos, caso sejam estimuladas, 
elaboram processos de reanelamentos piramidais que, interagindo com a própria 
mente, retornam sobre as próprias funções dos órgãos, tirando delas qualidade, 
intensidade, vivacidade e ramificações que emergem dum único, singular, irreptível 
e, simultaneamente, gerador e organizador da sua própria vida e existência. 
A dinâmica organização de si mesmo, com suas sucessivas e necessárias 
reorganizações ourestruturações, centraliza e orienta a força dinâmica da vida, as 
suas propriedades vitais, a sua autonomia e faz com que estas interajam mais 
acentuadamente com a realidade exterior e o cérebro capte uma tal realidade de 
forma mais impregante e pragmática, construindo, assim, de maneira mais ou menos 
eficiente, imagens ou representações da realidade exterior, fenómeno que interage 
também sobre o processo do auto-conceito do indivíduo. 
Face ao exposto infere-se que a mente é um produto do trabalho do cérebro, 
da sua evolução e da sua história, da sua génese e dos seus processos, das suas 
interacções e relações, das suas emoções e dos seus sentimentos, dos seus 
estímulos e das suas motivações, dos seus neurónios e das suas sinapses, dos 
seus neuro-transrnissores e neuro-receptores, das suas moléculas e dos seus 
impulsos nervosos. 
Gerald Edelman (1991), Prémio Nóbel da Medicina, (1972), considera a 
mente humana como produto de uma actividade concertada de numerosas 
estruturas cerebrais, submetida a desenvolvimentos anatómicos e a maturações de 
funções cada vez mais complexas, emanadas da actividade concertada, a qual, 
graças ao seu desenvolvimento e funcionalidade, origina consciência de ordem 
superior cuja acção inicial se manifesta com a maturação das funções linguísticas. 
No entanto, o estudo e a análise da mente humana não só foi objecto de 
estudo de peritos e estudiosos em Neurociências mas também de filósofos e 
metafísicos, de epistemólogos e historiadores, de psicólogos e psicanalistas. A 
maioria deles, porém, concebeu a mente humana partindo de modelos teóricos e, 
como é óbvio, todo o modelo, por mais perfeito que seja, implica rejeição de outros 
modelos ou, pelo menos, a sua subvalorização. A psicanálise, por exemplo, ciência 
que pretende analisar e intervir nos efeitos das interacções dos processos 
psicológicos ou mentais com os neuro-fisiológicos, concebe a mente humana como 
possuindo três partes ou funções distintas, que agem e interagem entre elas, isto é, 
a razão, a actividade ou energia vital e os apetites inferiores que se completam mas, 
não raras vezes, entram em conflito, apesar da mente, no seu todo, possuir uma 
enorme série de propriedades, como sejam, a existência de aparelhos operacionais, 
 15 
mecanismos de defesa e de transferência, de projecção e de introjecção, libido e 
afectos, emoções e resistências, inconsciente e consciente, eu e super-eu, 
propriedades, capacidades e instâncias que agem e interagem, libertam-se e 
recriam-se, estruturam-se e restruturam-se, organizam-se e reorganizam-se, 
equilibram-se e desiquilibram-se. 
A psicologia da forma, por sua vez, defende a existência de estrito 
paralelismo ou de pontual correspondência entre fenómenos cerebrais e mentais, 
devendo o mental e o cerebral formar duas redes paralelas e, de cada ponto da rede 
mental, deveria ser possível traçar-se uma rede perpendicular em direcção a um 
ponto específico da rede cerebral. De facto, uma tal correspondência segue e 
assume a lógica dos princípios básicos e dinâmicos das suas concepções dos psico-
comportamentos humanos. É que, uma tal corrente da psicologia contemporânea, 
acentua os aspectos da configuração e da totalidade nas dinâmicas 
comportamentais do homem, isto é, no domínio da percepção, da forma, das 
estimulações sensoriais, intermediários indispensáveis entre os fluxos energéticos 
vindos do exterior e do domínio da experiência perceptiva, visto a percepção não ser 
uma soma de sensações nem a existência de campos cerebrais que constituiriam, 
segundo uma tal corrente psicológica, o conteúdo essencial do objecto de estudo da 
psicofisiologia. 
 Por seu lado, a psicologia geral atribui à mente a capacidade de generalizar 
e, em seguida, individualizar ao passo que, por sua vez, a psicologia humanista 
acentua, prioritáriamente, a capacidade da mente individualizar, e, seguidamente, 
generalizar. 
0 cognitivismo, doutrina ou corrente psicológica muito em voga nos nossos 
dias, concebe como características ou funções essenciais da mente humana todas 
aquelas que se relacionam com o conhecimento, o qual é analisado em termos de 
tratamento da informação, modelos que, pretendendo seguir e orientar-se por 
normas e metodologias de cientificidade, parece pretender reduzir as características 
da mente humana a quase um simples processo de tratamento, recolha, 
armazenagem e utilização da informação e, em parte, também à comunicação, 
capacidades que o próprio cognitivismo, não lhe repugnando denominar de mentais 
ou de fenómenos de consciência, não explica nem analisa cabalmente as suas 
procedências ou origens, os seus substractos ou os seus suportes neurofisiológicos 
ou neuropsíquicos, apesar de algumas subcorrentes do cognitivismo admitirem que 
o cérebro constitui um órgão de tratamento da informação posto ao serviço da 
adaptação biológica dos organismos, concepção que compara o cérebro ao 
computador e as inter-relações das funções cognitivas procedentes mais do acaso e 
da lógica, visto tal concepção da mente humana conter acentuadas carências de 
conhecimentos a nível das bases neuronais da cognição, bem como a nível das 
inter-relações e acções neurocerebrais, justificando as diferenças mentais, 
cognitivas e psico-comportamentais através da existência de diferentes níveis 
cognitivos, diferentes estilos de cognição e existência de diferenças individuais a 
nível de tratamento da informação. 
Porém, os vários pontos de vista e os modelos seguidos em tais 
investigações conduzem a conclusões diferentes. Quanto a nós, rejeitando definir a 
mente humana pelas suas propriedades, características ou funções não nos resta 
outra alternativa que concebermos a mente como uma entidade produzida pelo 
cérebro mas dele interdepende e o qual, em mútua e recíproca colaboração com o 
corpo, a pele, as coisas, os objectos, os meios, os ambientes e as circunstâncias, 
gera polivalência mental, vida psíquica e intelectual. 
 16 
Por isso, sendo a mente humana produto das acções e interacções, 
retroacções e recorrências do hiper-complexo organismo humano no seu todo, ela 
possui sua origem e seus alicerces essenciais nas estruturas e dinâmicas do cérebro 
e é através das suas multidimensionadas e variadas interacções com os meios que 
tanto o cérebro como a mente se desenvolvem, e, esta, graças à corrente e acção 
psíquica com suas peculiares polivalências, flexibilidades e adaptabilidades, forma 
uma imagem de si mesma, da própria vida, do mundo, codifica experiências e 
descodifica vivências, elabora ideias e conceitos, imagens, símbolos, raciocínios e 
referencias, alimentados ou reforçados pelas suas interactivantes relações 
neuronais, o que faz com que o cérebro se desenvolva e a mente execute funções 
que o cérebro, por si só, não conseguiria como, por exemplo, raciocinar, imaginar, 
associar, referenciar, inferir, induzir, deduzir, inter-relacionar-se, querer, etc.. 
Estes hiper-complexos fenómenos mentais, originados pelas acções e 
interacções do cérebro em si mesmo e do cérebro nas suas relações com os meios 
e os ambientes, são propriedades de nível superior do cérebro, como sucede com o 
consciente e a consciência, o raciocínio e a abstracção. A recíproca interacção de 
tais propriedades do cérebro forma a entidade-mente que, de uma forma geral, 
possui, como suas macro-funções: a percepção, a linguagem, a memória, o 
pensamento e a consciência, as quais poderão ser deterioradas, distorcidas, 
desequilibradas ou mesmo anuladas caso hajam anomalias, lesões ou 
deteriorizações em certas zonas ou regiões cerebrais. De entre todas estas funções, 
Edelman (1991) valoriza a consciência, a qual, possuindo elevado potencial de 
adaptabilidade, possui, também, tanto a nível de consciência primária como a nível 
de consciência superior, elevadíssimo potencial de funções. Assim da interacção da 
consciência primária com a consciência de ordem superior gerar-se-iam as funções 
de: 
- Fornecerao indivíduo meios explícitos para colocar em relação actos e 
remunerações. 
- Ajudar a organizar e evidenciar mudanças complexas em ambientes 
contra-indicados por múltiplos sinais paralelos. 
 - Fornecer ajuda coerente à ascensão no colocar em sequência resultados 
de aprendizagem complexa e no corrigir erros constatados nas acções 
automatizadas ao mudar de condições. Uma tal interacção entre consciência de 
ordem primária e consciência de ordem superior é também necessária para a 
comunicação linguística. Por sua vez, a consciência de ordem superior possui as 
funções de: 
 - Consentir a previsão de acontecimentos com grande antecipação e 
colocá-los em relação com o passado através de conexões explícitas com a 
memória a longo prazo. 
 - Aumentar a adaptabilidade, permitindo a planificação e a construção de 
modelos do mundo não ligados ao tempo real. 
- Permitir o confronto explícito dos resultados na base de valores individuais 
e dos seleccionados anteriormente. 
 - Permitir a reorganização de recordações e de projectos. 
Este complexo e interactivo conjunto de funções da mente humana, de cujas 
interacções resulta a existência dos mais variados estados mentais, psico-
comportamentais, emocionais e afectivos e dos quais emanam intencionalidades e 
orientações comportamentais, hierarquias de valores e de necessidades que, por 
sua vez, agem e interagem com as estruturas e dinâmicas neurocerebrais de um 
indivíduo, e, estas, com o todo da sua corporeidade, gerando entradas e saídas 
 17 
que, por sua vez, desempenham funções de estimulação ou expansão, de inibição 
ou frustração da própria mente, e, cujos efeitos dos seus processos de retroacção, 
poderão possuir efeitos positivos sobre o próprio organismo humano (homeostasia, 
equilíbrio, auto-regulação) ou negativos (psicossomatização, desequilíbrios, confli-
tos, neuroses, etc.), e cujo comportamento de uma dinâmica estrutural da mente, 
elaboradora de policategorizados estados mentais, através dos quais o indivíduo, 
em certo estado mental, se sente bloqueado ou inibido, angustiado ou ansioso,e, 
noutro estado mental, sente enorme potencial de associação e de prazer no 
aumento dos conhecimentos; noutro a apreensão fácil dos dados e dos registos das 
experiências a efectuar, noutro vivência acentuada e eficiência nos processos de 
aprendizagem ou na emergência da criatividade, etc., etc.. 
A constatação e análise fenomenológica de tais comportamentos evidenciam 
o facto de que estudar a mente de um indivíduo é estudar a sua consciência, a qual, 
de uma forma geral, é constituída pela função de síntese que permite ao sujeito 
analisar a sua experiência actual em função da estrutura da sua personalidade e de 
se projectar no futuro, a qual, por sua vez, se torna essência do psíquismo, ou seja, 
a faculdade de permitir ao indivíduo tomar conhecimento do mundo exterior, bem 
como daquilo que se passa nele mesmo e de regular ou orientar os seus 
comportamentos. 
A nível psicanalítico a consciência é, geralmente, como a qualidade que 
caracteriza as percepções externas e internas no meio do conjunto de fenómenos 
psíquicos, o que pressupõe a existência de sistemas percepção-consciência, 
receptor das informações do mundo exterior e as provenientes do interior, e deixaria 
de parte o estudo do inconsciente e do pré-consciente, bem como suas estruturas e 
dinâmicas de capital importância na psicanálise, ciência cuja essencial razão de ser 
é de fazer com que a acção e o conteúdo do inconsciente passe para o pré-
consciente e deste para a consciência. 
A nível de síntese, porém, podemos dizer que a mente é uma produção do 
cérebro e apresenta-se como sendo representação codificada de impressões 
sensoriais, emanadas dos fluxos de experiências conscientes, pré-conscientes e 
inconscientes produzidos pela acção e interacção dos seus elementos responsáveis, 
isto é, dos neurónios, dos neuro-transmissores e das hormonas, elementos 
essenciais à dinamização e ao funcionamento do cérebro e da consciência 
individual. 
 
 
 
II- CÉREBRO E MENTE EM RECÍPROCAS INTERACÇÕES E DINÂMICAS 
 
 
 
0 cérebro do ser humano, massa em forma de capacete de tecido branco e 
cinzento, enterrado dentro da caixa craniâna, possui uma superfície enrugada como 
esponja e está sistematicamente organizado em partes como o telencéfalo, isto é, 
cérebro terminal; o diencéfalo, cérebro intermédio; o mesencéfalo, cérebro médio; o 
metencéfaIo, cérebro posterior e o mielencéfalo ou medula. De uma forma geral, e, 
em linguagem do quotidiano, é formado pelo telencéfalo constituído pelos 
hemisférios cerebrais enquanto que o restante recebe o nome de tronco cerebral. 
Por sua vez, os hemisférios cerebrais encontram-se divididos em quatro lobos 
superficiais, isto é, lobo frontal, parietal, temporal e occipital e, a nível de maior 
profundidade, o lobo límbico. 
 18 
Nos lobos periféricos encontram-se numerosos sulcos, fissuras ou 
circunvoluções que separam os diversos lobos. Tanto as circunvoluções como as 
fissuras, apesar da sua esquematização geral, estão sujeitas a grandes variações e 
variabilidades individuais. 
Apesar da sua grande evolução biológica e de ter cumprido a sua missão de 
sobrevivência, o verdadeiro significado e acção do cérebro humano encontra-se 
oculto em seus mais íntimos pormenores. A sua massa é constituída por um hiper-
complexo sistema de interligações de mais de 100 biliões de células nervosas 
conectadas com outras células por centenas de milhares de terminações com 
inúmeros circuitos e imensos padrões eléctricos. 0 seu actual desenvolvimento é 
efeito de uma evolução que se perde no tempo e foi efectuada através de tentativas, 
ensaios e erros em seus processos de sobrevivência e dinâmica, os quais fizeram 
com que do instinto se gerasse a razão e da emoção a racionalidade, graças à 
elevadíssima quantidade de circuitos de células vivas, ao aumento da sua 
velocidade de transmissão e à diminuição do custo energético da sua construção e 
manutenção, processos de evolução que têm como sua unidade básica as células 
cerebrais, nervosas ou os neurónios que, simultaneamente, possuem funções de 
recepção e de comunicação. 
É que sendo os neurónios células do tecido nervoso eles possuem como sua 
característica principal a excitabilidade da sua membrana, a qual pode ser 
modificada pela acção de outros neurónios. 0 seu núcleo ou corpo celular apresenta 
delgadas prolongações fibrosas, muitas vezes com grande comprimento e 
abundantes ramificações. Estas ramificações, que recebem o nome de dendrites, 
brotam do corpo da célula nervosa e constituem os seus tentáculos. Um desses 
tentáculos, denominado axónio, é muito mais longo que os outros e, da sua 
extremidade, emergem mais tentáculos. As mensagens são recebidas no corpo e 
nos tentáculos curtos e deslocam-se através dos tentáculos longos para outras 
células. Por isso, as dendrites, em comunhão com o corpo celular, constituem a 
principal zona de recepção dos impulsos nervosos. Os seus pontos de conexão ou 
conexões inter-celulares são denominadas sinapses. Cada célula nervosa envia 
sinais a centenas ou a milhares de outras células através das suas sinapses e 
recebe sinais de uma miríade semelhante de sinapses em seu corpo celular 
principal. 
Existindo diferentes tipos morfológicos de neurónios, diferenciados, 
essencialmente, por seu número de arborizações e tamanho do axónio como, por 
exemplo, neurónios aferentes, que conduzem os impulsos das zonas periféricas 
para o centro; neurónios de associação ou intercalares, que formam parte de um 
arco reflexo, situando-se entre um neurónio sensitivo, do qual recebe informação, e 
outro motor, ao qual a transmite; neurónios corticais situados no córtex cerebral; 
bipolares, isto é, neurónios com duas prolongações; neurónios eferentes, que 
conduzem os estímulos desde as zonas centrais até às zonas periféricas; neurónios 
inferiores, isto é, neurónios periféricos, motores ou sensitivos; neurónios de 
projecção que transmitemos impulsos para um grupo de neurónios situados à 
distância; neurónios sensoriais que recolhem os estímulos que se produzem nos 
receptores ou órgãos dos sentidos; neurónios sensitivos; neurónios piramidais 
característicos da área motora cortical, etc., etc.. Estes grupos de neurónios, 
constituem, no seu conjunto, uma máquina cerebral que, procedendo por descargas 
eléctricas, todos os neurónios, apesar de diferenciados, possuem em comum a sua 
capacidade para reagir aos estímulos e transmitir com rapidez a excitação que 
resulta das outras porções da célula, influenciando o funcionamento das outras 
 19 
células nervosas, musculares ou ganglionares, activando ou inibindo a sua acção, 
graças aos níveis de energia dos neuro-transmissores que banham as sinapses 
essencialmente ou os neuro-transmissores da acetilcolina, da seretonina e da 
dopamina. 
Constituindo-se os neurónios em sistemas, estes recebem e transmitem 
sinais e, entrecruzando-se com outros, formam sistemas de sistemas nos quais cada 
neurónio é tocado pelos ramos dos axónios terminais de muitos outros neurónios e 
aí se decide se deverá permanecer activo ou passivo. É através de tal actividade ou 
ausência dela que se esclarece o segredo da vida mental, bem como a actividade 
geral do cérebro de um indivíduo. 
Uma tal actividade, porém, interdepende da acção dos gènes, da sua auto-
geno-feno-organização, dos seus programas, das suas estratégias e das suas 
intercomunicações hipercomplexas, visto ter-se descoberto, em 1995, que a 
estrutura do cérebro possui, pelo menos, 3195 gènes diferentes, o que geram 
indecifráveis processos do crescimento e da acção dos neurónios. 
A nível de funcionalidade, os neurónios procedem por descargas, 
despolarizando a membrana celular e transmitindo informação a partir da interacção 
genótipo-fenótipo, informação que será tanto mais rica quanto mais potencial 
informativo o seu universo tiver. Por tal razão, a informação neuronal circulará, 
propagar-se-á e multiplicar-se-à em circuitos geno-feno-organizacionais cada vez 
mais vastos, cada vez mais diversificados e mais complexos. Daí o facto da 
informação circular da origem à informação generativa e sintética, passando de 
emissor para receptor e de receptor para emissor transformando os acontecimentos 
fornecidos pelos sistemas ambientais em signos ou em sinais que o aparelho 
cerebral tratará em consonância com a sua estrutura e dinâmica e, parcialmente, 
em interdependência da informação genética armazenada nas cadeias nucleares 
do ADN. A partir daí o processo de informação torna-se um processo físico-bio-
neuro-psico e sociológico, pois passará a ser um processo, mútua e reciprocamente, 
interdependente de tais poli-universos. Uma tal dinâmica reorganizará a estrutura 
neurobiológica e alargará a esfera antropossocial. Átomos, enzimas, moléculas e 
gènes interajudam-se mutuamente em suas funções principais. Muitas das proprie-
dades de tais interacções tornam-se, então, imprevisíveis e os níveis dos seus 
efeitos tornam-se numa relativizada hierarquia, que influenciará o desenvolvimento 
de outras propriedades, capacidades ou aptidões, caso novas e diferenciadas 
energias não se introduzissem em tais processos como, por exemplo, a emergência 
ou desenvolvimento da linguagem, a acção e o desenvolvimento do córtex cerebral, 
a consciência do eu individual, etc., que, em consonância com as características 
predispostas, os potenciais ou as capacidades de seus agentes básicos, produzirão 
novas propriedades, caso possuam ou encontrem os estímulos necessários e as 
condições adequadas. 
A organização e interligação dos agentes e factores neurocerebrais obedece 
a uma ordem sistémica, não necessariamente rígida mas, caso existam erros, os 
seus efeitos são catastróficos a nível de construção de símbolos e de imagens, de 
atitudes e de comportamentos, visto parecer certo não existir no cérebro humano 
lugares exclusivos da integração e dinamismo das funções, embora seja certo a 
existência de predominâncias funcionais em certas regiões cerebrais, o que não 
dispensa, de forma alguma, a necessária sincronização de conjuntos da actividade 
neuronal em regiões cerebrais, como sucede, por exemplo, nos processos de 
memória do trabalho e da atenção global para os quais a acção e dinâmica dos 
córtices pré-frontais e algumas estruturas e dinâmicas do sistema límbico são 
 20 
essenciais. Lugares essenciais são também certas regiões do cérebro como, por 
exemplo, o do tálamo em que este, caso tenha de ser extirpado, pode provocar a 
morte mental do indivíduo, visto o tálamo funcionar como um centro de 
retransmissão através do qual todas as informações sensoriais, excepto o cheiro, 
são transmitidas ao córtex cerebral e, por conseguinte, à mente consciente. Até os 
próprios sonhos são desencadeados por impulsos que passam pelos circuitos do 
tálamo. A nível das ditas funções superiores da mente: linguagem, símbolos e 
cultura, estas desenvolvem-se no neocórtex, que tem vindo a crescer e a 
desenvolver-se acentuadamente com o aparecimento do Homo Sapiens. 
Apesar do acentuado desenvolvimento do neocórtex ou cérebro racional, a 
sincronização funcional do ser humano exige também integridade do metencéfalo e 
do mesencéfalo o que constitui o tronco cerebral, e, sobre o qual repousa o 
superdimensionado cérebro anterior. É que o metencéfalo envolve a ponte entre a 
medúla e o cerebelo, os quais, em conjunto, regulam a respiração, os batimentos 
cardíacos e a coordenação dos movimentos do corpo. 0 mesencéfalo, por sua vez, 
regula parte dos reflexos auditivos e perceptivos e controla o sono e a excitação. 0 
cérebro anterior, composto pelo sistema límbico, que regula a resposta emocional, 
bem como a integração e a transferência de informações sensoriais, possui, como 
seus principais centros, a amígdala, isto é, a emoção; o hipocampo (a memória a 
curto prazo); o hipotálamo que controla a memória, a temperatura, o impulso sexual, 
a fome e a sede, e o tálamo que percepciona a temperatura e todos os outros 
sentidos, excepto o olfacto, a percepção da dôr e efectua a mediação de alguns 
processos da memória. 
0 córtice cerebral, incluído também o cérebro anterior, sendo a sede básica 
da consciência, armazena e reúne informações dos restantes sentidos, dirige a 
actividade motora voluntária e integra as funções superiores de entre as quais a fala 
e a motivação. Por outro lado, o córtice cerebral detentor de funções sensoriais e 
motoras em toda a sua área, como o demonstram os métodos de leitura óptica, 
confirma a hipótese da existência de actividade de redes de células nervosas em 
todo o cérebro vivo. Por tal razão, a funcionalidade integrativa e harmoniosa do 
córtex cerebral humano, área cerebral constituída por milhões de corpos celulares, 
dobrados e enrolados com muitas cristas e fissuras serpenteantes, necessita da 
acção e das recíprocas e interactuantes retroacções de todas as restantes áreas do 
cérebro. É que, apesar de parecerem nem sempre actuantes, os circuitos neuronais 
permanecem sempre ligados e exercem suas funções de transmissores e 
retransmissores de um nível de neurónios para os outros, integrando ou acumulando 
cada vez mais informações captadas dos estímulos físicos, biológicos, emocionais, 
afectivos ou psíquicos desencadeadores de descargas dos neurónios. 
0 conjunto de tais interligações e intercomunicações não é efectuado única e 
exclusivamente pelos estímulos vindos do exterior mas também por meio de 
sensores corporais internos, que activam e regulam as funções fisiológicas do 
indivíduo e, em grande parte, alimentam e activam as funções do córtice cerebral, o 
qual, por sua vez, também estimula as sensações fisiológicas do corpo, o que 
demostra que o desenvolvimento e a acção do ser humano processam-se num todo, 
numa unidade e numa unicidade através de metamorfoses, fases, etapas, estádios e 
subestádios reveladores de maturação neurobiológica, da aquisição e do desenvol-
vimentode novas atitudes e comportamentos. 
Em tal processo de maturação e desenvolvimento progressivo, mas não 
necessariamente contínuo, o ser humano desenvolve, adquire e reforça reflexos de 
defesa e reacções automáticas face ao perigo, ao insólito e ao diferente que, em 
 21 
interacção com o sistema límbico, desencadeiam linguagem emocional, palidez, 
sorrisos, ironia, medo, etc., consoante as culturas enraizadas no meio. 
A força e dinâmica da emoção converte as reacções automáticas em fortes 
ou fracas, em novas ou diferentes, integra o pensamento racional, activa-o e 
dinamiza-o ou, lentifica-o e desintegra-o. Por seu lado, tanto o pensamento racional 
como a consciência criam satisfações à emoção e situações de bem-estar, o que a 
estimula e reforça para novos e diferenciados níveis de acção, de comunicação e 
informação às restantes áreas do cérebro e, por conseguinte, à mente. Isto porque 
as emoções primárias, activadas por circuitos do sistema límbico, activam as 
reacções instintivas e inatas, os estímulos elementares e os comportamentos pré-
programados e transmitem-se e integram-se nas emoções secundárias forjadas e 
desenvolvidas pelos processos de socialização e da aculturação, as quais, por sua 
vez, após terem sido integradas pelo córtex cerebral, activam, dinamizam e reforçam 
os circuitos límbicos da emoção primária, bem como as funções da amígdala. 
Um tal conjunto de dinâmicas e de interactivas funcionalidades, que 
conduzem a actividade do cérebro a níveis de superioridade, enquadramento e 
integração, em interactivas e recíprocas comunicações com as acções ou 
actividades dos ecossistemas, dos meios ou ambientes, e emergindo, de tais 
processos, o conjunto das características psíquicas dum indivíduo ou, sintetizando, a 
sua estrutura mental, a qual, como se depreende, é produto de processos e de 
activações bio-neuro-sociopsicológicos individuais, submetidos à sócio-biodinâmica 
psicocomportamental de cada um e, em interacção com a força estimuladora, 
constante e permanente ou não das constelações ecossitémicas ambientais, 
culturais e civilizacionais. 
Por tais razões, é um facto que ninguém nasce totalmente condicionado, 
visto o humano ser permanentemente inacabado. As suas funções, capacidades e 
aptidões vão aparecendo conforme o seu crescimento e, muitas delas, só se 
manifestam após certos níveis de maturação neurofisiológica e maturidade psico-
emocional. Das interacções de tais funções, aptidões ou capacidades surgem novas 
e diferenciadas inter-relações e, por isso, também novas condições de vida que 
actuam sobre o meio e se repercutem, positivamente, sobre o indivíduo. 
No entanto, processando-se o desenvolvimento da região pré-frontal do 
cérebro bem como algumas áreas temporais tardiamente, isto é, por volta dos 3 
anos de idade, e constituindo o lobo pré-frontal uma espécie de "super-cérebro", só 
a partir de tal idade se inicia o processo de consciencialização objectiva do eu do 
indivíduo pois, segundo H.WaIlon (1925, pág. 287): "as funções pré-frontais tendem 
a integrar-se totalmente não só nos sistemas de movimento mas também nos da 
vida afectiva e nos da representação tanto perceptiva como das ideia “ As funções 
pré-frontais organizam a afectividade adaptando-a às circunstâncias, às previsões e 
à reflexão, mobilizam o campo intelectual, seleccionam as noções e os símbolos, a 
abstracção, a renovação e a invenção, possuem actividade de iniciativa e de 
orientação mental, do pensamento e da acção, demonstrando-se, assim, a 
existência de capacidades de modificabilidade de comportamentos neurocerebrais, 
cognitivos, emocionais e afectivos, principalmente através da criação e 
desenvolvimento do pensamento divergente e do pensamento irradiante, o que 
impõe a criação e o desenvolvimento de uma "literacia mental" processada, 
desenvolvida e difundida através das técnicas e estratégias da criação de "mapas 
mentais", técnicas que ajudam a mente a descobrir a sua própria natureza e, graças 
a tal descoberta, alimenta-se dela, desenvolvendo, assim, a globalidade do cérebro 
geradora de recíprocas e equilibradas inter-relações entre a mente, o corpo e o 
 22 
cérebro. 
A funcionalidade de tais inter-relações gera a funcionalidade global, a qual, 
por sua vez, organiza e reorganiza funcionalidades específicas, dimensionais ou 
sectoriais manifestadas através dos mais diversificados comportamentos, atitudes ou 
reacções que, por sua vez, retroagem e reorganizam parcialmente, positiva ou 
negativamente, a funcionalidade global do indivíduo. 
Ora, dispondo o aparelho neurocerebral do ser humano de uma 
generatividade própria, convertendo acontecimentos e acções em memória e 
saberes, um tal virtual potencial de reflexividade faz com que ele entre em relação 
consigo mesmo e tome consciência de si através dos impulsos e estímulos 
transmitidos pelos receptores sensoriais, o que cria organizações e estas geram 
representações da realidade exterior, graças ao original potencial do aparelho 
cerebral, rico em dispositivos inatos e em competências de desenvolvimento 
simultâneo de várias impressões sensoriais, oriundo do interior e do exterior, do 
memorizado e do adquirido e criando imagens e cenários diferenciados pela acção 
dos circuitos cerebrais e cuja eficiência interdepende não só da sua natureza mas 
também da sua abertura e disponibilidade à recepção de estímulos exteriores, 
factores essenciais do desenvolvimento de padrões da actividade neuronal do 
córtice cerebral e de desenvolvimento de actividades específicas do tálamo, da 
amígdala e do hipocampo em relação aos processos cognitivos. 
Um tal conjunto de dinâmicas interfuncionais, criadoras de imagens, 
representações e cenários, constituem a mente, espécie de república auto-
organizadora de cenários, que individualmente desabrocham, evoluem, desapare-
cem e subsistem para criar pensamento e actividades físicas, motoras e psíquicas 
com a salutar e eficiente ajuda da memória a longo prazo. A mente processa 
informações com uma vertiginosa velocidade e esta faz com que a mente se torne 
cada vez mais consciente, criando e recriando situações, associando factos e 
acontecimentos, interligando pessoas e objectos, atributos, predicados ou 
características. 
Esta interactuante e interactiva cooperatividade entre processos cerebrais e 
processos mentais, apesar de parecerem processos de natureza diferente, por um 
lado, são fenómenos mecânicos, eléctricos ou químicos que se desenvolvem em 
grupos neuronais e, por outro lado, ideias, recordações, fantasias, emoções e 
raciocínios que entram em colaboração e elaboram acções comuns emergentes do 
neuro-cerebral, do psíquico e do mental. Isto porque a mente, sem o seu suporte e a 
colaboração do sistema nervoso central, não pode existir e, muito menos, funcionar. 
Por outro lado, sendo o psiquismo uma produção das acções dos sistemas neuro-
cerebrais, cérebro, psiquismo e mente cooperam mútua e reciprocamente e 
necessitam uns dos outros, para existirem, funcionarem, desenvolverem-se, 
cooperarem, estruturarem-se e restruturarem-se. 
Um tal conatural processo bioneuropsíquico do mental, processo de 
retroacção ou retroalimentação é efectuado individualmente e seus efeitos 
constituem a estrutura dominante de suas estruturas mentais e atitudes psico-
comportamentais face a si mesmo, aos outros e à realidade envolvente tanto em 
seus processos e mecanismos de interiorização como de exteriorização, de 
flexibilidade e maleabilidade, de adaptabilidade e de integração, procedimento 
unitário, e, simultaneamente, unicitário que desenvolve e estimula, unifica e reunifica 
as acções sensoriais e motoras, os comportamentos psicofísicos e as actividades 
mentais. 
 Aparecendo então o psíquico como um produto do biofisiológico, e, o mental 
 23 
como produto da acção do psíquico sobre o biofisiológico, uma tal unidade triunitária 
procede por reprodução, reorganização e regeneração; por rememorização, reflexão 
e recorrência. Por seu lado, a recorrênciaé constituída por processos cujos produtos 
ou efeitos são necessários à sua generação e regeneração, constituindo-se, então, o 
processo de permanente activador do reanelamento vital do ser humano, constitutivo 
das dimensões do eu do indivíduo, da sua individualidade e identidade auto-
organizadora e auto-generadora do próprio eu, genofenomenicamente desenvolvido, 
expansivo e coerente, integrado, adaptável e gerador da própria consciência 
individual. 
Um tal conjunto de interactuações entre factos fisiológicos (objectivos) e 
factos mentais (subjectivos), em cujos primeiros encontram-se envolvidos os 
movimentos e as acções das moléculas, dos neurónios e das redes neuronais e, nos 
segundos, os resultados de tais interacções, como as experiências subjectivas do 
calor, do movimento, do sistema nervoso central ou periférico, etc., uns e outros 
envolvem a acção do tálamo e de outras regiões cerebrais. As primeiras têm 
causalidade biofisiológica e os segundos causas mentais. É, em tal sentido, da 
interacção do objectivo com o subjectivo que emerge o processo cognitivo, o 
conhecimento, o saber e a própria consciência do indivíduo. Daí o facto de tanto a 
consciência como o saber ser mescla de juízos, de valores e de características 
objectivas e subjectivas, aos quais não escapa o próprio mundo real descrito pela 
física e pela química, pela biologia e pelas matemáticas. 
Karl Popper e John Eccles (1977) ensaiaram a explicação do 
interaccionismo humano, isto é, da existência das recíprocas e mútuas interacções 
entre estados físicos e estados mentais, recorrendo à existência de 3 universos ou 
mundos, isto é, ao mundo físico, do qual fazem parte as entidades ou corpos 
materiais, os seus processos, as leis físicas e químicas das coisas e seres vivos, 
seus campos de forças que, sendo sistemas abertos de moléculas, interagem com 
algumas das partes constituintes do meio e, por isso, constituem estados físicos. 0 
mundo 2 é constituído por estados de consciência, pelas disposições psicológicas e 
pelos estados inconscientes e constitui estados mentais. 0 mundo 3 é formado pelos 
conteúdos do pensamento e pelos produtos da mente humana como, por exemplo, 
as teorias científicas, verdadeiras ou falsas; os problemas científicos, as obras de 
arte, as instituições sociais, os mitos explicativos, as histórias, etc., objectivos 
próprios da criação dos indivíduos, embora nem sempre tenham sido planificados. 
Muitos dos objectos pertencentes ao mundo 3 pertencem, simultaneamente, ao 
mundo 1) como sucede, por exemplo, com esculturas, pinturas ou livros que se 
dedicam a temas científicos ou literários. 
Existindo mútuas e recíprocas interacções entre os estados físicos (mundo 
1) e estados mentais (mundo 2), de tais interacções emergem estados, produtos ou 
efeitos, que são, simultaneamente, físicos e mentais, como sucede, por exemplo, no 
de uma dôr, o que evidencia o facto da interactuacção entre físico e mental, isto é, 
entre o corpo e a mente e entre a mente e o corpo ou, melhor dito, entre o cérebro e 
a mente e a mente e o cérebro, interaccionismo efectuador da natureza e da 
dinâmica psicofisiológica do ser humano. 
Os três mundos, segundo os referidos autores, interaccionam 
reciprocamente, pois tudo o que existe e é objecto de experiência se enquadra num 
ou noutro dos três mundos. 0 mundo 1 é um mundo dos objectos e dos estados 
físicos. 0 mundo 2 é um mundo dos estados de consciência e do conhecimento 
subjectivo e o mundo 3 é um mundo da cultura produzida pelo homem e 
compreende todo o conhecimento do objectivo. As interacções recíprocas efectuam-
 24 
se entre os mundos 1 e o 2 e entre os mundos 2 e 3, através da mediação do mundo 
1, pois, quando, por exemplo, o conhecimento objectivo do mundo 3, isto é, o mundo 
da cultura produzido pelo homem, está codificado em diversos objectos do mundo 1, 
como livros, quadros, estruturas, máquinas, este apenas se torna percepcionado, 
conscientemente, quando se projecta no cérebro, mediante os órgãos receptores e 
as vias aferentes apropriados. Por seu lado, reciprocamente, o mundo 2, o da 
experiência consciente, pode produzir mudanças no mundo 1, antes de chegar ao 
cérebro pelas contracções musculares, tornando-se, então, o mundo 2 capaz de 
actuar extensivamente sobre o mundo 1. Os três mundos reconhecem-se no mundo 
2, graças às percepções que recebe emanadas dos órgãos e dos sentidos e da 
ampla variedade de experiências cognitivas: pensamentos, recordações, intenções, 
imaginações, emoções, sentimentos, sonhos, etc., o que faz com que, no centro do 
mundo 2, se encontre o eu ou o ego do indivíduo, o qual constitui a base de 
identidade e de continuidade da pessoa e apresenta-se como efeito do "nexo" 
efectuado entre corpo, cérebro e mente, gerador de auto-identidade, de unidade e 
unicidade. 
 J. P. Changeux (1990) em relação ao funcionamento do cérebro humano 
diz: “ O cérebro do homem contém ou elabora pelo menos 3 grandes categorias de 
representações do mundo, cuja cinética de formação e estabilidade abrangem 
escalas de tempo que se distribuem entre o décimo de segundo e a centena de 
milhões de anos. Cada uma destas modas de representação dilata o campo do 
mundo representado. A rigidez de um encéfalo, totalmente determinado 
geneticamente, limitaria, de imediato, o número de operações efectuadas. A 
capacidade de construir representações lábeis abre a organização do encéfalo ao 
meio social e cultural. Estes novos mundos poderão agora evoluir por sua conta, 
segundo regras que, no entanto, se manterão limitadas pela capacidade de 
actuação da organização cerebral". Um tal processo de elaboração deve-se ao facto 
de que, ainda segundo o autor, o cérebro humano é constituído por milhares de 
milhões de neurónios interligados por uma intensa rede de cabos e conexões, nos 
quais circulam, nos seus filamentos, impulsos eléctricos ou químicos inteiramente 
explicáveis em termos moleculares ou físico-químicos e, por isso, qualquer 
comportamento explica-se pela mobilização interna de um conjunto, topologicamente 
definido por células nervosas. 
Seguindo de perto as perspectivas neurocerebrais desenvolvidas por 
Edelman (1978) e Thom (1980), Changeux numa perspectiva bastante reduccionista, 
ensaiando a análise da interacção do biológico-mental, afirma que o "objecto mental 
é identificado com o estado físico criado pela entrada em acção (eléctrica e química), 
correlacionada e transitória, de uma grande população ou reunião de neurónios 
distribuídos por diversas áreas corticais bem definidas". Tanto o conhecimento, 
como a imagem é "um objecto de memória mas possui apenas uma pequena 
componente sensorial, ou até não possui nenhuma, por resultar da mobilização de 
neurónios situados nas áreas de associação com especificidades sensoriais ou 
motoras múltiplas (como lobo-frontal), ou entre um grande número de áreas 
diferentes. A imagem é um objecto de memória, autónomo e fugaz, cuja evocação 
não exige uma interacção directa com o meio. Sendo a percepção primária um 
objecto mental, cuja actividade é determinada pela interacção com o mundo exterior, 
a passagem desta à imagem requer uma estabilização do "acoplamento entre 
neurónios do conjunto (consolidação) que a tornem independente do mundo 
exterior”. 
Segundo a perspectiva de Changeux, os estados mentais seriam idênticos 
 25 
aos estados da activação dos conjuntos topologicamente definidos pelas células 
nervosas, identificando, assim, a actividade mental à actividade cerebral. 
Apesar disso, no entanto, a constatação e análise das experiências 
vivenciais, psicofisiológicas e clínicas demostram que o cérebro e a mente são 
partes do organismo, e, quando se desenvolve uma actividade mental, os dois 
trabalham em cooperação com base nas respectivas competências de cada um, 
facto que demostra que sem um cérebro funcional não existe uma mente funcional e 
que sem uma mente funcional o organismo encontrar-se-ia na impossibilidade de 
concretizar funções

Continue navegando