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ALESSANDRA MORITAALESSANDRA MORITA PATOLOGIAPATOLOGIA 20 O Rim CHARLES E. ALPERS Manifestações Clínicas das Doenças Renais Doenças Glomerulares Manifestações Clínicas Alterações Histológicas Patogenia da Lesão Glomerular Deposição de Complexos Imunológicos Envolvendo Antígenos Renais Intrínsecos e In situ Glomerulonefrite por Complexos Imunológicos Circulantes Anticorpos para Células Glomerulares Imunidade Mediada por Células na Glomerulonefrite Ativação da Via Alternativa do Complemento Injúria das Células Epiteliais Mediadores da Lesão Glomerular Mecanismos de Progressão nas Doenças Glomerulares Síndrome Nefrítica Glomerulonefrite Proliferativa (Pós- estreptocócica, Pós-infecciosa) Aguda Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva (Crescente) Síndrome Nefrótica Nefropatia Membranosa Doença da Lesão Mínima Glomerulosclerose Segmentar Focal Glomerulonefrite Membranoproliferativa Anormalidades Urinárias Isoladas Nefropatia por IgA (Doença de Berger) Síndrome de Alport Lesão da Membrana Basal Fina (Hematúria Familiar Benigna) Glomerulonefrite Crônica Lesões Glomerulares Associadas a Doenças Sistêmicas Nefrite do Lúpus Púrpura de Henoch-Schönlein Glomerulonefrite Associada a Endocardite Bacteriana Nefropatia Diabética Amiloidose Glomerulonefrite Fibrilar e Glomerulopatia Imunotactoide Outros Distúrbios Sistêmicos Doenças Tubulares e Intersticiais Injúria Renal Aguda (IRA) (Necrose Tubular Aguda, NTA) Nefrite Túbulo-Intersticial Pielonefrite e Infecção do Trato Urinário Pielonefrite Aguda Pielonefrite Crônica e Nefropatia de Refl uxo Nefrite Túbulo-intersticial Induzida por Drogas e Toxinas Outras Doenças Túbulo-intersticiais Doenças Vasculares Nefrosclerose Benigna Hipertensão Maligna e Nefrosclerose Acelerada Estenose da Artéria Renal Microangiopatias Trombóticas Outros Distúrbios Vasculares Doença Renal Isquêmica Aterosclerótica Doença Renal Ateroembólica Nefropatia da Anemia Falciforme 913 914 CAPÍTULO 20 O Rim Qual é a máquina humana, mais engenhosa, desenhada para transformar, com uma “engenhosidade infi nita, o vinho tinto de Shiraz em urina?” Assim disse o contador de histórias em “Seven Gotic Tales” de Isak Dinesen.1 Mais precisamente e menos poeti- camente, os rins humanos servem para converter mais de 1.700 litros de sangue por dia em cerca de 1 litro de um fl uido concen- trado altamente especializado chamado urina. Fazendo isto o rim excreta os produtos residuais do metabolismo, regula precisa- mente a concentração corporal de água e sais, mantém um equi- líbrio ácido apropriado do plasma e serve como um órgão endócrino, secretando hormônios como eritropoetina, renina e prostaglandinas.Os mecanismos fi siológicos que o rim desenvol- veu para cumprir estas funções requerem um alto grau de com- plexidade estrutural. As doenças renais são responsáveis por uma grande parte da morbidade, mas felizmente, não são também causas principais de mortalidade. Para posicionar o problema sob uma perspectiva, aproximadamente 45.000 mortes são anualmente atribuídas às doenças renais nos Estados Unidos, contrariamente às cerca de 650.000 para doenças cardíacas, 560.000 para câncer e 145.000 para ataque.2 A morbidade, no entanto, não é insignifi cante. Milhões de pessoas são afetadas anualmente por doenças renais não fatais, principalmente infecções do rim ou do trato urinário inferior, pedras renais e obstrução urinária. Vinte por cento de todas as mulheres sofrem de infecções do trato urinário ou do rim em algum momento de suas vidas, e até 5% na população dos EUA desenvolve pedras renais. Similarmente, os tratamentos moder- nos, principalmente a diálise e o transplante, mantêm vivos muitos pacientes que anteriormente teriam falecido de insufi ciência renal, adicionados ao conjunto de morbidade renal. Além disso, até mesmo pessoas com doença renal crônica branda têm um risco fortemente acentuado de sofrer doenças cardiovasculares. O estudo das doenças renais é facilitado pela sua divisão em doenças que afetam os quatro componentes morfológicos básicos: glomérulos, túbulos, interstício e vasos sanguíneos. Esta aborda- gem tradicional é útil, já que as primeiras manifestações da doença que afeta cada um destes componentes tendem a ser dis- tintas. Além disso, alguns componentes parecem ser mais vulne- ráveis a formas específi cas de injúria renal; por exemplo, a maioria das doenças glomerulares é mediada imunologicamente, enquanto que os distúrbios tubulares e intersticiais são frequentemente causa- dos por agentes tóxicos ou infecciosos. Apesar disso, alguns agentes afetam mais do que uma estrutura. Além disso, a interdependên- cia anatômica e funcional dos componentes do rim implica que o dano a um quase sempre afeta secundariamente os outros. Uma doença primariamente nos vasos sanguíneos, por exemplo, ine- vitavelmente afeta todas as estruturas que dependem deste supri- mento sanguíneo. Diversos danos glomerulares graves prejudicam o fl uxo através do sistema vascular peritubular e também distri- bui produtos potencialmente tóxicos para os túbulos; contraria- mente, a destruição tubular, pelo aumento da pressão intra- glomerular, pode induzir a injúria glomerular. Logo, qualquer que seja a origem, há uma tendência para que todas as formas de doenças renais crônicas, destruam todos os componentes do rim, culminando em insufi ciência renal crônica e no que foi chamado de rins terminais. A reserva funcional do rim é grande e muitos danos podem ocorrer antes que haja um prejuízo funcional evi- dente. Por estas razões os primeiros sinais e sintomas são parti- cularmente importantes clinicamente. Manifestações Clínicas das Doenças Renais As manifestações clínicas das doenças renais podem ser agrupa- das em síndrome razoavelmente bem defi nidas. Algumas são par- ticulares das doenças glomerulares e outras estão presentes em doenças que afetam qualquer um dos componentes. Antes de listarmos as síndromes, alguns termos devem ser esclarecidos. A azotemia é uma anormalidade bioquímica que se refere a uma elevação dos níveis do nitrogênio da ureia sanguínea (NUS) e da creatinina, e está amplamente relacionada com uma taxa de fi ltração glomerular (TFG) diminuída. A azotemia é consequên- cia de muitos distúrbios renais, mas também surge de distúrbios extrarrenais. A azotemia pré-renal é encontrada quando há hipo- perfusão dos rins (p. ex., hemorragia, choque, depleção de volume e insufi ciência cardíaca congestiva) que prejudica a função renal na ausência de danos parenquimais. A azotemia pós-renal é vista Necrose Cortical Difusa Infartos Renais Anomalias Congênitas Displasia Renal Multicística Doenças Císticas do Rim Doença Renal Policística Autossômica Dominante (vida adulta) Doença Renal Policística Autossômica Recessiva (Infância) Doenças Císticas da Medula Renal Rim Esponjoso Medular Nefronoftise e Doença Cística Medular com Início na Vida Adulta Doença Cística Adquirida (Associada à Diálise) Cistos Simples Obstrução do Trato Urinário (Uropatia Obstrutiva) Urolitíase (Cálculos Renais, Pedras) Tumores do Rim Tumores Benignos Adenoma Papilar Renal Angiomiolipoma Oncocitomas Tumores Malignos Carcinoma de Células Renais (Adenocarcinoma do Rim) Carcinomas Uroteliais da Pelve Renal CAPÍTULO 20 O Rim 915 quando o fl uxo urinário está obstruído além do nível do rim. A liberação da obstrução é seguida pela correção da azotemia. Quando a azotemia se torna associada a uma constelação de sinais e sintomas clínicos e anormalidades bioquímicas, é chamada de uremia. A uremia é caracterizada não somente pela falência da função excretora renal, mas também por grande número de alte- rações metabólicas e endócrinas que resultam de danos renais. Os pacientes urêmicos frequentemente manifestam um envolvi- mento secundário do sistema gastrointestinal (p. ex., gastroente- rite urêmica), de nervos periféricos (p. ex., neuropatia periférica) e do coração (p. ex., pericardite fi brinosa urêmica). Podemosagora nos concentrar em uma breve descrição das apresentações clínicas da doença renal: A Síndrome nefrítica é decorrente de uma doença glomeru- lar e é dominada por um início agudo de uma hematúria geralmente muito visível (células sanguíneas vermelhas na urina), proteinúria branda a moderada e hipertensão; esta é a apresentação clássica da glomerulonefrite pós-estrepto- cócica aguda. A glomerulonefrite rapidamente progressiva é caracterizada como uma síndrome nefrítica com declínio rápido (desde horas até dias) na TFG. A síndrome nefrótica, também devida à doença glomerular, é caracterizada por uma proteinúria intensa (mais de 3,5 g/ dia), hipoalbuminemia, edema grave, hiperlipidemia e lipi- dúria (lipídios na urina). A hematúria ou proteinúria assintomática, ou a combinação destas duas, é geralmente uma manifestação de anormali- dades glomerulares suaves a brandas. A insufi ciência renal aguda é dominada por oligúria ou anúria (fl uxo de urina reduzido ou ausente) e início recente de azotemia. Pode resultar de injúrias glomerulares, inters- ticiais ou vasculares ou de injúrias tubulares agudas. A insufi ciência renal crônica, caracterizada por sintomas e sinais prolongados de uremia, é o resultado fi nal de todas as doenças parenquimais renais crônicas. Os defeitos tubulares renais são dominados por poliúria (formação excessiva de urina), noctúria e distúrbios eletro- líticos (p. ex., acidose metabólica). Estes são o resultado de doenças que afetam diretamente a estrutura tubular (p. ex., doenças cística medular) ou que causam defeitos em funções tubulares específi cas. As últimas podem ser herdadas (p. ex., diabetes nefrogênico familiar, cistinúria, acidose tubular renal) ou adquiridas (p. ex., nefropatia por chumbo). A infecção do trato urinário é caracterizada por bacteriúria e piúria (bactéria e leucócitos na urina). A infecção pode ser sintomática ou assintomática e pode afetar o rim (pielone- frite) ou a bexiga (cistite). A nefrolitíase (pedras renais) é manifestada por espasmos graves de dor (cólica renal) e hematúria, frequentemente com formação de pedras recorrente. A obstrução do trato urinário e os tumores renais têm manifestações clínicas variadas baseadas na localização ana- tômica específi ca e na natureza da lesão. Insufi ciência Renal. A insufi ciência renal aguda é uma dete- rioração rápida e frequentemente reversível da função renal. Ela é discutida na seção “Injúria Renal Aguda (Necrose Tubular Aguda)”, porque ela ocorre comumente neste distúrbio. Aqui, a discussão será limitada à insufi ciência renal crônica, que é o resul- tado fi nal de uma variedade de doenças renais e a principal causa de morte da doença renal. Embora as exceções sejam abundantes, a evolução da função renal normal para a insufi ciência renal crônica sintomática pro- gride amplamente através de uma série de quatro estágios que se incorporam a outro. 1. Na reserva renal diminuída a TFG é cerca de 50% da normal. Os valores séricos de NUS e de creatinina são normais e os pacientes são assintomáticos. No entanto, eles são mais sus- cetíveis de desenvolver azotemia com um insulto renal adicional. 2. Na insufi ciência renal a TFG é 20% a 50% da normal. A azo- temia aparece geralmente associada com anemia e hiperten- são. A poliúria e a noctúria podem ocorrer como resultado da capacidade de concentração diminuída. O estresse súbito (p. ex., com nefrotoxinas) pode precipitar a uremia. 3. Na insufi ciência renal crônica a TFG é menos de 20% a 25% da normal. Os rins não podem regular o volume e a compo- sição de solutos, e os pacientes desenvolvem edema, acidose metabólica e hipercalemia. A uremia aparente pode ser seguida por complicações neurológicas, gastrointestinais e cardiovasculares. 4. Na doença renal em estágio terminal a TFG é menos de 5% da normal; este é o estágio terminal da uremia. Classifi cações clínicas recentes da doença renal crônica, adotadas em parte para estratifi car melhor os pacientes nos processos clínicos, aderem a este esquema de injúria progressiva, mas dividem os pacientes em cinco classes baseadas nos níveis da TFG. Os detalhes da fi siopatologia da insufi ciência renal crônica estão além do escopo deste livro e são bem discutidos em vários textos de nefrologia. A Tabela 20-1 lista as principais anormali- dades sistêmicas na insufi ciência renal crônica. Doenças Glomerulares As doenças glomerulares constituem alguns dos principais pro- blemas na nefrologia; de fato, a glomerulonefrite crônica é uma das causas mais comuns de doenças renais crônicas em humanos. Os glomérulos podem ser danifi cados por uma variedade de fatores e no curso de diversas doenças sistêmicas. As doenças imunológicas sistêmicas como o lúpus eritematoso sistêmico (LES), distúrbios vasculares como a hipertensão, doenças meta- bólicas como o diabetes melito e algumas condições hereditárias como a doença de Fabry frequentemente afetam o glomérulo. Estas são chamadas de doenças glomerulares secundárias para dife- renciá-las dos distúrbios nos quais o rim é o único órgão ou o órgão predominante envolvido. Estes últimos constituem os vários tipos de glomerulonefrites primárias ou, pelo fato de algumas não terem um componente celular infl amatório, glome- rulopatias. No entanto, tanto as manifestações clínicas como as mudanças histológicas glomerulares nas formas primária e secun- dária podem ser similares. Aqui discutimos os vários tipos de glomerulopatias e revisa- mos brevemente as formas secundárias cobertas em outras partes do livro. A Tabela 20-2 lista as formas mais comuns de glomeru- lonefrite que têm características morfológicas e clínicas razoavel- mente bem defi nidas. 916 CAPÍTULO 20 O Rim MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas da doença glomerular estão agrupadas em cinco síndromes glomerulares principais resumidas na Tabela 20-3. Tanto as glomerulopatias primárias quanto as doenças sis- têmicas que afetam o glomérulo podem resultar nestas síndro- mes. Como as doenças glomerulares estão frequentemente associadas a distúrbios sistêmicos, principalmente diabetes melito, LES, vasculite e amiloidose, em qualquer paciente com manifesta- ções de doença glomerular, é essencial considerar estas condições sistêmicas. Muitas manifestações clínicas da doença glomerular resultam de perturbações de componentes específi cos do tufo glomerular, por isso apresentamos estruturas anatômicas-chave sujeitas a alterações na doença. O glomérulo consiste de uma rede anasto- mosada de capilares revestida por um endotélio fenestrado envol- vido por duas camadas de epitélio (Fig. 20-1). O epitélio visceral é incorporado à parede capilar tornando-se parte intrínseca desta, separado das células endoteliais por uma membrana basal. O epitélio parietal, situado na cápsula de Bowman, reveste o espaço urinário, e a cavidade na qual o fi ltrado do plasma é coletado primeiro. A parede capilar glomerular é a membrana fi ltrante e consiste das seguintes estruturas3,4 (Fig. 20-2): Há uma fi na camada de células endoteliais fenestradas, cada fenestra apresentando cerca de 70 a 100 nm de diâmetro. Uma membrana basal glomerular (MBG) com uma espessa camada central eletrondensa, a lâmina densa, e camadas periféricas fi nas eletronlucidas, a lâmina rara interna e a lâmina rara externa. A MBG consiste de colágeno (princi- palmente tipo IV), laminina, proteoglicanos polianiônicos (principalmente heparan sulfato), fi bronectina, entactina e diversas outras glicoproteínas. O colágeno tipo IV forma uma supraestrutura em rede na qual as glicoproteínas aderem. O bloco de construção (monômero) desta rede é TABELA 20–1 Principais Manifestações Sistêmicas da Doença Renal Crônica e da Uremia FLUIDOS E ELETRÓLITOS Desidratação Edema Hipercalemia Acidose metabólica FOSFATO DE CÁLCIO E OSSOS Hiperfosfatemia Hipocalcemia Hiperparatireoidismo secundário Osteodistrofia renal HEMATOLÓGICAS Anemia Diatese hemorrágica CARDIOPULMONAR Hipertensão Insuficiênciacardíaca congestiva Miocardiopatia Edema pulmonar Pericardite urêmica GASTROINTESTINAL Náusea e vômitos Sangramento Esofagite, gastrite e colite NEUROMUSCULAR Miopatia Neuropatia periférica Encefalopatia DERMATOLÓGICAS Cor pálida Prurido Dermatite TABELA 20–2 Doenças Glomerulares GLOMERULOPATIAS PRIMÁRIAS Glomerulonefrite proliferativa aguda Pós-infecciosa Outras Glomerulonefrite rapidamente progressiva (crescêntica) Glomerulopatia membranosa Doença da lesão mínima Glomerulosclerose segmentar focal Glomerulonefrite membranoproliferativa Nefropatia por IgA Glomerulonefrite crônica DOENÇAS SISTÊMICAS COM ENVOLVIMENTO GLOMERULAR Lúpus eritematoso sistêmico Diabetes melito Amiloidose Síndrome de Goodpasture Poliarterite/poliangite microscópica Granulomatose de Wegener Púrpura de Henoch-Schönlein Endocardite bacteriana DISTÚRBIOS HEREDITÁRIOS Síndrome de Alport Doença da membrana basal fina Doença de Fabry TABELA 20–3 As Síndromes Glomerulares Síndrome Manifestações Síndrome nefrítica Hematúria, azotemia, proteinúria variável, oligúria, edema e hipertensão Glomerulonefrite rapidamente progressiva Nefrite aguda, proteinúria e insuficiência renal aguda Síndrome nefrótica >3,5 g/dia de proteinúria, hipoalbuminemia, hiperlipidemia, lipidúria Insuficiência renal crônica Azotemia ! uremia progredindo de meses a anos Anormalidades urinárias isoladas Hematúria glomerular e/ou proteinúria subnefrótica CAPÍTULO 20 O Rim 917 B Espaço urinário Célula mesangial Matriz mesangial Fenestras no endotélio Lúmen capilar Epitélio parietal Epitélio parietal GLOMÉRULO Espaço urinário Mesângio Túbulo proximal Epitélio visceral Processos pediculares EndotélioMembrana basal Membrana basal Processos pediculares Célula sanguínea vermelha Alças capilares Célula vermelha FIGURA 20–1 A, Micrografia eletrônica em pequeno aumento do glomérulo renal. LC, lúmen capilar; EP, células epiteliais vis- cerais com processos pediculares; END, endotélio; MES, mesângio. B, Representa- ção esquemática de um lobo glomerular. (Cortesia da Dra. Vicky Kelley, Brigham and Women’s Hospital, Boston, MA.) LC 918 CAPÍTULO 20 O Rim Membrana basal Endotélio (fenestrado) Podocina Fendas de filtração Moléculas de nefrina Processos pediculares dos podócitos Filamentos de actina CD2AP FIGURA 20–2 Filtro glomerular consistindo, da base para o topo, de endotélio fenestrado, membrana basal e processos pediculares das células epiteliais. Observe as fendas de filtração (setas) e o diafragma situado entre os processos pediculares. Note também que a membrana basal consiste de uma lâmina central densa, encaixada entre duas camadas frouxas, a lâmina rara interna e a lâmina rara externa. (Cor- tesia do Dr. Helmut Rennke, Brigham and Women’s Hospital, Boston, MA.) FIGURA 20–3 Um diagrama esquemático simplificado de algumas das proteínas mais bem estudadas do diafragma glomerular fenestrado. CD2AP, proteína associada a CD2. uma molécula em tripla hélice formada por três cadeias ", composta de um ou mais tipos de cadeias " ("1 a "6 ou COL4A1 a COL4A6), a mais comum sendo "1, "2, "1.3,5 Cada molécula consiste de uma domínio 7S no terminal N, um domínio tripla hélice no meio e um domínio globular não colagenoso (NC1) no terminal C. O domínio NC1 é importante para a formação da hélice e para a montagem dos monômeros de colágeno na supraestrutura da mem- brana basal. As glicoproteínas (laminina e entactina) e os proteoglicanos (heparan sulfato e perlecan) aderem à supra- estrutura colagenosa. Estes determinantes bioquímicos são críticos para o entendimento das doenças glomerulares. Por exemplo, como nós podemos ver, os antígenos no domínio NC1 são os alvos dos anticorpos na nefrite anti-MBG; os defeitos genéticos nas cadeias " são os responsáveis por algumas formas de nefrite hereditária; e o conteúdo de pro- teoglicanos da MBG pode contribuir para suas característi- cas de permeabilidade. As células epiteliais viscerais (podócitos) são estrutural- mente complexas possuindo processos interdigitantes embebidos e aderidos na lâmina rara externa da mem- brana basal. Os processos pediculares adjacentes (pedicelos) são separados por fendas de fi ltração de 20 a 30 nm de abertura, cujas extremidades são ligadas por um fi no dia- fragma (Fig. 20-2). O tufo glomerular inteiro é sustentado por células mesan- giais localizadas entre os capilares. Uma matriz mesangial semelhante à membrana basal forma uma malha através da qual as células mesangiais são centradas (Fig. 20-1). Estas células, de origem mesenquimal, são contráteis, fagocíticas e capazes de proliferar, de depositar tanto a matriz quanto o colágeno e de secretar diversos mediadores biologica- mente ativos. Biologicamente, elas estão mais relacionadas às células musculares lisas e aos pericitos vasculares. Como podemos ver, são jogadores importantes em muitas formas de glomerulonefrites humanas. As principais características da fi ltração glomerular normal são uma permeabilidade extraordinariamente alta à água e a pequenos solutos, devido à natureza altamente fenestrada do endotélio, e uma impermeabilidade a proteínas, como moléculas do tamanho da albumina (~3,6 nm de raio; 70 kilodaltons [kD] de peso molecular) ou maiores. A última propriedade da barreira de fi ltração glomerular permite uma discriminação entre várias moléculas proteicas, dependendo de seu tamanho (quanto maior, menos permeável) e carga (quanto mais catiônica, mais permeá- vel). Esta função de barreira dependente do tamanho e da carga é dada pela estrutura complexa da parede capilar, pela estrutura colagenosa porosa e carregada da MBG, e as muitas partes aniô- nicas presentes na parede, incluindo os proteoglicanos acídicos da MBG e as sialoglicoproteínas dos revestimentos epitelial e endotelial (também chamados de glicocálice). A restrição depen- dente de carga é importante na exclusão virtualmente completa da albumina do fi ltrado, porque a albumina é uma molécula aniônica de pI 4.5. A célula epitelial visceral, também conhecida como podócito, é importante para a manutenção da função de barreira glomerular; seu diafragma fenestrado apresenta uma bar- reira de difusão distal tamanho-seletiva para a fi ltração de prote- ínas, e é o tipo celular fortemente responsável pela síntese dos componentes da MBG. As proteínas localizadas no diafragma fenestrado controlam a permeabilidade glomerular. Três das mais importantes proteínas do diafragma fenestrado estão representa- das na Figura 20-3. A nefrina é uma proteína transmembrana com uma grande porção extracelular composta de domínios semelhantes a imunoglobulinas (Ig). As moléculas de nefrina se estendem umas para as outras, a partir dos processos pediculares vizinhos, e se dimerizam ao longo do diafragma fenestrado. No citoplasma dos processos pediculares, a nefrina forma conexões moleculares com a podocina, a proteína associada à CD2 e por fi m ao citoesqueleto de actina. O número de proteínas do dia- fragma fenestrado identifi cadas continua a crescer rapidamente e descrições mais compreensivas de suas complexas localizações e interações têm sido publicadas.6,7 A importância destas proteínas na manutenção da permeabilidade glomerular é demonstrada pela observação de que as mutações nos genes que as codifi cam CAPÍTULO 20 O Rim 919 dão origem à síndrome nefrótica (discutida posteriormente). Isto resulta em uma apreciação renovada da importância do dia- fragma fenestrado na função de barreira glomerular e sua contri- buição para o vazamento de proteínas nos estados de doença.8 ALTERAÇÕES HISTOLÓGICAS Vários tipos de glomerulopatias são caracterizados por uma ou mais das quatro reações teciduais básicas. Hipercelularidade. Algumas doenças infl amatórias do glo- mérulo são caracterizadas por um aumento no número de células nos tufos glomerulares. Esta hipercelularidade é caracterizada por uma ou mais combinações do seguinte: Proliferação celular decélulas mesangiais e endoteliais. Infi ltrações leucocíticas consistindo de neutrófi los, monóci- tos e, em algumas doenças, linfócitos. Formação de crescentes. Estes acúmulos de células compos- tos de células epiteliais parietais proliferativas e leucócitos infi ltrativos. A proliferação de células epiteliais que caracte- riza a formação crescente ocorre após injúria imunológica/ infl amatória (veja posteriormente). A fi brina, que extravasa para o espaço urinário, frequentemente através de rupturas na membrana basal, foi considerada por muito tempo como sendo a molécula que evoca a resposta crescente. Em apoio a isto, a fi brina pode ser demonstrada imuno-histoquimi- camente nos tufos glomerulares e espaços urinários dos glomérulos que contêm crescentes. Camundongos que são defi cientes em fi brinogênio são protegidos em certo grau da formação de crescentes, e camundongos que são defi cientes em moléculas importantes na fi brinólise (p. ex. ativadores de plasminogênio) exibem uma formação acentuada de crescentes em modelos de glomerulonefrite crescente mediada por anticorpos anti-MBG.9 Outras moléculas implicadas na formação crescente e no recrutamento de leucócitos nos crescentes incluem pró-coagulantes como o fator tecidual e citocinas como interleucina-1 (IL-1), fator de necrose tumoral (TNF) e interferon-#. Espessamento da Membrana Basal. Por microscopia óptica, esta mudança aparece como um espessamento das paredes capi- lares, mais bem observado nos cortes corados pelo ácido perió- dico de Schiff (PAS). Por microscopia eletrônica, este espessamento toma uma das duas formas: Deposição de material amorfo eletrondenso, mais frequen- temente complexos imunológicos, no lado endotelial ou epitelial da membrana basal ou dentro da própria MBG. Fibrina, amiloide, crioglobulinas e proteínas fi brilares anor- mais também podem se depositar na MBG. Espessamento da membrana basal devido à síntese aumen- tada de seus componentes proteicos, como ocorre na glo- merulosclerose diabética. Hialinose e Esclerose. A hialinose, como aplicada para o glo- mérulo, denota o acúmulo de um material que é homogêneo e eosinofílico por microscopia óptica. Por microscopia eletrônica a hialina é extracelular e amorfa. Ela é composta de proteínas plas- máticas que passaram da circulação para as estruturas glomeru- lares. Quando extensiva, esta alteração contribui para a obliteração dos lumens capilares do tufo glomerular. A hialinose é geralmente consequência de injúria endotelial ou da parede capilar sendo geralmente o resultado fi nal de várias formas de danos glomeru- lares. Esta é uma característica comum da glomerulosclerose seg- mentar focal. A esclerose é caracterizada por acúmulos de matriz colagenosa extracelular, tanto confi nadas a áreas mesangiais, como é frequen- temente o caso da glomerulosclerose diabética, quanto envol- vendo as alças capilares, ou ambos. O processo esclerosante também pode resultar em obliteração de alguns ou todos os lumens capilares em glomérulos afetados, o que por sua vez pode resultar na formação de adesões fi brosas entre as porções escle- róticas dos glomérulos e o epitélio parietal próximo e as cápsulas de Bowman. Como muitas das glomerulopatias primárias são de causa desconhecida, são frequentemente classifi cadas por suas histolo- gias. Como pode ser visto na Tabela 20-2. As alterações histoló- gicas podem ser subsequentemente divididas pela sua distribuição em difusas, envolvendo todos os glomérulos; globais, envolvendo o glomérulo inteiro; focais, envolvendo somente uma proporção dos glomérulos; segmental, envolvendo uma parte de cada glo- mérulo; e alça capilar ou mesangial, afetando predominantemente regiões capilares ou mesangiais. Estes termos são algumas vezes anexos das classifi cações histológicas. PATOGENIA DA LESÃO GLOMERULAR Embora pouco se saiba sobre os agentes etiológicos e os eventos disparadores, está claro que mecanismos imunológicos partici- pam da maioria das formas de glomerulopatias primárias e de muitos dos distúrbios glomerulares secundários10,11 (Tabela 20- 4). A glomerulonefrite pode ser prontamente induzida experi- mentalmente por reações antígeno-anticorpo. Além disso, os depósitos glomerulares de imunoglobulinas, frequentemente com componentes do complemento, são encontrados na maioria dos indivíduos com glomerulonefrite. As reações imunológicas mediadas por células também podem desempenhar um papel, geralmente de comum acordo com os eventos mediados por anti- corpos. Nós começamos esta discussão com uma revisão da injúria instigada por anticorpos. TABELA 20–4 Mecanismos Imunológicos da Lesão Glomerular INJÚRIA MEDIADA POR ANTICORPO DEPOSIÇÃO IN SITU DE COMPLEXOS IMUNOLÓGICOS Antígenos teciduais intrínsecos fixados Domínio NC1 do antígeno colágeno tipo IV (nefrite anti-MBG) Antígeno Heymann (glomerulopatia membranosa) Antígeno Mesangial Outros Antígenos plantados Exógenos (agentes infecciosos, drogas) Endógenos (DNA, proteínas nucleares, imunoglobulinas, complexos imunológicos, IgA) DEPOSIÇÃO DE COMPLEXOS IMUNOLÓGICOS CIRCULANTES Antígenos endógenos (p. ex., DNA, antígenos tumorais) Antígenos exógenos (p. ex., produtos infecciosos) ANTICORPOS CITOTÓXICOS INJÚRIA IMUNOLÓGICA MEDIADA POR CÉLULA ATIVAÇÃO DA VIA ALTERNATIVA DO COMPLEMENTO MBG, membrana basal glomerular. 920 CAPÍTULO 20 O Rim Duas formas de injúria associadas a anticorpos foram estabe- lecidas: (1) injúria por anticorpos que reagem in situ dentro do glomérulo, se ligando a antígenos glomerulares (intrínsecos) fi xados insolúveis ou a moléculas plantadas no glomérulo, e (2) injúrias que resultam da deposição de complexos antígeno-anticorpo circulantes no glomérulo. Além disso, existem evidências experimentais de que os anticorpos citotóxicos direcionados contra os componentes da célula glomerular podem causar injúria glomerular. Estas vias não são mutuamente exclusivas, e em humanos, todas podem contribuir para a injúria. Deposição de Complexos Imunológicos Envolvendo Antígenos Renais Intrínsecos e In Situ Nestas formas de injúria, os anticorpos reagem diretamente com antígenos teciduais intrínsecos, ou antígenos “plantados” no glo- mérulo a partir da circulação. Os modelos experimentais melhor estabelecidos para a injúria glomerular mediada por anticorpos antiglomerulares, para os quais há contrapartidas na doença humana, são a glomerulonefrite induzida por anticorpo antimem- brana basal glomerular (anti-MBG) e a nefrite de Heymann. Nefrite de Heymann O modelo de Heymann de glomerulonefrite em ratos é induzido por animais imunizados com um antígeno contido em prepara- ções da borda em escova tubular proximal (Fig. 20-4C). Os ratos desenvolvem anticorpos para este antígeno e uma nefropatia membranosa, semelhante à nefropatia membranosa humana, se desenvolve (discutida posteriormente; veja também Fig. 20-13). Na microscopia eletrônica a glomerulopatia é caracterizada pela presença de numerosos depósitos eletrondensos e distintos (com- postos principalmente de reagentes imunológicos) juntamente com o aspecto subepitelial de membrana basal. O padrão de depo- sição imunológica por microscopia de imunofl uorescência é mais granular do que linear. Está claro agora que este tipo de doença resulta amplamente da reação do anticorpo com o complexo antigênico localizado na superfície basal das células epiteliais vis- cerais e da reação cruzada com o antígeno da borda em escova usado nos experimentos originais. O conhecido antígeno de Heymann em ratos é uma grande proteína de 330-kDa chamada megalina, que tem homologia com um receptor de lipoproteínas de baixa densidade (Cap. 5); O antígeno correspondente na nefropatia membranosa humana ainda não foi identifi cado.12 A ligação dos anticorpos à membrana das células epiteliais glome- rulares é seguida pela ativação do complemento e da liberação dos agregados imunológicos da superfície celular para formar os característicos depósitos subepiteliais(Fig. 20-4C). Em humanos, a doença induzida por anticorpos anti-MBG e a nefropatia membranosa são doenças autoimunes, causadas por anticorpos contra componentes teciduais endógenos. O que dispara estes autoanticorpos não está claro, mas qualquer um dos diversos mecanismos responsáveis pela autoimunidade, discutida no Capítulo 6, pode estar envolvido. Diversas formas de glome- rulonefrites autoimunes podem ser experimentalmente induzi- das por drogas (p. ex., cloreto de mercúrio), produtos infecciosos (endotoxina) e pela reação enxerto-versus-hospedeiro (Cap. 6). Nestes modelos há uma alteração da regulação imunológica asso- ciada a ativação de células B e a indução de um arranjo de auto- anticorpos que reagem com antígenos renais. Anticorpos contra Antígenos Plantados Os anticorpos podem reagir in situ com antígenos que normalmente não estão presentes no glomérulo, mas que são “plantados” lá. Há um suporte experimental crescente para tal mecanismo de glomerulo- nefrite. Estes antígenos podem se localizar no rim pela interação com vários componentes intrínsecos do glomérulo. Os antígenos plantados incluem moléculas catiônicas que se ligam a componen- tes aniônicos do glomérulo; DNA, nucleossomos e outras proteínas nucleares, que têm uma afi nidade por componentes da MBG; pro- dutos bacterianos; grandes agregados proteicos (p. ex., agregados de imunoglobulinas, que se depositam no mesângio por causa de seu tamanho); e os próprios complexos imunológicos, já que con- tinuam a ter sítios reativos para interações posteriores com anti- corpos livres, antígenos livres ou complemento. Não há carência de outros possíveis antígenos plantados, inclusive produtos virais, bacterianos e parasíticos e drogas. Anticorpos que se ligam à maioria destes antígenos plantados induzem a um padrão discreto de deposição de Ig detectado como uma coloração granular por microscopia de imunofl uorescência, similar ao padrão encontrado na nefrite dos complexos imunológicos circulantes. Glomerulonefrite Induzida por Anticorpos Anti-MBG Neste tipo de injúria os anticorpos são direcionados contra antíge- nos fi xados intrínsecos que são componentes normais da própria MBG. Ele tem sua contrapartida experimental na conhecida nefrite de Masugi ou nefrotóxica, produzida em ratos através de injeções de anticorpos antirrim de rato, preparados em coelhos pela imunização com tecido renal de rato. Os anticorpos injetados se ligam ao longo de todo o comprimento da MBG, resultando em um padrão linear difuso de coloração para os anticorpos por técnicas imunofl uorescentes (Fig. 20-4B e E). Este padrão contrasta com o padrão granular encrespado da coloração imunofl uores- cente vista em outros modelos in situ, como o modelo de Heymann de glomerulopatia membranosa, ou após a deposição dos com- plexos imunológicos circulantes. No modelo de Masugi, os anticorpos anti-MBG injetados são Ig de coelhos, que são estranhas ao hospedeiro, atuando como antígenos evocando anticorpos anti-Ig no rato. Os anticorpos do rato reagem com as IG de coelho depositadas na membrana basal, levando à injúria glomerular posterior. Frequentemente, os anti- corpos anti-MBG reagem cruzadamente com outras membranas basais, especialmente aquelas dos alvéolos pulmonares, resul- tando em lesões simultâneas nos pulmões e nos rins (Síndrome de Goodpasture). O antígeno da MBG que é responsável pela glo- merulonefrite induzida por anticorpos anti-MBG clássica e pela síndrome de Goodpasture é um componente do domínio não cola- genoso (NC1) da cadeia "3 do colágeno tipo IV que é essencial para a manutenção da supraestrutura da MBG.5 A glomerulonefrite induzida por anticorpos anti-MBG é responsável por menos de 5% dos casos de glomerunefrite humana. Ela está solidamente estabelecida como a causa de injúria na síndrome de Goodpas- ture, que será discutida posteriormente. A maioria dos casos de glomerulonefrite induzida por anticorpos anti-MBG é caracteri- zada por graves danos glomerulares crescentes e pela síndrome clínica da glomerulonefrite rapidamente progressiva. Glomerulonefrite por Complexos Imunológicos Circulantes Neste tipo de nefrite, a injúria glomerular é causada pelo apri- sionamento dos complexos antígeno-anticorpo circulantes nos CAPÍTULO 20 O Rim 921 Processos pediculares Célula epitelial EndotélioDepósito subepitelial (raro) Membrana basal Complexo circulante Endotélio Depósito subendotelial Antígeno Anticorpo DEPOSIÇÃO DE COMPLEXOS IMUNOLÓGICOS CIRCULANTE IN SITU ANTI-MBG HEYMANN A B C E FIGURA 20–4 A injúria glomerular mediada por anticorpos pode resultar da deposição de complexos imunológicos circulantes (A) ou, mais comumente, da formação in situ de complexos exemplificados pela doença anti-MBG (B) ou nefrite de Heymann (C). D e E, Dois padrões de deposição de complexos imunológicos como visto por microscopia de imunofluorescência: granular, característico da nefrite de complexos imu- nológicos circulantes e in situ (D) e linear, característico da doença anti-MBG clássica (E). glomérulos. Os anticorpos não possuem especifi cidade imunoló- gica para constituintes glomerulares e os complexos se localizam dentro dos glomérulos por causa de suas propriedades fi sicoqui- micas e dos fatores hemodinâmicos peculiares ao glomérulo (Fig. 20-4A). A patogenia das doenças dos complexos imunológicos foi discutida no Capítulo 6. Aqui revisaremos brevemente as carac- terísticas salientes que relatam a injúria glomerular. Os antígenos que induzem à formação dos complexos imu- nológicos circulantes podem ser de origem endógena, como na glomerulonefrite associada a LES, ou podem ser exógenos, como é provável na glomerulonefrite que ocorre em consequência de certas infecções. Os antígenos microbianos que estão implicados incluem produtos bacterianos (estreptococos), o antígeno de superfície do vírus da hepatite B, os antígenos do vírus da hepatite C e os antígenos do Treponema pallidum, Plasmodium falciparum 922 CAPÍTULO 20 O Rim e diversos vírus. Alguns antígenos tumorais também são conhe- cidos por causar nefrite mediada por complexo imunológico. Em muitos casos o antígeno incitante é desconhecido. Qualquer que seja o antígeno, os complexos antígeno-anti- corpo são formados na circulação e aprisionados no glomérulo, onde produzem injúrias. Por muito tempo se pensou que esta injúria era mediada e amplifi cada pela ligação do complemento, mas estudos recentes em camundongos nocaute também aponta- ram para a importância da participação de receptores Fc em leu- cócitos e talvez de células renais intrínsecas como mediadores do processo injurioso.13 As lesões glomerulares geralmente exibem uma infi ltração leucocítica e uma proliferação de células mesan- giais e células endoteliais. A microscopia eletrônica revela os com- plexos imunológicos como depósitos eletrondensos que se lo- calizam no mesângio, entre as células endoteliais e a MBG (depósitos subendoteliais), ou entre a superfície externa da MBG e os podócitos (depósitos subepiteliais). Os depósitos podem estar localizados em mais de um sítio em determinado caso. Por microscopia imunofl uorescente, os complexos imunológicos são vistos como depósitos granulares juntamente com a membrana basal, no mesângio, ou em ambas as localizações (Fig. 20-4D). Estando depositados no rim, os complexos imunológicos podem eventualmente ser degradados, a maioria por neutrófi los e monó- citos/macrófagos infi ltrantes, células mesangiais e proteases endógenas e então a reação infl amatória pode ceder. Este curso ocorre quando a exposição ao antígeno incitante é curta e limi- tada, como na maioria dos casos de glomerulonefrite pós-estrep- tocócica. No entanto, se um número contínuo de antígenos se desenvolve, como pode ser visto no LES ou na hepatite viral, ciclos repetidos de formação, deposição e injúria de complexos imunológicos podem ocorrer, levando a um tipo membranoso ou membranoproliferativo mais crônico de glomerulonefrite.Diversos fatores afetam a localização glomerular de antígenos, anticorpo ou complexos de ambos. A carga molecular e o tamanho destes reagentes são claramente importantes. Imunógenos alta- mente catiônicos tendem a cruzar a MBG e os complexos resul- tantes eventualmente residem em uma localização subepitelial. As macromoléculas altamente aniônicas são excluídas da MBG e são aprisionadas subendotelialmente ou não são absolutamente nefritogênicas. As moléculas de carga neutra e os complexos imu- nológicos contendo estas moléculas tendem a se acumular no mesângio. Grandes complexos circulantes geralmente não são nefritogênicos, porque são eliminados pelo sistema fagocítico mononuclear e não entram na MBG em quantidades sufi cientes. O padrão de localização também é afetado por alterações na hemodinâmica glomerular, na função mesangial e na integridade da barreira carga seletiva no glomérulo. Estas infl uências podem ser responsáveis pelo padrão variável de deposição de reagentes imunológicos em várias formas de glomerulonefrite, como mos- trado na Figura 20-5. Por sua vez, os padrões distintos de locali- zação dos complexos imunológicos são determinantes-chave da resposta à injúria e as características histológicas que se desenvol- vem subsequentemente. Anticorpos para Células Glomerulares Além de causar a deposição de complexos imunológicos, os anti- corpos contra os antígenos das células glomerulares podem reagir com componentes celulares e causar injúrias por mecanismos citotóxicos ou outros mecanismos. Anticorpos para antígenos de células mesangiais, por exemplo, podem causar mesangiólise seguida pela proliferação de células mesangiais; anticorpos para células endoteliais causam injúria endotelial e trombose intravas- cular; e anticorpos para certos componentes de células epiteliais viscerais causam proteinúria em animais experimentais. Este mecanismo pode desempenhar um papel em certos distúrbios imunológicos humanos que não apresentam depósitos imunoló- gicos demonstráveis. Em resumo, a maioria dos casos das glomerulonefrites humanas é uma consequência de depósitos dos complexos imunológicos distin- tos, que são visualizados por colorações granulares de imunofl uores- cência ao longo das membranas basais ou no mesângio. No entanto, pode ser difícil determinar se a deposição ocorreu in situ, por complexos circulantes, ou por ambos os mecanismos porque, como discutido anteriormente, o aprisionamento dos complexos imunológicos circulantes pode iniciar uma formação adicional de complexos in situ. Agentes etiológicos simples, como os vírus da hepatite B e C, podem causar tanto o padrão membranoso de glomerulonefrite, sugerindo uma deposição in situ, quanto um padrão membranoproliferativo, mais indicativo de complexos cir- culantes. É melhor considerar que a deposição de antígeno-anticor- pos no glomérulo é a maior via de injúria glomerular e que as reações imunológicas in situ, o aprisionamento dos complexos circulantes, as interações entre estes dois eventos e os determinantes hemodinâmicos locais e estruturais no glomérulo contribuem para as diversas altera- ções morfológicas e funcionais na glomerulonefrite. 1 2 3 4 EP EP LRE LD MBG LRI EN 5 EN MC MM FIGURA 20–5 Localização de complexos imunológicos no glomérulo: (1) protuberâncias subepiteliais, como na glomerulonefrite aguda; (2) depósitos epimembranosos, como na nefropatia membranosa e na glomerulonefrite de Heymann; (3) depósitos subendoteliais, como na nefrite do lúpus e na glomerulonefrite membranoproliferativa; (4) depó- sitos mesangiais, como na nefropatia da IgA; (5) membrana basal. EN, endotélio; EP, epitélio; LD, lâmina densa; LRE, lâmina rara externa; LRI, lâmina rara interna; CM, célula mesangial; MM, matriz mesangial. (Modificado de Couser WG: Mediation of immune glomerular injury. J Am Soc Nephrol 1:13, 1990.) CAPÍTULO 20 O Rim 923 Imunidade Mediada por Células na Glomerulonefrite Embora os mecanismos mediados por anticorpos possam iniciar muitas formas de glomerulonefrite, existem agora evidências consideráveis de que células T sensibilizadas causam algumas formas de injúria glomerular e estão envolvidas na progressão de muitas glomerulonefrites.14 Pistas do papel da imunidade celular incluem a presença de macrófagos e células T ativados e seus produtos no glomérulo em algumas formas de glomerulonefrite humana e experimental;15 Evidência in vitro e in vivo da ativação linfocítica na exposição ao antígeno na glomerulonefrite humana e experimental; anulação da injúria glomerular pela depleção de linfócitos; e tentativas bem sucedidas de induzir injúria glomeru- lar pela transferência de célula T de animais nefríticos para recep- tores normais. A evidência é mais forte para certos tipos de glomerulonefrite crescêntica experimental, que os anticorpos para MBG podem iniciar a injúria glomerular, mas os linfócitos T ativados podem propagar a infl amação.15 Ativação da Via Alternativa do Complemento A ativação da via alternativa do complemento ocorre na entidade clínico-patológica chamada de doença dos depósitos densos, também conhecida como glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP tipo II) podendo ocorrer em algumas formas de glomerulonefrite proliferativa. Este mecanismo é discutido posteriormente. Injúria de Células Epiteliais Pode ser induzida por anticorpos para antígenos das células epi- teliais viscerais; por toxinas, como no modelo experimental de proteinúria induzida por puromicina aminonucleosídeo; conce- bivelmente por certas citocinas; ou por fatores ainda pouco entendidos, como no caso da doença da lesão mínima e na glo- merulosclerose segmentar focal, discutidas posteriormente. Tais injúrias são refl etidas morfologicamente por alterações nas células epiteliais viscerais, que incluem destruição dos processos pedicu- lares, vacuolização, retração e destacamento das células da MBG, e funcionalmente por proteinúria. Hipotetiza-se que o destaca- mento das células epiteliais viscerais seja causado pela perda das interações adesivas com a membrana basal e que este destaca- mento contribua para o extravasamento de proteínas (Fig. 20-6). Mediadores da Lesão Glomerular Uma vez que reagentes imunológicos ou células T sensibilizadas se localizaram no glomérulo, como se segue o dano glomerular? Os mediadores – tanto células quanto moléculas – são os suspeitos comuns envolvidos na infl amação aguda ou crônica, descritas no Capítulo 2, e somente uns poucos são realçados aqui (Fig. 20-7). Células Neutrófi los e monócitos infi ltram o glomérulo em certos tipos de glomerulonefrite, largamente como resultado da ativação do complemento, resultando na geração de agentes quimio- táticos (principalmente C5a), mas também pela aderência e ativação mediada por Fc. Os neutrófi los liberam proteases, que causam degradação da MBG; radicais livres derivados do oxigênio, que causam danos celulares; e metabólitos do ácido aracdônico, que contribuem para as reduções da TFG. Macrófagos, linfócitos T e células natural killer, que infi ltram o glomérulo nas reações mediadas por anticorpos e por células, quando ativados liberam um grande número de moléculas biologicamente ativadas. Plaquetas se agregam ao glomérulo durante a injúria mediada imunologicamente. Sua liberação de eicosanoides e fatores de crescimento pode contribuir para as manifestações de glome- rulonefrite. Agentes antiplaquetários têm efeitos benéfi cos tanto na glomerulonefrite humana quanto experimental. Células glomerulares residentes, particularmente células mesan- giais, podem ser estimuladas a produzir diversos mediadores infl amatórios, inclusive espécies reativas de oxigênio (ROS), citocinas, quimiocinas, fatores de crescimento, eicosanoides, óxido nítrico e endotelina. Na ausência de infi ltração leu- cocítica, elas podem iniciar respostas infl amatórias no glomérulo. Mediadores Solúveis Virtualmente todos os mediadores químicos infl amatórios conhe- cidos foram implicadosna injúria glomerular. Os componentes quimiotáticos do complemento induzem o infl uxo de leucócitos (injúria dependente de neutrófi lo e do complemento) levando à formação de C5b-C9, o complexo de ataque da membrana. O C5b-C9 causa lise celular, mas, NORMAL DESTRUIÇÃO E DESTACAMENTO DOS PROCESSOS PEDICULARES DAS CÉLULAS EPITELIAIS Molécula de adesão Fenda de filtração Processos pediculares epiteliais Destruição Membrana basal Anticorpos/ Citocinas/ Toxinas Endotélio FIGURA 20–6 Injúria de célula epitelial. A sequência postulada é uma consequência de anticorpos específicos para antígenos das células epiteliais, toxinas, citocinas ou outros fatores que causam injúrias; estes resultam em destruição dos processos pedi- culares e algumas vezes destacamento das células epiteliais e extravasamento de pro- teínas através da MBG e das fendas de fil- tração defeituosas. 924 CAPÍTULO 20 O Rim além disso, estimula as células mesangiais a produzir oxi- dantes, proteases e outros mediadores. Logo, mesmo na ausência de neutrófi los, o C5b-C9 pode causar proteinúria, como foi postulado na glomerulopatia membranosa. Eicosanoides, óxido nítrico, angiotensina e endotelina estão envolvidos nas alterações hemodinâmicas. Citocinas, particularmente IL-1 e TNF, que podem ser pro- duzidos por leucócitos infi ltrantes e células glomerulares residentes, induzem adesão de leucócitos e uma variedade de outros efeitos. Quimiocinas como a proteína quimioatrativa de monócitos 1 e o CCL5 promovem o infl uxo de monócitos e linfócitos. Os fatores de crescimento como fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) estão envolvidos na proliferação de células mesangiais.16 O TGF-$, o fator de crescimento do tecido con- juntivo e o fator de crescimento de fi broblastos parecem ser críticos na deposição de MEC e na hialinização, levando à glomerulosclerose na injúria crônica.17 O fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) parece manter a integridade endo- telial e pode ajudar a regular a permeabilidade capilar. O sistema de coagulação também é um mediador do dano glomerular. A fi brina está frequentemente presente no glo- mérulo na glomerulonefrite, e a fi brina pode vazar para o espaço de Bowman, servindo de estímulo para a prolifera- ção de células epiteliais parietais (formação crescente). A deposição de fi brina é amplamente mediada pela estimula- ção da atividade pró-coagulante dos macrófagos. O inibidor do ativador de plasminogênio-1 está ligado à trombose aumentada e à fi brose pela inibição da degradação de fi brina e de proteínas de matriz. MECANISMOS DE PROGRESSÃO NAS DOENÇAS GLOMERULARES Até o momento discutimos os mecanismos e mediadores imuno- lógicos que iniciam a injúria glomerular. O resultado desta injúria depende de diversos fatores, incluindo a gravidade inicial do dano renal, a natureza e a persistência dos antígenos, e o estado imu- nológico, idade e predisposição genética do hospedeiro. Sabemos há muito tempo que qualquer doença renal, glome- rular ou outra destrua os néfrons funcionais e reduza a TFG para cerca de 30% a 50% da normal, a progressão para a insufi ciência renal terminal prossegue a uma taxa relativamente constante, independente do estímulo original ou da atividade da doença subjacente. Os fatores secundários que levam à progressão são de grande interesse clínico, já que podem ser alvos de terapias que atrasem ou mesmo evitem a jornada inexorável para a diálise ou para o transplante. As duas principais características histológicas deste dano renal progressivo são a glomerulosclerose segmentar focal e a fi brose túbulo-intersticial; nós discutimos estas separadamente.18-20 Glomerulosclerose Segmentar Focal (GESF). Pacientes com esta alteração secundária desenvolvem proteinúria, mesmo se a doença primária não era glomerular. A glomerulosclerose parece iniciar pela mudança adaptativa que ocorre nos glomérulos rela- tivamente não afetados dos rins doentes.19-21 Este mecanismo é citado por experimentos em ratos submetidos a ablação de massa renal por nefrectomia subtotal. A hipertrofi a compensatória dos glomérulos remanescentes serve para manter a função renal nestes animais, mas a proteinúria e a glomerulosclerose segmen- tar se desenvolvem rapidamente, levando eventualmente à escle- rose glomerular total e à uremia. A hipertrofi a glomerular está associada a alterações hemodinâmicas, inclusive aumentos no fl uxo sanguíneo glomerular, na fi ltração e na pressão transcapilar (hipertensão glomerular), e frequentemente com hipertensão sis- têmica. A sequência de eventos (Fig. 20-8) que se acredita que leve à esclerose nesta condição está vinculada a injúrias de células endoteliais e epiteliais, permeabilidade glomerular aumentada para proteínas e acúmulo de proteínas na matriz mesangial. É seguida pela proliferação de células mesangiais, infi ltração por macrófagos, acúmulo aumentado de matriz extracelular (MEC) e esclerose segmentar e eventualmente global do glomérulo. Isto resulta em reduções adicionais na massa de néfrons, ativação REAÇÃO IMUNOLÓGICA DAS CÉLULAS TDEPOSIÇÃO DE ANTICORPOS Citotóxico Epitelial Endotelial Mesangial Complexos imunológicos Plaquetas Macrófagos Células mesangiais Células T Células NKAtivação do complemento Neutrófilos Oxidantes Citocinas Quimiocinas Proteases Fatores de crescimento Eicosanoides Óxido nítrico Outros T NK C5b-9 C5a FIGURA 20–7 Mediadores da injúria glomerular imunológica incluindo células e mediadores solúveis (ver texto). CAPÍTULO 20 O Rim 925 contínua destas alterações compensatórias e um círculo vicioso de glomerulosclerose contínua. A maioria dos mediadores da infl amação crônica e da fi brose, particularmente TGF-$, desem- penha um papel na indução da esclerose. Atualmente, as inter- venções mais bem-sucedidas para interromper estes mecanismos de glomerulosclerose progressiva envolvem o tratamento com inibidores do sistema renina-angiotensina, que não somente reduzem a hipertensão intraglomerular, mas também têm efeitos diretos em cada um dos mecanismos identifi cados acima.21 De modo importante, estes agentes mostraram melhorar a progres- são da esclerose, tanto em estudos animais como humanos.20 Contribuindo para a injúria progressiva da glomerulosclerose segmentar e focal está a incapacidade das células epiteliais visce- rais maduras (podócitos) proliferar após a injúria. Isto pode levar à diminuição no número de podócitos glomerulares após uma injúria grave, resultando em perda de algumas destas células, levando a um processo pelo qual os podócitos restantes são anor- malmente distendidos para manter uma barreira de fi ltração apropriada ou são incapazes de cobrir porções da MBG, que se torna desnuda de processos pediculares dos podócitos sobreja- centes. Estas alterações levam a uma fi ltração anormal de proteí- nas, como à perda de suporte estrutural para as paredes capilares glomerulares. Esta última alteração pode levar à dilatação da alça segmentada por causa das pressões intracapilares agora incom- pletamente opostas, com a formação subsequente de uma adesão fi brosa à cápsula de Bowman pelo segmento capilar protuberante e de uma eventual esclerose deste segmento.22 Fibrose Túbulo-intersticial. A injúria túbulo-intersticial, manifestada por dano tubular e infl amação intersticial, é um componente de muitas glomerulonefrites agudas e crônicas. A fi brose túbulo-intersticial contribui para a progressão tanto das doenças glomerulares imunológicas como não imunológicas, por exemplo, a nefropatia diabética. De fato, existe frequentemente uma melhor correlação do declínio da função renal com a extensão do dano túbulo-intersticial do que com a gravidade da injúria glo- merular.18 Muitos fatores podem levar a tal injúria túbulo-inters- ticial, inclusive isquemia dos segmentos tubulares posteriores aos glomérulos escleróticos, infl amação crônica no interstício adja- cente e dano ou perda do suprimento sanguíneo capilarperitu- bular. Trabalhos atuais também apontam para os efeitos da proteinúria na estrutura e função das células tubulares.23 Com base em estudos in vitro e em animais, acredita-se que a protei- núria cause injúria direta às células tubulares e a ativação destas. As células tubulares ativadas, por sua vez, expressam moléculas de adesão e produzem citocinas pró-infl amatórias, quimiocinas e fatores de crescimento que contribuem para a fi brose intersti- cial. As proteínas fi ltradas que podem produzir estes efeitos tubu- lares incluem citocinas, produtos do complemento, o ferro na transferrina, imunoglobulinas, metades lipídicas e proteínas plas- máticas modifi cadas por oxidação. Tendo discutido os fatores na iniciação e na progressão da injúria glomerular, voltamos agora para a discussão das doenças glomerulares individuais. A Tabela 20-5 resume as principais características clínicas e patológicas das principais formas de glo- merupatias primárias. SÍNDROME NEFRÍTICA As doenças glomerulares que se apresentam com síndrome nefrí- tica são frequentemente caracterizadas por infl amação nos glo- mérulos. O paciente nefrítico geralmente apresenta hematúria, grumos de células vermelhas na urina, azotemia, oligúria e hiper- tensão leve a moderada. A proteinúria e o edema são comuns, mas não são tão graves quanto aqueles encontrados na síndrome nefrótica, discutida posteriormente. A síndrome nefrítica aguda pode ocorrer nas doenças multissistêmicas como o LES e a polian- gite microscópica. Geralmente, é característica da glomerulone- frite proliferativa aguda sendo um componente importante da glomerulonefrite crescente, que é descrita posteriormente. Glomerulonefrite Proliferativa (Pós-estreptocócica, Pós-infecciosa) Aguda Como o nome indica, este grupo de doenças se caracteriza histo- logicamente por proliferação difusa das células glomerulares, associadas ao infl uxo de leucócitos. Estas lesões são geralmente causadas por complexos imunológicos. O antígeno incitante pode ser exógeno ou endógeno. O padrão prototípico da doença indu- zida por antígeno exógeno é a glomerulonefrite pós-infecciosa, enquanto a nefrite do LES, descrita no Capítulo 6, é um exemplo de doença induzida por antígeno endógeno. As infecções subja- centes mais comuns são as estreptocócicas, mas o distúrbio também foi associado a outras infecções. Glomerulonefrite Pós-estreptocócica A frequência desta doença glomerular está diminuindo nos Estados Unidos, mas continua sendo um distúrbio razoavelmente comum pelo mundo.24 Geralmente aparece de 1 a 4 semanas após a infecção estreptocócica da faringe ou da pele (impetigo). As infecções de pele estão comumente associadas à superpopulação e a uma higiene pobre. A glomerulonefrite pós-estreptocócica ocorre mais frequentemente em crianças de 6 a 10 anos de idade, mas adultos de qualquer idade também podem ser afetados. Etiologia e Patogenia. Somente certas linhagens do grupo A de estreptococos $-hemolíticos são nefritogênicos, com mais de Glomerulosclerose segmentar focal e/ou global REDUÇÃO NA MASSA RENAL Proteinúria Hipertensão sistêmica Hiperplasia de células mesangiais/deposição de MEC Hipertensão intraglomerular Coagulação intraglomerular Hipertrofia glomerular Injúria epitelial/ endotelial FIGURA 20–8 Glomerulosclerose segmentar focal associada à perda de massa renal. As alterações adaptativas nos glomérulos (hipertrofia e hipertensão capilar glomerular), como hipertensão sistêmica, causam injúrias epiteliais e endoteliais e proteinúria resultante. A resposta mesangial, envolvendo a proliferação de células mesangiais e a produ- ção de MEC com a coagulação intraglomerular, causa a glomerulos- clerose. Isto resulta em perda adicional de néfrons funcionais e um círculo vicioso de glomerulosclerose progressiva. 926 CAPÍTULO 20 O Rim TABELA 20–5 Resumo das Principais Glomerulonefrítides Primárias Patologia Glomerular Doença Apresentação Clínica mais Frequente Patogenia Microscopia Óptica Microscopia de Fluorescência Microscopia Eletrônica Glomerulonefrite pós-infecciosa Síndrome nefrítica Mediada por complexos imunológicos; antígenos circulantes ou plantados Proliferação endocapilar difusa; infiltração leucocítica IgG granular e C3 na MBG e no mesângio Protuberâncias subepiteliais Síndrome de Goodpasture Glomerulonefrite rapidamente progressiva Antígeno COL4-A3 anti-MBG Proliferação extracapilar com crescentes; necrose IgG linear e C3; fibrinas nos crescentes Nenhum depósito; ruptura da MBG; fibrina Glomerulonefrite crônica Insuficiência renal crônica Variável Glomérulos hialinizados Granular ou negativo Glomerulopatia membranosa Síndrome nefrótica Formação in situ de complexos imunológicos; maioria dos antígenos é desconhecida Espessamento difuso da parede capilar IgG granular e C3; difuso Depósitos subepiteliais Doença com lesão mínima Síndrome nefrótica Desconhecida; perda de poliânions glomerulares; injúria dos podócitos Normal; lipídios nos túbulos Negativo Perda de processos pediculares; nenhum depósito Glomerulosclerose segmentar focal Síndrome nefrótica; proteinúria não nefrótica Desconhecida Nefropatia por ablação Fator plasmático (?); Injúria dos podócitos Esclerose segmentar focal e hialinose Focal; IgM + C3 Perda de processos pediculares; desnudamento epitelial Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) tipo I Síndrome nefrótica/nefrótica Complexo imunológico IgG + C3; C1q + C4 Depósitos subendoteliais Doença do depósito denso (GNMP) tipo II Hematúria Insuficiência renal crônica Autoanticorpos; via alternativa do complemento Proliferação endocapilar e mesangial; espessamento da MBG; rompimento C3 ± IgG; nenhum C1q ou C4 Depósitos densos Nefropatia por IgA Hematúria ou proteinúria recorrentes Desconhecida Glomerulonefrite proliferativa mesangial focal; ampliação mesangial IgA ± IgG, IgM e C3 no mesângio Depósitos densos mesangiais e paramesangiais MBG, membrana basal glomerular 90% dos casos trilhados pelos tipos 12, 4 e 1, que podem ser identifi cados pela tipagem da proteína M da parede celular. A glomerulonefrite pós-estreptocócica é uma doença mediada imunologicamente. O período de latência entre a infecção e o início da nefrite é compatível com o tempo requerido para a produção de anticorpos e para a formação de complexos imuno- lógicos. Titulações elevadas de anticorpos contra um ou mais antígenos estreptocócicos estão presentes na grande maioria dos pacientes. Os níveis do complemento no soro são baixos, compa- tíveis com a ativação do sistema complemento e o consumo de componentes do complemento. Existem depósitos imunológicos granulares nos glomérulos, provando o mecanismo mediado por complexos imunológicos. O componente antigênico estreptocó- cico responsável pela reação imunológica evitou sua identifi cação durante anos. Diversos antígenos catiônicos, incluindo um recep- tor estreptocócico de plasmina associado à nefrite (NAPlr), único para as linhagens nefritogênicas de estreptococos, podem ser encontrados nos glomérulos afetados. Outras evidências sugerem que a exotoxina piogênica estreptocócica B (SpeB) e seu precur- sor zimogênico (zSpeB), outra proteína que funciona como um receptor de plasmina, são os principais determinantes antigênicos na maioria dos casos de glomerulonefrite pós-estreptocócica.25 Não se sabe se estes representam antígenos plantados na MBG, ou partes dos complexos imunológicos circulantes, ou ambos. As proteínas da MBG alteradas pelas enzimas estreptocócicas também foram implicadas como antígenos. Morfologia. O quadro diagnóstico clássico é de um glo- mérulo aumentado e hipercelular (Fig. 20-9). A hipercelu- laridade é causada por (1) infiltração por leucócitos, tanto neutrófilos quanto monócitos; (2) proliferação de células endoteliais e mesangiais; e (3) em casos graves pela for- mação de crescentes. A proliferação ea infiltração de leucócitos são difusas, isto é, envolvem todos os lóbulos de todos os glomérulos. Há também um inchaço das CAPÍTULO 20 O Rim 927 células endoteliais e a combinação da proliferação, do inchaço e da infiltração leucocítica oblitera os lúmens capilares. Pode haver um edema intersticial e inflamação, e os túbulos frequentemente contêm grumos de células vermelhas. Por microscopia de fluorescência, existem depósitos granulares de IgG, IgM e C3 no mesângio e ao longo da MBG (Fig. 20-9D). Embora os depósitos de complexos imunológicos estejam quase universalmente presentes, eles são frequentemente focais e esparsos. Os achados da microscopia eletrônica característicos são depósitos eletrondensos, discretos e amorfos no lado epitelial da membrana, tendo frequentemente a aparência de “protu- berâncias” (Fig. 20-9C), presumivelmente representando os complexos antígeno-anticorpo na superfície das células epiteliais. Os depósitos subendoteliais e intramembrano- sos também são comumente observados, e os depósitos mesangiais podem estar presentes. Curso Clínico. No caso clássico, uma criança jovem desen- volve abruptamente mal-estar, febre, náusea, oligúria e hematúria (urina esfumaçada ou com cor de coca-cola) de 1 a 2 semanas após a recuperação de um mal de garganta. Os pacientes têm grumos de células vermelhas na urina, proteinúria leve (geral- mente menos de 1 g/dia), edema periorbital e hipertensão leve a moderada. Em adultos o início provavelmente é atípico, com uma aparência súbita de hipertensão e edema, frequentemente com elevação do NUS. Durante epidemia causada por infecções estreptocócicas nefritogênicas, a glomerulonefrite pode ser assin- tomática, descoberta somente na busca pela hematúria microscó- pica. Achados laboratoriais importantes incluem elevações das titulações dos anticorpos antiestreptocócicos e um declínio na concentração sérica de C3 e outros componentes da cascata do complemento. Mais de 95% das crianças afetadas eventualmente se recupe- ram totalmente com uma terapia conservativa objetivando a manutenção do balanço de sódio e água. Uma pequena minoria de crianças (talvez menos de 1%) não melhora, se tornando gra- vemente oligúricas e desenvolvendo uma forma rapidamente pro- gressiva de glomerulonefrite (descrita posteriormente). Alguns dos pacientes podem sofrer progressão lenta para a glomerulone- frite crônica com ou sem recorrência de um quadro nefrítico ativo. BA C D FIGURA 20–9 Glomerulonefrite proliferativa aguda. A, Glomérulo normal. B, A hipercelularidade glomerular é devida aos leucócitos intracapilares e à proliferação das células glomerulares intrínsecas. C, “Protuberância” subepitelial eletrondensa típica e um neutrófilo no lúmen. D, A marcação imunofluorescente demonstra depósitos distintos, grosseiramente granulares da proteína C3 do complemento, correspondendo à protuberância ilustrada na parte C. (A-C, cortesia do Dr. H. Rennke, Birgham and Women’s Hospital, Boston, MA. D, cortesia de D.J. Kowaleska, University of Washington, Seattle, WA.) 928 CAPÍTULO 20 O Rim A pesada proteinúria prolongada e persistente e a TFG anormal marcam os pacientes com um prognóstico desfavorável. Em adultos a doença é menos benigna. Embora o prognóstico geral seja bom, apenas em 60% dos casos esporádicos, os pacientes se recuperam prontamente. No restante as lesões glomerulares não se resolvem rapidamente, como manifestado por proteinúria per- sistente, hematúria e hipertensão. Em alguns destes pacientes, as lesões eventualmente desaparecem totalmente, mas outros desen- volvem glomerulonefrite crônica. Alguns pacientes desenvolverão uma síndrome de glomerulonefrite de progressão rápida. Glomerulonefrite Aguda não Estreptocócica (Glomerulonefrite Pós-infecciosa) Uma forma similar de glomerulonefrite ocorre esporadicamente em associação a outras infecções, inclusive bacterianas (p. ex., endocardite estafi locócica, pneumonia pneumocócica e menin- gococcemia), virais (p. ex., hepatite B, hepatite C, cachumba, infecção pelo vírus da imunodefi ciência humana [HIV], varicela, e mononucleose infecciosa) e parasíticas (malária, toxoplasmose). Nestas condições, os depósitos granulares imunofl uorescentes e as protuberâncias subepiteliais características da nefrite de com- plexos imunológicos, estão presentes. GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA (CRESCENTE) A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNPR) é uma sín- drome associada a injúria glomerular grave e não denota uma forma etiológica específi ca. É caracterizada clinicamente pela perda rápida e progressiva da função renal associada a oligúria grave e sinais de síndrome nefrítica; se não for tratada, a morte por insufi ciência renal ocorre em semanas ou meses. O quadro histológico mais comum é a presença de crescentes na maioria dos glomérulos (glomerulonefrite crescêntica). Como discutido ante- riormente, estes são produzidos pela proliferação das células epi- teliais parietais que revestem a cápsula de Bowman e pela infi ltração de monócitos e macrófagos. Classifi cação e Patogenia. A GNPR pode ser causada por várias diferentes doenças, algumas restritas ao rim e outras sistê- micas. Embora um único mecanismo não possa explicar todos os casos, há poucas dúvidas de que na maioria dos casos a injúria glomerular seja mediada imunologicamente. Uma classifi cação divide a GNPR em três grupos com base nos achados imunoló- gicos (Tabela 20-6). Em cada grupo a doença pode estar associada a um distúrbio conhecido ou pode ser idiopática. O primeiro tipo de GNPR é uma doença induzida por anti- corpos, caracterizada por depósitos lineares de IgG e, em muitos casos, de C3 na MBG que são visualizados por imunofl uorescên- cia.26 Em alguns pacientes, os anticorpos anti-MBG reagem cru- zadamente com as membranas basais alveolares do pulmão para produzir um quadro clínico de hemorragia pulmonar associada a insufi ciência renal (síndrome de Goodpasture). A plasmaferese para remover os anticorpos circulantes patogênicos é geralmente parte do tratamento, que também inclui uma terapia para supri- mir a resposta imunológica subjacente. O antígeno de Goodpasture é um peptídeo na porção não colagenosa da cadeia "3 do colágeno tipo IV.5 O que induz a for- mação destes anticorpos não está claro na maioria dos pacientes. A exposição a vírus e solventes hidrocarbônicos (encontrados em pintura e corantes) foi implicada em alguns pacientes, assim como várias drogas e cânceres. Há uma alta prevalência de certos subtipos e haplótipos HLA (p. ex., HLA-DRB1) nos pacientes afetados, um achado consistente com predisposição genética para a autoimunidade.27 O segundo tipo de GNPR é o resultado da deposição de com- plexos imunológicos. Ela pode ser uma complicação de qualquer nefrite por complexos imunológicos, inclusive glomerulonefrite pós-infecciosa, nefrite por lúpus, nefropatia por IgA e púrpura de Henoch-Schölein. Em todos esses casos, estudos de imunofl uo- rescência revelam o padrão granular de marcação característico da deposição de complexos imunológicos. Este tipo de GNPR frequentemente demonstra proliferação celular nos tufos glome- rulares, além da formação de crescentes. Estes pacientes geral- mente não podem ser ajudados pela plasmaferese e requerem tratamento para a doença subjacente. O terceiro tipo de GNPR, também chamado de tipo pauci- imune, é defi nido pela ausência de anticorpos anti-MBG ou com- plexos imunológicos por imunofl uorescência e microscopia eletrônica. A maioria dos pacientes com este tipo de GNPR tem anticorpos anticitoplasma de neutrófi los (ANCAs) circulantes que produzem padrões de marcação citoplasmática (c) ou perinuclea- res (p) e, como foi observado (Cap. 11), desempenham um papel em algumas vasculites. Por isso, em alguns casos este tipo de GNPR é um componente de uma vasculite sistêmica como a granulomatose de Wegener ou poliangite microscópica. Em muitos casos, a glomerulonefrite crescêntica pauci-imuneé isolada e, portanto, idiopática. Mais de 90% destes casos idiopá- ticos têm c-ANCAs ou p-ANCAs no soro.26 A presença de ANCAs circulantes tanto na glomerulonefrite crescente idiopática quanto em casos de glomerulonefrite crescente, que ocorre como com- ponente da vasculite sistêmica e as características patológicas similares em ambas as condições, levaram à ideia de que estes distúrbios são patogeneticamente relacionados. De acordo com este conceito, todos os casos de glomerulonefrite crescêntica do tipo pauci-imune são manifestações de vasculite de pequenos vasos ou poliangite, à qual é limitada aos capilares glomerulares e talvez peritubulares nos casos de glomerulonefrite crescente idiopática. A distinção clínica entre a vasculite sistêmica com envolvimento renal pauci-imune e a glomerulonefrite crescêntica idiopática consequentemente se tornou não evidente, já que estas entidades são vistas como parte de um espectro de doença vas- culítica. Os ANCAs provaram ser inestimáveis como marcadores diagnósticos altamente sensíveis para a glomerulonefrite cres- TABELA 20–6 Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva TIPO I (ANTICORPO ANTI-MBG) Renal limitada Síndrome de Goodpasture TIPO II (COMPLEXO IMUNOLÓGICO) Idiopática Glomerulonefrite pós-infecciosa Nefrite do lúpus Púrpura de Henoch-Schönlein (nefropatia da IgA) Outras TIPO III (NÃO IMUNOLÓGICAS) Associada à ANCAs Idiopática Granulomatose de Wegener Poliangite microscópica ANCA, anticorpos anticitoplasma de neutrófilos; MBG, membrana basal glomerular. CAPÍTULO 20 O Rim 929 cente pauci-imune, mas a prova do seu papel com causa direta desta glomerulonefrite foi evasiva. Fortes evidências recentes de seu potencial patogênico foram obtidas através de estudos em camundongos que mostraram que a transferência de anticorpos contra a mieloperoxidase (o alvo antigênico da maioria dos p- ANCAs) induz a uma forma de GNPR.28 Para resumir, todos os três tipos de GNPR podem estar asso- ciados a uma doença renal ou extrarrenal bem defi nida, mas em muitos casos (~50%), o distúrbio é idiopático. Dos pacientes com esta síndrome, cerca de um quinto tem glomerulonefrite mediada por anticorpos anti-MBG sem envolvimento pulmonar; um quarto tem glomerulonefrite crescente mediada por complexos imunológicos e o restante é do tipo não imunológico. O denomi- nador comum em todos os tipos de GNPR é a injúria glomerular grave. Morfologia. Os rins estão aumentados e pálidos, frequen- temente com hemorragias petequiais nas superfícies cor- ticais. Dependendo da causa subjacente, os glomérulos podem mostrar necrose focal, proliferação endotelial difusa ou focal e proliferação mesangial. O quadro histológico, no entanto, é dominado pelos crescentes distintivos (Fig. 20-10). Os crescentes são formados pela proliferação de células parietais e pela migração de monócitos e macró- fagos no espaço urinário. Neutrófilos e linfócitos podem estar presentes. Os crescentes eventualmente obliteram o espaço Bowman e comprimem o tufo glomerular. As fitas de fibrinas são frequentemente proeminentes entre as camadas celulares nos crescentes; de fato, como discu- tido anteriormente, a fuga de fibrinogênio para o espaço de Bowman e sua conversão para fibrina são contribuintes importantes para a formação do crescente. Por microsco- pia de imunofluorescência, os casos mediados por com- plexos imunológicos mostram depósitos imunológicos granulares; os casos de síndrome de Goodpasture mostram uma fluorescência linear de MBG para Ig e complemento, e os casos não imunológicos têm pouco ou nenhum depó- sito de reagentes imunológicos. A microscopia eletrônica revela depósitos naqueles casos devido à deposição de complexos imunológicos (tipo II). A despeito do tipo, a microscopia eletrônica pode mostrar rupturas distintas na MBG, a injúria grave que permite que leucócitos, proteínas e mediadores inflamatórios alcancem o espaço urinário, onde induzem a formação do crescente (Fig. 20-11). Em determinado momento, a maioria dos crescentes sofre esclerose, mas a restauração da arquitetura glomerular normal pode ser realizada com uma terapia agressiva precoce. Curso Clínico. As manifestações renais de todas as formas de glomerulonefrite crescente incluem hematúria com grumos de células vermelhas na urina, proteinúria moderada ocasional- mente alcançando a faixa nefrótica e hipertensão variável e edema. Na síndrome de Goodpasture o curso pode ser dominado por hemoptise recorrente ou mesmo por hemorragia pulmonar com risco de vida. Análises séricas dos anticorpos anti-MBG, de anti- corpos antinucleares e dos ANCAs são úteis no diagnóstico de subtipos específi cos. Embora as formas brandas de injúria glome- rular possam ceder, o envolvimento renal geralmente é progres- sivo ao longo de algumas semanas e culmina em oligúria grave. A recuperação da função renal pode ocorrer em consequência de uma plasmaferese (precoce) intensiva precoce combinada com esteroides e agentes citotóxicos na Síndrome de Goodpasture. Esta terapia pode reverter tanto a hemorragia pulmonar quanto a insufi ciência renal. Outras formas de GNPR também respon- dem bem aos esteroides e agentes citotóxicos. No entanto, a des- peito da terapia, alguns pacientes podem eventualmente requerer diálise crônica ou transplante, particularmente se a doença for descoberta em um estágio tardio. SÍNDROME NEFRÓTICA Certas doenças glomerulares quase sempre produzem síndrome nefrótica. Além disso, muitas outras formas de glomerulopatias FIGURA 20–10 Glomerulonefrite crescêntica (coloração de PAS). Note os tufos glomerulares colapsados e a massa, em forma de cres- cente, de células epiteliais parietais proliferadas e de leucócitos, inter- namente à cápsula de Bowman. (Cortesia do Dr. M.A. Venkatachalam, University of Texas Health Sciences Center, San Antonio, TX.) FIGURA 20–11 Glomerulonefrite crescêntica. Micrografia eletrônica mostrando o enrugamento característico da MBG com rupturas focais (setas). 930 CAPÍTULO 20 O Rim primárias e secundárias discutidas neste capítulo podem estar subjacentes à síndrome. Antes das principais doenças associadas à síndrome nefrótica serem apresentadas, as causas e a patofi sio- logia deste complexo clínico serão brevemente discutidas. Fisiopatologia. As manifestações da síndrome nefrótica incluem: 1. Proteinúria massiva, com perda diária de 3,5 g ou mais de proteína (menos em crianças). 2. Hipoalbuminemia, com níveis plasmáticos de albumina menores que 3 g/dL. 3. Edema generalizado. 4. Hiperlipidemia e lipidúria. Os vários componentes da síndrome nefrótica suportam uma relação lógica uns com os outros. O evento inicial é o desarranjo nas paredes capilares glomerulares resultando em permeabilidade aumentada para proteínas plasmáticas. A parede capilar glomeru- lar, com seu endotélio, sua MBG e suas células epiteliais viscerais, atua como uma barreira por tamanho e carga através da qual o fi ltrado do plasma passa. A permeabilidade aumentada resultante tanto de alterações estruturais quanto físicoquimicas permite que proteínas escapem do plasma para o espaço urinário. Segue-se então uma proteinúria massiva. A proteinúria pesada diminui os níveis de albumina sérica a uma taxa além da capacidade sintética compensatória do fígado, resultando em hipoalbuminemia e uma razão albumina-para- globulina invertida. O catabolismo renal aumentado da albumina fi ltrada também contribui para a hipoalbuminemia. O edema generalizado é, por sua vez, a consequência da diminuição da pressão osmótica do coloide sanguíneo com subsequente acúmulo de fl uidos nos tecidos intersticiais. Também há uma retenção de sódio e água, o que agrava o edema (Cap. 4). Isto parece ser devido a diversos fatores, incluindo a secreção compensatória de aldos- terona, mediada pela secreção de renina acentuada pela hipovo- lemia; o estímulo do sistema simpático; e uma redução na secreção de fatores natriuréticos como os peptídeos atriais. O edema é caracteristicamente
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