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2 Sumário Abuso de autoridade........................................................................................07 Aspecto histórico...............................................................................................07 Constitucionalidade duvidosa.........................................................................09 Objeto jurídico tutelado...................................................................................11 Elemento subjetivo............................................................................................12 Vedação do crime de hermenêutica..............................................................14 Efeitos da condenação.....................................................................................18 Penas restritivas de direitos............................................................................21 Independência de instâncias...........................................................................22 Procedimento e competência.........................................................................23 Decretação ilegal de privação da liberdade.................................................24 Decretação descabida de condução coercitiva...........................................28 Condução coercitiva de investigado...............................................................29 Testemunha ou investigado.............................................................................31 3 Omissão de comunicação de prisão...............................................................31 Ausência de comunicação ao MP e à Defensoria.........................................32 Constrangimento de preso a exibição do corpo, vexame ou produção de prova....................................................................................................................34 Meios de execução............................................................................................34 Constrangimento a depoimento ou prosseguimento de interrogatório.....................................................................................................37 Sigilo profissional e proibição de depor como testemunha......................38 Interrogatório policial.......................................................................................40 Interrogatório judicial.......................................................................................41 Omissão de identificação ao preso.................................................................41 Identificação obrigatória e espontânea.........................................................42 Policiais velados e a possibilidade de se utilizar de história cobertura.............................................................................................................43 Agente Infiltrado................................................................................................43 Operações policiais de risco e uso de balaclava...........................................43 4 Interrogatório policial de réu preso...............................................................44 Interrogatório noturno.....................................................................................45 Nossa posição.....................................................................................................46 Impedimento ou retardamento de pleito de preso.....................................47 Impedimento de entrevista pessoal e reservada de preso........................48 Direito de entrevista..........................................................................................48 Investigado ou réu preso.................................................................................49 Justa causa..........................................................................................................50 Manutenção indevida de presos na mesma cela ou ambiente inadequado.........................................................................................................50 Lei de Execução Penal.......................................................................................50 Violação de domicílio com abuso de autoridade.........................................52 Dia e Noite..........................................................................................................53 Fraude processual com abuso de autoridade...............................................54 Constrangimento a funcionário de hospital.................................................56 5 Núcleos proceder e fazer uso..........................................................................57 Princípio da Especialidade................................................................................58 Matéria Jornalística...........................................................................................60 Instauração de investigação: obrigatoriedade e justa causa.....................61 Divulgação ilegal de gravação.........................................................................61 Modalidade especial de falsidade ideológica...............................................63 Procrastinação injustificada de investigação...............................................64 Duração Razoável..............................................................................................65 Cotas ministeriais de natureza protelatória..................................................66 Negativa de acesso a investigação.................................................................67 Abertura de vistas..............................................................................................68 Crime de exigência ilegal de informação ou cumprimento de obrigação.............................................................................................................68 Carteirada............................................................................................................69 O aceite de uma cortesia não configura abuso de autoridade..................69 Decretação excessiva de indisponibilidade de ativos.................................70 6 Morosidade injustificada no exame de processo.........................................71 Antecipação de atribuição de culpa por meio de comunicação................72 Abuso de autoridade (Lei 13.869/19) Ementa: Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Obs1. A LAA revogou a majorante do crime de violação de domicílio (art. 150, § 2º, CP) e o delito de exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350, CP). Obs2. No mandado de prisão temporária deverá constar o prazo e o dia em que o preso será libertado, após o qual será colocado em liberdade independente de nova ordem judicial (art. 2º, § 4º-A). Aspecto histórico - Operação Lava Jato. - Reação dos parlamentares por meio de projetos de lei. - Idêntico fenômeno ocorreu na Itália após a Operação Mãos limpas. Vale lembrar que o país ostenta hoje um dos piores níveis de combate a corrupção no continente europeu. Lei anterior (L. 4.898/65) - 19 infrações de menor potencial ofensivo - prescrição em 3 anos. 8 - tipos penais abertos e com penas irrisórias. Lei atual (L. 13.969/19) - Mais normas incriminadoras (arts. 9º a 38). - Apesar de eliminar o problema das penas insuficientes, exagerou em algumas sanções penais - Persistiu com crimes vagos demais - Criminalizou infrações disciplinares Detenção de 1 a 4 anos e multa Detenção de 6 meses a 2 anos e multa Quantidade 13crimes 11 crimes Tipos penais arts. 9º, 10, 13, 15, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 30 e 36 arts. 12, 16, 18, 20, 27, 29, 31, 32, 33, 37 e 38 Classificação crimes de médio potencial ofensivo crimes de menor potencial ofensivo Consequência gera prisão em flagrante e inquérito policial gera termo circunstanciado de ocorrência Pena Obs1. Não há crime apenado com reclusão Obs2. A pena de detenção deve ser cumprida em regime semiaberto ou aberto, salvo necessidade 9 de transferência a regime fechado (art. 33 do CP). Constitucionalidade duvidosa (a) Uma lei dessa envergadura deveria ter passado por um debate intenso junto à comunidade jurídica e à sociedade como um todo. (b) Com a utilização de expressões vagas e imprecisas, a lei parece ter malferido o princípio da tipicidade dos delitos (art. 5º, XXXIX da CF) e aberto espaço para a criminalização da hermenêutica. (c) O legislador escolheu alvos preferenciais para sofrer incidência dos tipos penais abertos, o que faz surgir a suspeita do propósito de retaliação na edição da lei (“abuso do poder de legislar” – princípio da impessoalidade). Destinatários do Abuso de Autoridade Crimes Deligado de Polícia 32 Policial 27 Membro do MP 21 Magistrado 14 Agente Penitenciário 8 Agente público em Geral 6 Parlamentar em CPI 5 Servidor do MP 5 Servidor do Judiciário 3 10 (d) O princípio da intervenção mínima ficou sob risco, na medida em que a lei transformou certas infrações disciplinares dos agentes públicos em crimes. (e) Estatuto da Criminalidade O diploma legal está contaminado por diversos tipos penais abertos e indeterminados, de duvidosa constitucionalidade, praticamente transformando o exercício de qualquer função pública, ainda que de maneira legítima, em uma verdadeira atividade de risco (Renato Brasileiro). Capítulo I Disposições Gerais Art. 1° Capítulo II Sujeitos do Crime Art. 2° Capítulo III Da ação penal Art. 3° Capítulo IV Dos efeitos da condenação e das penas restritivas de direito Arts. 4° e 5° Capítulo V Das sanções de natureza civil e administrativa Art.s 6° a 8° Capítulo VI Dos crimes e das penas Arts. 9º a 38° Capítulo VII Do procedimento Art. 39° Capítulo VIII Disposições finais Arts. 40 a 45 11 Objeto jurídico tutelado Bem jurídico imediato ou principal: Protegem-se os direitos e garantias fundamentais das pessoas físicas e jurídicas. Exs. liberdade de locomoção (arts. 9º, 10, 12), liberdade individual (arts. 13, 15 e 18), direito à informação (art. 16), direito de petição (art. 19), direito à assistência de advogado (arts. 20 e 32), direito à integridade física (art. 21), direito à inviolabilidade do domicílio (art. 22), administração do Estado e da Justiça (art. 23, 24, 25, 27, 29, 30, 31, 33, 36 e 37), intimidade e vida privada (arts. 13, 22, 28 e 38). Bem jurídico mediato ou secundário: Protegem-se a normalidade e a regularidade dos serviços públicos, isto é, o bom funcionamento do Estado. Questão: Comete crime de abuso de autoridade o delegado de polícia que, injustificadamente, deixa de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal: ( ) Certo ( ) Errado Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 12 Elemento subjetivo Art. 1º. (...) § 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. Obs1. Todas as infrações penais são dolosas. Não existe crime culposo na LAA. Obs2. Não basta o dolo de praticar a conduta descrita no tipo, sendo indispensável a demonstração do elemento subjetivo específico (finalidade especial do agente). Vai cair em todo concurso! Finalidade especial do agente (art. 1º, §1º) a) prejudicar outrem; b) beneficiar a si mesmo ou a terceiro; c) por mero capricho; d) por satisfação pessoal. Obs1. Esse especial fim que move a conduta do agente do agente não se presume, nem se deduz, e deverá ser demonstrado por prova inequívoca. 13 Elemento subjetivo geral (dolo) + Elemento subjetivo especial (animus abutendi) a) consciência b) vontade + a) prejudicar outrem b) beneficiar a si mesmo ou a terceiro c) por mero capricho d) por satisfação pessoal Ex. Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal (para prejudicar outrem, para beneficiar a si mesmo ou a terceiro, por mero capricho ou por satisfação pessoal). Obs2. Os tipos penais da Lei de Abuso de Autoridade são incongruentes, porquanto requerem a demonstração não somente do dolo (vontade e consciência de realizar os elementos do tipo penal), mas também de um especial fim de agir do agente. Obs3. São classificados como delitos de intenção (tendência interna transcendente) e, em sua maioria, como de resultado cortado (consumam-se independentemente de alcançar o resultado pretendido – crimes formais). Questão: Os crimes de abuso de autoridade são compatíveis com o dolo eventual? 1C: Sim, em regra, os crimes de abuso de autoridade são compatíveis com o dolo eventual, salvo se o tipo penal exigir expressamente o dolo direto, a exemplo do que ocorre com os art. 19, parágrafo único, art. 25, parágrafo único e art. 30 (Renato Brasileiro). 14 2C: A finalidade específica exigida do agente só pode ser atingida com vontade, e não com mera assunção do risco de atingir o resultado. Assim, os crimes da LAA são incompatíveis com o dolo eventual (Nossa posição e também de Rogério Sanches e Rogério Greco). Questão: E se a autoridade realizar uma interpretação equivocada da lei, dos fatos ou das provas, poderá incorrer no abuso? Ex. Promotor oferece denúncia, mas o juiz a rejeita, reconhecendo a insignificância penal. Haverá abuso por parte do membro do MP? Vai cair! Vedação do crime de hermenêutica Art. 1º (...) § 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade. Obs1. A norma visa coibir o chamado crime de hermenêutica (nome dado por Rui Barbosa). A interpretação jurídica, fática ou probato ́ria não pode ser criminalizada, sob pena de configurar crime de hermenêutica. Obs2. Cuidado! Interpretações absurdas e teratológicas, que pretendam subverter o sentido óbvio das palavras, configura abuso de autoridade. 15 Ex. Não pode o agente público ignorar o comando de uma Súmula Vinculante, sob a justificativa de estar realizando atividade hermenêutica. Obs3. Outros sistemas jurídicos adotam entendimento semelhante, como o da Alemanha, em que a criminalização do abuso de autoridade não alcança qualquer aplicação equivocada do direito, mas apenas aquela em que o agente se distancia conscientemente de forma gravíssima do Direito. Obs4. Natureza jurídica: 1C: Excludente do elemento subjetivo específico do agente: se no caso há apenas discordância na análise da norma, do fato ou da prova, é sinal de que o agente não atuou para causar benefício ou prejuízo, ou por capricho ou satisfação pessoal (Nossa posição). 2C: Excludente da imputação objetiva: há doutrina sustentando que a norma reafirma que algumas interpretações, ainda que arriscadas, encontram-se dentro do risco permitido para o desempenho de determinadas atividades humanas. Haveria, portanto, exclusão no nexo normativo (Renee do Ó Souza). Sujeito ativo Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dosMunicípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a: I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; 16 II - membros do Poder Legislativo; III - membros do Poder Executivo; IV - membros do Poder Judiciário; V - membros do Ministério Público; VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas. Art. 2º (...) Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo. Obs1. O crime de abuso de autoridade exige uma condição pessoal de agente público que é elementar do crime e, como tal, ainda que subjetiva, comunica-se ao particular (art. 30, do CP). Portanto, admite-se que o particular concorra na condição de coautor ou partícipe desde que, por óbvio, tenha ciência dessa condição especial, sob pena de incidir no erro de tipo. Obs2. Regra de ouro: Para saber se houve ou não o crime de abuso de autoridade, a conduta deve ter sido praticada em razão do cargo (propter officium). Dessa forma, desde que invoque a sua função, o agente público poderá responder por este crime, ainda que não esteja de serviço. 17 Ex1. Policial militar em dia de folga e sem farda. Ex2. Férias ou licença. Atenção! Agente aposentado: não existe mais vi ́nculo com o Estado, logo, não responde por abuso de autoridade. Obs3. Abuso de Autoridade cometido por militar Súmula 172 do STJ: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.” Em decorrência da alteração do art. 9º, do CPM, promovida pela Lei 13.491/17, o delito tipificado em legislação penal especial (como é o caso da Lei de Abuso de Autoridade) praticado pelo militar é considerado crime militar. Portanto, deve ser investigado e processado naquela seara (encontra-se superada a Súmula 172 do STJ) . Questão: Aquele que exerce cargo em uma paraestatal pode cometer crime de abuso de autoridade? 1C: Em se tratando de lei especial que se silenciou, e sendo vedada a analogia in malam partem, não se aplica o conceito de agente público por equiparação à nova lei de abuso de autoridade (Nossa posição; Renato Brasileiro); 18 2C: Aqueles que exercem func ̧ão em paraestatais podem responder por abuso de autoridade, pois, apesar do vínculo na ̃o ser pu ́blico, exercem poder de mando e, por isso, podem atuar com excesso de poder ou desvio de finalidade. (Renee de Ó Souza). Sujeito passivo Os crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade têm dupla subjetividade passiva: a) O Estado (Poder Público); b) A pessoa física ou jurídica diretamente atingida. Ação Penal Todos os delitos previstos na Lei de Abuso de Autoridade são de ação penal pública incondicionada, admitindo-se a ação penal privada subsidiária da pública em caso de inércia do MP (art. 3º). Efeitos da condenação Art. 4º São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos; 19 Obs1. Diferentemente da regra prevista no art. 387, IV, do CPP, na Lei de Abuso de Autoridade o valor mínimo da indenização não será fixado obrigatoriamente pelo juiz, mas apenas se requerido pela vítima. Cuida-se, portanto, de efeito não automático (princípio da especialidade). Obs2. Se a vítima não tiver feito expressamente esse requerimento, caberá tão somente o direito a liquidar, no juízo cível, seu título executivo judicial, vale dizer, a sentença penal condenatória transitada em julgado. Art. 4º São efeitos da condenação: (...) II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Obs. A inabilitação para o exercício do cargo, mandado ou função pública pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos diferencia-se da perda do cargo, mandato ou função pública, pois uma vez decorrido o período estabelecido na sentença condenatória, o agente público condenado estará habilitado novamente ao exercício das referidas atividades. Questão: A perda do cargo é efeito automático da da sentença que condena o agente pela prática do crime de abuso de autoridade? Art. 4º São efeitos da condenação: (...) 20 Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença. Atenção! “Quantum da pena” Código Penal (art. 92, inciso I): condiciona a perda do cargo, mandado ou função pública à PPL: a) igual ou superior a 1 ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou b) quando for superior a 4 (quatro) anos nos demais casos LAA: reincidente específico em crime de abuso, independentemente do “quantum” da pena aplicada. 21 Penas restritivas de direitos Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são: I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens; Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente. Obs1. A LAA não estabeleceu os requisitos para a substituição da PPL por PRD. Ante o silêncio da lei especial, impõe-se a aplicação das regras gerais do art. 44, do CP: a) aplicada PPL não superior a 4 anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; b) o réu não for reincidente em crime doloso; e c) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. 22 Independência de instâncias Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis. Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que descreverem falta funcional serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração. Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal. Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Obs1. O comportamento abusivo do agente público pode ensejar, a um só tempo, ilícitos de natureza penal, civil, administrativa e política, sendo as sanções aplicadas de forma independente. Obs2. Essa independência é relativa, pois alguns resultados da sentença penal podem repercutir em outras esferas de responsabilidade. Exs.: Absolvição por excludente de ilicitude; absolvição por reconhecimento da inexistência material do fato; sentença condenatória que reconhece autoria e materialidade, etc. 23 Procedimento e competência Art. 39. Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e da Lei nº9.099, de 26 de setembro de 1995. Obs. Os crimes que não são de menor potencial ofensivo devem respeitar o rito especial dos crimes funcionais (arts. 513 a 518 do CPP), cuja característica marcante é a possibilidade de apresentação de resposta preliminar. 24 Dicas de ouro! 1. A LAA não prevê nenhum crime culposo. 2. Não existe crime apenado com reclusão. 3. Diferentemente da lei anterior, nem todos os delitos são infrações de menor potencial ofensivo. 4. Todos os crimes da LAA são de ação penal pública incondicionada. 5. Lembrem-se dos vetores interpretativos. Os crimes previstos na LAA exigem elementos subjetivos específicos do agente, sendo vedado o crime de hermenêutica. 6. A perda do cargo não é efeito automático da condenação e exige reincidência específica, não importando o “quantum da pena aplicada”. Decretação ilegal de privação da liberdade Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de: I - relaxar a prisão manifestamente ilegal; 25 II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível; III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível. Sujeito ativo 1C: Crime próprio, pois só pode ser praticado por aquele que tem atribuição para decretar a privação de liberdade (magistrados e delegados de polícia) – Rogério Sanches, Rogério Greco e Renato Brasileiro. 2C: Crime de mão própria, pois só pode ser praticado pelo magistrado (criminal, cível ou da infância e juventude). O Delegado de Polícia não pode ser sujeito ativo desse delito – Nossa posição e também de Samer Agi. Fundamentos da nossa posição: a) A lei anterior previa, no mesmo tipo penal (art. 4º, “a”) a conduta de ordenar ou executar medida privativa de liberdade com abuso de poder. Criminalizava tanto o agente público com poder de decidir sobre a privação da liberdade (ex: juiz e delegado), quanto o mero executor da ordem do superior (ex: servidor do Judiciário e policial). A nova lei separou em 2 crimes distintos as condutas de ordenar (art. 9º) e executar (art. 11) a custódia ilegal, inserindo no segundo delito a ação do delegado de decretar ilegalmente prisão em flagrante, bem como dos policiais que executam a captura. Portanto, o art. 9º foi o tipo penal idealizado para incidir somente em face de magistrados. Poderia o legislador ter aglutinado no mesmo crime as 2 autoridades que decretam a privação da liberdade: a policial (prisão em flagrante) e a judicial (prisão 26 preventiva, temporária e pena). Mas como não foi esse o caminho adotado, não pode ser alterado por meio de analogia in malam partem. Ocorre que o art. 11 foi vetado pelo PR e o veto mantido pelo CN. b) O art. 9º também foi vetado pelo PR que reconheceu nas razões do veto que o crime é praticado somente pelo magistrado: “poderia comprometer a independência do magistrado ao proferir a decisão pelo receio de criminalização da sua conduta”. Diferentemente do art. 11, nesse caso o veto foi derrubado pelo CN. c) O parágrafo único do art. 9º reforça o intento do legislador em punir somente o juiz, pois se refere expressamente à autoridade judiciária, o que serve de norte magnético para a interpretação do caput. A localização topográfica da figura equiparada é forte indício de que a figura simples segue a mesma sorte (crime praticável apenas por magistrado). 27 Cuidado! Art. 9º (...) Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de: I - relaxar a prisão manifestamente ilegal; II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível; III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível. 28 Obs. As condutas do parágrafo único são todas omissivas pro ́prias. Portanto, não se admite a tentativa. Decretação descabida de condução coercitiva Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 1) Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida Sujeito ativo: Magistrado, delegado de polícia, membro do Ministério Público e parlamentar em CPI. 2) Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem prévia intimação de comparecimento ao juízo. Sujeito ativo: somente o magistrado Questão: Pratica esse delito o agente de polícia ou o policial militar que realiza a condução coercitiva de alguém capturado ilegalmente (que não estava em estado flagrancial)? A utilização do termo decretar limitou a incidência do delito somente às autoridades que, possuindo poderes legais de decretação semelhantes ao do magistrado, ajam de forma inadequada (delegado, membro do MP e parlamentar em CPI). 29 Obs. Se houver finalidade especial, o ato de ofício contra expressa disposição de lei pode configurar delito de prevaricação por parte do policial militar ou do agente de polícia (art. 319 do CP). Condução coercitiva de investigado O STF decidiu (ADPFs 395 e 444) ser vedada a condução coercitiva para interrogatório, seja policial, seja judicial (direito de não produzir prova contra si mesmo). Como exemplos de diligências que não acarretam a autoincriminação por não demandar comportamento ativo do imputado e não configurar prova invasiva, temos: (a) reconhecimento pessoal, (b) identificação criminal. De outro lado, podemos lembrar das seguintes diligências que acarretam autoincriminação: (a) interrogatório, (b) reconstituição simulada do crime, (c) perícia vocal ou grafotécnica, (d) exame de etilômetro (bafômetro), (e) exame de sangue. 30 31 Testemunha ou investigado O tipo penal, curiosamente, criminaliza apenas a decretação descabida de condução coercitiva de testemunha ou investigado. Assim, não há abuso de autoridade a condução forçada de réu, vítima ou perito, por força do princípio da taxatividade. A falha grave do legislador só pode ser sanada via processo legislativo, e não por analogia in malam partem. Omissão de comunicação de prisão Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal: Pena: detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Sujeito ativo É o delegado de polícia, podendo também ser praticado pelo escrivão ou investigador. O que se entende por prazo legal? Doutrina: para fins de incidência deste tipo penal, ocorre crime quando não é feita a remessa do auto de prisão em flagrante no lapso temporal de 24h a contar da captura. 32 Essa comunicação à autoridade judiciária pode ser realizada por qualquer meio hábil (email, telefone, ou entrega pessoal de ofício). O importante é o agente público se resguardar e manter um comprovante de que a comunicação foi realizada dentro do prazo legal. # E se o atraso for justificado? Não há crime. Omissão de comunicação de prisão Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal. Ausência de comunicação ao MP e à Defensoria Não foi criminalizada a ausência de comunicação da prisão em flagrante ao Ministério Público e à Defensoria Pública (art. 306, caput e §1º do CPP). Entendimento diverso equivaleria a analogia, considerada, aqui, in malam partem. Pode acarretar o relaxamento da prisão. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem: I– deixa de comunicar, imediatamente, a execuçãode prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou; 33 II– deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada; III– deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas; IV– prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal. Detalhe importante! Obs. No caso do inc. III, parece possível, em situações excepcionais, que da nota de culpa não conste o nome do condutor, das testemunhas e das vítimas. Isso tudo para garantir a segurança de tais pessoas, quando se tratar de crime gravíssimo, como, por exemplo, os que envolvam criminalidade organizada. Note-se que a Lei n. 12.850/2013, que trata dessa espécie de criminalidade, concede ao colaborador (colaboração premiada), “ter [o] nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados” (art. 5º., inc. II). A mesma lei estende esse benefício ao agente infiltrado (art. 14, inc. III). Também a Lei n. 9.807/1999, assegura a vítimas e testemunhas, a “preservação da identidade, imagem e dados pessoais” (art. 7º., inc. IV). 34 Constrangimento de preso a exibição do corpo, vexame ou produção de prova Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência. Detento: capturado, sem flagrante formalizado. Preso: prisão devidamente formalizada (flagrante, temporária, preventiva ou prisão pena). Obs. Não abrange investigado solto nem o réu solto. Meios de execução 1) Violência física Abrange desde as vias de fato à lesão gravíssima. 35 Somam-se as penas (Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência). 2) Grave ameaça É a violência moral. 3) Violência imprópria Consiste na redução da capacidade de resistência da vítima. Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; Obs1. O legislador vista evitar o chamado “perp walk” (caminhada do perpetrador). De origem norte-americana, refere-se à prática policial de exibir, de maneira intencional e sensacionalista, um preso à mídia, com o propósito deliberado de atingir e ofender a sua honra ou a sua imagem. Obs2. Não há crime se houver autorização do preso, ou quando houver justificativa de interesse público (efetividade da persecução penal e o direito à informação – ex. retrato falado de foragidos), pois o que se veda é a exibição do preso à curiosidade pública. Obs3. O próprio Código Civil faz essas ressalvas: Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser 36 proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Obs4. É interessante que a autoridade fundamente por escrito a decisão de expor a imagem do preso, visando evitar ilações acerca dos motivos que o levaram a mostrar o rosto ou sinais característicos daquele. Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: (...) II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; Ex1: Forçar o preso a gravar vídeo chorando e pedindo desculpas à Polícia Militar; Ex2: Força o preso a ficar nu ou a vestir uma roupa ridícula. Nesses casos, pode se fazer presente a satisfação pessoal (art. 1º, §1º). Lei de Abuso de Autoridade Lei de Tortura Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I– exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II– submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; Art. 1º Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; (...) 37 III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência. (...) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: (...) III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: Ex. injetar substâncias químicas na vítima, a fim de que isso cause reaço ̃es em seu corpo e, fatalmente, facilite a obtenc ̧ão de declarac ̧o ̃es (conhecido como soro da verdade ou narcoanálise). Constrangimento a depoimento ou prosseguimento de interrogatório Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo: 38 Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório: I – de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou II – de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono. Sigilo profissional e proibição de depor como testemunha Os profissionais englobados pelo sigilo são indicados em diversas normas constitucionais, legais e infralegais, a exemplo do (a) parlamentar (art. 53, §3º da CF), (b) advogado (art. 7º, XIX da Lei 8.906/94), (c) médico (art. 73 do Código de Ética Médica) e (d) padre (art. 983, §1º do Código Canônico). O impedimento não é absoluto, pois referidas pessoas podem ser desobrigadas pela parte interessada no resguardo da informação (art. 207, CPP). Nesse caso, por óbvio, não há que se falar em constrangimento se o profissional optar por dar seu testemunho. Art.15 (...) Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório: 39 I – de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou O interrogatório é dividido em 2 partes. 1ª) Diz respeito à identificação do interrogado: é obrigado a responder a verdade (pois não corre o risco de se autoincriminar), sob pena de cfime de falsa identidade (art. 307 do CP – Súmula 522, STJ) 2ª) Diz respeito aos fatos apurados: somente nessa etapa incide o direito ao silêncio (já que existe o perigo de produzir prova contra si mesmo). Cuidado! 40 De agora em diante, o exercício do direito ao silêncio não deve ser fracionado no interrogatório. Se antes o advogado do investigado ou réu podia escolher quais questionamentos desejava que seu clienterespondesse, agora essa estratégia defensiva ficou prejudicada. Se houver a negativa do interrogado em responder aos questionamentos formulados pelo agente público, não deve a autoridade prosseguir com as perguntas, como se ele pudesse optar em responder uma ou outra e tampouco consignar os quesitos no auto. “Se o investigado não é obrigado a falar, não faz qualquer sentido que seja obrigado a comparecer ao ato, a menos que a finalidade seja de registrar as perguntas que, de antemão, todos já sabem que não serão respondidas, apenas como instrumento de constrangimento e intimidação” (Rcl 39449/PR, Min. Gilmar Mendes, 04/03/2020). Art. 15 (...) Parágrafo único: Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório: (...) II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono. Interrogatório policial O advogado continua sendo facultativo. Se o investigado optar por ser assistido, o Delegado não poderá realizar o interrogatório sem a presença do advogado. 41 Atuação exclusiva para a inquirição de seu cliente (e não nas oitivas de outros envolvidos, às quais pode ter acesso assim que finalizadas e juntadas aos autos) Interrogatório judicial A presença de defensor é obrigatória, seja advogado, defensor público ou defensor dativo, com ou sem a vontade do interrogado (art. 185 do CPP). Obs. O delegado não está obrigado a aguardar o comparecimento do causídico para então iniciar e concluir o interrogatório, principalmente no caso de prisão em flagrante, que possui exíguo prazo para conclusão, não precisando o procedimento permanecer suspenso até a chegada do patrono. Basta que não se prossiga com a inquirição do suspeito. Omissão de identificação ao preso Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso quando de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por interrogatório em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função. 42 Inexplicavelmente, caput e parágrafo, ao menos aparentemente, têm alcance distintos. O parágrafo único acaba punindo não somente aquele que deixar de se identificar ou se atribuir uma identidade falsa, como também aquele que deixa de informar seu cargo ou função, ou mesmo informa cargo ou função falsa. Ex: alguém se identifica ao preso como sendo o Delegado de Polícia quando, na realidade, é o escrivão ou o investigador. Duas são as formas de cometer o abuso. 1) Deixar de se identificar (atuação negativa) 2) Identifica-se falsamente (atuação positiva). Obs. O nome completo não precisa ser mencionado, bastando um dos sobrenomes ou o nome de guerra, aquele pelo qual o agente público é identificado na instituição. Identificação obrigatória e espontânea O tipo penal faz uso das expressões deixar de identificar-se e identificar-se falsamente, indicando a existência de uma obrigação legal imposta aos agentes públicos quando efetuam a prisão de alguém. Não se trata, portanto, de uma mera faculdade, mas sim, de um dever daquele que realiza a prisão. 43 Policiais velados e a possibilidade de se utilizar de história cobertura É possível que durante o trabalho investigativo indivíduos venham a ser capturados em flagrante delito por policiais à paisana. Nessa hipótese, não vemos saída: deverá o policial que agiu de forma velada identificar-se, sob pena de incorrer no delito de abuso de autoridade. Agente infiltrado Não precisa se identificar (art. 14, incisos II, III e IV, Lei 12.850/13). Operações policiais de risco e uso de balaclava A fim de não comprometer o êxito da operação, não se pode exigir dos policiais a imediata retirada da balaclava. Porém, após controlada a situação, devem se apresentar ao preso os policiais responsáveis pelo seu ato de captura, e não todos aqueles que participaram daquela intervenção. Somente estes policiais é que possuem o dever de fazê-lo. 44 Interrogatório policial de réu preso Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por interrogatório em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função. Ex: alguém se identifica ao preso como sendo o Delegado de Polícia quando, na realidade, é o escrivão ou o investigador (falsidade de cargo ou função). Obs. O crime não incide no interrogatório a) policial do investigado solto, e b) judicial do réu preso ou solto, Nesse caso, embora não haja abuso de autoridade, poderá ocorrer o crime do art. 307, CP. 45 Interrogatório noturno Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Obs1. Abrangência do tipo penal: Não incide no a) interrogatório policial do investigado solto. b) interrogatório judicial do réu preso ou solto; 46 Obs2. A oitiva do indiciado deve ser feita, ordinariamente, durante o dia, pouco importando o dia da semana. Não há proibição de interrogatório durante final de semana ou feriado. Apenas durante o repouso noturno. # O interrogatório policial, no caso de preso preventivo ou temporário, não poderá ser realizado durante o período de repouso noturno. Mas o que se entende por repouso noturno? Art. 212 CPC: “Art. 212. Os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas” Art. 22, III, Lei de Abuso: § 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem: (...) III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas). Nossa posição Para manter coerência com a própria lei, a melhor solução é realizar uma interpretação sistemática e adotar o critério trazido pelo legislador no art. 22, § 1º, III. 47 De acordo com esse dispositivo, o mandado de busca e apreensão domiciliar não pode ser cumprido no período entre 21h e 5h. Com isso, devemos compreender que a expressão repouso noturno abrange esse intervalo de tempo, no qual o interrogatório policial não pode ser, em regra, realizado. Impedimento ou retardamento de pleito de preso Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente do impedimento ou da demora, deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja. Obs1. No caput, o crime é próprio. Comete esse delito, por exemplo, o delegado de polícia que impede o envio, ao jui ́zo competente, de habeas corpus elaborado por preso. Também comete a conduta abusiva o escrevente da Vara Criminal que, dolosamente, deixa de dar seguimento a pedido de advogado que busca a apreciação da legalidade da prisão de seu cliente. 48 Obs2. No parágrafo único, o crime só pode ser praticado por magistrado, que ao tomar ciência do impedimento ou da demora do envio do pleito de preso à autoridade judiciária competente, não toma as providências para saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a prisão, deixa de enviar o pedido ao magistrado que o seja. Nessa hipótese, o crime é de mão própria. Impedimento de entrevista pessoale reservada de preso Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Direito de entrevista Diversos diplomas, inclusive internacionais, garantem o direito de entrevista do preso com seu defensor, considerando-o essencial para que a autodefesa e a defesa técnica se complementem. É o que se observa da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), do Código de Processo Penal, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), e do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94). Daí a importância de o delegado ou juiz consignar no termo de audiência que o preso teve assegurada a entrevista pessoal e reservada com seu defensor, antes do seu início. 49 Investigado ou réu preso O impedimento de entrevista com advogado só configura abuso de autoridade quando se referir a preso, seja na condição de investigado ou réu (isto é, antecedendo interrogatório policial ou judicial). O tipo penal não abarca a vedação de entrevista com advogado em relação a investigado ou réu solto. Cuidado! Todavia, essa conduta está abrangida no delito inserido pela própria Lei de Abuso de Autoridade no Estatuto da OAB. 50 Justa causa O legislador estabeleceu que o direito de entrevista com advogado não é absoluto, podendo ser negado se houver justa causa. Ex1. defensor constituído; Ex2. advogado e cliente presos na mesma operação (veda-se que o advogado tente contato com os outros investigados sob o pretexto de realização de entrevista prévia). Manutenção indevida de presos na mesma cela ou ambiente inadequado Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei de Execução Penal Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. 51 § 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. § 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados. Aparecem como elementos espaciais do tipo a cela ou o espaço de confinamento. Cela abrange o local destinado ao recolhimento dos presos, cautelares ou definitivos. # E o que significa espaço de confinamento? Alcança qualquer área ou ambiente não projetado para ocupação contínua do preso, como sítios de triagem, ambiente de custódia nos fóruns, veículos de transporte de presos (caminhão baú) etc. 52 Travesti e transexual A Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, editada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP e pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD/LGBT, estabeleceu os parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade. Travesti: Deverá ser recolhido em cela feminina. Transexual: Deverá ser recolhido na cela que diga respeito ao seu gênero, a menos que opte em permanecer na cela correspondente ao seu sexo anatômico. Violação de domicílio com abuso de autoridade Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem, na forma prevista no caput: I– coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências; 53 II– vetado; III– cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas). § 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre. Dia e noite Critério físico-astronômico: Dia é o período entre a aurora e o crepúsculo (nascer e pôr-do-sol) 54 Critério cronológico: Engloba o espaço de tempo entre 6h e 18h. Critério adotado: A Lei 13.869/19 define como crime o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h ou antes das 5h (adotou o critério cronológico). Questão: Iniciada a diligência durante o dia (ex. 17h), ela poderia se estender até às 22 horas, quando já é noite ou seria necessária a suspensão dos trabalhos? Eventual suspensão dos trabalhos demandaria que a casa fosse cercada, com rodízio de equipes policiais, e todos os moradores impedidos de sair, gerando o risco de que objetos ilícitos ainda não encontrados fossem destruídos ou ocultados, frustrando a diligência. Portanto, não deve haver solução de descontinuidade nos trabalhos policiais. Fraude processual com abuso de autoridade Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de: 55 I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência; II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo. Obs1. O legislador visa coibir as chamadas provas plantadas. Obs2. Nas modalidades equiparadas, existe a intenção de o agente se livrar de responsabilidade civil ou administrativa (ou ainda desviar o curso da persecução), o que leva à conclusão de que na figura simples a responsabilidade que o autor deseja se eximir é criminal. Obs3. O fato de o agente praticar a fraude processual para encobrir crime anterior não afasta a incidência do tipo penal. O direito à não autoincriminação não abrange a possibilidade de alterar a cena do crime e inovar o estado de lugar, coisas ou pessoa, criando artificiosamente outra realidade. 56 Constrangimento a funcionário de hospital Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Ex. Cena de falso confronto policial. 57 O policial busca alterar o local do crime ou até mesmo o momento da morte, prejudicando a apuração. Difícil saber onde o fato realmente ocorreu se o corpo for levado ao hospital. O trabalho pericial fica muito prejudicado, a indicar que o local do crime não foi preservado (arts. 6º, I e 169 do CPP). Obtenção ou utilização de prova ilícita Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, tendo prévio conhecimento de sua ilicitude. Núcleos proceder e fazer uso No caput, o legislador pune a conduta daquele que produz a prova ilícita, ao passo que no parágrafo único incrimina aquele que se utiliza de tal prova, com prévio conhecimento de sua ilicitude. Art. 25, caput: 58Somente pode ser praticado dolosamente, acrescido do especial fim de agir anunciado no §1º. do art. 1º (prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal). Art. 25, parágrafo único: Também punido a título de dolo, mas não segue a regra geral. O legislador preferiu restringir ainda mais o alcance do tipo, exigindo do agente finalidade única: prejudicar o investigado ou fiscalizado. Prova baseada em entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência Considerando que não se admite o chamado crime de hermenêutica (art. 1º, §2º), não há que se falar em crime de abuso de autoridade na conduta do agente público que faz uso de prova por entender, com base na legislação ou na jurisprudência e doutrina dominantes, que não houve qualquer ilicitude na sua obtenção. Princípio da especialidade O art. 25 da Lei de Abuso de Autoridade pode ceder espaço para outros crimes previstos em diplomas mais específicos, como é o caso da obtenção de prova em interceptação telefônica realizada sem autorização judicial (art. 10 da Lei nº 9.296/96. Instauração ou requisição de investigação sem indícios 59 Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, a ̀ falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Não ha ́ crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada. Requisição infundada Identificada eventual requisic ̧a ̃o infundada recebida do MP, deverá o delegado devolver fundamentadamente o expediente para reapreciac ̧a ̃o do requisitante, que, se insistir, poderá incorrer no crime de Abuso de Autoridade. Para a configuração do delito é necessária a absoluta inexistência de qualquer indício. Inexistindo indícios razoáveis para a investigação formal, é sempre recomendável lançar mão de investigações preliminares, como é o caso da VPI. A propósito desse tema, foi aprovada a Su ́mula nº 10 do Seminário Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), realizado na Academia de Poli ́cia de São Paulo no dia 19/11/2019, abaixo transcrita: Quando a noti ́cia de fato não viabilizar instauração de procedimento investigato ́rio, o Delegado de Poli ́cia responsável determinara ́ a verificação da procedência das informaço ̃es a título de investigac ̧ão preliminar sumária, em atenção ao artigo 5º, § 3º, do CPP, sem prejui ́zo de ulterior acautelamento fundamentado enquanto na ̃o obtidos 60 elementos indicia ́rios que denotem justa causa para deflagrar o procedimento legal cabível. Matéria jornalística Não haverá crime se a investigação instaurada teve como origem uma matéria jornalística (o tipo penal emprega a expressão “a ̀ falta de qualquer indício”). Aliás, esse é o entendimento da 6ª Turma do STJ (RHC 98.056-CE, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 04/06/2019 - Info 652). 61 Instauração de investigação: obrigatoriedade e justa causa A evolução de uma bem sucedida persecução penal (desde sua primeira fase policial até sua segunda etapa judicial) se dá pela instauração do inquérito policial, passando pelo oferecimento da acusação e chegando à condenação. Ocorre de maneira gradual conforme os standards probatórios são alcançados, e se avança de um juízo de possibilidade (obtido com indícios mínimos) para um juízo de probabilidade (amparado em indícios suficientes), atingindo por fim a um juízo de certeza (calcado em provas robustas) Divulgação ilegal de gravação Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 62 A Resolução n° 59/2008, do CNJ, disciplina as rotinas quanto ao sigilo a ser observado na Lei n° 9.296/1996, no que se refere a transmissão e preservação de dados obtidos por meio dessa diligência. Em seu art. 17, determina que: “não será permitido ao magistrado e ao servidor fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos contidos em processos ou inquéritos sigilosos, sob pena de responsabilização nos termos da legislação pertinente”. Obs1. Não se ajustava a qualquer das condutas do art. 10 da Lei de Interceptações Telefônicas aquela em que o agente divulgava gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado. Obs2. O crime pressupõe interceptação legal (legítima e lícita), havendo abuso no manuseio do conteúdo obtido com a medida. Interceptação telefônica ilícita Crime art. 10, Lei 9.296/96 Captação ambiental ilícita Crime do art. 10-A, Lei 9.296/96 Divulgar trecho de interceptação telefônica lícita Crime do art. 28 da Lei 13.869/19 (abuso de autoridade) Divulgar trecho de interceptação ambiental lícita 63 Crime do art. 10-A, § 2º, da Lei 9.296/96 Falsa informação sobre procedimento Art. 29. Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Modalidade especial de falsidade ideológica Exemplo: cometerá esse crime de abuso de autoridade o delegado de polícia que, na qualidade de autoridade coatora, presta informações falsas em sede de um habeas corpus com o fim de prejudicar interesse de investigado. 64 Obs. Os crimes tipificados na Lei de Abuso de Autoridade são punidos a título de dolo, demandando, em regra, a finalidade do §1º. do art. 1º (prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal). Contudo, no crime em exame, o legislador optou por restringir ainda mais o alcance do tipo, exigindo do agente finalidade única: prejudicar interesse de investigado. Agindo com finalidade diversa, por exemplo, beneficiar o indigitado, pode responder por outro delito, como prevaricação (art. 319 do CP), a depender das circunstâncias do caso concreto. Procrastinação injustificada de investigação Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado. As condutas do caput e do parágrafo único não se confundem. Caput: o legislador pune o comportamento do agente público que, de forma injustificada, estende a investigação, procrastinando-a em desfavor do investigado ou 65 fiscalizado. Estender aqui tem o sentido de extrapolar, ultrapassar o prazo legalmente estabelecido, a exemplo daquele estipulado para a conclusão do inquérito policial. Parágrafo único: pune-se a mesma conduta (figura equiparada), porém, envolve procedimentos que não possuem prazo legal para sua conclusão, como ocorre, por exemplo, com as verificações de procedência de informações (VPI). Estender injustificadamente (caput) e estender de forma imotivada (parágrafo único) Caso o agente público prorrogue a apuração indicando os motivos, inexiste delito, ainda que não se concorde com tal fundamentação. Ex1. falta de recursos humanos e materiais para a conclusão; Ex2. a complexidade do caso investigado (grande número de agentes ou vítimas), que demandea realização de inúmeras diligências (colheita de prova pericial, testemunhal, etc.) podem justificar um atraso na ultimação do feito. Ex3. dificuldade para a realização de determinado exame pericial, o que pode prologar demasiadamente uma investigação. Duração razoável O excesso de prazo na instrução do procedimento investigatório não pode resultar de simples operação aritmética, devendo-se considerar a complexidade do feito, atos procrastinatórios muitas vezes atribuídos à defesa e número de pessoas envolvidas na 66 apuração, fatores que, analisados em conjunto ou separadamente, indicam ser, ou não, razoável o prazo para o seu encerramento. Cotas ministeriais de natureza protelatória Com a previsão desse tipo penal, os membros do Ministério Público precisam ter cautela: se há remessa injustificada da investigação para a delegacia, procrastinando-a, podem ser responsabilizados pelo art. 31 da nova Lei de Abuso de Autoridade; se não se cercam de todos os lados para ofertar a peça inicial (justa causa fundamentada), podem incidir no crime previsto no art. 30 desta lei. Crítica: Como se percebe, diversos tipos penais possuem nítido caráter intimidativo e pode surtir efeitos em autoridades públicas investidas na função investigatória (Polícia e MP), padecendo de inconstitucionalidade e inconvencionalidade. 67 A obrigação de proteger os direitos humanos, para ser efetiva, ocorre mediante a concessão de garantias de que as autoridades atuarão sem retaliações indevidas. Negativa de acesso a investigação Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Duas são as modalidades de condutas típicas anunciadas pelo art. 32: a) negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos; b) impedir a obtenção de cópias Atenção! Não há crime se o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível. A matéria já estava disciplinada na Súmula Vinculante 14: 68 “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. O alcance da Súmula (e da incriminação do art. 32) refere-se ao direito assegurado ao interessado (bem como ao seu defensor ou advogado) de acesso aos elementos constantes em procedimento investigatório que lhe digam respeito e que já se encontrem documentados nos autos, não abrangendo, por óbvio, as informações concernentes à decretação e à realização das diligências investigatórias pendentes, em especial as que digam respeito a terceiros eventualmente envolvidos. Abertura de vistas E ́ importante que o Delegado de Poli ́cia, ao abrir vistas ao causi ́dico ou ao interessado, o faça de maneira formal e mediante termo, a fim de que o exame fique documentado, inclusive acerca de horário, local e data. Crime de exigência ilegal de informação ou cumprimento de obrigação Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 69 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido. Carteirada O parágrafo único do art. 33 criminaliza o comportamento do agente estatal que, fora de serviço, exibe sua cédula de identidade funcional para, sem efetuar o devido pagamento, ingressar em algum espetáculo, show, cinema (obtenção de vantagem ou privilégio indevido), ou até mesmo para isentar-se de uma autuação de trânsito (eximir- se de obrigação legal). Trata-se da conduta popularmente conhecida como “carteirada”. Crítica: Conquanto imoral e antiética, não deveria o Direito Penal se preocupar com comportamentos que são suficientemente inibidos ou reprimidos por outros ramos do ordenamento jurídico. “A lei de improbidade, por exemplo, prevê sanções até mais rigorosas para a carteirada, como a perda do cargo. A punição extrapenal, portanto, parece eficiente” (Sanches e Greco). O aceite de uma cortesia não configura abuso de autoridade Tratando-se de ato voluntário de quem a oferta, ou seja, livre de qualquer constrangimento ou coação, não há que se falar em crime de abuso de autoridade por 70 parte do agente público que aceita um convite ou um ingresso para determinado espetáculo, ou, ainda, uma refeição em determinado estabelecimento. Quanto a esse tema, foi aprovada a Súmula nº 8 do Seminário Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), realizado na Academia de Poli ́cia de São Paulo no dia 19/11/2019, abaixo transcrita: A identificação formal de agente estatal quando as circunsta ̂ncias exigirem assim como a resposta cortês a ato volunta ́rio e gratuito de particular motivado por respeito, educaça ̃o ou gentileza não configura abuso de autoridade por ause ̂ncia de dolo na conduta. Decretação excessiva de indisponibilidade de ativos Art. 36. Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi- la: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Há dois momentos na execução do crime: 1º.) O magistrado decreta, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte. 71 # O que se entende por exacerbadamente? A norma, nesse tanto, não parece certa, mas de difícil compreensão, ferindo, consequentemente, o princípio da taxatividade. De nada vale a observância da anterioridade da lei se esta não estiver dotada da clareza necessária, de modo a permitir reduzir o grau de variabilidade subjetiva na aplicação da lei. 2º.) O magistrado deixa de corrigir ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida. Logo, não é a decretação da indisponibilidade em valor excessivo que, por si só, caracteriza o crime, mas a recusa em corrigir o abuso diante do alerta do executado. Morosidade injustificada no exame de processo Art. 37. Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Obs1. O tipo penal alcança não apenas os membros de órgão colegiado judicial, mas também aqueles que integram órgãos colegiados administrativos e políticos (ex: Tribunal de Contas, Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais). 72 Obs2. Não comete crime de abuso de autoridade o advogado que pede vistas de processo e procrastina sua devolução, porquanto não ostenta a qualidade de agente público. Antecipação de atribuição de culpa por meio de comunicação Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação: Pena – detenção,de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Atenção! O tipo não impede a publicidade da condição de suspeito da pessoa objeto da investigação. Aliás, essa divulgação, não raras vezes, aparece como necessária para a apuração de determinadas infrações, podendo contar com a colaboração dos membros da comunidade em que ocorreu a infração. Aliás, foi aprovada a Súmula nº 9 do Seminário Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), realizado na Academia de Poli ́cia de São Paulo no dia 19/11/2019, abaixo transcrita: A exposição dos fundamentos do jui ́zo de probabilidade voltado a indicar autoria, materialidade e circunstâncias do fato apurado, inerente à decisa ̃o de indiciamento, ato privativo do Delegado de Poli ́cia, na ̃o exprime prévia atribuic ̧a ̃o de culpa própria da 73 acusação formal, porquanto decorrente de exige ̂ncia legal e dos postulados da publicidade e da motivação dos atos estatais.
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