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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 1 SUMÁRIO 1 ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO ................................................... 2 2 ANTROPOLOGIA RELIGIOSA ....................................................... 6 2.1 Autenticidade e Mercado religioso .............................................. 7 2.2 A Reafricanização e as Viagens Místicas a África ...................... 8 2.3 Uma Nova Reafricanização ou o Reforço do eixo Atlântico? ...... 8 3 O GRINGO NO CANDOMBLÉ ....................................................... 9 4 HISTÓRIA DAS IDEIAS RELIGIOSAS ......................................... 10 4.1 Antropologia Religiosa do povo Macua ..................................... 12 4.2 A guerra das Religiões pela Alma Indígena .............................. 14 4.3 A guerra pelas almas................................................................. 14 5 Antropologia Jurídica: as relações étnico-raciais na evolução religiosa e as influências culturais na evolução da formação do povo brasileiro ............... 17 5.1 Conceito e Objeto da Antropologia ............................................ 19 6 CULTURA E ANTROPOLOGIA NO MUNDO MODERNO ........... 21 7 FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO ......................................... 23 8 AS RAÍZES CULTURAIS QUE FORMAM A IDENTIDADE DO POVO BRASILEIRO .................................................................................................... 26 8.1 Relações Étnico-raciais História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena 28 8.2 Fundamentos De Antropologia Religiosa .................................. 30 9 BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 43 CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 2 1 ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO A Antropologia é a ciência que estuda a humanidade em todas suas dimensões. Uma de suas divisões é a Antropologia Cultural, disciplina que cursamos e que engloba inúmeros aspectos que formam a cultura do homem. Um deles é a religião (do latim: “religio”, usado no texto Vulgata Editio, que significa “prestar culto a uma divindade”, “ligar novamente”, ou simplesmente “religar”), assunto que sempre despertou interesse nos antropólogos e cientistas sociais e que tem grande influência na história da humanidade. A religião interfere diretamente no comportamento do homem e na organização da sociedade, ela já foi e é responsável por guerras no mundo inteiro e é um dos fatores relacionados diretamente à origem dos grupos étnicos. Portanto nada mais interessante e instigante do que se aventurar pelos mistérios das crenças no sobrenatural existentes na cultura do homem. Segundo registros arqueológicos a religião é um aspecto universal presente na cultura desde o período Paleolítico Superior em que o homem Neandertal enterrava seus mortos com oferendas indicando assim uma crença no sobrenatural. Caracterizada por cultos e rituais, é por meio dela que o homem tenta estabelecer contato com seres espirituais, divindades e tudo que ele não pode detectar com seus sentidos ou comprovar cientificamente. A crença e o ritual são os dois elementos que constroem a Religião, ou seja, a crença deve estar associada a prática para que possamos reconhecer uma religião. A crença, ou fé, é a reverência e a aceitação da superioridade do sobrenatural, e o ritual, ou prática, é a manifestação desses sentimentos por meio de ações padronizadas com uma determinada finalidade. Dentre essas ações estão as orações dirigidas aos seres sobrenaturais feitas pelos adeptos do culto podendo ser de louvação, súplica ou agradecimento, demonstrando a atitude de subordinação do crente, como por exemplo as orações do cristianismo. As oferendas onde os fiéis oferecem alguma coisa às divindades também como forma de agradecer, louvar ou pedir algo em troca, como na festa de Iemanjá onde são oferecidas flores, comidas, bebidas e joias normalmente em pequenos barcos de madeira na beira do mar por ela ser conhecida como a deusa das águas e mares. E as manifestações que são um conjunto de atividades geralmente acompanhadas de cantos e de músicas como as CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 3 procissões católicas ou as danças indígenas e do candomblé também com objetivos de comunicação com os seres espirituais. Fonte:www.google.com No que diz respeito à história das religiões, sua doutrina e suas regras, podemos observar o uso de livros escritos por antigos personagens dessas mesmas religiões. Esses livros, mais comuns nas religiões monoteístas, servem como manual de comportamento e, mais importante, como modo de contar a história do culto, de como as coisas teriam acontecido num passado distante e como teria surgido a crença em suas respectivas divindades, seus autores teriam recebido revelações divinas para escrevê-lo. Como exemplos mais conhecidos temos a Bíblia do Cristianismo e o Alcorão do Islamismo, outros exemplos são o Torá do Judaísmo, o Rig Veda do Hinduísmo, o Mahabharata do Bramanismo e etc. O culto é uma série de atos que tem por finalidade venerar ou se comunicar com divindades, é um conjunto de crenças e rituais. Dentro de um culto existem um grande número de objetos sagrados os quais são adorados ou utilizados nos rituais. As imagens são representações das divindades que são cultuadas podendo ter forma humana, animal, humana e animal ou nenhuma forma determinada, como por exemplo os deuses egípcios, orixás de Candomblé, Santos Católicos e etc. Os objetos rituais são os objetos usados nos cultos, tanto os de uso comum como os especialmente confeccionados para os rituais como por exemplo os atabaques, CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 4 colares e trajes de Umbanda. Menos usuais, mas também presentes, as máscaras também são utilizadas, simbolizando autoridade e prestígio, elas podem ter diferentes formas representando homens, animais ou os seres sobrenaturais cultuados. Variando muito de uma sociedade para outra, as normas religiosas de comportamento se tornam mais evidentes nos momentos de crise ou de grandes mudanças como no nascimento, na adolescência, no casamento, na enfermidade, na fome, na morte e etc... Para todos esses momentos existem vários tipos de ritos como os de iniciação, de transição e de intensificação. Nos ritos de iniciação são feitas cerimônias por ocasião da passagem da idade, quase sempre de jovem para adulto, onde os participantes são submetidos a provas de resistência para demonstrar sua maturidade. Diversos grupos indígenas utilizam esse processo como por exemplo o Wai'a, processo de iniciação dos jovens masculinos Xavante que acontece de quinze em quinze anos onde os homens aprendem a se comunicar com os espíritos através de cantos e danças desenvolvendo sua vocação espiritual. O processo é longo e envolve uma série de atividades, algumas bem penosas e muitos rituais. Mais conhecidos, os ritos de transição podem se dividir em quatro principais momentos que servem para marcar a mudança do estado social do indivíduo e que também podem variar de uma sociedade para outra. O nascimento quando a criança nasce e recebe uma benção e um nome como no batizado católico. A puberdade quando jovens se tornam aptos para procriação e são submetidos à diversos rituais tais como danças, proibições, missões, jejuns, dependendo de sua religião. O matrimônio, atividade socialmente aprovada relativa a união de dois seres humanos perante seus superiores sobrenaturais. E a morte, quando é feita uma cerimônia ou um funeral por ocasião do falecimento de alguém Dependendo da religião e do status do morto será o ritual, como exemplo temos o velório seguido pelo enterro feito no cristianismo onde o padre faz uma série de orações de despedida e passagem para outra vida. Os rituais, cultos e cerimôniasnão podem ser realizados por qualquer um, existem pessoas qualificadas ou escolhidas como sacerdotes, oráculos e chefes religiosos que, segundo as doutrinas dos cultos, tem uma espécie de permissão divina para realizar tais tarefas. Essas pessoas representam o intermediário entre os homens e os deuses. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 5 Existem dois tipos de lugares de grande valor para as religiões, os Santuários, conhecidos como templos e igrejas onde os sacerdotes realizam os rituais e os fiéis se encontram para rezar e realizar todos tipos de atividades de sua religião, muitas vezes é tido como a morada de sua divindade. E os Lugares Sagrados que também são vistos como a morada dos espíritos ou deuses e se localizam nas mais diversas localidades como montanhas, bosques, rios e até cidades inteiras, são considerados sagrados por motivos como a passagem de alguém considerado divino pelo lugar e são visitados em ocasiões especiais quando são celebradas cerimônias. Um exemplo de um lugar como esse é o Monte Olimpo na Grécia, considerado morada de deuses e constantemente visitado por turistas e adeptos de crenças. No universo da cultura e da religião existe uma dualidade muito importante, o Sagrado-Profano. Na mente das pessoas o sagrado e o profano são duas maneiras de como as coisas podem ser. O Sagrado é tudo que é objeto de interdição e o profano é onde essas interdições se aplicam ou seja, são diferentes, um se opõe ao outro. O ser sagrado não pode ser violado, ele tem uma espécie de proteção divina para que acredita nele e com qualquer contato indevido acontece sua profanação, o desaparecimento de todos atributos que constituem sua sacralidade. Por exemplo imagens sagradas que não podem ser tocadas sob pena de castigos divinos. Também para os adeptos dos cultos existe um conjunto de atitudes obrigatórias que devem ser observadas diante desses objetos e outras que se deve evitar como dentro de uma Igreja católica onde se tem atitudes padrões tomadas pelos fiéis como o sinal da cruz. Devido a essas duas condições se configura o tabu. O tabu é uma espécie de interdição, ele isola tudo que é sagrado, proibido ou impuro. “A característica principal do tabu é a de que não existem mediações entre a transgressão e a punição, derivando a segunda automaticamente da primeira” (RODRIGUES, p. 26). É importante lembrar que assim como estudamos no texto A Sociedade Como Sistema de Significação, do livro Tabu do Corpo (Rio de Janeiro, Achiamé, 1983) de José Carlos Rodrigues, a religião é um sistema de representação com diversos processos significantes e para os seus adeptos, os objetos e imagens sagradas sejam elas estátuas, árvores ou trajes, não são adoradas ou temidas pelos simples objetos que são, mas porque representam o sagrado ou seja, a imagem do santo não é vista apenas como uma representação para o crente, mas sim o santo em si. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 6 A Religião sempre esteve dentro da cultura do homem, desde cedo ele aprendeu e desenvolveu crenças em seres sobrenaturais. E uma das mais visíveis funções dessas crenças é a de explicar o inexplicável, criando uma razão para a existência da humanidade e seres superiores aos seres humanos. E também algo além do corpo físico e de tudo que podemos detectar com nossos sentidos ou explicar cientificamente, se pesquisarmos, encontraremos vários nomes para isso: alma, espírito, aura, chi e etc. Qual das crenças pode ser verdade, o que é essa verdade e se até os dias de hoje isso ajudou ou criou mais problemas para a humanidade é difícil de saber, mas de fato a religião foi e é um dos fatores que mais influenciam o comportamento e a organização social dos seres humanos.1 2 ANTROPOLOGIA RELIGIOSA Autenticidades e Mercado religioso, no Atlântico, Ontem e Hoje O processo Atlântico de transferência de escravos e seus costumes para o Brasil, com enfoque em Salvador da Bahia, mas também para o Maranhão e Rio Grande do Sul, deu origem à ressignificação religiosa através dos sistemas designados por Candomblé, Tambor de Mina e Batuque, respetivamente, instituídos na viragem do séc. XVIII para o séc. XIX. Aportados ao Brasil escravocrata e de matriz cultural católico-português, os escravos viram-se jogados ao desempenho de papéis étnicos (que Parés chama de meta-etnicidades) múltiplos e volutáveis, negociados nas alteridades intra-africanas e dos africanos diante da sociedade escravista. Estas etnicidades – que surgiram como recurso para a organização das irmandades católicas na Bahia – foram importantes na construção das chamadas «nações de candomblé», tipologias rituais com claros ideais nacionalistas-étnicos africanos. É com estas tipologias que se se iniciam os discursos “de nação”, que viriam a ser convertidos – com determinante contribuição dos pioneiros nos estudos afro- brasileiros – num discurso de pureza, em particular de pureza nagô. 1 Extraído do link: antrodecomunicacao.blogspot.com CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 7 2.1 Autenticidade e Mercado religioso Os discursos “de nação” veiculavam, ab initio, um princípio de autenticidade ritual e cultural, diante do avanço da crioulização (hibridismo) dos costumes africanos no Brasil. Estes discursos de autenticidade pré-datam um verdadeiro primado do mercado religioso, mas marcam, decisivamente, as relações entre práticas tomadas como autenticidades e degeneradas. A abertura do mercado religioso, com a liberdade religiosa e o surgimento da Umbanda, e colocando em cena a expansão do Candomblé, com a multiplicação vertiginosa do número de templos (terreiros) dentro de Salvador, mas também para novas geografias, com destaque para São Paulo, ganhando terreno à Umbanda a partir da década de 1950, reforçou as questões da autenticidade, mas igualmente tornou favorável o processo de hibridismo entre práticas díspares, ao mesmo tempo que colocou o campo religioso afro-brasileiro num intenso processo de concorrência. Nesse sentido, a autenticidade deixou de ser jogada, apenas, numa lógica de perda cultural e reforço “das raízes” (e até pela hierarquia entre templos, a partir do idioma da antiguidade e da posição de destaque – veja-se a relação entre a tríade Engenho Velho – Gantois – Opô Afonjá) na terminologia própria, para adentrar pela concorrência em termos de prestígio e captação de fiéis e clientes. Fonte:www.fashionghana.com CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 8 2.2 A Reafricanização e as Viagens Místicas a África Entre as dinâmicas de expansão do Candomblé produziram crises identitárias ligadas às autenticidades, desta feita a partir das genealogias religiosas. Como mostra a literatura sobre o assunto, a incapacidade dos sacerdotes paulistas em traçarem a sua linhagem religiosa a um terreiro histórico da Bahia, autenticando, desta forma, a sua posição na hierarquia do campo e mercado religiosos, está na origem dos movimentos de reafricanização. É um facto que a reafricanização é uma questão ab initio do Candomblé, como menciona Capone, no entanto, os novos movimentos de reafricanização, emergentes a partir da década de 1960, introduziram novas formas de reafricanizar os padrões de culto. Entre buscas por sacerdotes de Ifá (sistema religioso do espaço cultural yorùbá, fortemente influenciado pelo islão místico e pelo cristianismo missionário, mas ‘vendido’ no mercado religioso brasileiro como puramente africano) cubanos, ou mais recentemente através de viagens (re) iniciáticas a África, há um caminho de procura por autenticidades que questiona o lugar da Bahia como ‘bolsa de autenticidade, e que promove uma forte concorrência no mercado religioso. 2.3 Uma Nova Reafricanização ou o Reforço do eixo Atlântico? Do lado dos terreiros históricos baianos, a reafricanização recente é compreendidacomo um fenómeno de rutura com os padrões de autenticidade candomblecistas, porque invoca novas modalidades rituais, estéticas e cosmológicas que confrontam as formas pelas quais os costumes africanos foram reorganizados na Bahia. Esta reafricanização passou a ser concorrente do Candomblé baiano, tornando-se algo rejeitado no seio dos terreiros históricos de Salvador da Bahia. Todavia, essa rejeição parece ser parcial, porque diz respeito às inovações que coloquem em causa o modus operandi candomblecista. Prova disso são as recentes viagens da Casa de Oxumarê, conceituado terreiros baianos, à Nigéria e ao Benim, e a vinda de prestigiadas figuras políticas e religiosas africanas à Bahia. Esse trânsito atlântico recupera as viagens dos primórdios do Candomblé, em que saberes e produtos eram trocados e reciclados entre a Bahia e o Golfo do Benim. O que se torna importante objeto de olhar historiográfico e antropológico é o efeito que tais viagens CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 9 poderão ter em matéria ritual. Teremos uma nova fase de reafricanização, agora com uma recuperação de práticas e de valores estéticos africanos por parte dos terreiros históricos e Salvador, ou somente um reforço ideológico no eixo atlântico? Os títulos sacerdotais conferidos ao sacerdote da Casa de Oxumarê, Babá Pecê, produzirão novas dinâmicas de autenticidade no campo religioso baiano? 3 O GRINGO NO CANDOMBLÉ Desde o “beneplácito régio pela Irmandade dos Martírios” e suas implicações para a constituição da sociedade religiosa que viria a ser o Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Silveira 2006), passando pelas mulheres brancas iniciadas na religião por motivos diversos, que a presença do «outro», geralmente o “branco”, é parte integrante da moldura do Candomblé. Narrativas mitificadas como a que conta a liberdade de Manoel Joaquim Ricardo, através de uma cura de seu senhor, servem para autenticar o Candomblé através da agência de negros sobre o homem branco, num exercício de inversão de poder social através do elemento religioso (o efeito “mágico”). Fonte:www.viveruruguay.com A presença de investigadores como Nina Rodrigues, Roger Bastide ou Ruth Landes, ou ainda o papel das instituições de saúde mental na constituição de bolsas de liberdade reduzida para a prática do Candomblé (Capone 2004), foram essenciais CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 10 na consolidação de um processo de alteridade afro-religiosa que estabelece um lugar do «outro» nos palcos dos terreiros. Um dos aspetos mais invisíveis é o financeiro. Apesar de Landes (1947) falar dos aspetos mercadológicos do Candomblé, através da categoria acusatória face a babalorixás homossexuais, os “sentidos do dinheiro” — termo que viria a ser usado por Baptista (2007) — são tocados superficialmente, apesar da antropóloga norte-americana mencionar pagamentos por informações. Roger Bastide (1960: 317), por seu turno, fala em “macumbas para turistas”, alavancando a questão financeira a aspetos quer de «perda cultural» quer de recurso como renda. Esta ideia viria a ser explorada em trabalhos diversos, como Xavier Vatin (2008), Renata Carvalho e Marco Avila (2012), Luciana Duccini (2013), entre outros. No entanto, a exotização da figura do “gringo” no Candomblé aparece marginalmente, mencionada por exemplo por Paul-Christopher Johnson (2002), considerando a sua iniciação “para turista”. Stefania Capone (2004) mostra, ainda, como a sua nacionalidade é jogada a partir de interesses de ordem simbólica, em que é deslocada de italiana para francesa, nacionalidade revestida de carga simbólica particular, em favor de Roger Bastide e Pierre Verger. Ora, essa dimensão não resume o lugar do “gringo” no Candomblé, pelo contrário. A categoria “gringo” é elástica, dizendo tanto respeito ao estrangeiro quanto ao brasileiro de outro Estado. Esse cenário é muito evidente no Candomblé baiano, onde o “carioca” e o paulista são considerados “gringos”, e por essa via, gozam de um estatuto diferente, o qual não é, necessariamente, de destaque, mas antes, tal como o estrangeiro, o de recurso financeiro. Há, portanto, para o “gringo” um lugar particular no Candomblé brasileiro, exotizado como “rico”, constituindo-se um recurso importante para a sustentação financeira dos terreiros, sendo a dois tempos incluído, destacado, desvalorizado e, nos seus próprios termos, “explorado”. 4 HISTÓRIA DAS IDEIAS RELIGIOSAS Na análise das religiões, nomeadamente no seio de disciplinas como a Antropologia e no core social das comunidades religiosas, os dados vigentes, quer de natureza litúrgica quer de natureza conceptual (i.e. teológica) tendem a ser tratados como ab initio. Dentro desta perspectiva de intemporalidade e imutabilidade dos CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 11 padrões de entendimento e formulação sobre o dado religioso operam perigosas assunções quer científicas quer doutrinárias/dogmáticas. Tomando o campo religioso africano e mais especificamente o Yorùbá como estudo-de-caso, compreendemos que muitas das categorias hoje vigentes e que são comumente tomadas como clássicas e presentes ab initio são na verdade fruto de um labor da mutabilidade história dos contextos religiosos. Tal facto está particularmente presente em matéria do Ser-Supremo (Ferreira Dias, 2011c / link). Mas não somente. Se olharmos os trabalhos científicos e os discursos dos agentes religiosos (espaços que se interpenetram) em relação ao Sistema de Ifá, encontramos uma narrativa linear que não leva em conta que, por um lado o Sistema de Ifá é originário do universo conceptual islâmico, por outro que dessa forma ele não é formulador dos padrões religiosos yorùbá ab initio (vide Ilésanmí, 1993). Tudo isto para recordar a importância vital do estudo da história das ideias religiosas. Sem tal labor científico é impossível compreender a mutação dos padrões de entendimento e prática religiosa. Será impossível perceber que noções de mediação entre o extra-humano (deuses, deus, ancestrais, etc.) são produto da história das transformações religiosas frutos de encontros, os tais religious encounters que fala J.D.Y. Peel (2000). Será impossível compreender que o Ser-Supremo é um produto histórico para além de um dado doutrinário vigente. Será impossível compreender que a Religião Tradicional Africana é na verdade uma religião neo- tradicional porquanto resulta de um processo de formulação pós-Império Yorùbá (Ferreira Dias, 2011e). A história das ideias religiosas é a narrativa das transformações, das mutações, das interpenetrações que transformam os dados religiosos ao longo dos tempos e que lhe vão conferindo uma falsa ilusão de imutabilidade que importa tomar no discurso científico.2 2 Extraído do link: jfdias.hypotheses.org CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 12 4.1 Antropologia Religiosa do povo Macua A religiosidade dos povos africanos tem sido objeto de muitos estudos, teses e pesquisas ao longo dos anos. Algumas claramente controversas, como um irresponsável português que escreveu “esses povos não têm religião nenhuma” (A. Langa em “Questões Cristãs à Religião Tradicional Africana (Mocambique) ”, Ed. Franciscanas, Portugal, 1984). N realidade, o povo Macua, como de resto todos os povos africanos e de todo o mundo são naturalmente religiosos. A forma de ver, de sentir ou de venerar o Deus supremo pode ser diferente, mas o Deus é um só e presente em todas as manifestações culturais de qualquer agrupamento de pessoas. O povo Macua acredita no mito do Monte Namuli, segundo o qual, Muluku (Deus) é Forca-Vital que criou os Homens e os animais. Alguns agrupamentos macuas chamam Muluku de Mulungu, Bava, Nkulukumba, Nluku, Xikwembu... não importa. A crença comum entre o povo macua é que “Muluku Mpattuxá mwanene itthu sothene” (Deus é Criadore dono de todas as coisas). Segundo o mito, após serem criados, os homens viveram em torno do Monte Namuli e nas terras próximas, divididos em famílias. Com o tempo e o alargamento destas famílias, foi necessário abandonar a montanha e espalhar-se pelo vale. Alguns transpuseram o Rio Lúrio (que nasce no Monte) e foram para mais longe ainda. É evidente a semelhança com os escritos nas bíblias cristãs, nos livros sagrados muçulmanos etc. Muluku okhala (Deus existe) é uma frase constante entre os povos macuas mais tradicionais e expressa a existência de Deus não só nas coisas boas, mas também nos infortúnios da vida, como uma esperança de dias melhores. A crença nos antepassados, tão discutida e afirmada erroneamente como a “religião dos macuas”, trata-se não de uma religião, mas sim na crença de que os mortos se tornam personalidades superiores e estão ao lado de Mukuku, como colaboradores diretos. Muluku nampaka mekawe (Deus onipotente) criou o homem e a mulher com capacidade de relacionarem-se entre si e com Ele (Muluku). Mas, os seres humanos CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 13 só podem se comunicar com Muluku através dos cultos religiosos, com a mediação destes antepassados. Daí o culto aos mortos. Também semelhante à crença ocidental nos Santos, Anjos, dentre outros seres místicos. A morte é temida entre o povo macua e a existência dela e de outras desgraças (calamidades, doenças) não são obra de Muluku, e só podem provir dos espíritos malignos, os Anakuru, que podem ser até mesmo algum antepassado que procura por atenção. Anakuru são espíritos dos mortos que não conseguiram entrar na categoria de “antepassados” por não estarem em sintonia com Muluku. Allan Kardeck, em suas obras espíritas, também interpreta estes fenômenos à sua maneira. Segundo a opinião de muitos Antropólogos a religiosidade dos povos Bantú é indiscutível. Os macuas são parte desta família alargada, que é também a origem de muitos outros povos do Sul da África. Apesar de, por muito tempo, negarem-se à existência de um culto a Deus nas religiões tradicionais africanas, pelo fato da presença dos “antepassados”, este culto a Deus existe e sempre existiu. O macua nunca foi animista (Pinho Martins em “Religiões Tradicionais e Cristianismo em Diálogo”, Ed. São Pio X, Maputo, 2003). São Tomaz de Aquino, considerado um dos grandes teóricos da Igreja Católica, afirmava que a razão é incapaz, por ela mesma, de penetrar nos mistérios de Deus. A razão (conhecimento científico) ajuda-nos a entender os mistérios da Fé. Da mesma forma, a fé religiosa sem o conhecimento científico, torna-se irresponsabilidade.3 3 Extraído do link: pt.linkedin.com CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 14 4.2 A guerra das Religiões pela Alma Indígena Além do interesse pela mão-de-obra indígena, desde a sua chegada e aboletamento nas terras dos brasis, os portugueses queriam converter os índios ao cristianismo. Fazia parte de sua missão civilizatória, paralelo à missão colonizadora. Portanto, o que estamos presenciando hoje, a disputa entre as missões católicas e evangélicas, em geral unidas contra o Estado, é uma réplica dos 500 anos de colonização. Naqueles anos a disputa era entre jesuítas e as demais missões cristãs, os carmelitas, franciscanos, mercedários e, mais tarde, os capuchinhos, todos mais ou menos unidos contra a Metrópole, que, através do Padroado, financia a todas. Ao final, o que sobram são os índios desalmados de suas antigas crenças e incluídos religiosamente no mundo dominador. Fonte: indiospotiguaradapbemfoco.wordpress.com 4.3 A guerra pelas almas Projeto de lei criado por evangélicos busca criminalizar o infanticídio nas tribos. Para especialistas, proposta é reflexo da atuação de entidades que tentam converter os índios ao cristianismo sem respeitar sua cultura A disputa entre católicos e os vários segmentos evangélicos chegou à taba. O Projeto de Lei nº 1057, que considera criminosa a pessoa que praticar ou conhecer e CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 15 não denunciar o infanticídio indígena, é a parte visível da guerra pelas almas dos índios brasileiros. Prevista para ser votada no segundo semestre pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, a proposta divide religiosos, indigenistas e antropólogos sobre a prática de alguns povos que sacrificam crianças portadoras de necessidades especiais e comprometimento cerebral, entre outros casos. A disputa para cristianizar os índios coloca, de um lado, missionários católicos e, do outro, alguns segmentos evangélicos que patrocinam o projeto. Apresentado no ano passado pelo deputado evangélico Henrique Afonso (PT- AC), o PL não tem data para ser votado no plenário da Câmara. Há uma semana, uma manifestação no Congresso levou grupos de militantes evangélicos de várias denominações a reivindicar a aprovação da lei. O parecer da deputada Janete Pietá (PT-SP) descarta a criminalização do infanticídio indígena. Pietá optou por um texto, ainda a ser votado na CDHM, prevendo a criação de um conselho tutelar indígena e a adoção de uma campanha educativa para evitar o infanticídio, ainda mantido por povos como os Suruwará. Eles vivem entre os rios Purus e Juruá, no Amazonas, e consideram a morte de crianças um instrumento de controle de natalidade. A prática foi tema do filme Hakani, produzido pelo escritório brasileiro da organização evangélica Jovens com um ideal (Jocum), como parte de uma campanha internacional pelo fim do infanticídio nas tribos. Batalha A disputa pelas almas dos Suruwará motivou uma batalha judicial entre católicos e evangélicos. Em contato com os índios desde 1980, há cinco anos o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Igreja Católica, entrou com uma representação no Ministério Público Federal contra a atuação da Jocum na aldeia. A representação foi motivada por um "diário de campo" deixado pelos evangélicos na aldeia e encontrado por missionários do Cimi. Segundo a entidade, o texto continha uma doutrina que considera as religiões indígenas uma manifestação demoníaca, o mesmo princípio usado historicamente pela Igreja Católica desde o Descobrimento e abandonado na década de 1960. A Procuradoria da República em Manaus conseguiu que a Justiça determinasse a saída dos missionários da Jocum da aldeia. Mas a organização resiste em deixar a área, alegando que está ali para combater o sacrifício de crianças doentes. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 16 "Qualquer religião é perversa com os indígenas. Os missionários tentam colonizar os índios impondo o pecado e o medo do inferno", critica Gersem Baniwa, doutor em antropologia e indígena que viveu até os 10 anos na aldeia Yakirana, no Amazonas. "As religiões ocidentais surgiram para dominar cultural e espiritualmente o mundo e também os índios. É o imperialismo religioso que acaba com a convivência coletivista das aldeias", lamenta. Entre as consequências da atuação religiosa nas aldeias está a mudança de hábitos e rotinas dos indígenas. Uma delas é a guarda de um dia de descanso depois de uma semana de trabalho, como está na Bíblia. Poucos índios adotam o calendário ocidental, mas alguns grupos estão sendo convencidos a adiar pescarias ou caças por ser sábado ou domingo. Arsenal Para transformar índios em cristãos, católicos e evangélicos não medem esforços. Montaram um arsenal para a tarefa. Fundado na década de 1970, o Cimi conta com cerca de 350 missionários padres e leigos, possui rádio, revista e jornal. Os evangélicos fundaram a Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), que reúne 600 missionários e abriga diferentes entidades. A organização da AMTB, que tem 25 agências entre os índios brasileiros, chega ao detalhe de fazer um levantamentosobre quais tribos já foram evangelizadas e quantas ainda estão isoladas. A ONG detalha em seu site quais etnias possuem a Bíblia completa no próprio idioma e define como objetivo levar os princípios evangélicos a 120 outros povos. Na internet, a AMTB chega a oferecer a adoção de vários povos que, segundo eles, não conhecem a palavra de Deus. Nessa guerra, evangélicos e católicos apresentam estratégias diferentes. O antropólogo e pastor presbiteriano Ronaldo Libório, um dos coordenadores da AMTB, nega que os missionários da associação obriguem os índios a adotarem o cristianismo como religião, abandonando suas culturas. Segundo ele, os valores do evangelho não são incompatíveis com nenhuma sociedade humana, muito menos os índios. Revela que, no processo de conversão dos indígenas, há batismo, mas ressalva que a principal atividade dos missionários é aliviar o sofrimento dos povos das florestas com a implantação de projetos sociais nas áreas de saúde e educação. Já os missionários do Cimi não consideram o infanticídio uma prática selvagem dos índios e defendem que essa cultura tem lógica nas aldeias com pouco contato CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 17 com a cultura ocidental. "Não podemos tratar os índios que têm essa prática como bandidos", argumenta Saulo Feitosa, secretário adjunto do Cimi. A entidade inaugurou há alguns anos um novo método de evangelização. Não batiza as crianças indígenas e aceita a teologia e os rituais dos diversos povos. Os católicos adotam o que chamam de "missão calada" e esperam que só com o exemplo possam conquistar almas dentro das florestas. O proselitismo cristão nas aldeias assusta estudiosos e indigenistas. O antropólogo Rubem Thomaz de Almeida defende que o governo estabeleça regras para a entrada e permanência dos missionários nas aldeias. "Os missionários católicos adotam a educação clássica como método de dominação política. Os evangélicos impõem proibições que impedem o diálogo cultural com os índios", analisa. O ex-presidente da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI), Mércio Pereira Gomes, defende a saída dos missionários da convivência direta com os indígenas. Ele entende que, antes da Bíblia, os índios deveriam ter uma educação formal laica para evitar práticas como o infanticídio, por exemplo. "O que esses missionários cristãos querem mesmo é salvar as próprias almas", critica.4 5 ANTROPOLOGIA JURÍDICA: AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA EVOLUÇÃO RELIGIOSA E AS INFLUÊNCIAS CULTURAIS NA EVOLUÇÃO DA FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO Em uma sociedade complexa, plural, diversa e desigual, a luta pela igualdade de direitos para a população afrodescendente, indígena e africana no Brasil não terminou com o fim do regime escravocrata. Somos forjados na construção de um escravismo criminoso, a abolição foi realizada sem uma ampla revisão de direitos e necessidades da população negra. 4 Extraído do link: merciogomes.blogspot.com CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 18 Fronte: eticavirtualcbtis205.blogspot.com “Todos são iguais perante a lei” é o que garante o Art. 5º da Constituição Federal de 1988, estabelecendo em seu texto a desigualdade e não a diferença. O estudo da Antropologia Jurídica com observância nas diferenças religiosas, culturais das várias etnias formadoras do povo brasileiro, foi à base do estudo aqui apresentado. Com a necessidade da equidade social, buscou-se aqui integrar pluralidade na constituição da cultura popular existente no país. A análise da proteção judicial dos direitos fundamentais em uma perspectiva comparada entre a antropologia e as ciências que compõe a estrutura de estudo do homem como indivíduo modificador influencia o campo do conhecimento antropológico. Os institutos de proteção aos direitos fundamentais, e as teorias norteadoras da cultura que influenciaram na miscigenação e deu origem a aplicação de uma antropologia voltada para evolução da raça polemiza pelas diferenças históricas, políticas e biopsicocultural. Serão analisados a evolução do homem, as origens históricas, do negro, do africano e do índio, e o processo de aculturação desses povos na formação da identidade brasileira. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 19 5.1 Conceito e Objeto da Antropologia A Antropologia é desde longo tempo ciência responsável pelo estudo e análise das sociedades e suas ramificações. Segundo o dicionário Aurélio Antropologia é o estudo ou reflexão acerca do ser humano, e do que lhes é característico; é a designação comum a diferentes ciências ou disciplinas, cujas finalidades são descrever o ser humano e analisá-lo com base nas características biológicas e socioculturais dos diversos grupos (povos, etnias, etc.), dando ênfase às diferenças e variações entre eles. De origem europeia a Antropologia está comprometida com os pilares básicos que constituem a sociedade. Estudar o homem enquanto ser, suas diferenças e reações ante a política, a religião e os fundamentos de direito instituídos são pontos importantes no estudo da disciplina. Por fim é possível compreender o objetivo primeiro da Antropologia quando nos deparamos com um estudo voltado para o encontro do “EU” segundo uma análise do “OUTRO”. Para Roberto Kant de Lima a questão fundamental da Antropologia é o conhecimento do seu objeto, já que é esse um sujeito de valores. Segundo Kant: Os problemas que se colocam para a disciplina antropológica continuam extremamente excitantes e traçar-lhe a trajetória futura é sempre arriscar o incógnito e a surpresa. A tarefa se impõe, no entanto, ainda mais devido ao papel crítico desempenhando por esse saber frente às outras disciplinas das Ciências Sociais. (LIMA, 2009, p. 4) A Antropologia Jurídica não se confunde com os preceitos dogmáticos e normativos que impregna o desenvolvimento jurídico, os fatos e a produção formal que está vinculada ao processo hierárquico das relações sociais e humanas que identificam o campo de abrangência da disciplina. As mudanças sociais e o progresso acelerado das sociedades fizeram crescer o enfoque da Antropologia, gerando críticas quanto à complexidade dos modelos formais e estruturais em cada sociedade. Para Bela Feldman-Bianco: Em reação às análises estáticas e à construção de modelos em equilíbrio prevalecentes no funcionalismo estrutural, antropólogos preocupados em captar a fluência social basearam-se inicialmente nesta distinção e CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 20 passaram a privilegiar a observação de processo, contradição, conflito de normas e manipulação de regras. (BIANCO, 1987 p. 22). Considerando a importância da pesquisa antropológica, é possível identificar uma prática cultural baseada no antagonismo europeu, voltada para perspectivas que contrastem com o pensamento habitual da Antropologia que busca conscientizar o homem do seu direito à cidadania referenciada diante dos princípios constitucionais que implicam na: “soberania, dignidade da pessoa humana, liberdade de culto e igualdade de gêneros em busca do tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais à medida de suas desigualdades”. Torna-se assim impenetrável o saber antropológico, firma-se explicitamente uma trave de impedimentos na fixação da raiz sociológica e filosófica da possibilidade de investigação e especificidade do sistema jurídico-processual. Hoebel e Frost (1981) definem a antropologia como a ciência da humanidade e da cultura. Como tal, é uma ciência superior social e comportamental, e mais, na sua relação com as artes e no empenho do antropólogo de sentir e comunicar o modo de viver total de povos específicos, é também uma disciplina humanística. É possível identificar um povo a partir das características do seu nascimento, representada através do idioma. As afinidades linguísticas de um grupo étnico definema harmonia e compreendem fatores culturais e religiosos. Entender Antropologia requer uma análise aprofundada do seu objeto já que para alguns filósofos a cultura é sua base enquanto que para os antropólogos a evolução humana resume a essência da Antropologia enquanto ciências sociais. Vislumbrar uma Antropologia autônoma torna-se impossível no instante que a sua universalidade é incapaz de definir seu objeto enquanto associada a outras ciências. Para Assis e Kumpel: (...) a antropologia visa conhecer o homem inteiro, o homem em sua totalidade, isto é, em todas as sociedades e em todos os grupos humanos. Esse entendimento confere a Antropologia um tríplice aspecto: a) de ciência social: na medida em que procura conhecer o homem como indivíduo integrante de sociedades, comunidades e grupos organizados; b) de ciência humana: quando procura conhecer o homem através de sua história, suas crenças, sua arte, seus usos e costumes, sua magia, sua linguagem etc; c) de ciência natural: quando procura conhecer o homem por meio de sua evolução, seu patrimônio genético, seus CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 21 caracteres anatômicos e fisiológicos. (ASSIS, Olney Queiroz; KUMPEL, Vítor Frederico, 2011, p.14). Entende-se então que a Antropologia é a construção de um saber científico do homem pautado na exposição dos conhecimentos adquiridos a partir da análise da sociedade. A antropologia visa o conhecimento completo do homem, o que torna suas expectativas muito mais abrangentes. Dessa forma, uma conceituação mais ampla a define como a ciência que estuda o homem, suas produções e seu comportamento. Entender o objeto de estudo da antropologia torna-se evidente quando a tomamos como ciência cultural que baseia seus estudos e observações no homem e nas suas obras. Entendemos a antropologia quando recebemos informações inerentes ao estudo do homem fóssil, sua anatomia, produções culturais e evolução. Todo esse estudo desenvolve-se a partir das investigações antropológicas e do método comparativo que busca respostas para compreender as diferenças e semelhanças físicas, sociais, culturais e psíquicas dos grupos humanos. Hoebel e Frost (1981) afirmam que a antropologia fixa como seu objetivo o estudo da humanidade como um todo. Pode-se dizer ser este um objetivo amplo que visa o homem como biopsicocultural, como ser participante da sociedade e explorador das atividades humanas unificadas. 6 CULTURA E ANTROPOLOGIA NO MUNDO MODERNO A individualidade dupla do homem quando objeto da Antropologia, permite um estudo pautado no espaço físico e cultural do homem sem prejuízo de seus valores, tradições, costumes, crenças e hábitos que formam uma comunidade social específica. O ser humano é parte de uma diversidade cultural que abarca uma série de atos que o distingue e individualiza. Os hábitos culturais diferenciam os povos e imprimem costumes a tais civilizações costumes que não devem ser observados como diferenças de comportamento entre os homens. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 22 Não há o que se falar em capacidade específica de cada raça, os povos não possuem habilidades e inteligência pauta em suas raízes por serem naturalizados ou nativos de um país. As diferenças hereditárias e genéticas não contribuem como fato determinante nas aptidões e manifestações de cultura dos grupos étnicos. O homem evolui segundo sua faculdade e interesse no crescimento contínuo e acelerado de seus investimentos em aprendizagem e civilidade. É certo dizer que uma criança do sexo masculino se difere de uma criança do sexo feminino não por seus hormônios, e sim em decorrência da educação que recebe. Por tudo isso os antropólogos reconhecem que há limitação na influência geográfica sobre os fatores culturais já que a diversidade comportamental não sofre alterações de acordo com o ambiente físico. Fonte:cultura.culturamix.com Por volta do século XVIII a ideia de cultura abrangia aspectos espirituais de uma comunidade, e realizações materiais de um povo. Estudos levaram a observância de um sentido amplo que adotou um sentido etnográfico em busca de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Segundo David Schneider, “Cultura é um sistema de símbolos e significados. (...)”. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 23 Hoebel e Frost (1981:77) afirmam que “para compreender a cultura humana devem-se conhecer as fases pelas quais a humanidade se transformou, do antropoide dominado pelo instinto ao ser humano adaptável culturalmente. Desde o tempo das origens primitivas da cultura, todo desenvolvimento humano foi biológico e cultural. Nenhuma tentativa de estudar a humanidade pode ignorar este fato. ” O desenvolvimento cultural do homem é uma realidade atestada pelos restos arqueológicos, ou seja, pela presença de artefatos rudimentares manufaturados. O desenvolvimento cultural do homem acha-se intimamente associado à sua evolução psicobiológica, o que lhe permitiu conquistas, cada vez mais aperfeiçoadas e complexas, no mundo cultural. O homem se torna, então, um ser cultural, capaz de produzir, ou seja, capaz de criar e acumular experiências e principalmente de transmiti-las socialmente. Brace (1970:67), analisando a cultura como mecanismo primário de adaptação humana, afirma: “a mais singular característica do ser humano é a sua capacidade para partilhar da experiência acumulada e transmitida pelos seus semelhantes. Esta deve, portanto, ser considerada a mais importante forma de adaptação do homem. ” Assim a compreensão da história baseia-se da cultura humana ocorrida na época pleistocênica. Sua reconstituição requer o conhecimento dos diferentes níveis culturais. 7 FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO O simples estudo do sistema de interpretação que explica e traduz os aspectos físicos, fisiológicos, psíquicos e sociológicos da conduta humana não é suficiente para explicar o homem considerando que estes aspectos são fragmentos da raça. A formação humana obedece às crenças, cultura, produção econômica, descobertas, invenções, organização política e jurídica em busca da constituição de uma sociedade voltada para o conhecimento das crenças religiosas, língua e criações. A evolução do homem e a reconstituição de habitat auxilia a antropologia na descoberta dos costumes que permitem uma análise técnica e abrangente. Preleciona o autor: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 24 O povo nação não surge no Brasil da evolução de formas anteriores de sociabilidade, em que grupos humanos se estruturam em classes opostas, mas se conjugam para atender às suas necessidades de sobrevivência e progresso. Surge, isto sim, da concentração de uma força de trabalho escrava, recrutada para servir a propósitos mercantis alheios a ela, através de processos tão violentos de ordenação e repressão que constituíram, de fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável. (RIBEIRO, 2005, p.23). Nessa passagem da história, o povo escravizado financeiramente e culturalmente deixa de lado suas raízes formadoras, se vêm banidos da sociedade e se deparam com uma realidade miserável, é o mesmo povo, a mesma raça, a mesma pátria, porém, são ricos e pobres, negros e brancos. Diferença que veio com a miscigenação, mas marca o povo em sua formação. Em outra passagem da sua obra Darcy Ribeiro expressa em palavras toda diferença dessa nação: Nessas condições, exacerba-se o distanciamento social entre as classes dominantes e as subordinadas, e entre estas e as oprimidas, agravando as oposições para acumular, debaixo da uniformidade étnico-cultural e da unidade nacional, tensões dissociativas de caráter traumático. Em consequência, as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso-brasileiras e, afinal, brasileiras,viveram sempre e vivem ainda sob o pavor pânico do alçamento das classes oprimidas. Boa expressão desse pavor pânico é a brutalidade repressiva contra qualquer insurgência e a predisposição autoritária do poder central, que não admite qualquer alteração da ordem vigente. A estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classes chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural. A façanha que representou o processo de fusão racial e cultural é negada, desse modo, no nível aparentemente mais fluido das relações sociais, opondo à unidade de um denominador cultural comum, com que se identifica um povo de 160 milhões de habitantes, a dilaceração desse mesmo povo por uma estratificação classista de nítido colorido racial e do tipo mais cruamente desigualitário que se possa conceber. (RIBEIRO, 2005, p. 25). CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 25 Por fim, é sabido que a formação do povo brasileiro é uma das mais miscigenadas do mundo e mesmo vivendo como único, esse povo de cultura extravagante e gosto aguçado é definido por Darcy Ribeiro (2005) em seu livro Povo Brasileiro como parte de uma origem de desigualdades. Composta como uma constelação de áreas culturais, a configuração histórico- cultural brasileira conforma uma cultura nacional com alto grau de homogeneidade. Em cada uma delas, milhões de brasileiros, através de gerações, nascem e vivem toda a vida encontrando soluções para seus problemas vitais, motivações e explicações que lhes afiguram como o modo natural e necessário de exprimir sua humanidade e sua brasilidade. (RIBEIRO, 2005, p. 254). Em seus estudos acerca da formação do povo brasileiro, Josuel Stênio da Paixão (2012) afirma que as diferenças de cor e costumes não são marcantes no desenvolvimento dos povos, sua raiz predominante está na diversidade cultural. (...) diversos estudos antropológicos ao longo da história desta ciência demonstraram que a diferenciação entre as pessoas e sociedades são todas no âmbito cultural, ou seja, as diferenças surgem por meio da tradição, dos hábitos e costumes de um determinado povo. (PAIXÃO, 2012, p. 10). Por tudo isso o antropólogo Claude Lévi-Strauss assevera: Lévi-Strauss vai além dos demais quando entende que é necessário buscar os invariantes universais que estruturavam a produção de códigos simbólicos e expressavam a unidade psíquica do homem. Afirma o fundador do moderno estruturalismo a necessidade de constituir os fatos que fazem referência à mente humana e às suas organizações sociais. (STRAUSS, 1995, p. 55). A evolução histórica e evolução cultural dos povos, a contribuição na formação do povo brasileiro tem base no intercâmbio cultural e na miscigenação das raças. A ampliação do conhecimento religioso, alimentar e linguístico, configura-se na diversidade de usos e costumes impressos em nosso cotidiano. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 26 8 AS RAÍZES CULTURAIS QUE FORMAM A IDENTIDADE DO POVO BRASILEIRO A influência da formação do povo brasileiro na construção das raízes culturais é parte da identidade brasileira. As conexões sociais acompanham as mudanças que influenciam a mola propulsora das diferenças socioculturais. Fonte:www.google.com Segundo Tales dos Santos Pinto a identidade brasileira é parte de um processo construído pela história e iniciou-se pós independência. Assim dispõe o autor: A identidade brasileira foi decorrente de um processo de construção histórica, como em diversos outros países. Apesar de ter se iniciado após a Independência, em 1822, o processo de constituição da identidade nacional ganhou um impulso maior após a década de 1930, quando Getúlio Vargas chegou ao poder. A partir disso, pôde- se perceber que a construção da identidade, para além de um processo cultural, era também um processo político. (PINTO, 2014). O processo político, as mudanças na administração estatal e as individualidades regionais, são garantias da representação cultural e da padronização da expressão cultural do Brasil. Para José Luiz Fiorin todo processo de construção da identidade está pautado em um Brasil moderno, porém com início na história. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 27 A identidade nacional é uma criação moderna. Começa a ser construída no século XVIII e desenvolve-se plenamente no século XIX. Antes dessa época não se pode falar em nações propriamente ditas, nem na Europa nem em outras partes do mundo. Conta-se, como aprendemos em nossos livros de História do Brasil, que D. João VI, ao deixar o Brasil, despediu-se de seu filho, dizendo: “Pedro, se o Brasil vier a separar-se de Portugal, põe a Coroa sobre tua cabeça, que hás de me respeitar, antes que algum aventureiro lance mão dela”. Observe-se que D. João, como, aliás, qualquer outro rei europeu, não tinha nenhum sentimento nacional, tinha um sentimento dinástico. (FIORIN, 2009, p. 115-126) Segundo Eliane Maria de Oliveira Giacon e Giane Maria Giacon (2011) a identidade nacional, antes de estar associada a uma atitude, é uma forma discursiva produzida em determinado contexto histórico. Assevera Adriano Franco Murta O embate entre culturas distintas começa a partir do processo de colonização quando se procura instaurar a cultura estrangeira no âmbito dos processos simbólicos da cultura nativa. A partir daí, busca-se entender os conflitos na formação da identidade cultural brasileira que se estabelece dentro de uma negociação constante e uma contínua modificação na atualização da identidade desses povos. (MURTA, 2007, p. 16) A chamada brasilidade ou identidade brasileira tem conexão com a formação administrativa e trata também da coesão social. Tales dos Santos Pinto (2014) fala da construção desta identidade na ordem latifundiária e na representação militar. Entre as décadas de 1940 e 1960, a construção da identidade nacional passou a ser realizada levando em consideração a luta contra o que era considerado uma influência colonial, do que era vindo da Europa ou dos EUA. A partir da década de 1960, com a ditadura militar e sua centralização autoritária e repressiva, aliadas à difusão da televisão pelos domicílios, um novo momento de difusão de elementos culturais foi conhecido. As telenovelas passaram também a auxiliar na exposição de práticas sociais consideradas expoentes da brasilidade. (PINTO, 2014). Em meio a concepção de identidade e as possibilidades de maturidade de uma nação organizada que se dá nas fronteiras da história e da construção social e cultural tem como diferenciação a língua. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 28 Contribuiu ainda para a existência da identidade nacional o fato de a língua portuguesa ser comum a todo o território, apesar de suas particularidades regionais. A língua seria então um elemento no conjunto de elementos culturais comuns que são constitutivos da cultura nacional. (PINTO, 2014). Esse processo de construção da identidade nacional, conta e apoia-se nas novas diretrizes e conteúdo da evolução cultural e educacional do país. O estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena estimula o crescimento da cidadania e reafirma a preservação e resgate dos trabalhos arqueológicos em busca da presença destes povos em nossa cultura. 8.1 Relações Étnico-raciais História e Cultura Afro-brasileira, africana e indígena O Brasil hoje possui cerca de 170 línguas indígenas. Algumas das línguas registradas à época do descobrimento desapareceram outras se tornaram extintas e irregulares o seu uso. As áreas de efetiva colonização brasileiraainda hoje possuem o domínio da língua indígena e influenciam o cotidiano. Sabe-se que a influência cultural, no âmbito da ciência antropológica é de grande relevância e acentua o processo civilizatório. A característica primordial dos povos indígenas é a multiplicidade de povos e a diferença acentuada entre eles. Os negros chegaram ao Brasil e com eles uma estrutura linguística e cultural que evidencia a variedade cultural deste povo. A aculturação marcou a expansão da língua geral e influenciou na troca e adoção dos padrões culturais e linguísticos entre o branco, negros e índios. Essa aproximação cultural entre os povos facilitou o contato e o entendimento entre eles. As relações entre afro-brasileiro, africanos e indígenas no Brasil caracteriza-se pela linguagem difundida no momento em que o encontro desses povos mescla a língua e intensifica a riqueza de cultura existente no país. A aquisição da linguagem marcou a revolução histórica da humanidade, tal fenômeno nasceu dos agrupamentos familiares que a partir dos rudimentos da fala formulou um vocabulário comum que originou em uma língua básica compreendida pelos integrantes de cada grupo familiar. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 29 Essa mistura de línguas originou um dialeto assimilado e adotado por africanos e afro-brasileiros. Quanto aos hábitos e costumes desses povos foram alterados e mesclados durante o processo evolutivo e contribuíram para conversão dos negros à religião católica a partir do sincretismo de crenças e cultos. A religião africana mesclou com elementos religiosos indígenas, católicos e espíritas. A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, aprovada em 1981, trouxe uma grande novidade ao afirmar que: Os povos são também titulares de direitos humanos, tanto no plano interno como na esfera internacional. Até então só havia o reconhecimento do direito dos povos a autodeterminação... A Carta Africana, vai mais além, e afirma os direitos dos povos à existência enquanto tal (art. 20, in initio), à livre disposição de sua riqueza e recursos naturais (art. 21), ao desenvolvimento (art. 22), à paz e à segurança (art. 23) e também à preservação de um meio ambiente sadio (art. 24) (COMPARATO, 2004, p. 391). A miscigenação e transculturação devem ser estudadas e vista em um único processo, sem dissociação. Os dois processos receberam e ofereceram elementos culturais e históricos que assimilaram e diluíram no entendimento religioso e linguístico. Para Marconi e Presotto (2011), a miscigenação foi intensa e prolongada e nas mesmas proporções, o processo de transculturação. Assim o processo cultural no Brasil deu-se a partir da fusão dos grupos étnico- raciais. Assim o povo brasileiro é mestiço e encontra-se ainda em processo de miscigenação e aculturação. Os portugueses trouxeram consigo sua sociedade e sua civilização. Em um esforço de adaptação ecológica. A língua portuguesa aos poucos foi se impondo, mesclada de vocábulos indígenas e africanos. A religião e diferenças culturais também sofreram influências, a religião negra impregnou-se de elementos do catolicismo e, em menor proporção, a dos indígenas, num sincretismo que foi e é muito expressivo nessas duas esferas da cultura: religiosa e linguística. Os indígenas não só emprestaram seus elementos culturais, mas também assimilaram muito através dos vários contatos. A fusão dos vários grupos heterogêneos culminou no processo aculturativo do Brasil e contribuiu para a miscigenação das raças. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 30 Os grupos que integram o Brasil indígena contemporâneo são os que restaram do longo processo a que foi submetida a população ameríndia ou pré-cabraliana, a partir do Descobrimento do Brasil, no século XVI. Segundo Darcy Ribeiro (1957:18), em 1900 havia 230 grupos tribais no Brasil, que ficaram reduzidos, em 1957, a 143. Em aproximadamente meio século, desapareceram 87 grupos indígenas do território brasileiro. Com relação ao Brasil, as pesquisas arqueológicas e paleontológicas vêm demonstrando que as datas mais antigas da presença do homem situam-se em torno do ano 8.000 a. C., constatadas pelos testemunhos fósseis do Homem da Lagoa Santa, em Minas Gerais. Para Darcy Ribeiro (1977:254) o “indígena é, no Brasil de hoje, essencialmente, aquela parcela da população que apresenta problemas inadaptação à sociedade brasileira, em suas diversas variantes, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana. ” São números as culturas e as línguas tribais que compõem essa parcela da população brasileira, num verdadeiro mosaico de grupos indígenas diversificados e diferenciados.5 8.2 Fundamentos De Antropologia Religiosa O sagrado só pode ser captado na própria existência do homem que o define e o limita. Daí a necessidade de uma compreensão do cerne dos fatos religiosos. Para explicar não apenas o como, mas também o porquê da experiência humana do divino, esse livro parte das noções mais gerais e exprime mediante exemplos precisos, a dimensão cultural do homem crente. 5 Extraído do link: joseanelcsantos.jusbrasil.com.br CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 31 Fonte: www.setead.com.br O autor faz em primeiro lugar reflexão necessária e crítica de noções fundamentais como religião, sagrado, puro e impuro, e experiência religiosa. Em seguida procura mostra os quadros culturais de uma tal experiência, estudando o significado das ações rituais, o fundamento de alguns grandes símbolos religiosos estreitamente ligados ao ser humano, e os problemas relativos à aculturação religiosa. Na última parte, precisa as relações entre o indivíduo e a divindade, analisando a dimensão psicológica, as experiências do divino: o desejo do pai e a paternidade divina, e a memória como lembrança de Deus.6 “Todos os sistemas, seja culturais, científicos, políticos, econômicos e até artísticos, que se apresentam como portadores exclusivos da verdade e de solução única para os problemas devem ser considerados fundamentalistas. Vivemos atualmente sob o império feroz de vários fundamentalismos” – BOFF, Fundamentalismo – A globalização e o futuro da Humanidade Pensando amplamente nesta consideração de Leonardo Boff, levantamos alguns estudos antropológicos sobre religiões – ou que sirvam como apoio teórico para reflexões antropológicas. 6 Extraído do link: www.erdos.com.br CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 32 O interesse pelos mitos, ritos de iniciação, pela religião e pela magia foi uma constante na antropologia francesa do século XX, e se mantém consideravelmente estável até hoje. Uma antropologia da religião, partindo de uma reflexão sobre a humanidade e sobre a cultura como realidades complexas, busca compreender como o ser humano foi e continua sendo visto, por ele próprio, através de uma das suas mais significativas manifestações, a religião. Não se trata de fazer uma análise de cada uma das religiões, mesmo aquelas mais conhecidas: a Antropologia da Religião desenvolve análises científicas do fenômeno religioso, enquanto experiência antropológica, essencialmente humana. Para a antropologia, a religião não é um modo arcaico do pensamento científico; é, ao contrário, um espaço distintivo da prática e da crença humanas que não pode ser reduzido a nenhum outro. Disso parece seguir que a essência da religião não deve ser confundida com, digamos, a essência da política, ainda que em muitas sociedades as duas possam se sobrepor e se entrelaçar. Mircea Eliade, “Imagens e símbolos “Nosso guia de antropologia inicia-se com o livro de um historiador, ligado comumente à chamada fenomenologia da religião. O romeno Mircea Eleade, nas análises desenvolvidasao longo de sua obra, desvenda os pontos de apoio que permitem ao indivíduo e aos grupos humanos equilibrarem-se e assegurarem seus pensamentos em meio aos movimentos da sua experiência. Em Imagens e Símbolos, o autor reivindica a função fundamental do imaginário e do simbólico para a vida e a cultura. “O pensamento simbólico não é uma área exclusiva da criança, do poeta, do desequilibrado; ele é consubstancial ao ser humano, precede a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela certos aspectos da realidade –os mais profundos – que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos, os mitos, não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser. Por isso, o seu estudo nos permite conhecer o homem, o homem simplesmente”. O símbolo cumpre sua função ao transmitir uma mensagem, mesmo que seu significado escape à consciência, ou seja modificado, camuflado, pois o símbolo, diz Eliade, dirige-se ao ser humano integral e não apenas à sua inteligência. A principal característica do símbolo é a simultaneidade de sentidos por ele revelados, que podem inclusive ser compreendidos em qualquer cultura. Os símbolos e as imagens têm valências universais porque são “aberturas para um mundo trans-histórico, conservando as culturas ‘abertas’. Ao mesmo tempo, apesar de serem produtos do CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 33 inconsciente, são depurados no processo histórico e cultural em que estejam inseridos”. A história, diz, pode fazer com que sejam acumuladas novas significações à estrutura original do simbolismo, mas não a destrói. Ao tornarem-se símbolos, os objetos “anulam seus limites concretos, deixam de ser fragmentos isolados para se integrar num sistema, ou melhor, eles encarnam em si próprios, a despeito de sua precariedade e do seu caráter fragmentário, todo o sistema em questão”. Diante dessas considerações, é legítimo falar de uma “lógica dos símbolos, pois qualquer que seja a sua natureza e o plano em que se manifestem, são sempre coerentes e sistemáticos”. Segundo Eliade, o pensamento simbólico precede a linguagem e a razão discursiva, pois o símbolo revela certos aspectos da realidade que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos têm o poder de revelar verdades secretas do ser e de transportar o ser humano para o mundo espiritual muito mais amplo. Em outro livro, intitulado O sagrado e o profano, o autor estuda a situação do homem em um mundo saturado de valores religiosos e, por exemplo, comenta os simbolismos originais: “Graças às fases da Lua – quer dizer, ao seu ‘nascimento’, ‘morte’ e ‘ressurreição’ –, os homens tomaram consciência de seu próprio modo de ser no Cosmos e de suas possibilidades de sobrevivência ou renascimento. Graças ao simbolismo lunar, o homem religioso conseguiu aproximar amplos conjuntos de fatos, sem relação aparente entre si, e finalmente integrá-los num único ‘sistema’. É mesmo provável que a valorização religiosa dos ritmos lunares tenha possibilitado a realização das primeiras grandes sínteses antropocósmicas dos primitivos”. Mircea Eliade elaborou uma morfologia do sagrado, constituindo, mediante o método comparativo, modelos ou estruturas da experiência religiosa, buscando neles suas características permanentes. A partir da oposição entre sagrado e profano, ele comparou a experiência religiosa do Oriente e do mundo antigo à experiência profana do Ocidente e do mundo moderno. O sagrado, segundo Eliade, é o elemento central da religião. A distinção, para ele, entre sagrado e profano, é uma distinção ontológica; o simbolismo religioso, um monumento original de qualquer experiência religiosa profunda. A distinção entre sagrado e profano implica numa distinção entre o homem religioso e não-religioso, distintos, por sua vez, no que tange à percepção do tempo, como heterogêneo e homogêneo respectivamente: Eliade concebe que a percepção do tempo, como um meio homogêneo, linear, e inexorável, é uma peculiaridade do homem moderno e não-religioso. O homem arcaico ou religioso CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 34 (homo religiosus), na comparação, percebe o tempo como heterogêneo, isto é, como dividido entre o tempo profano (linear), e o tempo sagrado (cíclico e retornável).Analisando a estrutura do mito e dos símbolos religiosos, bem como algumas das suas mais diversificadas manifestações, quer entre os povos primitivos, quer nas civilizações clássicas e nas modernas, Eliade produziu uma obra que constitui, simultaneamente, notável exposição histórica e síntese antropológico- filosófica. Segundo Eliade, a história das religiões divide-se entre duas orientações metodológicas, distintas e complementares: enquanto alguns estudiosos dedicam-se a desvendar as estruturas dos fenômenos religiosos, outros preferem reconstituir o contexto histórico desses mesmos fenômenos. “Os primeiros esforçam-se por compreender a essência da religião, os outros trabalham para decifrar e apresentar sua história”; de modo que os resultados obtidos pelas pesquisas etnológicas e sociológicas devem ser utilizados pelo historiador das religiões, entretanto, é preciso completá-los para que possam assumir “uma perspectiva diferente e mais ampla”, pois “o etnólogo apenas se ocupa das sociedades que denominamos primitivas, enquanto que o historiador da religião incluirá em seu campo de investigação toda a história religiosa da humanidade, desde os primeiros cultos das eras paleolíticas de que se tem notícia, até os movimentos religiosos modernos”. O trabalho antropológico de Marcel Mauss (1872-1950) é aceito também nas discussões de cunho sociológico. O Ensaio sobre a dádiva – Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas, sua obra fundamental, é um marco no desenvolvimento antropológico da sociologia durkheimiana, adotando a etnografia, abrindo-se para as sociedades não-ocidentais e assumindo cada vez mais a comparação e uma visão filosoficamente crítica. O trabalho antropológico de Marcel Mauss (1872-1950) é aceito também nas discussões de cunho sociológico. O Ensaio sobre a dádiva – Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas, sua obra fundamental, é um marco no desenvolvimento antropológico da sociologia durkheimiana, adotando a etnografia, abrindo-se para as sociedades não-ocidentais e assumindo cada vez mais a comparação e uma visão filosoficamente crítica. Segundo Mauss, que estudava narrativas antropológicas e descrições das trocas em sociedades primitivas, toda representação é relação, ou seja, funda-se sobre a união de uma dualidade de contrários e, justamente, o argumento central do CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 35 Ensaio é que a dádiva produz alianças, matrimoniais, políticas, religiosas, econômicas, jurídicas e diplomáticas, postulando, assim, um entendimento da constituição da vida social baseada em um constante dar-e-receber, no qual evidencia-se o papel da troca – posteriormente estudado em especial por Pierre Clastres. Falar de sacrifício é também falar de dádiva: o sacrifício, por exemplo o sacrifício totêmico, é uma dádiva interessada que fazemos para ganhar os favores dos deuses ou desviar a sua cólera: “Em todo sacrifício há um ato de abnegação, pois quem se sacrifica se priva e se dá. Essa abnegação lhe é mesmo frequentemente imposta como um dever. […] O sacrifício se apresenta, então, sob um duplo aspecto. E um ato útil e urna obrigação. O desinteresse se mescla ao interesse. Por isso ele foi frequentemente concebido sob a forma de um contrato”. Castigo, dádiva, contrato: esses são os temas centrais da obra de Mauss. No “Ensaio sobre a dádiva”, o antropólogo demonstrou que a vida dos “primitivos” é mais complexa, ativa e dinâmica do que se acreditava, é, portanto, preciso não a representarcomo “estática”, e que a vida econômica está profundamente ligada à moralidade e à religiosidade. Para Mauss, a dádiva é uma lógica organizativa do social que tem caráter universalizante e que não pode ser reduzida a aspectos particulares como aqueles religiosos ou econômicos. As traduções feitas por diferentes culturas produzem, de fato, desvios semânticos que levam, por exemplo, pensando o caso brasileiro, a uma redução do dom a um fenômeno religioso. Isso dificulta a compreensão da sociologia de Mauss, mas esta dificuldade não pode ser vista como uma restrição linguística insuperável. No Ensaio sobre a dádiva, Mauss, a partir de um estudo do fenômeno da dádiva entre os povos da Polinésia e da Melanésia e os indígenas da América do Norte, evidencia que os fatores econômicos não são dissociáveis de outros aspectos da vida social. As trocas, sejam elas quais forem, dizem respeito à sociedade no seu conjunto e derivam todas da obrigação de dar. A dádiva tem valor social e reúne simultaneamente questões religiosas, econômicas, políticas, matrimoniais e jurídicas. A dádiva está presente na própria ideia de da influência decisiva, daquilo que circula, sobre como se formam os atores e como se definem seus lugares em sociedade. No seu texto sobre Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia, por exemplo, Mauss sustenta que, CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 36 diferentemente dos demais animais, o humano se caracteriza pela presença da vontade, da pressão da consciência de uns sobre outros, das comunicações de ideias, da linguagem, das artes plásticas e estéticas, dos agrupamentos e religiões, em uma palavra, complementa, das “instituições que são o traço da nossa vida em comum”. Marcel Mauss é espontaneamente identificado a Emile Durkheim, de quem é sobrinho, discípulo e alter ego. Seu Ensaio sobre a dádiva um prolongamento- renovação da teoria durkheimiana da coesão social, da relação indivíduo-sociedade. Sua preocupação fundamental durante a concepção do estudo, e que o situa dentro de um verdadeiro programa de pesquisa, recai sobre as formas arcaicas de contrato. Mauss abandona, assim, a oposição central e constitutiva da sociologia durkheimiana do fato religioso: a oposição entre sagrado e profano. Durkheim acreditara em poder “tudo explicar pela religião”. A partir de então, tudo se poderá compreender a partir do simbolismo. Deixa de ser necessário recorrer à dicotomia entre o sagrado e o profano, já que basta a oposição simples entre simbólico e utilitário, de onde é retirado todo o poder da distinção conceitual primitiva. Ao inverso da concepção durkheimiana do sagrado e do profano, Mauss insistirá continuamente na imbricação entre utilitário e simbólico, entre interesse e desinteresse. No ensaio, Mauss analisa a dádiva, a reciprocidade e a troca nas “sociedades arcaicas”, principalmente na Melanésia e no noroeste americano, estabelece também uma comparação com “alguns traços dos direitos indo-europeus” – tais como direito romano, hindu clássico e germânico – analisando as trocas que, aparentemente livres e gratuitas, são, como ele demonstra, obrigatórias e interessadas: os presentes. Mauss se refere à noção de hau, do espírito da coisa, para explicar: haveria uma força das coisas que obriga a dar presentes, pois “apresentar alguma coisa a alguém é apresentar alguma coisa de si”. A dádiva produz a aliança, tanto as alianças matrimoniais como as políticas (trocas entre chefes ou diferentes camadas sociais), religiosas (como nos sacrifícios, entendidos como um modo de relacionamento com os deuses), econômicas, jurídicas e diplomáticas (incluindo-se aqui as relações pessoais de hospitalidade). Podemos isolar o aspecto econômico de uma troca, mas ela implica sempre também um aspecto religioso (que se evidencia nos sacrifícios, nas dádivas de palavras das rezas etc.), político (que se evidencia nas trocas malsucedidas – que redundam em guerra –, na troca de violência ou ainda no desequilíbrio entre o que é trocado e na assimetria CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 37 temporal implícita em qualquer redistribuição –, ou mesmo estético (a confecção dos objetos, o modo de oferecimento etc.). A troca é assim um fato social “total”. Para Lévi-Strauss, em sua abordagem estruturalista, o pensamento primitivo articula proposições cosmológicas por meio de categorias sensíveis. A significação assim é produzida a partir da relação dos elementos nas narrativas míticas ou na tradução isomórfica. Lévi-Strauss forneceu à etnologia um valor heurístico no campo das ciências sociais, próximo, mas também bastante crítico àquele expressado por Durkheim. Quando assumiu, em 1951, a cadeira de Religiões dos povos não civilizados, fundada em 1888 na École Pratique des Hautes Études, e que fora de Léon Marillier, Marcel Mauss e Maurice Leenhardt, mudou-lhe o nome para Religiões comparadas dos povos sem escrita. Foi nesse quadro institucional e ideológico francês da década de 1950 que Lévi-Strauss experimentou métodos de análise das representações míticas e das práticas religiosas. São os escritos desse período que, portanto, dão a conhecer de maneira mais clara o que as suas interpretações sobre as religiões ditas primitivas devem (ou não) a Durkheim. Estudando os temas de magia e religião, a antropólogo tornou central determinado conceito de representação em sua teoria do simbólico, de viés cognitivista. Na Antropologia Estrutural, Lévi-Strauss distingue, assim, as estruturas de ordem “vividas” – relacionadas à realidade objetiva – das estruturas de ordem “concebidas” – as representações que os homens fazem de sua realidade. Enquanto o parentesco, a organização social, as relações de troca pertencem à primeira ordem, a religião e o mito correspondem à segunda. Como Durkheim, Lévi-Strauss reconhece que os fatos religiosos devem ser estudados como parte integrante da vida social. O papel da etnologia seria, pois, o de estabelecer correlações entre diversos tipos de religião e diversos tipos de organização social. Submetendo os mitos à sua análise estrutural, Lévi-Strauss decompõe a trama narrativa em unidades mínimas de relações, como o parentesco. As frases narrativas que desenvolvem o mesmo tema são agrupadas, então, em conjuntos orgânicos e, estes, comparados a fim de construir uma série de variações. A teoria de Lévi-Strauss do significado está subordinada, portanto, a essa operação de composição de séries e é a própria relação lógica entre as séries que nos dá acesso ao significado do mito. De acordo com sua análise, a narrativa mítica se desenvolve no plano das relações CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU 38 sociais, mas o seu significado se realiza no plano das estruturas mentais. No mito, como diz em O cru e o cozido, “o espírito, deixado a só consigo mesmo e liberado da obrigação de compor-se com os objetos, fica de certo modo reduzido a imitar-se a si mesmo […] e evidencia assim sua natureza de coisa entre as coisas”. A mitologia, apresentada como o universo da regra em si, seria a mais pura expressão do modus operandi da mente humana. Desse modo, como explica a professora Paula Monteiro, no artigo “A teoria do simbólico de Durkheim e Lévi-Strauss: desdobramentos contemporâneos no estudo das religiões” “se, para Durkheim, o estudo das crenças religiosas observadas nos daria acesso às categorias abstratas de entendimento, tais como tempo, espaço, gênero e espécie, para Lévi-Strauss, as categorias sensíveis – cru e cozido, fresco e podre -, definidas pela observação etnográfica, servem como ferramentas conceituais para isolar noções abstratas e encadeá-las em proposições”. Para Lévi-Strauss, não é a variedade empírica particular das culturas que o interessa, mas a regra de suas variações, estabelecida pela comparação que demonstra que apenas um número limitado
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