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1 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Micoses Superficiais Propriamente Ditas: Pitiríase Versicolor INTRODUÇÃO Didaticamente nós estudamos as micoses da seguinte forma: as micoses superficiais (onde temos as propriamente ditas e as cutâneas), as micoses profundas (onde temos as micoses de implantação, sendo que iremos estudar as de implantação por fungos demáceos), as micoses sistêmicas endêmicas (causadas por patógenos primários) e as micoses sistêmicas oportunistas (causadas por patógenos oportunistas). As micoses superficiais propriamente ditas atingem a parte mais superficial da pele, atingindo o extrato córneo ou a cutícula do pelo. Essas micoses causam uma resposta imune celular praticamente ausente ou mínima e raramente são sintomáticas, são tratadas geralmente em virtude dos seus aspectos estéticos. Alguns exemplos são: a pitiríase versicolor, piedra branca, piedra preta, tinha negra etc. As micoses superficiais cutâneas são aquelas que acometem não só a pele, mas também o pelo e a unha. Nesse caso, são micoses sintomáticas, que produzem resposta imune celular. Nesse grupo, existem dermatofitoses, candidíases e micoses causadas por fungos filamentosos não dermatófitos. MALASSEZIA Como iremos falar da pitiríase versicolor, iremos falar um pouco do seu agente, que é uma levedura. A malassezia produz colônias leveduriformes, pequenas, brilhantes e cremosas no meio de cultura. Porém, quando esse microrganismo está invadindo, por exemplo, o extrato córneo, ele deixa o estado leveduriforme para também formar hifas ou pseudohifas. Sendo assim, a malassezia é uma levedura, porém uma levedura polimórfica, já que muda de forma dependendo se ela está colonizando ou invadindo (não é dimorfismo, que é dependente de temperatura). As malassezias podem ser encontradas em toda a superfície da pele, tanto em humanos, quanto em animais. Desde que nascemos, já começamos a ser colonizados pela malassezia, colonização baixa e que se estabiliza entre 6 a 12 meses de idade. Quando se inicia a puberdade, há uma alteração de fatores hormonais, que têm uma implicação na atividade das glândulas sebáceas, assim esse microrganismo pode proliferar. A malassezia é considerada um microrganismo comensal, isto é, ela pode colonizar, por exemplo, nossa pele ou nosso couro cabeludo sem causar doença. No entanto, ela pode tornar-se patogênica dependendo de alguns fatores predisponentes. PROFA. SARAH 2 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 TAXONOMIA ATUAL Em relação à taxonomia de malassezia, ela é um grupo de microrganismos que foi estudado mais a partir de 1965, então os estudos que o envolvem são mais recentes. Antes de 1965, apenas 3 espécies eram reconhecidas (M. funfur, M. sympodialis e M. pachydermatis). Depois de 1965 ficou definido que esse microrganismo faz parte do filo Basidiomycota (meio incerto ainda), da classe Malasseziomycetes (mudou em 2013), da ordem Malasseziales, da Família Malasseziaceacea e do Gênero Malassezia. A malassezia se encontra no seu estado anamorfo, não há descrição do seu estado sexuado (teleomórfico). Há cerca de 17 espécies de Malassezia, a maior parte descrita depois dos anos 2000, tanto isoladas de animais quanto isoladas de humanos. Dentro dessas 17, apenas 10 são causadoras de micoses em humanos. CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO A malassezia tem uma característica muito peculiar, porque são leveduras lipodependentes, então elas dependem de lipídio para crescer, com exceção da M. pachydermatis (muito encontrada em pele de rinocerontes e no conduto auditivo de cães). A levedura de malassezia pode assumir formatos diferentes dependendo da espécie, podendo ser mais esférica ou mais elipsoidal. E é uma levedura que se reproduz por brotamento. A malassezia não consegue sintetizar ácido graxo insaturado, por isso ela habita ambientes em que há maior área de sebo (regiões gordurosas do corpo), como por exemplo o tronco, nos braços, atrás da orelha. Então, ela libera lipases para degradar esses triglicerídeos do sebo para produzir lipídios, que é sua principal fonte de energia. Essas lipases são formadas a partir de genes transcritos de seu genoma. OBS.: Subfilo: Ustilaginomycotina. 3 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Além das leveduras, ela produz hifas ou pseudohifas, podendo formar um pseudomicélio ou micélio verdadeiro. Porém, não é possível identificar a malassezia por seus aspectos morfológicos. Para a identificação desse microrganismo é necessário uma série de testes. Ela é caracterizada pela sua fisiologia, morfologia, assimilação do Tween (20, 40, 60 e 80), prova da catalase e meios de cultura (um meio de crescimento para malassezia deve ter a fonte de lipídios, então, por exemplo, pode utilizar o Ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol e o azeite de oliva). IDENTIFICAÇÃO DE ESPÉCIES EM MALASSEZIA Existe uma série de testes para identificação da malassezia, como podemos ver abaixo. Por exemplo, na parte evidenciada podemos ver que se a malassezia crescer a 32 graus só pode ser a espécie M. sympodialis. Hoje em dia, com o aparecimento de várias espécies novas, tem sido recomendada a identificação molecular, mas com enfoque polifásico. Então, primeiro se faz os métodos convencionais (bioquímicos, fisiológicos etc.), daí se associa a uma técnica molecular. O mais indicado para identificar malassezia é o sequenciamento da região ITS (região conservada não codificadora de proteína) e D1/D2 do DNA ribossomal. OBS.: Tween é um tensoativo, esterificado, formado de polioxietileno sorbitano. Os números significam a quantidade de unidades de oxietileno sorbitano. OBS. 2: Existem alguns meios prontos para o crescimento da malassezia, como o Mdixon E o Leeming and Notman (LNA). Nesses meios há Ágar malte, glicerol, bile e Tween 40. No LNA há também azeite de oliva. 4 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Conseguimos identificar esse microrganismo também por meio de genes codificadores de proteínas, como betatubulina, actina, calmodulina. Uma técnica recente muito boa para identificar levedura é a MALDI-TOF, que é a espectrometria de massa. MALASSEZIA X DOENÇAS DE PELE Como já foi dito, as malassezias são leveduras muito bem adaptadas na pele, fazendo parte da colonização normalmente, isso dificulta para estabelecer se esse microrganismo que está na pele é o único que está promovendo a doença ou se ele apenas está associado. Entre as doenças de pele em que o microrganismo está associado, há a pitiríase versicolor, a dermatite seborreica (“caspa”), dermatite atópica, foliculites e a psoríase. Dentre essas espécies causadoras de doenças de pele, a mais isolada é a Malassezia globosa, isto é, é a mais associada com doenças em humanos. Existem também as doenças que a malassezias podem diretamente causar, que são doenças um pouco mais invasivas, como pneumonia, sepse, peritonite e fungemia. ESTADOS DE CONVICÊNCIA DA MALASSEZIA COM A PELE Falando de como esse microrganismo interage com a pele e como ele está associado a doenças, a malassezias pode conviver com o ser humano em 3 estados de convivência. Um dos estados é o estado comensal, em que a levedura está colonizando a pele, está retirando alimento das células, mas não causa doença porque está em equilíbrio com a pele. Outro estado seria o patogênico, em que a levedura já prolifera, por causa de fatores predisponentes, porém raramente inflige inflamação. Esse é caso da pitiríase versicolor (PV). Ainda, a malassezia pode estar relacionada com doenças com inflamação visível, como é o caso de dermatite seborreica (DS), dermatite atópica (DA) e psoríase. PITIRÍASE VERSICOLOR A Pitiríase Versicolor (PV) é uma micose superficial benigna. É caracterizada por apresentar uma fina descamaçãoda pele, que pode provocar o aparecimento de manchas. Essas manchas podem ter uma coloração mais amarronzada (hipercromiantes) ou podem ter uma coloração mais avermelhada ou branca (hipocromiante), todas ligadas à produção de melanina (Versicolor = várias cores). As máculas podem causar uma descamação fina na pele, são máculas com borda irregular e tamanhos diferentes, podendo confluir e formar o que chamamos de mapa geográfica (juntas tomam um tamanho maior da pele). Os principais locais atingidos por esse microrganismo são: tronco, ombro, parte superior do braço, pescoço e face (menos frequente). As principais malassezias associadas a Pitiríase Versicolor são a M. globosa, a M. sympodialis e a M. furfur. O desenvolvimento acontece da seguinte forma: a malassezia está no seu estado leveduriforme e, se houver qualquer fator que predispõe esse microrganismo a alterar sua forma, ela passará de levedura para filamento (pseudohifa ou hifa) e conseguirá invadir o extrato córneo, causando a doença. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Podemos observar, por exemplo, máculas com manchas hipocromiantes, que geralmente acontecem em peles mais escuras. Em peles mais claras, as manchas são normalmente mais avermelhadas/castanhas. 5 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Esse microrganismo gosta muito de calor e umidade, por isso algumas regiões são mais propicias a aparecerem as manchas, como a região inguinal nos homens. SINONÍMIAS A malassezia possui alguns sinônimos, como: micose de praia (a exposição ao sol ajuda a observar as manchas e a radiação UV é um fator predisponente para a invasão do fungo no extrato córneo), pano branco (por causa das colorações esbranquiçadas nas manchas), tinea versicolor (versicolor = várias cores), dermatomicose furfurácea (porque a lesão esfarela facilmente) e machas de fígado. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS A malassezia está presente principalmente em populações de regiões tropicais e subtropicais, mas também estão presentes em locais de clima frio e seco numa porcentagem bem menor. Pode atingir todas as raças e ambos sexos, acredita-se que tem uma maior prevalência no sexo masculino. É relatada em qualquer idade, mas é mais frequente entre 18 a 25 anos, justamente porque é nessa faixa em que há alterações hormonais, que aumentam a atividade das glândulas sebáceas. Sendo assim, há mais disponibilidade de lipídios para o crescimento do fungo. O período de incubação é indeterminado nas zonas tropicais e úmidas, visto que o tempo quente ocorre o tempo todo. Para as pessoas que moram em regiões de clima frio e seco que viajam temporariamente as áreas tropicas, pode se observar um período de incubação de 5 a 20 dias. Os fatores predisponentes para a passagem do estado de colonização ao patogênico são calor, umidade, exposição ao sol, uso de cremes e bronzeadores oleosos, corticosteroides (diminuem a imunidade), falta de higiene, deficiência na produção de linfocinas (IL, IFN), gravidez (alteração hormonal), deficiência nutricional, hiperidrose e o uso de contraceptivos orais (hormônios). 6 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 PATOGENIA O principal fator de virulência da malassezia é sua capacidade de mudar de forma, esse microrganismo sai de um estado totalmente leveduriforme e começa a ter hifas e pseudohifas. Fora isso, a malassezia produz queratinase e lipase, que são muito importantes no processo de invasão. A pitiríase versicolor hipocromiante ocorre mais em pessoas de pele escura/morena. Isso porque ocorre uma alteração da síntese de melanina e a formação, então, das manchas mais claras. O que acontece é que esses microrganismos degradam os lipídios do extrato córneo, reação que forma o ácido azeláico (ácido dicarboxílico). Esse ácido compete com uma enzima da síntese de melanina, a tirosinase, então diminui a produção de melanina. A produção desse ácido azeláico pelo fungo pode ser estimulada na pele pela presença da luz solar, assim como a produção da pitiriacitrina. Essas 2 substâncias podem reduzir a quantidade de melanócitos. Já na pitiríase versicolor hipercromiante há um aumento no tamanho dos melanossomos e uma distribuição na pele, então há uma produção maior de melanina. DIAGNÓSTICO CLÍNICO O diagnóstico clínico é bastante simples, observa-se manchas na pele e existem 3 evidências que podem ajudar a confirmar a PV. Há o Sinal de Besnier, que é a raspagem da lesão gerar um esfarelamento. O Sinal de Zireli é quando se estira a pele da lesão (na região próxima se puxa com o polegar e do outro lado com o indicador) e a mácula começa a esfarelar. Além disso, também é usada a lâmpada de Wood, que é uma lâmpada de luz UV, que quando projetada nas manchas da PV emite uma fluorescência verde/amarelada. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Antes do diagnóstico laboratorial, o médico tem que solicitar o exame microscópico direto e a cultura, além de colocar o possível diagnóstico para orientar o pessoal do laboratório. O médico pode pegar o material colocando um durex na lesão, mas pode também ser feita uma raspagem da lesão, gerando as escamas, que é o material clínico. No laboratório, essas escamas são colocadas em uma lâmina, onde se adiciona KOH, que é um clarificante que degrada estruturas não-fúngicas, além de adicionar tinta Parker, que é uma tinta azul que vai impregnar na parede celular do microrganismo, possibilitando a visualização das estruturas. 7 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Como o microrganismo saiu do estado comensal e entrou no patogênico, é possível ver no microscópio hifas, pseudohifas e um emaranhado de levedura, ficando em um aspecto chamado de "macarrão com almôndega". CULTURA Na cultura, é possível ver apenas a levedura. Essa levedura leva mais tempo para crescer do que o normal, em torno de 7 dias. Sua temperatura de incubação vai de 30 a 37°C. A micromorfologia desse microrganismo em cultura não ajuda a identificar espécie, visto que só aparece a levedura, os blastoconídios. TRATAMENTO O tratamento pode ser tópico, com o uso de loções, cremes e soluções. Mas, dependendo do grau e do tempo das doenças, pode ser utilizado um antifúngico sistêmico. Como tópico, damos preferência ao cetoconazol, que é um azólico. Pode ser usada também uma solução a base de hipossulfito de sódio (20 a 40%) ou de sulfeto de selênio. 8 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Se a doença estiver da forma sistêmica e for preciso um antifúngico sistêmico, pode ser utilizado de preferência o Itraconazol (200 mg/dia durante 5d) ou o cetoconazol (200 mg/dia durante 10d). É normal ter recorrência da doença, visto que convivemos normalmente com colônias do fungo na nossa pele, então se fatores predisponentes para a proliferação do microrganismo aparecerem, ele irá invadir novamente. Algumas pessoas têm problemas com a PV, como o prurido, então acabam fazendo profilaxia. Para isso normalmente se utiliza um antifúngico sistêmico, como o Itraconazol em dose única de 400 mg a cada mês por 6 meses. EVOLUÇÃO Há 3 tipos de evolução para a Pitiríase Versicolor. Pode ocorrer a cura tanto clínica, quanto micológica. Pode ocorrer a recidiva, que é bem comum, relacionada a fatores de predisposição. Além disso, há a possibilidade de uma PV crônica. Nesse caso, o paciente não tem melhora mesmo com tratamento adequado, e não se sabe ainda o porquê que isso acontece. NOVAS DESCOBERTAS Alguns autores escreveram que as Malassezinas, produzidas pela malassezia, induzem a apoptose de melanócitos, que promovem a despigmentação cutânea. Além disso, outras 2 substâncias foram descritas, a Pityrialactona (responsável pela fluorescência sob a lâmpada de Wood) e a Pityriarubinas (responsável pela limitada resposta inflamatória nas lesões de PV).
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