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Thaís Morghana Delirium O delirium pode ser hoje definido como uma síndrome mental orgânica aguda decorrente da quebra da homeostase cerebral. Deve-se, invariavelmente, a perturbações sistêmicas ou do sistema nervoso central. Caracteriza-se por um estado de confusão, em que há uma redução da compreensão, coerência e capacidade de raciocinar. Pode representar a manifestação inicial de uma doença aguda, a exacerbação de uma doença preexistente, ou decorrer da toxicidade medicamentosa, mesmo em doses terapêuticas. As estimativas da ocorrência de delirium em pacientes hospitalizados variam de 18-64%, sendo as maiores taxas relatadas em pacientes idosos e nos submetidos à cirurgias ortopédicas (procedimentos bastante invasivos que podem levar a uma quebra abrupta da homeostase). Em pacientes internados em UTI, a incidência pode chegar a 75%. O delirium pode representar a primeira manifestação de uma doença subjacente grave, pois reflete uma agressão ao cérebro vulnerável. Estimativas da mortalidade hospitalar de pacientes com delirium variaram de 25-33%. FATORES DE RISCO O delirium pode ser causado por diversas etiologias, e comumente é multifatorial. Os diversos tipos de delirium podem ser agrupados de acordo com a etiologia que precipitou ou induziu o quadro clínico, ou seja, delirium causado por condição médica geral, delirium induzido por substâncias ou sua abstinência, delirium causado por múltiplas etiologias ou delirium não especificado. INTRODUÇÃO EPIDEMIOLOGIA - Idade avançada; - Sexo masculino; - Presença de doença clínica, particularmente cardiovascular, com comprometimento do estado geral, diabetes mellitus, hipotensão; - Presença de demência, doença cerebrovascular ou outros acometimentos do SNC; - Depressão; - Pós-cirurgia; - Uso de drogas ilícitas; -Polifarmácia, principalmente drogas com ação anticolinérgica, anti-histamínica, sedativo-hipnóticos ou narcóticos; - Alcoolismo; - Hipoalbuminemia; - História prévia de delirium; - Privação de sono; - Prejuízo sensorial (deficiência visual ou auditiva) e limitações funcionais; - Incontinência urinária e fecal; - Mudanças ambientais - Infecções sistêmicas ETIOLOGIA Thaís Morghana A patogênese e anatomia do delirium não são bem compreendidas. O déficit de atenção, a marca neuropsicológica do delirium, parece ter localização difusa no tronco encefálico, no tálamo, no córtex pré-frontal e nos lobos parietais. Processos que podem estar relacionados ao desenvolvimento de delirium: ❖ Anormalidades do metabolismo oxidativo ❖ Envolvimento das vias neurais dependentes de transmissão colinérgica (redução de acetilcolina) ❖ Tanto o excesso quando a deficiência de histamina podem levar ao delirium ❖ Hiperestimulação dopaminérgica ❖ Aumento dos níveis de cortisol Obs.: Nem todos os indivíduos expostos ao mesmo fator desencadeante manifestam sinais de delirium. Atualmente, esse conceito do desenvolvimento de delirium como resultado de Toxinas Fármacos prescritos: em especial aqueles com propriedades anticolinérgicas, narcóticos e benzodiazepínicos. Drogas usadas de forma abusiva: intoxicação alcoólica e abstinência de álcool, opióides, ecstasy, LSD, GHB, PCP, cetamina, cocaína, “sais de banho”, marijuana e suas formas sintéticas. Venenos: inalantes, monóxido de carbono, etilenoglicol, pesticidas. Distúrbios metabólicos Distúrbios eletrolíticos: hipoglicemia, hiperglicemia, hiponatremia, hipernatremia, hipercalcemia, hipocalcemia, hipomagnesemia. Hipotermia e hipertermia. Insuficiência pulmonar: hipoxemia e hipercapnia. Insuficiência hepática/encefalopatia hepática. Insuficiência renal/uremia. Insuficiência cardíaca. Deficiências de vitaminas: B12, tiamina, folato, niacina. Desidratação e desnutrição. Anemia. Infecções Infecções sistêmicas: do trato urinário, pneumonia, da pele e dos tecidos moles, sepse. Infecções do SNC: meningite, encefalite, abscesso cerebral. Distúrbios endócrinos Hipertireoidismo, hipotireoidismo. Hiperparatireoidismo. Insuficiência da suprarrenal. Distúrbios cerebrovasculare s Estados globais de hipoperfusão. Encefalopatia hipertensiva. Acidentes vasculares encefálicos isquêmicos focais e hemorragias (raro): em especial, lesões parietais e talâmicas não dominantes. Distúrbios autoimunes Vasculite do SNC. Lúpus cerebral. Síndromes paraneoplásicas neurológicas. Distúrbios convulsivos Estado epilético não convulsivo. Convulsões intermitentes com estados pós-ictais prolongados. Distúrbios neoplásicos Metástases cerebrais difusas. Gliomatose cerebral. Meningite carcinomatosa. Linfoma do SNC. Hospitalização Exposição ao ambiente hospitalar. Delirium terminal no fim da vida Descrito como inquietude terminal. FISIOPATOLOGIA Thaís Morghana uma agressão em indivíduos predispostos é a hipótese de patogênese mais amplamente aceita. Dessa forma, a exposição a fatores desencadeantes pode desmascarar uma reserva cerebral diminuída e anunciar a presença de doença subjacente grave. O início é geralmente agudo, variando de algumas horas a poucos dias, e sua duração depende da persistência e da gravidade das causas de base, além da rapidez com que é instituído o tratamento. ❖ Rebaixamento do nível de consciência ❖ Déficit de atenção ❖ Alterações do ciclo sono-vigília - sonolência diurna e agitação noturna ❖ Aumento da atividade psicomotora - inquietação, hiperatividade e agitação ❖ Inibição ou lentificação psicomotora - apatia ou estupor ❖ Desorientação e comprometimento da memória ❖ Flutuações do humor ❖ Alucinações ou ilusões visuais e auditivas Delirium hiperativo → alucinações proeminentes, agitação, hipervigilância e instabilidade autonômica. Delirium hipoativo → pacientes sonolentos, retraídos, quietos, com apatia marcante e lentidão psicomotora. Delirium misto → ocorrem flutuações irregulares entre as manifestações hipo e hiperativas. O diagnóstico do delirium é eminentemente clínico, baseado na observação cautelosa do comportamento do paciente, na avaliação de seu estado mental e na valorização dos dados fornecidos pela família e pela equipe que presta assistência ao paciente. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS O DSM-IV subdivide o delirium em: 1 - delirium causado por condição médica geral; 2 - delirium induzido por intoxicação por substâncias; 3 - delirium induzido pela abstinência de QUADRO CLÍNICO DIAGNÓSTICO Thaís Morghana substâncias; 4 - delirium causado por múltiplas etiologias; 5 - delirium sem outras especificações. Método de avaliação de confusão (MAC): Início agudo e curso flutuante Essa característica é satisfeita por respostas positivas às seguintes questões: há evidências de alteração aguda no estado mental em relação ao basal do paciente? O comportamento flutuante (anormal) durante o dia tende a ir e vir ou tem aumentado ou diminuído de intensidade? Falta de atençãoEssa característica é satisfeita por uma resposta positiva à seguinte questão: o paciente tem dificuldade de concentrar a atenção, por exemplo, sendo facilmente distraído, ou tem dificuldade de acompanhar o que estava sendo dito? Pensamento desorganizado Essa característica é satisfeita por uma resposta positiva à seguinte questão: o pensamento do paciente é desorganizado ou incoerente, como se insistisse em conversação irrelevante, com fluxo de ideias incerto ou ilógico, ou com mudança imprevisível de um assunto para outro? Alteração do nível de consciência Essa característica é satisfeita por qualquer resposta que não seja “alerta” à seguinte questão: em geral, como você classifica o nível de consciência do paciente: alerta (normal), vigilante (hiperalerta), letárgico (sonolento, facilmente desperto), torporoso (difícil de acordar) ou comatoso (impossível de acordar)? Thaís Morghana ANAMNESE É essencial a colaboração do acompanhante do paciente. As três partes mais importantes da anamnese consistem na função cognitiva basal do paciente, no tempo de evolução da doença atual e nos fármacos atuais. Função cognitiva basal → perguntar acerca da função cognitiva prévia. Tempo de evolução → importante para estabelecer o diagnóstico, mas também para fazer a associação do início da doença com etiologias possíveis. Uso de fármacos → os fármacos são uma causa comum de delirium, principalmente os anticolinérgicos. Outros elementos importantes na anamnese: rastreamento de sintomas de insuficiência orgânica ou infecção sistêmica, uso de drogas lícitas e ilícitas, exposição a toxinas, presença de outros sintomas. EXAME FÍSICO O exame físico geral do paciente com delirium deve incluir rastreamento cuidadoso de sinais de infecção, como febre, taquipneia, consolidação pulmonar, sopro cardíaco e rigidez de nuca. Deve-se avaliar o grau de hidratação do paciente e inspeção da pele. O exame neurológico requer a avaliação cuidadosa do estado mental (lembrar que as manifestações clínicas podem variar no mesmo dia). Em um paciente com nível de consciência relativamente normal, é obrigatório rastreamento para déficit de atenção, por ser a característica neuropsicológica clássica do delirium. Isso pode ser feito ouvindo-se o paciente contar uma história. Um simples Miniexame do Estado Mental (MEM) dá informações a respeito da orientação, da linguagem e das habilidades visuoespaciais; entretanto o desempenho de algumas tarefas no MEM, como soletrar, irá se mostrar prejudicado por causa dos déficits de atenção. O restante do exame neurológico de rastreamento deve ser voltado para a identificação de novos déficits neurológicos focais. EXAMES COMPLEMENTARES Exames laboratoriais → Devem-se solicitar exames laboratoriais de rastreamento básicos, como hemograma completo, painel eletrolítico e provas das funções hepática e renal, para todos os pacientes com delirium. Em pacientes idosos, o rastreamento para infecção sistêmica, incluindo radiografias, exame e cultura de urina, e possivelmente hemoculturas, é importante. Em indivíduos mais jovens, os rastreamentos sérico e urinário para drogas e substâncias tóxicas podem ser apropriados no início da avaliação. Outros exames de laboratório voltados para etiologias autoimunes, endocrinológicas, metabólicas e infecciosas devem ser reservados para os pacientes cujo diagnóstico continue incerto depois dos exames iniciais. Exames de imagem → Uma TC sem contraste pode identificar grandes massas e hemorragias, mas é relativamente insensível para esclarecer a etiologia do delirium. A Thaís Morghana capacidade da ressonância magnética (RM) para identificar a maioria dos acidentes vasculares encefálicos agudos isquêmicos e mostrar detalhes neuroanatômicos que podem fornecer indícios de possíveis afecções infecciosas, inflamatórias, neurodegenerativas e neoplásicas torna-a o exame preferível. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Delirium x Demência → O delirium usualmente tem início agudo (horas, dias ou poucas semanas) e seu curso flutua, em oposição à maioria dos quadros de demência, que têm início insidioso e curso progressivo. Diferentemente do que ocorre nas demências, a intensidade dos sintomas no delirium varia irregularmente durante o dia, tendendo a acentuar-se à noite. Embora pacientes com demência e com delirium possam apresentar um déficit cognitivo global, a maioria dos demenciados está vigilante e é capaz de manter a atenção. Delirium x Psicose → Psicoses funcionais (depressivas, maníacas, paranóides ou esquizofrênicas) podem algumas vezes assemelhar-se ao delirium, especialmente em idosos com algum grau de comprometimento cognitivo prévio. O tratamento do delirium consiste primariamente em reconhecer e tratar as condições clínicas de base, responsáveis pelo desencadeamento ou pela manutenção da quebra de homeostase cerebral. Além disso, faz parte do tratamento a provisão de suporte físico, sensorial e ambiental. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Sintomas que invariavelmente requerem tratamento farmacológico são: agitação psicomotora, psicose e insônia. Para o tratamento da insônia preconiza-se o uso de benzodiazepínicos, preferencialmente os de meia-vida curta ou ultracurta. Os benzodiazepínicos têm início de ação mais rápido que os antipsicóticos (5 minutos após administração parenteral), mas podem confundir e piorar o quadro clínico em razão de seu efeito sedativo. A droga de escolha para o tratamento da agitação e das manifestações psicóticas é o haloperidol, um neuroléptico incisivo do grupo das butirofenonas, com baixo potencial sedativo e hipotensor. O mecanismo de ação do haloperidol é o antagonismo aos receptores dopaminérgicos. O bloqueio de receptores D2 está associado ao aumento da liberação de acetilcolina. Sua ação não é imediata, levando de 30 a 60 minutos após aplicação parenteral, ou mais tempo, se administrado via oral. A dose varia de 2 a 10 mg, dependendo da idade, do peso e da condição física do paciente, e deve ser administrada por via intravenosa ou intramuscular, sendo dobrada a cada 20 minutos até o controle das manifestações agudas. Quando o objetivo for alcançado, deve-se reduzir a dose pela metade e iniciar a medicação via oral. Reposição colinérgica→ não existem estudos suficientes. A fisostigmina tem reconhecida utilidade no tratamento do delirium decorrente de intoxicações com substâncias anticolinérgicas. Contudo, seu uso é limitado por sua farmacocinética desfavorável, decorrente da meia-vida curta, e também pela hiperestimulação colinérgica periférica, sobretudo parassimpática. Há evidências de que os inibidores das colinesterases possam TRATAMENTO Thaís Morghana proporcionarbenefícios clínicos no manejo do delirium em condições distintas daquelas decorrentes da toxicidade anticolinérgica. Os inibidores das colinesterases têm sido eventualmente empregados como adjuvante dos tratamentos convencionais. KASPER, Dennis L. et al. Medicina interna de Harrison. 19ª edição. AMGH Editora Ltda, 2017. MARTINS, M. A. et al. Clínica médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. 2 ed. Barueri: Manole, 2015. REFERÊNCIAS