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Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 • DEFINIÇÃO Dentre os componentes do néfron, o corpúsculo renal se destaca pela presença da barreira de filtração seletiva, composta pelo endotélio fenestrado dos capilares glomerulares, pela membrana basal glomerular (MBG) e pelos pedicelos com sua fenda filtrante. Os glomérulos filtram cerca de 120 a 180 litros de plasma por dia, sendo sua integridade de extrema importância para a regulação hidroeletrolítica do organismo. Ao grupo de doenças com acometimento g l o m e r u l a r , d á - s e o n o m e d e glomerulopatias, sendo essas ainda divididas em primárias, quando oriundas de lesão isolada no glomérulo, e secundárias a outras doenças de caráter sistêmico. Tendo como base seu grau de acometimento, elas ainda podem ser classificadas em difusas ou focais, segmentares ou globais. Ainda podem ser classificadas de acordo com o mecanismo de lesão, sendo proliferativa, esclerosante ou necrosante. Essas glomerulopatias podem ser agrupadas em síndromes clínicas, sendo uma delas a síndrome nefrítica, cujo quadro clínico é marcado principalmente por hematúria, proteinúria inferior a 3,5 gramas/dia, hipertensão e edema. Sendo assim, a história clínica se mostra de extrema importância para identificar a causa de tal lesão glomerular. •MECANISMO DE LESÃO GLOMERULAR Prioritariamente são descritos três mecanismos responsáveis pela progressão da doença glomerular em direção a perda dos néfrons: 1) mecanismos desreguladores que acontecem por meio da indiferenciação dos podócitos e provoca defeitos regulatórios seguidos por proliferação celular dentro do espaço de Bowman e colapso do tufo glomerular com perda dos capilares; 2) mecanismos degenerativos ocorrem por meio da perda progressiva dos podócitos levando a fixação de células epiteliais parietais a MBG, seguida pelo estabelecimento de adesão entre os tufos glomerulares e a cápsula de Bowman. Assim, a filtração mal orientada na direção do interstício resulta na deposição excessiva de proteínas nos glomérulos; 3) mecanismo inflamatório, que será o mais abordado nessa revisão, ocorre por atividade anormal dos podócitos levando a fixação destes na membrana basal parietal, seguido pelo estabelecimento de adesão do tufo glomerular a cápsula de Bowman. A inflamação glomerular inicia-se no compartimento extracapilar, afetando os capilares e o mesângio. Até esse ponto, ainda é possível haver restituição da lesão. Entretanto, com sua evolução, o processo endocapilar pode ter um curso agressivo e provocar aberturas na MBG com exsudação para dentro do espaço de Bowman. Essa quebra na MBG e a disseminação da inflamação ocasionam a formação de crescentes no espaço de Bowman, constituindo uma injúria que provavelmente causará a morte do glomérulo e a perda do néfron. As crescentes são estruturas histológicas formadas em muitas doenças glomerulares. São assim chamadas porque se assemelham a lua na sua fase crescente, mas, na realidade, são caracterizados por proliferação celular extracapilar, infiltração de células inflamatórias e depósito de fibrina e tecido conectivo, levando a obstrução parcial ou total do APG 19 e 20 Síndrome Nefrítca e Nefrótica Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 espaço de Bowman. Essas estruturas têm seu conteúdo formado, principalmente, por células epiteliais derivadas dos podócitos e das células epiteliais parietais; uma matriz intercelular formada por um material amorfo semelhante ao da membrana basal; e macrófagos. Além disso, a inflamação endocapilar induz a ocorrência de alterações morfológicas nos podócitos. Essas alterações têm por característica s e r e m m i c r o p r o j e ç õ e s e s p e s s a s e irregulares no compartimento apical do corpo das células. Este fenótipo dos podócitos está associado com a formação de pontes podocitárias entre o tufo glomerular e a cápsula de Bowman. No entanto, o mecanismo celular de formação dessas pontes ainda não é conhecido. A inflamação que se iniciou no glomérulo em razão de alguma agressão sofrida por este, desencadeia diversos mecanismos lesivos por meio da ativação do sistema imunológico de forma contínua e exacerbada, que acabará também por lesar o espaço do túbulo intersticial. Assim, os principais mecanismos que contribuem conjuntamente e para a progressão da lesão renal são: (1) hipertensão glomerular, (2) h i p e r f i l t r a ç ã o g l o m e r u l a r ; ( 3 ) proteinúria; (4) liberação de citocinas/ quimiocinas; (5) acúmulo de macrófagos e linfócitos T; (6) alterações na membrana basal e nas células adjacentes com transformação de células mesenquimais em fibroblastos; (6) síntese de matriz extracelular, com desarranjo estrutural, disfunção e morte celular no interstício. A h i p e r t e n s ã o g l o m e r u l a r e s t á estreitamente relacionada ao papel que o sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA) exerce no mecanismo de inflamação e consequente evolução para a DRC. Fisiologicamente, a angiotensina II (Ang II) provoca uma maior vasoconstrição da arteríola glomerular eferente em relação a arteríola aferente, provocando o aumento da pressão hidrostática no capilar glomerular. Embora essa resposta seja aparentemente benéfica para manter a homeostase, os estudos sugerem que a e l e v a ç ã o p e r s i s t e n t e d a p r e s s ã o hidrostática no capilar glomerular resulta em proteinúria, glomerulosclerose e perda definitiva de néfrons. Além disso, a Ang II é responsável por mediar efeitos prófibróticos como promover a migração de células endoteliais e células musculares lisas dos vasos sanguíneos e promover a hipertrofia e hiperplasia dessas células musculares lisas do tecido vascular e das células mesangiais. Todos os componentes do SRAA estão presentes nos macrófagos, os quais podem servir como outra fonte de Ang II. Esta também induz a produção de outros fatores de crescimento, incluindo fator de crescimento de fibroblasto, fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF) e TGF-β, além do ativador do inibidor de plasminogênio tipo 1 (PAI-1), sendo que todos estes podem impactar na fibrose. O SRAA é um importante foco de estudo na progressão da DRC em razão da eficácia da inibição desse sistema, por meio da utilização dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA), no retardo da progressão dessa d o e n ç a – e f e i t o a n t i f i b r ó t i c o , antiproteinúrico e de redução da hipertensão sistêmica e intraglomerular. A hiperfiltração é um mecanismo compensatório realizado pelos glomérulos remanescentes a medida que há progressão da doença renal. Essa tentativa de compensar a perda da função renal pela diminuição do número de néfrons funcionantes, no entanto, provoca uma perda da autorregulação, o que agrava a hipertensão intraglomerular. Como resultado observa-se diminuição da seletividade da membrana de filtração glomerular e, consequentemente, o surgimento de proteinúria não seletiva, bastante comum na nefropatia diabética. No processo de proteinúria, que se originou em decorrência da diminuição da Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 seletividade da membrana de filtração glomerular pelas agressões sofridas, parte das proteínas filtradas em excesso pelo glomérulo é reabsorvida nos túbulos proximais por endocitose. Isso leva a uma série de respostas prejudiciais nas células tubulares, incluindo a apoptose, síntese de componente do sistema do complemento e expressão de mediadores vasoativos e fibrogênicos. Além disso, os depósitos de material proteináceo nas células tubulares proximais promovem edema e ruptura dos lisossomos intracelulares, lesão tubular direta e estresse oxidativo. A albuminúria, em especial, ativa as proteínas do complemento os fatores nucleares κ-β (NFk-β) e estimula a liberação de mediadoresinflamatórios em especial as quimiocinas e fatores de crescimento, tais como fator de crescimento semelhante a insulina tipo 1 (IGF-1) e TGF-β. Além disso, a proteinúria também promove o recrutamento. Lesão renal e o papel das quimiocinas de macrófagos, que perpetuam a reação inflamatória intersticial, produzindo a nefrite intersticial. Todo o processo de lesão renal, incluindo a proteinúria e sua reabsorção pelos túbulos proximais, faz com que estas células liberem citocinas/quimiocinas que atuarão recrutando células do sistema imunológico para o sítio de inflamação renal. As células tubulares reagem a este processo inflamatório pela transição epitelial-mesenquimal glomerular e tubular, mediada pelas citocinas, se t r a n s f o r m a n d o e m f i b r o b l a s t o s intersticiais, além de promover o desarranjo da membrana basal pelas proteases originadas de células epiteliais afetadas do glomérulo. Proteínas da superfamília do TGF-β, particularmente o TGF-β e a proteína morfogenética óssea (BMP-7), representam os principais mediadores desse processo. Enquanto o TGF- β estimula a transição epitelial- -mesenquimal e a síntese de proteínas da matriz extracelular, como colágenos e fibronectina, a BMP-7 inibe a transição epitelial-mesenquimal e estimula a síntese de enzimas proteolíticas, como as metaloproteinases MMP-2 e MMP-9. Outros agentes biológicos podem também modular a ligação do TGF-β ao seu receptor, incluindo o fator de crescimento do tecido conjuntivo. Dessa forma, as alterações dos glomérulos e túbulos refletem no interstício, levando a formação de uma cicatriz túbulo- intersticial que é o resultado final do processo inflamatório, sendo composta principalmente de fibronectina, e colágenos tipo I e tipo III, além de o u t r a s g l i c o p r o t e í n a s , c o m o a trombospondina, a osteopontina e os proteoglicanos. Os fibroblastos formados a partir da transição epitelial-mesenquimal do glomérulo, podem proliferar-se, migrar para áreas adjacentes ao processo inflamatório e, então, promover a síntese e deposição de fibronectina e colágeno. Nas fases iniciais do processo, predomina o colágeno tipo III. A medida que o processo fibrogênico progride, há substituição do colágeno tipo III pelo colágeno tipo I. Os fibroblastos túbulo- intersticiais podem secretar colágenos tipo I, III, IV e V, principalmente em resposta a ação do TGF-β. A fase final do processo culmina em apoptose dos fibroblastos e formação da cicatriz acelular. Portanto, a fibrose renal, caracterizada pela glomeruloesclerose e fibrose túbulo-intersticial, é a via final comum da DRC. Salienta-se que a progressão da DRC tende a e v o l u i r p a r a e v e n t o s c o m u n s independentemente do processo patológico de base e dos fatores de risco específicos s e c u n d á r i o s . E s s e s e v e n t o s s ã o caracterizados pela fibrose glomerular progressiva, perda de capilaridade peritubular, causando hipóxia tubular e destruição dos néfrons funcionantes em Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 razão de atrofia tubular. Esses mecanismos complexos resultam fatalmente na perda das funções renais. SÍNDROME NEFRÍTICA • INTRODUÇÃO A síndrome nefrítica aguda clássica, ou glomerulonefrite (GN) difusa aguda, caracteriza-se pelo surgimento agudo de hematúria, proteinúria não nefrótica (abaixo de 3,5 g/24 horas), edema e hipertensão arterial, geralmente acompanhados de oligúria. Esses sinais e sintomas são decorrentes de processo inflamatório agudo glomerular, que pode ocorrer de forma idiopática ou secundária a diversas doenças sistêmicas (como infecções, vasculites e colagenoses, como o lúpus eritematoso sistêmico). A hematúria é de origem glomerular, tendo por isso características peculiares: presença de dismorfismo eritrocitário (principalmente na forma de acantócitos) e cilindros hemáticos no sedimento urinário, coloração amarronzada (ou cor “de café”) da urina e ausência de formação de coágulos. A hipertensão arterial e o edema generalizado são decorrentes da retenção volêmica secundária à inflamação glomerular. As principais complicações são hipertensão, sobrecarga de volume, hipercalemia e acidose metabólica. Os pacientes podem apresentar um ou mais desses agravantes. A diminuição da taxa de filtração glomerular observada causa retenção acentuada de sais e água, com consequente desenvolvimento de hipertensão e edema. O paciente pode ter crise hipertensiva aguda acompanhada de insuficiência cardíaca congestiva aguda, edema cerebral e edema pulmonar. As formas mais comuns de GN manifestada como síndrome nefrítica são classificadas, com base nos respectivos mecanismos fisiopatológicos subjacentes, em três categorias: mediada por imunocomplexo (como GN pós-infecciosa, nefropatia por IgA ou formas proliferativas da nefrite lúpica), induzida por anticorpo (como doença anti-MBG — Membrana Basal Glomerular) e pauci-imune (como vasculites ANCA- associadas na ausência de imunodepósitos glomerulares detectados por imunofluorescência). O curso clínico das doenças glomerulares individuais pode variar. Exemplificando: G N P ó s - E s t r e p t o c ó c i c a ( G N P E ) o u glomerulonefrite difusa aguda costuma ser aguda e autolimitada, nefropatia por IgA tem caráter intermitente e crônico, e doença anti-MBG e vasculite ANCA- associadas apresentam início rápido e são progressivas, levando ao desenvolvimento de insuficiência renal em estágio terminal em um curto período, caso não sejam tratadas. As características da síndrome nefrítica aguda são: ▶ Hematúria dismórfica e cilindros hemáticos; ▶ Edema; ▶ Hipertensão arterial sistêmica; ▶ Proteinúria não nefrótica (abaixo de 3,5 g/24 horas); ▶ Oligúria. Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 • EPIDEMIOLOGIA A epidemiologia da síndrome nefrítica varia de forma considerável de acordo com a glomerulopatia que a causa. De forma g e r a l , a m a i s p r e v a l e n t e é a glomerulonefrite pós-estreptocócica, predominando na população masculina dos 6 aos 10 anos. Entretanto, a faixa etária mais prevalente depende da doença específica, variando entre a primeira década de vida e após os 50 anos. • ETIOLOGIA A síndrome nefrítica é uma manifestação de inflamação glomerular (glomerulonefrite) que ocorre em qualquer idade. As causas diferem de acordo com a idade e os mecanismos diferem em relação à causa. A síndrome pode ser: ▶ Aguda (creatinina sérica aumenta ao longo de muitas semanas ou menos); A glomerulonefrite pós-infecciosa é o protótipo da glomerulonefrite aguda, mas essa condição pode ser causada por outras glomerulopatias e por doenças sistêmicas, como doenças do tecido conjuntivo e discrasias sanguíneas. A glomerulonefrite r a p i d a m e n t e p r o g r e s s i v a ( G N R P ) é u m a glomerulonefrite aguda resultante das sequelas secundárias da glomerulonefrite inflamatória (crescentérica), das quais existem muitas causas. GNRP é um diagnóstico patológico. ▶ Crônica (a insuficiência renal crônica pode progredir ao longo de anos); A g l o m e r u l o n e f r i t e c r ô n i c a a p r e s e n t a características similares às da glomerulonefrite aguda, mas desenvolve-se de modo lento e pode apresentar proteinúria leve a moderada. Os exemplos incluem • Nefropatia por IgA • Nefrite hereditária (síndrome de Alport) • Doença da membrana basal fina A síndrome nefrítica também pode ser: ▶ Primária (idiopática) ▶ Secundária • FISIOPATOLOGIA Várias doenças diferentes podem levar a uma síndrome nefrítica, variando de m u t a ç õ e s g e n é t i c a s a i n f e c ç õ e s bacterianas. Mesmo com patogênese variável, a lesão glomerular resultante ocorre principalmente por um mecanismo imunomediado, que pode ocorrer por deposição de imunocomplexos circulantes pré-formados, formação de complexos imunes in situ, reações autoimunes anti-MBG ou pauci-imune.A depender do local de deposição dos complexos imunes, a lesão pode ser subepitelial ou na MBG, havendo uma maior deposição de complexos com carga positiva e de tamanho menor, que desencadeiam uma resposta inflamatória mais branda com um pequeno infiltrado celular, mas com grande alteração na permeabilidade e maior proteinúria; assim como, a lesão pode ser subendotelial, com maior deposição de complexos de carga negativa e maior tamanho, desencadeando uma resposta inflamatória com infiltrado de leucócitos e plaquetas, com liberação hematogênica de mediadores inflamatórios. Após a deposição do imunocomplexo, ocorre a ativação de complemento, com quimiotaxia d e c é l u l a s i n f l a m a t ó r i a s , c o m o neutrófilos, monócitos e linfócitos T, que auxiliam na ativação de macrófagos. Tais células, junto com as mesangiais ativadas, produzem proteazes e agentes oxidantes, citocinas e interleucinas; além de haver a ativação de fatores de coagulação responsáveis pelos depósitos de fibrina. De início, o infiltrado é celular. Posteriormente, há proliferação do endotélio e das células mesangiais em decorrência da liberação de fatores de crescimento no local. Quando tal processo ocorre de maneira suficientemente intensa, pode ocorrer a formação de crescentes, que são estruturas no formato de lua crescente, em resposta à ruptura do endotélio e extravasamento de fibrina e https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-geniturin%C3%A1rios/doen%C3%A7as-glomerulares/glomerulonefrite-p%C3%B3s-infecciosa https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-geniturin%C3%A1rios/doen%C3%A7as-glomerulares/glomerulonefrite-rapidamente-progressiva-gnrp https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-geniturin%C3%A1rios/doen%C3%A7as-glomerulares/glomerulonefrite-rapidamente-progressiva-gnrp https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-geniturin%C3%A1rios/doen%C3%A7as-glomerulares/nefropatia-por-imunoglobulina-a https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-geniturin%C3%A1rios/doen%C3%A7as-glomerulares/s%C3%ADndrome-de-alport https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-geniturin%C3%A1rios/doen%C3%A7as-glomerulares/doen%C3%A7a-da-membrana-basal-fina Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 elementos inflamatórios para o espaço de Bowman, onde fibroblastos iniciam a produção de matriz extracelular e a crescente deixa de ser celular e passa a ser fibrosa. Em função do infiltrado inflamatório e da proliferação das células residentes, o fluxo plasmático e a taxa de filtração glomerular caem. Isso se agrava com a liberação de substâncias vasoconstritoras, c o m o l e u c o t r i e n o s , t r o m b o x a n o s , e n d o t e l i n a s e P D G F , q u e a c a b a m p r e d o m i n a n d o e m r e l a ç ã o à s vasodilatadoras, como NO e prostaciclinas. Além disso, decorrente dessa queda de filtração há um aumento do volume do líquido extracelular, levando a edema e hipertensão. Também ocorrem hemácias dismórficas (passagem estreita na fenda de filtração), leucócitos e proteinúria subnefrótica (lesão inflamatória na parede do capilar). • GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) não é uma patologia em si, mas uma complicação comum de patologias que cursam com síndrome nefrítica; é definida com perda aguda (dias a poucas semanas) da função renal, associado a um quadro glomerular (evidenciado com hematúria dismórfica e proteinúria); as principais patologias que podem cursar com GNRP são: nefrite lúpica, formas proliferativas, doença de Goodpasture e vasculites ANCA relacionadas de pequenos vasos. Histologicamente sua formação tem relação com a presença de infiltrado inflamatório intenso no glomérulo e causa lesão da membrana basal glomerular, formando os crescentes celulares extracapilares, que são definidos com a presença de duas ou mais camadas de células inflamatórias no espaço de Bowman; ocorrem em mais de 50% dos glomérulos da amostra de biópsia renal. Portanto, existe correlação clínica entre número de crescentes e gravidade da doença. Assim, doenças com mais de 80% de crescentes se exteriorizam, geralmente, por injúria renal aguda (IRA) dialítica. A GNRP também cursa com intensa inflamação e proliferação tanto de células do próprio glomérulo quanto de células inflamatórias infiltrantes extraglomerulares. A GNRP pode ser primária ou secundária à doença sistêmica. São três os grupos mais frequentes de doenças que se apresentam como GNRP: GN antimembrana basal glomerular (anti-MBG), GN de imunocomplexos e GN relacionada ao ANCA. A tipo 1, ou GNRP anti-MBG, forma relacionada ao anticorpo anti-MBG, apresenta-se como doença de Goodpasture ou sem sinais de comprometimento pulmonar. As doenças de imunocomplexos ou tipo 2 mais comumente encontradas são nefrite lúpica, crioglobulinemia (a forma mais comum, secundária ao vírus da hepatite C), GN pós-infecciosa e nefropatia da IgA. As formas relacionadas ao ANCA, tipo 3, ou GNRP pauci-imune, apresentam-se com manifestações sistêmicas de poliangiite granulomatosa, poliangiite microscópica e granulomatose eosinofílica com poliangiite, ou com manifestação exclusivamente renal; recebem essa denominação pela ausência de imunoglobulinas na imunofluorescência da biópsia renal. Um achado que pode ser marcante na GNRP é o acometimento pulmonar, não só com infiltrados e nódulos, mas também com hemorragia alveolar, o que caracteriza a síndrome pulmão-rim. Isso ocorre por causa da presença de anticorpos dirigidos contra as membranas alveolares. O diagnóstico de glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP), um tipo de síndrome nefrítica, é patológico e acompanhado por extensa formação de crescentes glomerulares; se não tratada, evolui para doença renal terminal em semanas a meses. É relativamente incomum, afetando 10 a 15% dos pacientes com glomerulonefrite, e ocorre predominantemente entre 20 e 50 anos de idade. Classificam-se os tipos e as causas de acordo com os achados observados na microscopia imunofluorescente e testes serológicos: - Doença do anticorpo antimembrana basal antiglomerular - é uma glomerulonefrite autoimune responsável por 10% dos casos de GNRP. Pode surgir quando a exposição respiratória (p. ex., fumaça de cigarros, infecções da via respiratória superior virais) ou a alguns outros estímulos expõe o colágeno dos capilares alveolares, desencadeando a formação de anticorpos anticolágeno. Os anticorpos anticolágeno apresentam reação cruzada com a MBG, fixando o complemento e desencadeando uma resposta inflamatória mediada por células nos rins e geralmente nos pulmões. O termo síndrome de Goodpasture refere-se a uma combinação de glomerulonefrite e hemorragia alveolar na p r e s e n ç a d e a n t i c o r p o s a n t i - M B G . Glomerulonefrite sem hemorragia alveolar na Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 presença de anticorpos anti-MBG é chamada glomerulonefrite anti-MBG. A coloração por imunofluorescência da biópsia de tecido renal demonstra depósitos lineares de IgG. - GNPR por imunocomplexos - complica numerosas infecções e doenças do tecido conjuntivo e também ocorre em outras glomerulopatias primárias. A coloração na imunofluorescência demonstra depósitos granulares imunes inespecíficos. Essa condição contribui para 40% dos casos de GNRP. A patogênese geralmente é desconhecida. - GNPR pasci-imune - GNRP pauci-imune é diferenciada pela ausência de imunocomplexos ou deposição de complemento na coloração por imunofluorescência. Constitui até 50% de todos os casos de GNRP. Quase todos os pacientes apresentam anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos elevados (ANCAs, geralmente ANCA-3 antiproteinase ou ANCA-mieloperoxidase) e vasculite sistêmica. - Doença de anticorpos duplos - ocorre com a presença de anticorpos anti-MBGe ANCA. É rara. - GNPR idiopática - Os casos idiopáticos são raros. Incluem pacientes com qualquer um dos seguintes: √ Imunocomplexos, mas sem causa óbvia como infecção, doença do tecido conjuntivo, ou doença glomerular √ Características pauci-imunes, mas ausência de anticorpos ANCA. • GLOMERULONEFRITE PÓS-INFECCIOSA Glomerulonefrite pós-infecciosa (GNPI), uma síndrome nefrítica, é a causa mais comum de doença glomerular em crianças com 5 a 15 anos de idade, sendo rara em crianças < 2 anos e adultos > 40 anos. A maioria dos casos é causada por cepas nefritogênicas de estreptococo beta-hemolítico do grupo A, principalmente os tipos 12 (que causa faringite) e 49 (impetigo) e estima-se que 5 a 10% dos pacientes com faringite estreptocócia e cerca de 25% daqueles com impetigo desenvolvam essa condição. O período de latência típico é de 6 a 21 d i a s e n t r e a i n f e c ç ã o e o i n í c i o d a glomerulonefrite, mas a latência pode se prolongar por até 6 semanas. Patógenos menos comuns incluem bactérias não estreptocócicas, vírus, parasitos, riquétsias e fungos. A endocardite bacteriana e a infecção da derivação ventriculoatrial são condições adicionais importantes nas quais ocorre o desenvolvimento de GNPI; as derivações ventriculoperitoneais são mais resistentes à infecção. O mecanismo da doença é desconhecido, mas acredita-se que os agentes microbianos se ligam à membrana basal glomerular e ativam primariamente a via alternada do complemento tanto diretamente quanto por interação com anticorpos circulantes, causando lesão glomerular, que pode ser focal ou difusa. Como alternativa, imunocomplexos circulantes podem se precipitar na membrana basal glomerular. • G L O M E R U L O N E F R I T E P Ó S - ESTREPTOCÓCICA Ocorre após infeção com cepa nefritogênica de estreptococos β-hemolíticos do grupo A, se apresentando como uma glomerulonefrite endocapilar aguda que surge, geralmente, 2 a 6 semanas após quadro de piodermite ou 1 a 3 semanas após quadro de faringite. Costuma acometer mais crianças (6 a 10 anos) do sexo masculino e adultos que apresentem outras comorbidades. A maioria dos casos é sub-clínico, sendo apenas 15% a parcela de pacientes que realmente manifesta a doença. Sua incidência em familiares e co-habitantes pode chegar a 40%. Suas principais manifestações clínicas são hematúria, cilindros hemáticos, piúria, edema, hipertensão e insuficiência oligúrica; sendo que 50% dos casos apresentam cefaleia, mal-estar, anorexia e dor nos flancos. Na biópsia, observa-se hipercelularidade de células mesangiais e endoteliais, infiltrados polimorfonuceares (exame feito apenas com história clínica diferente da esperada). Imunofluorescência apresenta depósitos granulares de imunoglobulinas e complemento subepiteliais. Os exames laboratoriais utilizam de marcadores de infecção pregressa, que são antiestreptolisina O (ASLO), anti-hialuronidase e antiestreptoquinases. O prognóstico da doença é em sua maioria bom, com remissão de sinais e sintomas após 2 a 3 semanas, sendo a sua resolução espontânea, com tratamento voltado para controle de hipertensão, edema e diálise se necessário. • MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A síndrome nefrítica tem início súbito e manifesta-se por oligúria, edema, hipertensão arterial, hematúria com cilindros hemáticos, proteinúria discreta ou moderada e retenção de produtos nitrogenados (azotemia). Ocorre ainda redução na taxa de filtração glomerular e na fração de filtração; o fluxo plasmático renal pode não se alterar, manter-se um Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 pouco acima dos níveis normais ou sofrer queda, sempre menor do que a fração de filtração. As funções tubulares são normais ou pouco alteradas. Contudo, existe retenção de Na+ e água e, consequentemente, edema. No início ou durante sua evolução, podem faltar alguns desses elementos ou surgir certas complicações: insuficiência renal aguda, encefalopatia hipertensiva e edema pulmonar. As causas mais importantes de síndrome nefrítica são glomerulonefrites. Os sintomas primários incluem anorexia, mal-estar e urina espumosa causada pela alta concentração de proteínas. A retenção de líquidos pode causar ▶ Dispneia (derrame pleural ou edema laríngeo); ▶ Artralgia (hidrartrose); ▶ Dor abdominal (ascite ou, em crianças, edema mesentérico); Podem surgir sinais correspondentes, incluindo edema e ascite. O edema pode obscurecer os sinais da perda muscular e causar linhas brancas paralelas nos leitos das unhas (linhas de Muehrcke). Outros sinais e sintomas são atribuíveis às várias complicações da síndrome nefrótica (ver tabela Complicações da síndrome nefrótica). • DIAGNÓSTICO - GRPR √ Insuficiência renal progressiva ao longo de semanas ou meses; √ Sedimento urinário nefrítico; √ Exames sorológicos; √ Níveis séricos do complemento; √ Biópsia renal; O diagnóstico é sugerido por lesão renal aguda em pacientes com hematúria e eritrócitos dismórficos ou cilindros hemáticos. Os exames incluem creatinina sérica, exame de urina, hemograma completo, testes sorológicos e biópsia renal. O diagnóstico habitualmente é feito pelos testes sorológicos e pela biópsia renal. A creatinina sérica está quase sempre elevada. O exame de urina mostra que hematúria sempre está presente, e cilindros hemáticos normalmente estão presentes. Sedimentos “telescópicos” (sedimento com múltiplos elementos, incluindo leucócitos, eritrócitos dismórficos e cilindros leucocitários, hemáticos, granulares, serosos e grandes) são comuns. No hemograma anemia sempre está presente, e leucocitose é comum. Os exames sorológicos devem incluir anticorpos anti-MBG (doença de anticorpos anti- MBG); anticorpos antiestreptolisina O, anticorpos anti- DNA ou crioglobulinas (GNRP por complexos i m u n i t á r i o s ) ; e t í t u l o s d e a n t i c o r p o citoplasmático antineutrófilo (ANCA) (GNRP pauci- imune). A dosagem do complemento pode ser útil se houver suspeita de GNRP por imunocomplexos porque hipocomplementemia é comum. A biópsia renal precoce é essencial. A característica comum a todos os tipos de GNRP é a proliferação focal de células epiteliais glomerulares, algumas vezes entremeadas por numerosos neutrófilos, que formam uma massa celular em crescente (crescentes) que preenche o espaço de Bowman em > 50% dos glomérulos. O tufo glomerular geralmente aparece hipocelular e colapsado. Pode haver necrose no interior do tufo ou envolvendo o crescente, podendo ser a anormalidade mais proeminente. Nesses pacientes, devem-se pesquisar evidências histológicas de vasculite. O s r e s u l t a d o s d a m i c r o s c o p i a c o m imunofluorescência diferem para cada tipo: √ Na doença de anticorpos anti-MBG, a deposição linear ou em fita de IgG ao longo da MBG é mais proeminente e geralmente é acompanhada por deposição linear e algumas vezes granular de C3. √ Na GNRP por imunocomplexos, a imunofluorescência revela depósitos difusos mesangiais de IgG e C3, irregulares. √ Na GNRP pauci-imune, não são detectados coloração imunitária ou depósitos. Entretanto, há presença de fibrina nos crescentes, independentemente do padrão de fluorescência. √ Na GNRP de duplo anticorpo, há coloração linear da MBG. √ Na GNRP idiopática, alguns pacientes apresentam complexos imunitários e outros apresentam ausência de coloração imunitária e depósitos. - GRPR √ Evidência clínica de infecção recente; √ Exame de urina tipicamente mostrando eritrócitos dismórficos, cilindros Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 hemáticos, proteinúria, leucócitos e células tubulares renais; √ Geralmente, hipocomplementemia; Sugere-se glomerulonefrite pós-infecciosa estreptocócica pela história de faringite ou impetigo mais sintomas típicos de GNPI ou achados incidentais no exame de urina. A demonstração da hipocomplementemia é essencialmente confirmatória. São realizados examespara confirmar o diagnóstico dependendo dos achados clínicos. Anticorpos antiestreptolisina O, anti-hialuronidase e antidesoxirribonuclease (anti-DNAase) são comumente dosados. A creatinina e o complemento sérico (C3 e atividade de complemento hemolítica total) são também geralmente dosados; entretanto, em pacientes com resultados clínicos típicos, alguns testes podem ser omitidos. Algumas vezes, outros testes são realizados. A biópsia confirma o diagnóstico, mas raramente é necessária. O nível de anticorpo antiestreptolisina O, o exame mais comum de evidência laboratorial de infecção estreptocócica recente, eleva-se e permanece elevado por vários meses em cerca de 75% dos pacientes com faringites e em cerca de 50% dos pacientes com impetigo, mas é inespecífico. O teste para estreptozima, que adicionalmente mede o t í t u l o s d e a n t i - h i a l u r o n i d a s e , antidesoxirribonuclease e outros títulos detecta 95% de faringite estreptocócica recente e 80% de infecções cutâneas. Exame de urina tipicamente mostra proteinúria (0,5 a 2 g/m2/dia); eritrócitos dismórficos; leucócitos; células tubulares renais; e possivelmente cilindros de eritrócitos, de leucócitos e granulares. Uma correlação aleatória (spot) de proteína/creatinina urinárias normalmente está entre 0,2 e 2 (normal, < 0,2), mas pode às vezes estar no intervalo nefrótico (≥ 3). A creatinina sérica pode elevar-se rapidamente, mas geralmente o pico fica abaixo do nível que necessita de diálise. A atividade de C3 e a concentração de complemento hemolítico total (CH50) caem durante a doença ativa e retornam ao normal dentro de 6 a 8 semanas em 80% dos casos de GNPI; concentrações de C1q, C2 e C4 são apenas minimamente reduzidas ou permanecem normais. Pode surgir crioglobulinemia e persistir por vários meses, ao passo que os complexos imunes circulantes são detectáveis por apenas algumas semanas. A biópsia mostra glomérulos aumentados e hipercelulares, inicialmente com infiltração neutrofílica e mais tardiamente com infiltração mononuclear. A hiperplasia de células epiteliais é uma característica comum inicial e transitória. Pode ocorrer microtrombose; se a lesão for grave, as alterações hemodinâmicas devido à proliferação celular e edema do glomérulo causam oligúria, às vezes acompanhada de crescentes epiteliais (formados dentro do espaço de Bowman por hiperplasia das células epiteliais). As células endoteliais e mesangiais se multiplicam e geralmente ocorre grande expansão por edema das regiões mesangiais, as quais contêm neutrófilos, células mortas, debris celulares e depósitos subepiteliais de material eletrodenso. A microscopia com imunofluorescência mostra deposição de imunocomplexos com IgG e complemento em um padrão granular. Na microscopia eletrônica, esses depósitos são semilunares ou em forma de corcunda localizados na área subepitelial. A presença desses depósitos e de pequenos depósitos subendoteliais e mesangiais inicia uma reação inflamatória mediada por complemento que causa lesão glomerular. O principal antígeno provavelmente é a cisteína proteinase de zimogênio exotoxina B (zimogênio/SPE B). SÍNDROME NEFRÓTICA • INTRODUÇÃO O glomérulo consiste em um emaranhado capilar que, junto à cápsula de Bowman, forma a primeira porção do néfron: o corpúsculo renal. As doenças que acometem o g l o m é r u l o s ã o d e n o m i n a d a s d e glomerulopatias, podendo ser primárias ou secundárias. Elas podem ser agrupadas em diversas síndromes clínicas de acordo com suas manifestações, de modo que a diferenciação entre a causa sindrômica é identificada a partir do padrão de lesão glomerular. Dessa forma, a biópsia renal é vital no decorrer da história clínica e d i a g n ó s t i c a d a s g l o m e r u l o p a t i a s relacionadas à síndrome nefrótica. A síndrome nefrótica consiste no conjunto de doenças glomerulares relacionadas ao aumento de permeabilidade da membrana basal glomerular (MBG) às proteínas plasmáticas, levando à proteinúria (>3,5 g/1,73m²/dia), e, consequentemente, à hipoalbuminemia e a edema. Outros achados Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 comuns nas enfermidades nefróticas são a hiperlipidemia e a hipercoagulabilidade (tromboembolismo). • EPIDEMIOLOGIA A epidemiologia da síndrome nefrótica varia de forma considerável de acordo com a glomerulopatia que a causa. De forma geral, considerando as etiologias mais importantes, pode-se dizer que a ordem d e c r e s c e n t e d e p r e v a l ê n c i a é : glomeruloesclerose segmental e focal (GESF), nefropatia membranosa (NM), doença por lesão mínima e glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP). • ETIOLOGIA A síndrome nefrótica ocorre em qualquer idade, mas é mais prevalente em crianças (primariamente, doença de lesões mínimas), na maioria das vezes entre os 1½ e 4 anos de idade. As síndromes necróticas congênitas surgem durante o primeiro ano de vida. Em idades mais jovens (< 8 anos), os meninos são mais afetados do que as meninas, mas ambos os sexos são igualmente afetados em idades mais velhas. As causas diferem de acordo com a idade e podem ser primárias ou secundárias. As causas primárias mais comuns são: ▶ Doença de alteração mínima ▶ Glomerulosclerose segmentar focal ▶ Nefropatia membranosa As causas secundárias são responsáveis por <10% na infância, mas por >50% dos casos em adultos, mais comumente: ▶ Nefropatia diabética ▶ Pré-eclâmpsia A amiloidose é uma causa não reconhecida e responsável por 4% dos casos. Nefropatia associada ao HIV é um tipo de glomerulosclerose focal e segmentar que ocorre em pacientes com aids. • FISIOPATOLOGIA A proteinúria decorre de alterações das células endoteliais dos capilares, membrana basal glomerular, ou podócitos, que normalmente filtram as proteínas séricas seletivamente de acordo com o tamanho e a carga. O mecanismo da lesão dessas estruturas é desconhecido nas doenças glomerulares primárias ou secundárias, mas as evidências sugerem que as células T regulam positivamente um fator de permeabilidade circulante ou negativamente um fator inibidor de permeabilidade em resposta a imunógenos e citoquinas não identificados. Outros possíveis fatores incluem defeitos hereditários em proteínas que fazem parte integral dos diafragmas divisores do glomérulo, ativação do complemento provocando a lesão de células epiteliais glomerulares e a perda dos grupos carregados negativamente ligados a proteínas da MBG e células epiteliais glomerulares. • FISIOPATOLOGIA No que concerne à proteinúria, as teorias mais antigas referiam-se a alterações elétricas na MBG como as mais prováveis responsáveis pela filtração aumentada de proteínas. Hoje, artigos mais recentes destacam a importâncias dos podócitos enquanto barreiras anátomo-celulares i m p o r t a n t e s n a p a s s a g e m d e s s a s macromoléculas do sangue para os túbulos renais. Novos estudos também descrevem um fator genético importante para o desenvolvimento da proteinúria: a ausência do gene NPHS1, que codifica uma proteína denominada nefrina, responsável pela adesão celular interpodocitária. A hipoalbuminemia ocorre como consequência direta da proteinúria – se mais proteínas estão sendo excretadas do corpo e se a albumina é a proteína mais abundante no plasma, logo os níveis de albumina estarão reduzidos. O edema ocorre por dois Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 mecanismos. O primeiro (underfill) se relaciona à hipoalbuminemia, uma vez que essa manifestação leva à redução da pressão oncótica do sangue, uma das forças que se opõem à passagem de líquido do espaço intravascular para o interstício. O outro mecanismo proposto (overfill) se refere à hiperatividade dos túbulos renais na reabsorção de sódio e água, levando a um quadro de hipervolemia. O aumento do volume circulante, então, aumenta a pressão hidrostática dos vasos sanguíneos,promovendo edema. A hiperlipidemia é uma resposta à proteinúria. A redução dos níveis de pressão oncótica estimula a p r o t e ç ã o d e l i p o p r o t e í n a s p e l o s hepatócitos por um mecanismo desconhecido. Nota-se um aumento acentuado do colesterol circulante, em especial das lipoproteínas de baixa densidade (LDL). Outros dois mecanismos sugeridos são o decréscimo no catabolismo da VLDL e a diminuição da atividade dos receptores de LDL. Ressalta- se que esses mecanismos podem atuar em c o n j u n t o , n ã o s e n d o m u t u a m e n t e excludentes. A hipercoagulabilidade se relaciona, também, à proteinúria, posto que ela promove o predomínio de fatores pró-coagulantes em detrimento dos fibrinolíticos. São perceptíveis o aumento dos níveis de fatores V, VII e VIII, hiperfibrinognemia, redução dos níveis de antitrombina III e proteína S, dentre outros. Nota-se, também, um aumento do número de plaquetas e de sua agregação. Os principais quadros clínicos relacionados á síndrome nefrótica são: podocitopatias (glomeruloesclerose segmentar e focal – GESF –, doença de lesão mínima – DLM – e outras), glomerulopatia membranosa e glomerulonefrite membranoproliferativa. A seguir, descreveremos cada uma delas, bem como seus métodos diagnósticos e condutas terapêuticas. • PODOCITOPATIAS(DLM E GESF) As podocitopatias são aquelas que afetam o complexo podócito-membrana de fenda. Podem ser oriundas da ordem genética, ambiental ou idiopática. Elas decorrem de alterações da permeabilidade do glomérulo à albumina, levando à proteinúria. Outras manifestações vistas são a dislipidemia, o edema e a hipertensão arterial. Tratando-se de podocitopatias, o que difere a doença por lesão mínima (DLM) da GESF? A DLM se caracteriza pela redução da carga negativa da barreira de filtração glomerular e é cerca de quatro vezes mais prevalente em crianças com menos de 16 nos do que em adultos, com pico de incidência dos 2 aos 6 anos. A cada 8 crianças acometidas por DLM, 7 são do sexo masculino. Ela pode ser idiopática ou genética, estando associada a infecções respiratórias, neoplasias e medicamentos (AINEs e lítio). Achados possíveis são edema de MMII com cacifo, fácies nefrótica, hipertensão (30% dos casos) e hematúria microscópica (20%). Histologicamente, não existem alterações à microscopia óptica; à eletrônica, vê- se MBG normal com união dos pedicelos podocitários. O tratamento é feito à base de corticoides. As taxas de remissão da doença após o tratamento são altas, porém as de recidivas também são frequentes (embora menos). Há risco de indivíduos recidivos se tornarem córtico- dependentes; nesses casos, utiliza-se um agente alquilante, como a ciclosporina em doses baixas. A glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) é uma das principais causas de síndrome nefrótica, s e n d o u m a d a s f o r m a s m a i s c o m u n s d e glomerulopatias entre adultos (20 a 25%). Acomete mais a população da cor negra. Pode ser idiopática ou genética. Um paciente com GESF apresenta frequentemente, além de proteinúria e edema, hipertensão e hematúria (apesar de não ser uma manifestação nefrótica), evoluindo com perda de função renal. Testes sorológicos e níveis séricos de complemento encontram-se na faixa de normalidade. A remissão espontânea é incomum. À microscopia óptica, nota-se segmentos capilares com sinéquias ou hialinizados, evoluindo para uma esclerose generalizada. Achados comuns nos glomérulos são o aumento da matriz mesangial, hipercelularidade, colapso de alça capilar, depósito de proteínas e aderência à cápsula de Bowman. A melhor conduta terapêutica, no momento, é a corticoterapia prolongada em dose plena por dezesseis semanas com conseguinte redução progressiva da posologia. Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 • NEFROPATIA MEMBRANOSA(NM) A NM é a principal glomerulopatia nefrótica que acomete a população da cor branca, do sexo masculina e da faixa etária entre 45 e 50 anos. Ela é predominantemente de caráter idiopático (60 a 80% dos casos), mas pode ocorrer em associação a quadros de infecções (notoriamente sífilis, HBV e HCV), LES, medicações (sais de ouro) e certos tumores sólidos. Clinicamente, a proteinúria da NM varia de 5 a 10 g/dia. Manifestações comuns incluem disfunção renal, hipertensão arterial e hematúria microscópica (principalmente em crianças). Os índices de remissão são moderadamente elevados, mas cerca de um quarto dos pacientes evolui para insuficiência renal em até duas décadas. Uma complicação comum da NM é a trombofilia, que se manifesta comumente como trombose de veia renal ou embolia pulmonar. A lesão é, basicamente, restrita à MBG. Anátomopatologicamente, costuma-se classificar a NM em estágios (I a IV). No estágio I, vê-se glomérulos normais na microscopia óptica (MO) e depósito de imunocomplexos na imunofluorescência (IF); no estágio II, encontra-se o mesmo na IF, porém a MO já mostra a formação de espículas enegrecidas em resposta ao depósito de imunocomplexos. No estágio III, esses depósitos são integrados à MBG, visível tanto em MO quanto em IF. No estágio IV, nota-se, um espessamento difuso e homogêneo da MBG à microscopia óptica; a IF é negativa ou fracamente positiva. Fatores associados a um pior prognóstico de NM são: idade avançada, sexo masculino, síndrome nefrótica persistente, HAS, redução da taxa de filtração glomerular (TFG) e lesão tubulointersticial associada. O tratamento mais indicado é a terapia com corticoides. • G L O M E R U L O N E F R I T E MEMBRANOPROLIFERATIVA(GNMP) A GNMP se caracteriza por alteração da capacidade proliferativa mesangial com inflamação da alça capilar. Ela acomete mais pessoas jovens (menos de 30 anos – 70% dos casos) e mulheres (discreto predomínio – 52 a 58% dos casos). Apesar de poder se manifestar como síndrome nefrítica, a forma nefrótica é amplamente mais comum. Achados comuns são proteinúria assintomática, hipertensão arterial (95% dos casos) e redução da TFG (40 a 60% dos pacientes).Nota-se uma redução persistente d o s n í v e i s s é r i c o s d e c o m p l e m e n t o (hipocomplementemia), principalmente pela queda de C3. Esse é um achado importantíssimo para o diagnóstico diferencial, já que DLM, GESF e NM possuem níveis normais de complemento. Anátomo-patologicamente, costuma-se classificá-la em tipos I, II e III. No tipo I, vê-se hipercelularidade mesangial com expansão da matriz e duplicação da MBG à microscopia óptica (MO) e d e p ó s i t o s i m u n e s s u b e n d o t e l i a i s à imunofluorescência (IF). O tipo II corresponde à doença de depósitos densos. O tipo III, à MO, caracteriza-se por proliferação celular e duplicação de alças capilares (depósitos subendoteliais da GNMP tipo I + espessamento da MBG e formação de espículas). À IF, o tipo III mostra depósitos granulares difusos de C3, IgE e IgM no mesângio e nas alças capilares. Fatores associados a um pior prognóstico são a presença de crescentes, manifestação nefrótica, i n s u f i c i ê n c i a r e n a l , H A S e l e s ã o tubulointersticial. O tratamento inespecífico envolve iECA + ARA-II (estabilizar proteinúria > 1,0 g/dia e PA < 130×80 mmHg). O tratamento específico com corticoesteroides, até o momento, mostrou-se efetivo apenas em crianças. • MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Os sintomas primários incluem anorexia, mal-estar e urina espumosa causada pela alta concentração de proteínas. A retenção de líquidos pode causar: √ Dispneia (derrame pleural ou edema laríngeo); √ Artralgia (hidrartrose); √ Dor abdominal (ascite ou, em crianças, edema mesentérico); Podem surgir sinais correspondentes, incluindo edema e ascite. O edema pode obscurecer os sinais da perda muscular e causar linhas brancas paralelas nos leitos das unhas (linhas de Muehrcke). Outros sinais e sintomas são atribuíveis às várias complicações da síndrome nefrótica. • DIAGNÓSTICO √ Relação proteína/creatinina≥ 3 em amostra aleatória de urina ou proteinúria ≥ 3 g/24 h; √ Testes sorológicos e biópsia renal, a não ser que a causa seja clinicamente evidente; Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 Suspeita-se do diagnóstico em pacientes com edema e proteinúria no exame de urina, confirmado pela dosagem de proteínas urinárias em 24 h. A causa pode ser sugerida pela história clínica (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico, pré- eclâmpsia, câncer); quando a causa não é clara, indicam-se exames sorológicos adicionais e biópsia renal. - EXAME DE URINA: O achado de proteinúria significativa (3 g de proteína em uma amostra de urina de 24 h) é diagnóstico (excreção normal < 150 mg/dia). Alternativamente, a relação proteína/creatinina em uma amostra aleatória de urina estima as gramas de proteína/1,73 m2 de superfície corpórea em uma amostra de 24 h (p. ex., valores de 40 mg de proteína/dL e 10 mg de creatinina/dL [884 micromol/L] em uma amostra de urina aleatória são equivalentes ao encontro de 4 g/1,73 m2 em uma amostra de 24 h). A utilização de amostra pontual de urina para determinação da relação proteína/ creatinina pode ser menos confiável quando a excreção de creatinina for extremamente alta (p. ex., durante treinamento atlético) ou baixa (p. ex., caquexia). Entretanto, esses cálculos baseados em amostras aleatórias geralmente são preferíveis ao da coleta de 24 h, porque a coleta aleatória é mais conveniente e menos tendente a erro (p. ex., devido à falta de adesão); testes mais convenientes facilitam o monitoramento das mudanças que ocorrem durante o tratamento. Além da proteinúria, o exame de urina pode demonstrar cilindros (hialinos, granulares, gordurosos, serosos ou de células epiteliais). Lipidúria, a presença de lipídios livres ou lipídios dentro das células tubulares (corpos de gordura ovais), dentro de cilindros (cilindros gordurosos), ou como glóbulos livres, sugere uma doença glomerular que causa síndrome nefrótica. O colesterol urinário pode ser detectado pela microscopia simples e demonstra um padrão de cruz de malta sob luz polarizada; a coloração com Sudan deve ser utilizada para demonstrar a presença de triglicerídios. - EXAMES ADCIONAIS NA SÍNDROME NEFRÓTICA: Os testes auxiliares ajudam a caracterizar a gravidade e as complicações: √ As concentrações de ureia e creatinina variam de acordo com o grau de disfunção renal; √ A albumina sérica geralmente é < 2,5 g/ dL (25 g/L); √ As concentrações totais de colesterol e triglicerídios estão tipicamente elevadas; Rotineiramente, não é necessário dosar as concentrações de alfa e gamaglobulinas, imunoglobulinas, proteínas ligadoras de hormônios, ceruloplasmina, transferrina e componentes do complemento, mas também seus níveis podem estar baixos. - EXAMES PARA CAUSAS SECUNDÁRIAS DA SÍNDROME NEFRÓTICA: O papel dos testes para causas secundárias da síndrome nefrótica (ver tabela Causas da síndrome nefrótica) é controverso porque o resultado pode ser mínimo. Os exames são mais bem escolhidos conforme indicados pelo quadro clínico. Os exames podem incluir: √ Glicose sérica e hemoglobina glicosilada (HbA1C); √ Anticorpos antinucleares; √ Exames sorológicos para hepatite B e C; √ Eletroforese de proteínas sérica e urinária; √ Crioglobulinas; √ Fator reumatoide; √ Teste sorológico para sífilis (p. ex., reagina plasmática rápida); √ Testes anti-HIV; √ Níveis de complemento (C3, C4); Os resultados dos exames podem alterar o tratamento e evitar a necessidade de biópsia. Por exemplo, a demonstração de crioglobulinas sugere crioglobulinemia mista (p. ex., de doenças inflamatórias crônicas como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, ou infecção pelo vírus da hepatite C), ao passo que a demonstração de proteínas monoclonais ou eletroforese de proteínas séricas ou urinárias sugere gamopatia monoclonal (p. ex., mieloma múltiplo), em especial nos pacientes > 50 anos de idade que têm anemia.
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