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�fpolinomios� � 2012/3/18 � 12:03 � page 1 � #1 i
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Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela
Capítulo 1: Os Números Complexos
Sumário
1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
2 A Álgebra dos Números Complexos . . . . . . . 3
3 Representação Geométrica . . . . . . . . . . . . . 9
4 A Raiz Quadrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
5 Forma Polar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
6 Extração de Raízes n-ésimas . . . . . . . . . . . . 29
7 Raízes da Unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
8 Breve História dos Números . . . . . . . . . . . . 41
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Seção 1 Introdução 1
1 Introdução
Jerônimo Cardan (Itália, 1501-1576), um dos mais destacados matemá-
ticos do Renascimento, em 1545, achou a resposta
α = 5+
√
−15 e β = 5−
√
−15,
para o problema de determinar dois números cuja soma vale 10 e cujo produto
vale 40.
De fato, os números procurados são as raízes da equação do segundo grau
x2 − 10x+ 40 = 0,
que produz as soluções acima, quando resolvida pela fórmula resolvente das
equações do segundo grau.
Mas, na época em que vivia Cardan, só se conheciam os números reais
e, portanto, as raízes quadradas de números negativos eram consideradas
inexistentes, logo essas soluções eram tidas como absurdas. Naqueles tem-
pos, a situação era ainda mais dramática, pois os matemáticos tinham até
di�culdade em operar com os números negativos.
O que é notável, é que se operarmos formalmente com essas raízes, como
se tivessem as propriedades aritméticas da adição e da multiplicação dos
números reais e convencionarmos que
(
√
−15)2 = −15,
podemos mostrar, sem di�culdade, que
α+ β = 10 e α · β = 40.
Podemos ainda escrever esses �números� na forma
α = 5+
√
15
√
−1, β = 5−
√
15
√
−1,
que quando somados dão 10 e quando multiplicados dão 40, desde que con-
vencionemos que (
√
−1)2 = −1.
Façamos um outro experimento. Para determinar dois números cuja
soma vale 10 e cujo produto vale 26, devemos resolver a equação
x2 − 10x+ 26 = 0,
cujas raízes são 5 +
√
−1 e 5 −
√
−1. Novamente, se adicionarmos e
multiplicarmos esse �números�, obtemos os números 10 e 26.
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2 Os Números Complexos Cap. 1
Portanto, não parece ser uma simples coincidência que se consiga dessa
forma resolver as equações que não têm soluções reais, a custo de introduzir
novos �números� que são da forma a+ b
√
−1, onde a e b são números reais
e
√
−1 é um símbolo sujeito à seguinte regra operatória:
(
√
−1)2 = −1.
A ideia de tratar esses novos entes como números sem as áspas foi de
Rafael Bombelli (1726-1772), outro matemático renascentista italiano como o
seu contemporâneo Cardan. Motivado pelo trabalho de Cardan e pelo esforço
desse em compreender o caso irredutível da equação cúbica (cf. Capítulo 5),
Bombelli começou a estudar esses números por volta de 1550, estabelecendo
as seguintes regras operatórias:
(
√
−1)(
√
−1) = −1, (−
√
−1)(
√
−1) = 1,
(−
√
−1)(−
√
−1) = −1, −1(
√
−1) = −
√
−1,
bem como as fórmulas para a sua adição e multiplicação:
(a+ b
√
−1) + (c+ d
√
−1) = (a+ c) + (b+ d)
√
−1,
(a+ b
√
−1) · (c+ d
√
−1) = (ac− bd) + (ad+ bc)
√
−1.
Os resultados desses estudos foram publicados por Bombelli em 1572 no
livro L'Algebra, onde, também, pela primeira vez, foram estabelecidas as
regras operatórias com os números negativos.
Um fato que intrigou Cardan até o �nal de sua vida foi que equações do
terceiro grau da forma x3 = 15x + 4, quando resolvida pelas fórmulas que
levam o seu nome, e que estudaremos no Capítulo 5, dava a solução
3
√
2+
√
−121+
3
√
2−
√
−121.
Por outro lado, uma veri�cação direta mostra que 4 é raiz da equação. Por-
tanto,
3
√
2+ 11
√
−1+
3
√
2− 11
√
−1 = 4.
Por mais que tentasse, Cardan não conseguia evitar nas suas fórmulas o
uso dos radicais quadráticos de números negativos para expressar soluções
reais de algumas equações do terceiro grau como esta. Portanto, tinha que
passar por soluções �absurdas� para expressar soluções verdadeiras.
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Seção 2 A Álgebra dos Números Complexos 3
Vejamos, neste exemplo, a proposta de Bombelli para lidar com tal situ-
ação: (
2+
√
−1)3 = 23 + 3 · 22
√
−1+ 3 · 2(
√
−1)2 + (
√
−1)3
= 8+ 12
√
−1− 6−
√
−1
= 2+ 11
√
−1,(
2−
√
−1)3 = 23 − 3 · 22
√
−1+ 3 · 2(−
√
−1)2 + (−
√
−1)3
= 8− 12
√
−1− 6+
√
−1
= 2− 11
√
−1.
Portanto,
3
√
2+ 11
√
−1+
3
√
2− 11
√
−1 = (2+
√
−1) + (2−
√
−1) = 4.
O tratamento formal dos números da forma a + b
√
−1, dado por Bom-
belli, não satisfazia minimamente os matemáticos da época, que os olhavam
com muita descon�ança, admitindo-os apenas como artifício de cálculo, sem
uma existência efetiva, tendo o próprio Cardan como feroz oponente. Os ma-
temáticos da época, pela in�uência da cultura helenística predominante na
área, relutavam em aceitar entidades matemáticas que não tivessem algum
signi�cado geométrico. Esse signi�cado geométrico foi delineado no �nal do
Século 18, início do Século 19. Retornaremos a esse assunto na Seção 3.
2 A Álgebra dos Números Complexos
Leonhard Euler (Suiça, 1707-1783), em 1777, denotou o �número�
√
−1
por i e determinou várias propriedades dos números introduzidos por Bom-
belli, sendo dele a sua representação polar que estudaremos na Seção 5. O
fato de chamar
√
−1 de i já ajuda a desfazer so�smas que surgiam ao atri-
buir, incorretamente, a esse número propriedades similares aos dos números
reais, no que tange a operação de radiciação. Um exemplo de um tal so�sma
é a seguinte prova de que −1 = 1:
−1 =
√
−1 ·
√
−1 =
√
(−1)(−1) =
√
1 = 1.
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4 Os Números Complexos Cap. 1
A descon�ança dos matemáticos sobre esses números foi se desfazendo a
partir do surgimento, com os trabalhos de Caspar Wessel (Noruega, 1745-
1818), de 1797 e de Jean Robert Argand (Suiça, 1768-1822), de 1806, da sua
representação geométrica e de suas operações. Carl Friedrich Gauss (Alema-
nha, 1777-1855), em 1831, batizou esses números de números complexos e
contribuiu para a sua plena aceitação por meio dos seus trabalhos realizados
entre 1828 e 1832, onde os utilizou para provar novos e profundos resultados
em Teoria dos Números.
Daqui por diante, denotaremos o conjunto dos números complexos por C,
com os quais operaremos aditivamente e multiplicativamente com as regras
usuais da aritmética real, acrescidas da regra: i2 = −1.
Assim, seguindo Bombelli, e na notação de Euler, temos:
(a+ bi) + (c+ di) = (a+ c) + (b+ d)i,
(a+ bi) · (c+ di) = (ac− bd) + (ad+ bc)i.
As fórmulas acima nos de�nem duas operações em C que serão ainda
chamadas de adição e de multiplicação.
Portanto, um número complexo z = a + bi se decompõe numa soma de
duas parcelas a e bi, onde os números reais a e b são chamados de parte
real e parte imaginária de z, respectivamente. Se z = a + bi, utilizaremos
as notações:
a = Re(z) e b = Im(z).
Da maneira como de�nimos os números complexos, apenas como expres-
sões formais, temos forçosamente que
a+ bi = a ′ + b ′i ⇐⇒ a = a ′ e b = b ′.
Um número complexo escrito na forma a+ bi, com a e b números reais,
será dito na forma normal.
Se escrevermos um número complexo da forma a+ 0i, com a real, abre-
viadamente, como a, vemos que o corpo dos números reais R se realiza como
subconjunto de C e que as operações, acima de�nidas em C, quando restritas
a esse conjunto, apenas reproduzem a adição e a multiplicação em R. Temos
então que
R ⊂ C = {a+ bi ; a, b ∈ R e i2 = −1}, onde i ∈ C\R.
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Seção 2 A Álgebra dos Números Complexos 5
Os números complexos 0 = 0 + 0i e 1 = 1 + 0i, chamados de zero e um,
destacam-se, pois têm as seguintes propriedades:
z+ 0 = z e z · 1 = z, para todo z ∈ C.
Para todo número complexo z = a+bi, existe z ′ ∈C, tal que z+ z ′ = 0,
a saber,
z ′ = (−a) + (−b)i = −a− bi,
chamado de simétrico de z.
Não é difícil mostrar (faça-o) que as operações de adição e multiplicação
de números complexos, acima de�nidas, possuem as propriedades a seguir,
para quaisquer z, z ′, z ′′ ∈ C.
Comutativas: z+ z ′ = z ′ + z, z · z ′ = z ′ · z;
Associativas: z+ (z ′ + z ′′) = (z+ z ′) + z ′′, z · (z ′ · z ′′) = (z · z ′) · z ′′;
Distributiva: z · (z ′ + z ′′) = z · z ′ + z · z ′′.
Certamente, a validade dessas propriedades não é surpreendente, pois as
de�nições das operações em C foram construídas imaginando que elas vales-
sem, além de se apoiarem nas operações de R, onde valem tais propriedades.
O que pode ser um pouco mais surpreendente é que todo número com-
plexo z = a+ bi não nulo (i.e. z 6= 0), tem um inverso multiplicativo.
De fato, queremos achar z ′ = a ′ + b ′i tal que z · z ′ = 1. Escrevendo essa
condição mais explicitamente, temos
1 = z · z ′ = (aa ′ − bb ′) + (ab ′ + ba ′)i,
o que nos fornece o seguinte sistema de duas equações lineares nas incógnitas
a ′ e b ′: 
aa ′ − bb ′ = 1
ab ′ + ba ′ = 0,
que resolvido (faça os cálculos) fornece a seguinte solução:
a ′ =
a
a2 + b2
e b ′ = −
b
a2 + b2
,
o que faz sentido, já que a2 + b2 6= 0, pois assumimos z = a + bi 6= 0; ou
seja, que a 6= 0, ou b 6= 0.
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6 Os Números Complexos Cap. 1
O (único) inverso multiplicativo de um número complexo não nulo z será
denotado por z−1 ou por
1
z
. Portanto, pelo que �zemos acima, temos que se
z = a+ bi 6= 0, então
1
z
=
a
a2 + b2
−
b
a2 + b2
i.
Assim, temos que C é um corpo que contém o corpo dos números reais
R e onde se pode extrair uma raiz quadrada de um número real qualquer
(inclusive negativo).
De fato, dada a equação x2 = a, onde a ∈ R e a < 0, existe um único
número real positivo b =
√
|a|, tal que b2 = −a > 0, temos que x1 =
i
√
|a| e x2 = −i
√
|a| são soluções da equação proposta, chamadas de raízes
quadradas complexas de a.
Agora, a equação ax2 + bx + c = 0, com a, b, c ∈ R, a 6= 0 e ∆ =
b2 − 4ac < 0 passa a ter as seguintes raízes em C:
x1 =
−b+ i
√
−∆
2a
e x2 =
−b− i
√
−∆
2a
.
Na Seção 4, mostraremos que também é possível extrair raízes quadradas
de quaisquer números complexos e, mais ainda, que qualquer equação da
forma αx2 + βx+ γ = 0, onde α,β, γ ∈ C e α 6= 0, tem solução em C.
Para terminar esta seção, vamos de�nir formalmente a noção de corpo
que foi mencionada acima.
Dado um conjunto K, representamos por K×K o produto cartesiano de K
com ele próprio. Uma operação (?) em K é por de�nição apenas uma função
? : K× K −→ K
(a, b) 7−→ a ? b .
Seja K um conjunto com duas operações (+) e (·), chamadas de adi-
ção e multiplicação, respectivamente. Diremos que K é um corpo, se estas
operações possuirem as seguintes propriedades:
1) As operações de adição e de multiplicação são comutativas, isto é,
quaisquer que sejam os elementos a e b em K, tem-se que
a+ b = b+ a e a · b = b · a.
2) As operações de adição e de multiplicação são associativas, isto é,
quaisquer que sejam os elementos a, b e c em K, tem-se que
a+ (b+ c) = (a+ b) + c e a · (b · c) = (a · b) · c.
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Seção 2 A Álgebra dos Números Complexos 7
3) As operações de adição e de multiplicação possuem elementos neutros,
isto é, existem elementos 0 e 1 em K tais que, para qualquer elemento
a em K, se tenha
a+ 0 = a e a · 1 = a.
4) A multiplicação é distributiva com relação à adição, isto é, quaisquer
que sejam a, b e c em K, tem-se que
a · (b+ c) = a · b+ a · c.
5) Todo elemento a de K possui um simétrico, isto é, existe a ′ em K em
K tal que a+ a ′ = 0.
6) Todo elemento não nulo b de K possui um inverso, isto é, existe b ′ tal
que b · b ′ = 1.
Por exemplo, temos que Q, R e C são corpos. Nos Capítulos 3 e 6,
veremos inúmeros outros exemplos de corpos.
Prova-se que os elementos 0, 1, a ′ e b ′, com as propriedades acima, são
únicos (veja Problema 2.13).
Usualmente, denotamos a · b por ab, denotamos o elemento a ′ da Pro-
priedade (5) por −a e o elemento b ′ da Propriedade (6) por b−1, ou por
1
b .
Finalmente, se as operações (+) e (·) de K possuirem todas as proprie-
dades acima, exceto, eventualmente, a propriedade (6), diremos que K é um
anel. Portanto, todo corpo é um anel. Outros exemplos de anéis são o con-
junto dos inteiros Z, com as operações usuais de adição e de multiplicação,
e os anéis de polinômios que estudaremos no Capítulo 3.
Em um anel, de�nimos
a− b = a+ (−b),
e chamamos esta nova operação de subtração.
Um anel A que possua a propriedade
∀a, b ∈ A, a · b = 0 =⇒ a = 0 ou b = 0,
é chamado de domínio de integridade. Equivalentemente, A é um domínio
de integridade se, e somente se,
∀a, b ∈ A \ {0}, tem-se que a · b 6= 0.
Exemplos de domínios de integridade são: Z, Q, R, C e os anéis de classes
residuais Zp, com p primo (cf. [3], Volume 1). Exemplos de anéis que não
são domínios de integridade são os anéis Zm, com m um número natural
composto.
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8 Os Números Complexos Cap. 1
Problemas
2.1 Determine as raízes das equação x2 = −18.
2.2 Determine as raízes da equação x2 − 5x + 9 = 0, escrevendo-as na sua
forma normal.
2.3 Demonstre as propriedades comutativa e associativa da adição e da
multiplicação de números complexos.
2.4 Demonstre a propriedade distributiva da multiplicação em relação à
adição para os números complexos.
2.5 Escreva os números complexos, abaixo, na sua forma normal e calcule
as suas partes real e imaginária.
a) (1+ i)2; b) (1− i)2; c)
(
−
1
2
+
√
3
2
i
)3
;
d)
1+ i
i
+
i
1− i
; e)
5+ 2i
5− 2i
; f) (2+ i)(5+ 3i)(1− 4i).
2.6 Calcule os inversos dos seguintes números complexos, colocando-os na
sua forma normal:
a) i; b)
1+ i
1− i
; c)
2+ i
1− i
+
3+ 2i
1+ i
.
2.7 Resolva as equações
a)
1+ i
1− i
= z+ i; b) (1+ 2i)(iz− 3) = 2− i.
2.8 Determine os números reais a e b para que a propriedade abaixo se
veri�que.
a) (a− 2) · b+ (b2 − 1)i = i;
b) (a2 − 4) + (a− 2)(b2 − 1)i seja um número complexo não real;
c) (b2 − 4) + (a2 − 1)(b+ 2)i seja um número real.
2.9 Mostre que
in =

1, se n ≡ 0 mod 4
i, se n ≡ 1 mod 4
−1, se n ≡ 2 mod 4
−i, se n ≡ 3 mod 4.
2.10 Calcule
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Seção 3 Representação Geométrica 9
a) 5i127 + 3i82 − 7i37 + i16;
b) 1+ i+ i2 + · · ·+ in−1, para todo valor de n ∈ N, n ≥ 1.
2.11 Sejam z e w números complexos. Mostre que z ·w = 0 se, e somente
se, z = 0 ou w = 0.
2.12 Considere Un(C) = {α ∈ C ; αn = 1}, onde n ≥ 1 é um número natural.
Mostre que
a) Un(C) 6= ∅;
b) Se α e β ∈ Un(C), então α · β ∈ Un(C);
c) Se α ∈ Un(C), então α−1 ∈ Un(C);
d) Se α ∈ Un(C), então α` ∈ Un(C), para todo ` ∈ Z.
2.13 Mostre que os elementos 0, 1, o simétrico a ′ de um elemento a e o
inverso b ′ de um elemento não nulo b, que aparecem na de�nição de corpo
são únicos.
Sugestão Suponha que a ′′ (respectivamente, b ′′) seja um outro simétrico
de a (respectivamente, inverso de b), mostre que a ′ = a ′′ (respectivamente,
b ′ = b ′′).
2.14 Mostre que em um corpo K vale a propriedade de integridade:
a · b = 0 se, e somente se, a = 0 ou b = 0.
Sugestão Suponha que a · b = 0 e que a 6= 0. Multiplique ambos os
membros da igualdade por a−1 e utilize as demais propriedades de corpo
para mostrar que b = 0.
3 Representação Geométrica
A representação geométrica dos números complexos, que hoje conhece-
mos, é devida ao matemático amador Franco-Suiço Jean-Robert Argand,
que numa monogra�a1 publicada de forma anônima, em Paris em 1806, ba-
seado numa engenhosa extensão da teoria das proporções, introduz a ideia
de representar um número complexo como um ente provido de grandeza ab-
soluta e de direção no plano, em suma, um vetor no plano e interpreta a
multiplicação por i como sendo uma rotação por um ângulo de 90o.
Em linguagem mais atual, o que há de essencial em um número complexo
z =a + bi é o par ordenado (a, b) de números reais. Portanto, seguindo
1Essai sur une manière de representer les quantités imaginaire dans les constructions
géométriques
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10 Os Números Complexos Cap. 1
Argand, vamos representar geometricamente os elementos de C como pontos
de R2.
Figura 1: Representação de números complexos por pontos do plano.
Como, por de�nição dos números complexos, temos que
a+ bi = a ′ + b ′i ⇐⇒ (a, b) = (a ′, b ′),
essa associação entre C e R2, do ponto de vista da teoria dos conjuntos, é
perfeita. Poderíamos de�nir C como sendo R2, munido das seguintes opera-
ções:
(a, b) + (a ′, b ′) = (a+ a ′, b+ b ′),
(a, b) · (a ′, b ′) = (aa ′ − bb ′, ab ′ + ba ′).
A soma acima corresponde simplesmente à soma dos vetores com ponto
inicial O = (0, 0) e pontos �nais A = (a, b) e A ′ = (a ′, b ′). Na seguinte
�gura o paralelogramo com lados adjacentes OA e OA ′ tem diagonal OC e os
pontos do plano A, A ′ e C = (a+a ′, b+b ′) correspondem, respectivamente,
a z = a+ bi, a z ′ = a ′ + b ′i e a sua soma z+ z ′ = (a+ a ′) + (b+ b ′)i.
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Seção 3 Representação Geométrica 11
Figura 2: Regra do paralelogramo para a soma z + z ′.
O produto em R2, como apresentado acima, parece um tanto estranho,
mas também tem uma interpretação geométrica que �cará mais clara na
Seção 5.
Dado um número complexo z = a+ bi, de�nimos o seu conjugado como
sendo o número complexo z = a − bi, que corresponde geometricamente ao
simétrico de z com respeito ao eixo horizontal.
Figura 3: z = a + bi e z = a − bi.
A conjugação tem as seguintes propriedades:
(i) z = 0 se, e somente se, z = 0;
(ii) z = z, para todo z ∈ C;
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12 Os Números Complexos Cap. 1
(iii) z = z se, e somente se, z ∈ R;
(iv) z±w = z±w;
(v) z ·w = z ·w;
(vi) se z 6= 0, então z−1 = (z)−1;
(vii) Re(z) =
z+ z
2
e Im(z) =
z− z
2i
.
As provas dessas propriedades são simples e deixaremos parte delas como
exercício. Faremos apenas as de (iii) e (v) como exemplos.
(iii) Seja z = a + bi. Se a + bi = z = z = a − bi, então b = −b, logo
2b = 0; assim, b = 0 e z = a+ 0i ∈ R. Reciprocamente, se z = a ∈ R, então
z = a = z.
(v) Sejam z = a+ bi e w = a ′ + b ′i, logo
z ·w = (aa ′ − bb ′) + (ab ′ + ba ′)i = (aa ′ − bb ′) − (ab ′ + ba ′)i.
Por outro lado,
z ·w = (a− bi)(a ′ − b ′i) = (aa ′ − bb ′) − (ab ′ + ba ′)i,
provando a igualdade em (v). 2
O módulo de um número complexo z = a + bi é o número real não
negativo |z| =
√
a2 + b2. A interpretação geométrica do módulo de z é o
módulo do vetor de origem em (0, 0) e de extremidade (a, b), daí o nome
módulo.
Figura 4: z = a + bi e |z| =
√
a2 + b2.
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Seção 3 Representação Geométrica 13
O módulo tem as seguintes propriedades:
(i) z · z = |z|2, para todo z ∈ C;
(ii) |z| = |z| = |− z|, para todo z ∈ C;
(iii) Re(z) ≤ |Re(z)| ≤ |z| e Im(z) ≤ |Im(z)| ≤ |z|.
(iv) |z ·w| = |z| · |w|, para quaisquer z,w ∈ C.
Estas propriedades são fáceis de veri�car, sendo que as propriedades (ii)
e (iii) são geometricamente óbvias. Faremos as demonstrações de (iii) e (iv)
e deixaremos as outras como exercício.
(iii) Seja z = a+ bi. Então, Re(z) = a ≤ |a| = |Re(z)| e
a ≤ |a| =
√
|a|2 =
√
a2 ≤
√
a2 + b2 = |z|.
(iv) Usando as propriedades (i) do módulo, (v) da conjugação, a comutativi-
dade e associatividade da multiplicação de números complexos e, novamente,
a propriedade (i) do módulo temos
|z ·w|2 = (z ·w) · (z ·w) = (z ·w) · (z ·w)
= (z · z) · (w ·w) = |z|2 · |w|2 = (|z| · |w|)2 .
Assim, |z ·w| = |z| · |w|. 2
O módulo tem a seguinte propriedade, chamada de desigualdade trian-
gular :
|z+w| ≤ |z|+ |w|, para quaisquer z,w ∈ C.
Esta desigualdade é geometricamente óbvia, como se pode veri�car na �gura
abaixo, pois o comprimento de um lado de um triângulo é menor do que
a soma dos comprimentos dos outro dois lados. Mais ainda, a igualdade
ocorre na desigualdade acima se, e somente se, o triângulo de vértices O, A
e C se degenera, ou seja, quando um dos números é múltiplo escalar real não
negativo do outro.
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14 Os Números Complexos Cap. 1
Figura 5: |z +w| ≤ |z| + |w|.
Faremos, a seguir, a demonstração analítica da desigualdade triangular.
Devido à sua importância, vamos formalizar este fato, pondo-o no formato
de uma proposição.
Proposição 3.1. Quaisquer que sejam os números complexos z e w, temos
|z+w| ≤ |z|+ |w|,
com igualdade valendo se, e somente se, um dos números é múltiplo escalar
real não negativo do outro.
Demonstração Vamos calcular o quadrado de |z+w|.
|z+w|2
(1)
= (z+w)(z+w)
(2)
= (z+w)(z+w)
(3)
= z · z+ z ·w+w · z+w ·w
(4)
= |z|2 + z ·w+w · z+ |w|2 .
A igualdade (1), acima, segue da propriedade (i) do módulo; (2), da pro-
priedade (iv) da conjugação; (3), da distributividade da multiplicação com
relação a adição de números complexos e (4), novamente, da propriedade (i)
do módulo.
Para avaliar a soma z ·w+w · z, ponhamos u = z ·w. Das propriedades
(v) e (ii) da conjugação, obtemos
u = z ·w = z ·w = z ·w.
Logo,
z ·w+w · z = u+ u = 2Re(u) ≤ 2|u| = 2|z ·w| = 2|z| · |w| = 2|z| · |w|,
onde a desigualdade, na linha acima, segue da propriedade (iii) do módulo e
as duas últimas igualdades seguem, respectivamente, das propriedades (iv)
e (ii) do módulo.
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Seção 3 Representação Geométrica 15
Logo,
|z+w|2 ≤ |z|2 + 2|z| · |w|+ |w|2 = (|z|+ |w|)2,
e, portanto,
|z+w| ≤ |z|+ |w|.
A a�rmação sobre a igualdade é deixada como exercício (veja Problema
3.9). 2
A seguir, provaremos uma outra propriedade cuja interpretação geomé-
trica também é bem conhecida (pense novamente nos lados de um triângulo).
Proposição 3.2. Para quaisquer números complexos z e w temos que
| |z|− |w| | ≤ |z±w|.
Demonstração Escrevendo, z = (z−w) +w e w = (w− z) + z e usando a
desigualdade triangular, obtemos
|z| = |(z−w) +w| ≤ |z−w|+ |w|; e
|w| = |(w− z) + z| ≤ |w− z|+ |z| = |z−w|+ |z|.
Portanto, da primeira desigualdade, temos |z|−|w| ≤ |z−w| e, da segunda,
−|z−w| ≤ |z|− |w|, que são equivalentes à desigualdade | |z|− |w| | ≤ |z−w|.
A desigualdade | |z|− |w| | ≤ |z+w| pode ser obtida fazendo as modi�ca-
ções convenientes acima. 2
No próximo exemplo, mostraremos como obter um resultado de aritmé-
tica utilizando números complexos.
Exemplo 1. Dados dois inteirosm e n que são somas de dois quadrados (de
números naturais), o seu produto também é uma soma de dois quadrados.
O leitor certamente irá encontrar alguma di�culdade ao tentar provar esta
a�rmação, usando apenas aritmética elementar. Vejamos como, com o uso
dos números complexos, podemos resolver facilmente esta questão.
Escrevamos m = a2+b2 e n = c2+d2, com a, b, c, d ∈ N. Considerando
os números complexos z = a+bi e w = c+di, temos quem = |z|2 e n = |w|2.
Logo,
mn = |z|2|w|2 = |zw|2 = |(a+ bi)(c+ di)|2
= |ac− bd+ (ad+ bc)i|2
= (ac− bd)2 + (ad+ bc)2.
Em particular, podemos escrever
(52 + 82)(72 + 102) = (5 · 7− 8 · 10)2 + (5 · 10+ 8 · 7)2 = 452 + 1062.
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16 Os Números Complexos Cap. 1
Problemas
3.1 Represente no plano o número complexo z, abaixo, e o seu conjugado z
e calcule o seu módulo:
a) z = 2+ i; b) z = −3+ 4i; c) z = 4− 3i.
3.2 Demonstre as propriedades (i), (ii), (iv), (vi) e (vii) da conjugação.
3.3 Demonstre as propriedades (i) e (ii) do módulo.
3.4 Mostre que, se z ∈ C e z 6= 0, então z−1 = z
|z|2
.
3.5 Determine o inverso de z, se
a) z = 1− 2i; b) z = 3+ 4i; c) z = −1+ i.
3.6 Seja S1 = { z ∈ C ; |z| = 1 } e sejam z e w números complexos. Veri�que
que
a) Se z ∈ S1, então z−1 = z ∈ S1;
b) Se z, w ∈ S1 então z ·w ∈ S1.
3.7 Seja ϕ : C −→ C a função de�nida por ϕ(a+ bi) = a− bi. Mostre que
a) ϕ(z+ z ′) = ϕ(z) +ϕ(z ′), para quaisquer z, z ′ ∈ C;
b)ϕ(z · z ′) = ϕ(z) ·ϕ(z ′), para quaisquer z, z ′ ∈ C;
c) ϕ(z) = z, para todo z ∈ R;
d) ϕ é uma bijeção. Determine ϕ−1.
3.8 Sejam f(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x+ a0, onde aj ∈ R, e β ∈ C.
Mostre que
a) f(β) = f(β); b) β é raiz de f(x) se, e somente se, β é raiz de f(x);
c) Se n = 2 e ∆ = a21 − 4a2a0 < 0, então f(x) tem duas raízes distintas
α, γ ∈ C\R e α = γ.
3.9 a) Mostre que, na desigualdade da Proposição 3.1, vale a igualdade se,
e somente se, Re(zw) = |zw|.
b) Mostre que essa última condição é equivalente a que um dos números é
múltiplo do outro por um escalar real não negativo.
c) Mostre que | |z|−|w| | ≤ |z+w|, completando a demonstração da Proposição
3.2.
d) Mostre que |z+w| = |z|− |w| se, e somente se, w = λz, com −1 ≤ λ ≤ 0.
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Seção 4 A Raiz Quadrada 17
3.10 Sejam dados z1, . . . , zn ∈ C, não nulos. Mostre que
|z1 + · · ·+ zn| ≤ |z1|+ · · ·+ |zn|.
Ache uma condição necessária e su�ciente para que valha a igualdade na
desigualdade acima.
3.11 Seja r um número real positivo e seja α ∈ C. Interprete geometrica-
mente:
a) {z ∈ C ; | z | = r}; b) {z ∈ C ; | z | ≤ r};
c) {z ∈ C ; | z | > r}; d) {z ∈ C ; | z− α | = r};
e) {z ∈ C ; | z− α | < r}; f) {z ∈ C ; | z− α | ≥ r}.
3.12 Represente no plano os números complexos que satisfazem cada uma
das desigualdade abaixo:
a) | z− i | ≤ 1; b) | z− 3+ 4i | < 3; c) | z− 1− i | = 1.
3.13 Demonstre a identidade do paralelogramo:
| z+w |2 + | z−w |2 = 2(| z |2 + | w |2), para quaisquer z,w ∈ C.
3.14 Sejam z,w ∈ C. Mostre que | z−1+w−1 | = | z+w |, se | z | = | w | = 1.
3.15 Mostre que se cada um dos inteiros m1, . . . ,mr é soma de dois qua-
drados, então o produto m1 · · ·mr é soma de dois quadrados.
4 A Raiz Quadrada
Dado o número complexo α 6= 0, vamos mostrar que a equação x2 = α
tem duas soluções em C, chamadas de raízes complexas quadradas de α. Isto
diferencia C de R, onde sabemos que nem sempre é possível extrair raízes
quadradas.
Vamos determinar w ∈ C, não nulo, tal que w2 = α. Para isto, es-
crevemos α = a + bi, onde a, b ∈ R. Como o caso b = 0 já foi tratado,
consideraremos b 6= 0. Vamos determinar um número complexo c + di tal
que
a+ bi = (c+ di)2 = c2 − d2 + 2cdi.
Pela igualdade acima, de números complexos, temos que
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18 Os Números Complexos Cap. 1
{
a = c2 − d2
b = 2cd
⇒ { a2 = (c2 − d2)2
b2 = 4c2d2
⇒ a2 + b2 = c4 + d4 + 2c2d2 = (c2 + d2)2.
Portanto, c2 + d2 =
√
a2 + b2. Como também c2 − d2 = a, somando e
subtraindo essas equações, obtemos, respectivamente,
c2 =
√
a2 + b2 + a
2
e d2 =
√
a2 + b2 − a
2
.
Logo,
| c |=
√√
a2 + b2 + a
2
e | d |=
√√
a2 + b2 − a
2
. (1)
Como b 6= 0 e b = 2cd, devemos escolher os números reais c e d, com a
propriedade (1), de modo que o sinal do seu produto seja o mesmo sinal de
b. Assim, quando b > 0, tomamos c > 0 e d > 0, ou c < 0 e d < 0; quando
b < 0, tomamos c > 0 e d < 0, ou c < 0 e d > 0. Dessa maneira temos
exatamente dois números complexos δ e −δ cujo quadrado é α = a + bi.
Denotamos um deles por
√
α o outro por −
√
α.
2
Uma observação importante a ser feita, e que evitará que caiamos em
paradoxos, é que, ao contrário do caso real, não há nenhuma escolha padrão
para denotar uma das raízes quadradas de α pelo símbolo
√
α. Isto poderá
ser feito caso a caso, explicitando qual das duas raízes quadradas de α está
sendo denotada por
√
α .
Exemplo 1. Vamos resolver a equação x2 =
√
3 − i. Nesse caso, a =
√
3 e
b = −1. Temos a2 + b2 = 4 e, pelas equações (1),
| c |=
√√
4+
√
3
2
=
√
2+
√
3√
2
=
√
2
√
2+
√
6
2
,
| d |=
√√
4−
√
3
2
=
√
2−
√
3√
2
=
√
2
√
2−
√
6
2
.
Como b < 0, as soluções da equação são√
2
√
2+
√
6
2
−
√
2
√
2−
√
6
2
i e −
√
2
√
2+
√
6
2
+
√
2
√
2−
√
6
2
i.
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Seção 4 A Raiz Quadrada 19
Exemplo 2. Vamos resolver a equação x2 = 1 + i. Temos a = 1, b = 1,
a2 + b2 = 2 e, pelas equações (1),
| c |=
√√
2+ 1
2
, e | d |=
√√
2− 1
2
.
Como b > 0, as soluções da equação são:√√
2+ 1
2
+ i
√√
2− 1
2
e −
√√
2+ 1
2
− i
√√
2− 1
2
.
Agora, estamos prontos para resolver a equação x2 + αx + β = 0, onde
α,β ∈ C. Temos:
x2 + αx+ β =
(
x+
α
2
)2
−
α2
4
+ β
=
(
x+
α
2
)2
−
α2 − 4β
4
.
Seja ∆ = α2 − 4β ∈ C. Pelas considerações anteriores, existem δ e −δ
em C, tais que δ2 = ∆. Escrevendo δ =
√
∆, temos −δ = −
√
∆ e a equação
proposta
(
x+
α
2
)2
−
α2 − 4β
4
= 0
é equivalente a
x+
α
2
= ±
√
∆
2
.
As soluções podem ser escritas como:
x1 =
−α+
√
α2 − 4β
2
e x2 =
−α−
√
α2 − 4β
2
,
onde
√
α2 − 4β é uma das raízes da equação x2 = α2 − 4β. 2
Exemplo 3. Quais as raízes da equação x2 + 2ix + (−2 − i) = 0? Temos
que ∆ = (2i)2−4(−2− i) = 4+4i. Devemos determinar números complexos
cujo quadrado é 4+ 4i. Temos a = 4, b = 4 e a2 + b2 = 32. Pelas fórmulas
(1), temos
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20 Os Números Complexos Cap. 1
| c |=
√√
32+ 4
2
=
√
4
√
2+ 4
2
=
√
2
√
2+ 2,
| d |=
√√
32− 4
2
=
√
4
√
2− 4
2
=
√
2
√
2− 2.
As soluções da equação proposta são, portanto,
x1 =
−2i+
√
∆
2
e x2 =
−2i−
√
∆
2
,
onde
√
∆ =
√
2
√
2+ 2+ i
√
2
√
2− 2.
Problemas
4.1 Resolva as equações:
a) x2 =
√
3+ 1; b) x2 = −1+ i; c) x2 = i;
d) x2 = 5− 12i; e) x2 = 8+ 6i; f) x4 = −i.
4.2 Resolva as equações:
a) x2 − (2+ i)x+ (−1+ 7i) = 0; b) x2 − (3− 2i)x+ 5− 5i = 0.
4.3 Calcule |z|, sabendo que z+
1
z
= 1.
5 Forma Polar
Nesta seção, consideraremos uma outra representação, devida a Euler,
dos números complexos não nulos, chamada forma polar ou forma trigono-
métrica. Esta representação é de fundamental importância, pois relaciona
os números complexos com as funções trigonométricas, permitindo calcular
com maior facilidade o produto de dois números complexos, a potência e
a extração de raízes de um número complexo, bem como interpretar geo-
metricamente estas operações.
Seja z = a + bi um número complexo não nulo. O ponto P = (a, b) do
plano, que corresponde ao número z 6= 0, é diferente da origem O = (0, 0).
Portanto, o segmento de reta OP, de comprimento r = |z| =
√
a2 + b2 6=
0, determina com o eixo x um ângulo θ cuja medida em radianos está no
intervalo [0, 2π).
O número real θ é chamado de argumento de z e é denotado por arg(z) =
θ. Observe que a = r cos θ e b = r sen θ.
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Seção 5 Forma Polar 21
Figura 6: Argumento θ de z = a + bi 6= 0 e r =
√
a2 + b2.
Chamamos o círculo de centro na origem (0, 0) e raio 1 de círculo unitário.
Recorde que o comprimento da circunferência de raio 1 é 2π radianos e a
medida em radianos de um ângulo não negativo é o comprimento do arco
correspondente no círculo unitário.
Geometricamente, o argumento de z é a medida em radianos, no círculo
unitário, do ângulo que devemos girar o semieixo positivo da reta real, no
sentido anti-horário, até coincidir com o segmento OP.
A forma polar ou forma trigonométrica do número complexo não nulo
z = a + bi, com módulo r =
√
a2 + b2 e argumento arg(z) = θ, é de�nida
por
z = r(cos θ+ i sen θ).
Quando expressamos um número complexo não nulo na forma polar,
explicitamos o seu módulo e o seu argumento.
Em alguns textos usa-se a notação cis θ, como um modo abreviado de
escrever cos θ+ i sen θ.
Exemplo 1. Vamos determinar o argumento de cada um dos seguintes nú-
meros complexos: z1 = 2, z2 = −2, z3 = 2i, z4 = −2i, z5 = 2 − 2i e
z6 = −1−
√
3i.
Representando no plano os números z1, z2, z3 e z4, visualizamos, imedia-
tamente, os seus argumentos.
Os números complexos z1 e z2 estão situados sobre o eixo horizontal,
chamado eixo real, sendo z1 no semieixo positivo e z2 no semieixo negativo.
Logo, arg(z1) = 0 e arg(z2) = π.
Os números complexos z3 e z4 estão situados sobre o eixo vertical, cha-
mado de eixo imaginário, sendo z3 no semieixo positivo e z4 no semieixo
negativo. Logo, arg(z3) = π2 e arg(z4) =
3π
2 .
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22 Os Números Complexos Cap. 1
Observemos que z5 e z6 estão situados no quarto e terceiro quadrantes,
respectivamente.
Como
r5 = |z5| =
√
22 + (−2)2 =
√
8 = 2
√
2 ,
temos que
cos(θ5) =
2
2
√
2
= 1√
2
= 1√
2
·
√
2√
2
=
√
2
2
sen(θ5) =
−2
2
√
2
= −1√
2
= −1√
2
·
√
2√
2
= −
√
2
2 .
Logo, θ5 = arg(z5) = 7π4 .
Como
r6 = |z6| =
√
(−1)2 + (−
√
3)2 =
√
4 = 2 ,
temos que
cos(θ6) =
−1
2 = −
1
2 e sen(θ6) =
−
√
3
2 = −
√
3
2 .
Logo, θ6 = arg(z6) = 4π3 .
Exemplo 2. Vamos expressar os números complexos do Exemplo 1 na forma
polar. Aproveitando os cálculos dos seus módulos e argumentos, temos:
z1 = 2 = 2(cos 0+ i sen 0), z2 = −2 = 2(cosπ+ i senπ),
z3 = 2i = 2
(
cos π2 + i sen
π
2
)
, z4 = −2i = 2
(
cos 3π2 + i sen
3π
2
)
,
z5 = 2− 2i = 2
√
2
(
cos 7π4 + i sen
7π
4
)
,
z6 = −1−
√
3i = 2
(
cos 4π3 + i sen
4π
3
)
.
Vejamos agora como se expressa na forma polar a igualdade de dois
números complexos não nulos.
Sejam θ, θ ′ ∈ R, z = r(cos θ + i sen θ) e z ′ = r ′(cos θ ′ + i sen θ ′). Supo-
nhamos que z = z ′. Então,
r(cos θ+ i sen θ) = r ′(cos θ ′ + i sen θ ′).
Logo, r = |z| = |z ′| = r ′ > 0 e, cancelando r na igualdade acima, obte-
mos cos θ + i sen θ = cos θ ′ + i sen θ ′. Da igualdade de números complexos,
obtemos cos θ = cos θ ′ e sen θ = sen θ ′ . Da periodicidade das funções tri-
gonométricas, segue-se que θ = θ ′ + 2π`, para algum ` ∈ Z. Nesse caso,
dizemos que θ é congruente a θ ′ módulo 2π e escrevemos θ ≡ θ ′mod 2π.
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Seção 5 Forma Polar 23
Ao marcarmos sobre o círculo unitário os comprimentos de θ radianos e
θ+ 2π` radianos, no sentido anti-horário ou horário, dependendo dos sinais
de θ e de `, começando no ponto A = (1, 0), correspondente a 0 radianos,
paramos no mesmo ponto P. Assim, os segmentos OA e OP, segmentos
inicial e �nal para a determinação do ângulo em graus correspondente a θ
radianos e a θ+ 2π` radianos, coincidem (Figura 7).
Figura 7: Congruência de θ e θ + 2π.
Com os conceitos de módulo e argumento, daremos uma interpretação
geométrica para a multiplicação de números complexos não nulos.
Proposição 5.1 (Produto de números complexos na forma polar). Dados
z = r(cos θ+ i sen θ) e z ′ = r ′(cos θ ′ + i sen θ ′), temos que
z · z ′ = rr ′
(
cos(θ+ θ ′) + i sen(θ+ θ ′)
)
.
Demonstração De fato,
z · z ′ = r(cos θ+ i sen θ)r ′(cos θ ′ + i sen θ ′)
= rr ′
(
(cos θ cos θ ′ − sen θ sen θ ′) + i(cos θ sen θ ′ + sen θ cos θ ′)
)
= rr ′
(
cos(θ+ θ ′) + i sen(θ+ θ ′)
)
.
Na última igualdade, usamos as identidades trigonométricas:
cos(θ+ θ ′) = cos θ cos θ ′ − sen θ sen θ ′ ; e
sen(θ+ θ ′) = cos θ sen θ ′ + sen θ cos θ ′.
2
A relação da proposição anterior dá a seguinte interpretação geométrica
para o produto de números complexos não nulos: para calcular o produto de
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24 Os Números Complexos Cap. 1
z com z ′, calculamos o produto dos módulos de z e z ′ e somamos os seus
argumentos θ e θ ′.
Mais ainda, com as notações da proposição anterior, a divisão de z por
z ′, é determinada dividindo os módulos de z e z ′ e subtraindo do argumento
de z o argumento de z ′, pois
z
z ′
=
r (cos θ+ i sen θ)
r ′ (cos θ ′ + i sen θ ′)
=
r
r ′
(cos θ+ i sen θ) (cos θ ′ − i sen θ ′)
=
r
r ′
(cos θ+ i sen θ) (cos(−θ ′) + i sen(−θ ′))
=
r
r ′
(cos(θ− θ ′) + i sen(θ− θ ′)) .
Exemplo 3. Vamos determinar na forma polar o produto z · z ′, sendo
z = −5+ 5
√
3i e z ′ = 2
√
3− 2i.
Temos
r =
√
(−5)2 + (5
√
3)2 =
√
25+ 25 · 3 =
√
100 = 10 e
r ′ =
√
(2
√
3)2 + (−2)2 =
√
4 · 3+ 4 =
√
16 = 4 .
Portanto, rr ′ = 40 .
Note que z e z ′ estão no segundo e quarto quadrantes, respectivamente.
Além disso,
cos θ = −510 = −
1
2 e sen θ =
5
√
3
10 =
√
3
2 , nos dá θ = arg(z) =
2π
3 ;
cos θ ′ = 2
√
3
4 =
√
3
2 e sen θ
′ = −12 , nos dá θ
′ = arg(z ′) = 11π6 .
Assim,
θ+ θ ′ = 2π3 +
11π
6 =
15π
6 = 2π+
π
2 .
Logo,
z · z ′ = 40
(
cos(2π+ π2
)
+ i sen
(
2π+ π2 )
)
= 40
(
cos π2 + i sen
π
2
)
.
Para visualizar os argumentos, faça a representação dos números com-
plexos z, z ′ e z · z ′ no plano.
Qual é em geral o argumento de um produto z · z ′?
Como 0 ≤ θ = arg(z) < 2π e 0 ≤ θ ′ = arg(z ′) < 2π, temos 0 ≤
θ+ θ ′ < 4π e há um único θ ′′, com 0 ≤ θ ′′ < 2π tal que
cos θ ′′ = cos(θ+ θ ′) e sen θ ′′ = sen(θ+ θ ′).
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Seção 5 Forma Polar 25
Dizemos que θ ′′ pertencente ao intervalo [0, 2π) é congruente a θ + θ ′
módulo 2π e arg(z · z ′) = θ ′′.
Assim, z · z ′ é o número complexo, tal que
|z · z ′| = r · r ′ e arg(z · z ′) = θ ′′ ∈ [0, 2π), θ ′′ ≡ θ+ θ ′mod 2π.
Exemplo 4. O que signi�ca multiplicar um número complexo z 6= 0 por i?
Figura 8: Multiplicação de z 6= 0 por i.
O número complexo iz tem módulo |iz| = |z| e seu argumento é congruente
a arg(z) + π2 módulo 2π.
O produto de i por z corresponde a uma rotação de 90o em torno da ori-
gem, no sentido anti-horário, do ponto do plano correspondente a z (Figura
8).
Exemplo 5. Quando multiplicamos dois núneros complexos z e z ′ de módulo
1 e argumentos θ e θ ′, o produto é o número complexo do círculo unitário
de�nido por θ+ θ ′.
Para ilustrar, consideremos z =
√
3
2 +
1
2 i e z
′ = 12 +
√
3
2 i. Veri�camos
que |z| = |z ′| = 1, arg(z) = π6 e arg(z
′) = π3 . Como
π
6 +
π
3 =
π
2 , temos
z · z ′ = cos π2 + i sen
π
2 = i.
A multiplicação na forma polar permite determinar uma expressão para
potências de expoente inteiro n cuja base é um número complexo não nulo,
conforme veremos na seguinte proposição.
Proposição 5.2 (Fórmula de De Moivre2). Dado um número complexo não
nulo na forma polar z = r(cos θ + i sen θ), então, para cada número inteiro
n, tem-se que
zn = rn (cos(nθ) + i sen(nθ)).
2Em homenagem ao matemático francês Abraham De Moivre (1667-1754), autor dessa
fórmula, além de probabilista e atuário.
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26 Os Números Complexos Cap. 1
Demonstração Esta demonstração será feita por indução sobre o expoente
n. Como r0 = 1, então r0(cos(0 · θ) + i sen(0 · θ)) = 1 e a fórmula vale para
n = 0. Seja n ≥ 0 e suponhamos que a igualdade seja válida para n, isto é,
zn = rn(cos(nθ) + i sen(nθ)). Então,
zn+1 = z · zn
= r(cos θ+ i sen θ) ·
(
rn(cos(nθ) + i sen(nθ))
)
= rn+1
(
cos(θ+ nθ) + i sen(θ+ nθ)
)
= rn+1
(
cos ((n+ 1)θ) + i sen((n+ 1)θ)
)
,
onde a segunda igualdade segue da hipótese de indução, a terceira da multi-
plicação de números complexos na forma polar e a última mostra a validade
da fórmula do enunciado para n + 1. Concluímos, por indução, a validade
da fórmula para todo número natural n.
Seja n < 0 um inteiro. Então, −n > 0 e zn = (z−1)−n. Como z−1 =
z/|z|2 = 1r (cos θ − i sen θ) = r
−1(cos(−θ) + i sen(−θ)), pela fórmula já de-
monstrada temos
(z−1)−n = (r−1)−n(cos((−n) · (−θ)) + i sen((−n) · (−θ)))
= rn(cos(nθ) + i sen(nθ)).
Logo, a igualdade vale para todo n ∈ Z. 2
Exemplo 6. Seja z = −
√
3+ i. Vamos calcular z8.
Nesse caso, r =
√
(−
√
3)2 + 12 =
√
3+ 1 =
√
4 = 2.
Além disso, as relações cos θ = −
√
3
2 = −
√
3
2 e sen θ =
1
2 nos dizem que
arg(z) = θ = 5π6 . Logo, z = 2
(
cos 5π6 + i sen
5π
6
)
e
z8 = 28
(
cos
(
8 · 5π6
)
+ i sen
(
8 · 5π6
))
= 256
(
cos 40π6 + i sen
40π
6
)
.
Vamos determinar arg(z8), isto é, θ ∈ [0, 2π) com θ congruente a 40π6 .
Escrevemos 40π6 =
20π
3 =
18π+2π
3 = 6π +
2π
3 (6π corresponde a 3 voltas no
círculo unitário). Logo, o argumento de z8 é 2π3 e
z8 = 256
(
cos 2π3 + i sen
2π
3
)
.
Exemplo 7. Vamos calcular z6, onde z = −1+ i.
Nesse caso, r =
√
(−1)2 + 12 =
√
1+ 1 =
√
2. Além disso, as igualdades
cos θ = −1√
2
= − 1√
2
= −
√
2
2 e sen θ =
1√
2
=
√
2
2 ,
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Seção 5 Forma Polar 27
nos dizem que arg(z) = θ = 3π4 . Logo, z =
√
2
(
cos 3π4 + i sen
3π
4
)
e, por-
tanto,
z6 = (
√
2)6
(
cos
(
6 · 3π4)
+ i sen
(
6 · 3π4
))
= 8
(
cos 18π4 + i sen
18π
4
)
.
Vamos determinar arg(z6), isto é, θ ∈ [0, 2π) com θ congruente a 18π4 .
Escrevemos 18π4 =
9π
2 =
8π+π
2 = 4π+
π
2 (4π corresponde a 2 voltas no círculo
unitário).
Portanto, θ = π2 é o argumento de z
6 e
z6 = 8
(
cos π2 + i sen
π
2
)
= 8i.
Certamente, o leitor observou que no cálculo do argumento de zn sub-
traímos de n ·arg(z) um múltiplo inteiro conveniente de 2π, de modo a obter
um número real θ ∈ [0, 2π) tal que θ = arg(zn).
A fórmula do produto de dois números complexos da Proposição 5.1, no
caso em que os números complexos têm módulos iguais a 1,
(cos θ+ i sen θ)(cos θ ′ + i sen θ ′) = cos(θ+ θ ′) + i sen(θ+ θ ′),
sugere a possibilidade de haver uma conexão entre números complexos e
logaritmos (ou, equivalentemente, exponenciais), pois ao produto de dois
números complexos está associada a soma de seus argumentos.
De fato, tal conexão existe e é dada pela fórmula:
eiθ = cos θ+ i sen θ.
Essa fórmula foi descoberta por Euler, que constatou a sua validade compa-
rando as séries de Taylor do seno, do cosseno e da exponencial:
sen θ = θ1! −
θ3
3! +
θ5
5! − · · · ,
cos θ = 1− θ
2
2! +
θ4
4! − · · · ,
eiθ = 1+ iθ1! +
(iθ)2
2! +
(iθ)3
3! +
(iθ)4
4! + · · · .
Em particular,
eiπ = cosπ+ i senπ = −1.
Euler, então escreveu uma das mais belas fórmulas matemáticas, envolvendo
cinco números importantes 0, 1, e, π, i, a saber,
eiπ + 1 = 0.
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28 Os Números Complexos Cap. 1
Assim, podemos escrever todo número complexo não nulo na forma
z = r(cos θ+ i sen θ) = reiθ.
Portanto, o produto se expressa como:
(reiθ)(r ′eiθ
′
) = (r · r ′)ei(θ+θ ′),
e a fórmula de De Moivre como:
(reiθ)n = rneinθ.
Problemas
5.1 Determine o módulo e o argumento do número complexo z e o escreva
na forma polar. Represente z no plano, indicando o seu módulo e o seu
argumento no desenho.
a) z = 3− 3i ; b) z = 5i ; c) z = −7 ;
d) z = 2+ 2i ; e) z =
√
3− i ; f) z = 2
√
3− 2i ;
g) z = 11+i ; h) z = 5 ; i) z = −2i .
5.2 Dados z ∈ C, z 6= 0, e o número real positivo r dê uma interpretação
geométrica para os produtos:
a) zr; b) zeiθ; c) zreiθ.
5.3 Calcule as potências abaixo, usando a forma polar do número complexo:
a) (2+ 2i)5 ; b) (−1+ i)7 ; c) (−
√
3− i)10 ; d) (−1+
√
3i)8 .
5.4 Determine os valores do número natural n ≥ 2, para os quais
(
√
2+
√
2i)n
a) é um número real; b) é um imaginário puro.
5.5 Calcule os possíveis valores de
(√
3
2 +
1
2 i
)n
, para n variando em Z.
5.6 Dados os números complexos não nulos z e w, mostre que o cosseno do
ângulo θ formado entre z e w vistos como vetores do plano é dado por
cos θ =
zw+wz
2|z| |w|
.
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Seção 6 Extração de Raízes n-ésimas 29
6 Extração de Raízes n-ésimas
Na Seção 4, vimos que todo número complexo, não nulo, tem duas raízes
complexas quadradas e, mais ainda, aprendemos a determiná-las. Vamos
agora generalizar esse resultado, mostrando que todo número complexo não
nulo tem n raízes n-ésimas complexas e aprenderemos a determiná-las.
Como em um corpo qualquer é possível efetuar sem restrições as quatro
operações (exceto a divisão por zero), tem sentido a potenciação com expo-
ente inteiro. Uma pergunta natural que surge é se podemos inverter esta
operação; ou seja, se podemos extrair raízes n-ésimas de elementos de um
corpo, para n ∈ N \ {0}. Primeiro, devemos responder à pergunta:
O que é uma raiz n-ésima em um corpo K?
Seja n ≥ 1 um número natural e seja z ∈ K. Um elemento w ∈ K tal que
wn = z é chamado uma raiz n-ésima de z.
Observações
(1) É claro que se n = 1, então a única raiz 1-ésima de z é o próprio z, para
qualquer corpo K.
(2) Se z = 0, então a equação xn = 0 tem uma única solução, para todo
n ≥ 1 e para todo corpo K.
Em resumo, os casos interessantes são z ∈ K não nulo e n ≥ 2.
(3) Quando n ≥ 2 e z ∈ K é não nulo, nem sempre existe em K uma raiz
n-ésima de z. Vejamos alguns exemplos.
a) Em Q não há raízes quadradas de 2;
b) Em R há duas raízes quadradas de 2:
√
2 e −
√
2. Na verdade;
c) se n é par, em R não há raízes n-ésimas de números negativos;
d) se n é par, em R há duas raízes n-ésimas de a > 0, o número real positivo
n
√
a e o seu simétrico − n
√
a;
e) se n é ímpar, em R há uma única raiz n-ésima de qualquer número real.
(4) Mostraremos no Capítulo 4 (Proposição 1.1) que um elemento de um
corpo K tem no máximo n raízes n-ésimas em K.
Nesta Seção, mostraremos que estamos no �melhor dos mundos�, pois
no corpo dos números complexos C todo z 6= 0 possui exatamente n raízes
n-ésimas. Vejamos alguns exemplos.
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30 Os Números Complexos Cap. 1
Exemplo 1. Todo w ∈ {1,−1, i,−i} tem a propriedade w4 = 1 (veri�que) e
é chamado uma raiz quarta complexa da unidade.
Exemplo 2. Todo w ∈ {−4i, 2
√
3+2i,−2
√
3+2i} é uma raiz cúbica de 64i.
De fato, temos (−4i)3 = (−4)3 · i3 = (−64) · (−i) = 64i. Para calcular o
cubo dos números 2
√
3 + 2i e −2
√
3 + 2i escrevemos primeiro a sua forma
polar:
2
√
3+ 2i = 4
(
cos π6 + i sen
π
6
)
e −2
√
3+ 2i = 4
(
cos 5π6 + i sen
5π
6
)
.
Usando a fórmula de De Moivre, obtemos
(2
√
3+ 2i)3 = 43
(
cos π2 + i sen
π
2
)
= 64i ,
(−2
√
3+ 2i)3 = 43
(
cos 5π2 + i sen
5π
2
)
= 43
(
cos
(
2π+ π2
)
+ i sen
(
2π+ π2
))
= 64
(
cos π2 + i sen
π
2
)
= 64i .
Proposição 6.1 (Raízes complexas n-ésimas). Todo número complexo z 6=
0 tem exatamente n raízes complexas n-ésimas, para cada número natural
n ≥ 1, a saber,
zk =
n
√
r
(
cos
(
θ+2πk
n
)
+ i sen
(
θ+2πk
n
))
, k = 0, 1, . . . , n− 1,
onde r = |z| > 0 e θ = arg(z).
Demonstração Seja n ≥ 2 um número natural dado. Primeiramente, es-
crevemos z na forma polar z = r(cos θ + i sen θ), onde r = |z| e θ = arg(z).
Vamos calcular as raízes n-ésimas também na forma polar. Queremos deter-
minar os números complexos w = ρ(cosφ+ i senφ) tais que z = wn.
Como wn = ρn(cos(nφ) + i sen(nφ)), temos que wn = z se, e somente
se, {
ρn = r
nφ = θ+ 2πλ, λ ∈ Z ⇐⇒
{
ρ = n
√
r, ρ ∈ R , ρ > 0
φ = θ+2πλn , λ ∈ Z.
Portanto, temos que
zλ =
n
√
r
(
cos
(
θ+ 2πλ
n
)
+ i sen
(
θ+ 2πλ
n
))
, onde λ ∈ Z.
Sejam λ, µ ∈ Z. Da igualdade de números complexos na forma polar,
temos que
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Seção 6 Extração de Raízes n-ésimas 31
zλ = zµ ⇐⇒ θ+2πλn − θ+2πµn = 2π`, para algum ` ∈ Z
⇐⇒ 2πλn − 2πµn = 2π`, para algum ` ∈ Z
⇐⇒ λn − µn = `, para algum ` ∈ Z
⇐⇒ λ− µ = `n, para algum ` ∈ Z
⇐⇒ λ ≡ µmodn.
Portanto, só interessa o resto que λ deixa na divisão por n. Para cada
resto há uma raiz n-ésima de z.
Logo, para cada k = 0, 1, . . . , n− 1 há uma raiz complexa n-ésima de z,
determinada pelo argumento φk = θ+2πkn , sendo as raízes complexas n-ésimas
de z, portanto, dadas por
zk =
n
√
r(cosφk + i senφk) , φk = θ+2πkn , k = 0, 1, . . . , n− 1.
2
Exemplo 3. Segue da proposição anterior que os três números complexos
do Exemplo 2 são todas as raízes cúbicas de 64i.
Exemplo 4. Vamos determinar as raízes cúbicas de z = −27i.
Temos r = 27 e θ = arg(z) = 3π2 . Portanto, as raízes complexas cúbicas de z
têm como módulo o número real ρ = 3
√
27 = 3 e argumentos
φk =
θ+ 2πk
3
=
π
2
+
2πk
3
, k = 0, 1, 2.
Assim, as raízes cúbicas z0, z1 e z2 de z são obtidas como segue:
φ0 =
π
2 ⇒ z0 = 3( cos π2 + i sen π2 ) = 3i;
φ1 =
7π
6 ⇒ z1 = 3( cos 7π6 + i sen 7π6 ) = 3(− √32 − i 12) = −3√32 − 32 i;
φ2 =
11π
6 ⇒ z2 = 3( cos 11π6 + i sen 11π6 ) = 3(√32 − i 12) = 3√32 − 32 i.
Exemplo 5. Mostraremos como é possível obter resultados muito interes-
santes, fazendo os cálculos de duas maneiras diferentes.
No Exemplo 2 da Seção 4, vimos que w =
√√
2+1
2 + i
√√
2−1
2 e −w eram
as raízes quadradas de z = 1+ i.
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32 Os Números Complexos Cap. 1
Como |z| =
√
2 e arg(z) = π4 , temos que z =
√
2
(
cos π4 + i sen
π
4
)
. Pela
proposição anterior, as raízescomplexas quadradas de z são
zk =
4
√
2
(
cos
( π
4
+2πk
2
)
+ i sen
( π
4
+2πk
2
))
= 4
√
2
(
cos
(
π
8 + πk
)
+ i sen
(
π
8 + πk
))
, onde k = 0, 1.
Logo, z0 =
4
√
2
(
cos π8 + i sen
π
8
)
e z1 = −z0. Comparando com o resultado
obtido no Exemplo 2 da Seção 4, obtemos que
4
√
2
(
cos π8 + i sen
π
8
)
=
√√
2+1
2 + i
√√
2−1
2 .
Da igualdade de números complexos, segue que
4
√
2 cos π8 =
√√
2+1
2 e
4
√
2 sen π8 =
√√
2−1
2 ,
que é equivalente a
cos π8 =
√
2+
√
2
2 e sen
π
8 =
√
2−
√
2
2 .
Quando z = r é um número real positivo, temos arg(z) = 0 e as n
raízes complexas n-ésimas de z têm argumento dado por φk = 2πkn , onde
k = 0, 1, . . . , n− 1.
Geometricamente, as raízes complexas n-ésimas do número real positivo
r são os pontos que dividem em n partes iguais o círculo de raio n
√
r centrado
na origem. Logo, se n ≥ 3, eles são os vértices de um polígono regular de n
lados, sendo um deles o ponto n
√
r.
Exemplo 6. As 4 raízes complexas quartas de 16 são os números complexos:
2, 2i, −2, −2i, determinados por
φk =
2π · k
4
=
π · k
2
, k = 0, 1, 2, 3 ; ρ =
4
√
16 = 2 .
Então,
φ0 = 0⇒ z0 = 2(cos 0+ i sen 0) = 2 ,
φ1 =
π
2 ⇒ z1 = 2(cos π2 + i sen π2 ) = 2i ,
φ2 = π⇒ z2 = 2(cosπ+ i senπ) = −2 ,
φ3 =
3π
2 ⇒ z3 = 2(cos 3π2 + i sen 3π2 ) = −2i .
Veja na Figura 9 a representação geométrica das raízes complexas quartas
de 16 no círculo de raio 2 = 4
√
16 centrado na origem e das raízes complexas
quartas de 1 no círculo de raio 1.
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Seção 6 Extração de Raízes n-ésimas 33
Figura 9: Raízes quartas de 16 e de 1.
Problemas
6.1 Seja z = cos π15 + i sen
π
15 . Determine as raízes complexas quartas de
z20.
6.2 Determine as raízes complexas n-ésimas de z:
a) n = 2, z = 1−
√
3i; b) n = 4, z = 3;
c) n = 3, z = −16+ 16i; d) n = 6, z = −1.
6.3 Calcule
∣∣ 3√7+ i√13 ∣∣.
6.4 Seja α = cos θ + i sen θ. Mostre que cos kθ =
αk + α−k
2
e sen kθ =
αk − α−k
2i
, para todo n ∈ N.
6.5 Represente as seguintes funções trigonométricas como soma de funções
trigonométricas de ângulos múltiplos de θ:
a) sen3 θ; b) sen4 θ; c) cos5 θ; d) cos6 θ.
Sugestão Use o Problema anterior.
6.6 Determine as raízes quadradas de z =
√
3 + i, usando a forma polar,
compare com o resultado obtido no Problema 4.1 item (a) e determine cos π12
e sen π12 .
6.7 Sabendo que cos π8 + i sen
π
8 =
√
2+
√
2
2 +
√
2−
√
2
2 i, determine as suas
raízes quadradas pelos métodos da Seção 4 e dessa seção, compare-as e calcule
cos π16 e sen
π
16 .
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34 Os Números Complexos Cap. 1
6.8 Determine (1+ cos θ+ i sen θ)n, para todo natural n ≥ 1.
6.9 Mostre que:
i) cosnθ = cosn θ−
(
n
2
)
cosn−2 θ sen2 θ+
(
n
4
)
cosn−4 θ sen4 θ− · · ·+ a,
onde
a =
{
(−1)
n
2 senn θ, se n é par ;
(−1)
n−1
2 n cos θ senn−1 θ, se n é ímpar.
ii) sennθ =
(
n
1
)
cosn−1 θ sen θ−
(
n
3
)
cosn−3 θ sen3 θ+ · · ·+ b,
onde,
b =
 (−1)
n−2
2 n cos θ senn−1 θ, se n é par ;
(−1)
n−1
2 senn θ, se n é ímpar.
Sugestão Calcule (cos θ+i sen θ)n, usando a fórmula do binômio de Newton
e compare com o resultado obtido pela forma polar.
7 Raízes da Unidade
As raízes complexas n-ésimas de 1 são chamadas raízes n-ésimas da
unidade.
A única raiz 1-ésima da unidade é 1. Quando n ≥ 2, temos que
θ = arg(1) = 0, φk =
2πk
n , onde k = 0, 1, . . . , n− 1,
e as raízes complexas n-ésimas da unidade são os pontos
zk = cos
2πk
n
+ i sen
2πk
n
, k = 0, 1, . . . , n− 1,
que dividem o círculo em n partes iguais, sendo z0 = 1. Portanto, as raízes
n-ésimas da unidade são vértices de um polígono regular de n lados inscrito
no círculo de centro na origem e raio 1 em C, tendo um dos vértices no ponto
1. Esta interpretação geométrica das raízes n-ésimas da unidade é devida a
Euler.
Exemplo 1. As raízes quadradas da unidade são {1,−1} e as raízes quartas
da unidade são {1, i,−1,−i}. Por outro lado, as raízes cúbicas da unidade
são
{
1,− 12 +
√
3
2 i,−
1
2 −
√
3
2 i
}
.
Veja na Figura 9 a representação geométrica das raízes complexas quartas
da unidade no círculo de raio 1 centrado na origem.
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Seção 7 Raízes da Unidade 35
Exemplo 2. Nas Figuras 10 e 11 estão representadas as raízes complexas
cúbicas da unidade e as raízes complexas sextas da unidade, respectivamente.
Figura 10: Raízes complexas cúbicas de 1. Figura 11: Raízes complexas sextas de 1.
Denotando ξ = z1 = cos 2πn + i sen
2π
n , temos que
zk = cos
2πk
n + i sen
2πk
n = ξ
k, k = 0, . . . , n− 1.
Portanto, as n raízes complexas da unidade são obtidas como potências
de ξ, a saber,
Un(C) =
{
1, ξ, . . . , ξn−1
}
, com ξn = 1.
Nas �guras 12, 13, 14 e 15 estão representadas, respectivamente, as raízes
cúbicas, quartas, sextas e oitavas da unidade, como potências de ξ = cos 2πn +
i sen 2πn , para n = 3, 4, 6, 8.
Figura 12: ξ = ei
2π
3 e as raízes cúbicas de 1. Figura 13: ξ = ei
2π
4 e as raízes quartas de 1.
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36 Os Números Complexos Cap. 1
Figura 14: ξ = ei
2π
6 e as raízes sextas de 1 Figura 15: ξ = ei
2π
8 e as raízes oitavas de 1.
Vimos que cada número complexo não nulo z tem n raízes n-ésimas.
Conhecendo uma das suas raízes n-ésimas, podemos determinar todas as
outras raízes n-ésimas, multiplicando-a pelas raízes n-ésimas da unidade.
Proposição 7.1. Seja z um número complexo não nulo, w ∈ C uma raiz
n-ésima de z e ξ = cos 2πn + i sen
2π
n . Então, as raízes n-ésimas de z são
w · ξr, r = 0, . . . , n− 1.
Demonstração É claro que (w · ξr)n = wn · (ξn)r = z · 1r = z, logo w · ξr é
raiz n-ésima de z, para todo r = 0, . . . , n− 1.
Seja α ∈ C uma raiz n-ésima de z. Então, αn = z = wn e 1 = αn ·w−n =(
α ·w−1
)n
. Portanto, α ·w−1 é uma raiz n-ésima da unidade. Logo, existe
r = 0, . . . , n − 1, tal que α · w−1 = ξr, isto é, α = w · ξr, para algum
r = 0, . . . , n− 1. 2
Exemplo 3. Uma raiz quarta de 16 é o número real positivo 2. As quatro
raízes complexas quartas de 16 são 2, 2i, −2 e −2i.
Observamos anteriormente que as potências de expoentes 0, 1, 2, . . .,
n− 1 de ξ = cos 2πn + i sen
2π
n fornecem todas as raízes n-ésimas da unidade.
Temos, mais ainda,
{ξm ; m ∈ Z} = Un(C).
De fato, dadom ∈ Z, pela divisão euclidiana dem por n, existem q, r ∈ Z
tais que m = nq+ r, onde 0 ≤ r ≤ n− 1. Assim,
ξm = ξnq+r = (ξn)q · ξr = 1q · ξr = ξr,
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Seção 7 Raízes da Unidade 37
mostrando que ξm ∈ Un(C). A outra inclusão é óbvia.
Uma raiz complexa n-ésima da unidade α é chamada uma raiz primitiva
n-ésima da unidade se
Un(C) = {αm ; m ∈ Z} .
Isto é equivalente ao fato das potências de α determinarem todas as raízes
n-ésimas da unidade.
Exemplo 4. −1 é a única raiz primitiva quadrada da unidade.
Exemplo 5. i e −i são as únicas raízes primitivas quartas da unidade, pois
{im ; m ∈ Z} = {1, i, i2 = −1, i3 = −i} = U4(C),
{(−i)m ; m ∈ Z} = {1,−i, (−i)2 = −1, (−i)3 = i} = U4(C),
{1m ; m ∈ Z} = {1} 6= U4(C),
{(−1)m ; m ∈ Z} = {1,−1} 6= U4(C).
As raízes primitivas n-ésimas da unidade, como qualquer uma das outras
raízes da unidade, podem ser obtidas como potências da raiz ξ = cos 2πn +
i sen 2πn e são caracterizadas na seguinte proposição.
Proposição 7.2. Sejam n ≥ 2 um número natural, λ um número inteiro e
ξ = cos 2πn + i sen
2π
n . Então, as seguintes propriedades são equivalentes:
(i) ξλ é uma raiz primitiva n-ésima da unidade;
(ii) mdc(λ, n) = 1;
(iii) n = min
{
s ∈ Z ; s ≥ 1 e (ξλ)s = 1
}
.
Demonstração
(
(i) ⇒ (ii)): Seja ξλ uma raiz primitiva n-ésima da uni-
dade com n ≥ 2. Suponhamos, por absurdo, que mdc(λ, n) = d > 1.
Escrevemos n = dq, com 1 < q < n, e λ = ds. Então, ξλ = ξds. Elevando
ambos os membros desta igualdade à potência q, obtemos(
ξλ
)q
=
(
ξds
)q
= ξ(ds)q = ξ(dq)s = (ξn)s = 1.
Dado m ∈ Z, pela divisão euclidiana de m por q, existem inteiros q′, r
tais que m = qq′+ r, onde 0 ≤ r ≤ q−1. Assim,(ξλ)m = (ξλ)r e o conjunto
S =
{
(ξλ)m ;m ∈ Z} = {ξλ, (ξλ)2, . . . , (ξλ)q−1, (ξλ)q = 1
}
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38 Os Números Complexos Cap. 1
tem no máximo q < n elementos. Logo, S ( {ξm ; m ∈ Z} = Un(C), contra-
dizendo o fato de ξλ ser uma raiz primitiva n-ésima da unidade.(
(ii) ⇒ (iii)): Suponhamos que mdc(λ, n) = 1.
Consideremos o conjunto S =
{
s ∈ Z ; s > 0 e (ξλ)s = 1
}
. Como (ξλ)n =
(ξn)λ = 1λ = 1, então n ∈ S, logo S 6= ∅. Pelo Princípio da Boa Ordenação,
S tem menor elemento, digamos s0.
Vamos mostrar que s0 = n.
Temos que s0 > 0 e (ξλ)s0 = 1, pois s0 ∈ S. Pela divisão euclidiana de s0
por n, existem inteiros q e r tais que s0 = nq+ r, com 0 ≤ r < n. Portanto,
1 = (ξλ)s0 = (ξλ)nq+r = (ξn)λq · ξλr = ξλr.
Logo, λr ≡ 0modn. Como mdc(λ, n) = 1, então λmodn tem inverso e
r ≡ 0modn. Em virtude de 0 ≤ r < n, a única possibilidade é r = 0. Logo,
s0 = nq e n ≤ s0. Como n ∈ S, temos que s0 ≤ n, obtendo que s0 = n.(
(iii) ⇒ (i)): Suponhamos que
n = min
{
s ∈ Z ; s > 0 e (ξλ)s = 1
}
.
Então, (ξλ)` 6= 1, para todo 1 ≤ ` < n.
A�rmamos que (ξλ)r 6= (ξλ)s, para quaisquer 0 ≤ r < s < n.
De fato, suponhamos, por absurdo, que (ξλ)r = (ξλ)s, onde 0 ≤ r < s <
n, então (ξλ)(s−r) = 1, com 1 ≤ s− r < n, uma contradição.
Portanto,
{
1, ξλ, (ξλ)2, . . . , (ξλ)n−1
}
tem exatamente n elementos e todos
são raízes n-ésimas, logo{
1, ξλ, (ξλ)2, . . . , (ξλ)n−1
}
= Un(C),
mostrando que ξλ é uma raiz primitiva n-ésima da unidade. 2
Recorde que, no curso de Aritmética (cf. [4]), a função de Euler, para
n ≥ 2, foi de�nida pela fórmula:
Φ(n) = #{s ; 1 ≤ s < n e mdc(s, n) = 1}.
Corolário 1. Há Φ(n) raízes primitivas n-ésimas da unidade.
Demonstração É uma consequência imediata da propriedade (ii) na pro-
posição anterior. 2
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Seção 7 Raízes da Unidade 39
Proposição 7.3. Um elemento ζ ∈ C é, simultameamente, uma raiz m-
ésima e n-ésima da unidade se, e somente se, ζ é uma raiz d-ésima da
unidade, onde d = mdc(m,n).
Demonstração Temos que ζm = 1 e ζn = 1. Consideremos d = mdc(m,n).
Logo, existem a, b ∈ Z tais que am + bn = d. Então, ζd = ζam+bn =
ζam ·ζbn = (ζm)b ·(ζn)b = 1, mostrando que ζ é uma raiz d-ésima da unidade.
Reciprocamente, suponhamos que ζ seja uma raiz d-ésima da unidade, onde
d = mdc(m,n). Como existem inteiros positivos a e b tais que m = da e
n = db, então ζm = ζda = (ζd)a = 1 e ζn = ζdb = (ζd)b = 1, logo ζ é,
simultaneamente, uma raiz m-ésima e n-ésima da unidade. 2
Exemplo 6. As raízes, simultaneamente, 9-ésimas e 12-ésimas da unidade
são as raízes cúbicas da unidade:
1, ξ = −12 +
√
3
2 i e ξ
2 = −12 −
√
3
2 i.
Corolário 1. Se m e n são primos entre si, então 1 é a única raiz, simul-
taneamente, m-ésima e n-ésima da unidade.
Quem resolveu o Problema 2.12 aprendeu que
(i) o produto de duas raízes n-ésimas da unidade é uma raiz n-ésima da
unidade;
(ii) o inverso de uma raiz n-ésima da unidade é uma raiz n-ésima da uni-
dade;
(iii) toda potência inteira de uma raiz n-ésima da unidade é uma raiz n-
ésima da unidade.
Na proposição a seguir vamos usar essas propriedades.
Proposição 7.4. Sejam ζ1, ζ2 ∈ C, respectivamente, raízes primitivas m-
ésimas e n-ésimas da unidade, com mdc(m,n) = 1. Então, ζ1 · ζ2 é raiz
primitiva mn-ésima da unidade.
Demonstração Primeiramente, ζ1 · ζ2 é uma raiz mn-ésima da unidade,
pois
(ζ1 · ζ2)mn = (ζm1 )n · (ζn2 )m = 1 · 1 = 1.
Pelo item (iii) da Proposição 7.2, basta mostrarmos quemn é o menor inteiro
positivo ` tal que (ζ1 · ζ2)` = 1.
De fato, seja ` um inteiro positivo tal que 1 = (ζ1 ·ζ2)` = ζ`1 ·(ζ2)`. Então,
ζ`1 = (ζ
`
2)
−1, que pelas propriedades (iii) e (ii), citadas acima, signi�ca que ζ`1
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40 Os Números Complexos Cap. 1
é uma raiz n-ésima da unidade. Portanto, ζ`1 = (ζ
`
2)
−1 ∈ Um(C) ∩ Un(C) =
{1}, pois mdc(m,n) = 1 (cf. Corolário 2). Logo, ζ`1 = 1 e (ζ2)
` = 1. Pela
divisão euclidiana de ` por m e por n, existem, respectivamente, inteiros q,r
e q ′, r ′, tais que
` = mq+ r, com 0 ≤ r < m, e ` = mq ′ + r ′, com 0 ≤ r ′ < n.
Logo,
1 = ζ`1 = ζ
mq+r
1 = (ζ
m
1 )
q · ζr1 = 1 · ζr1 = ζr1, e
1 = (ζ2)
` = (ζ2)
nq ′+r ′ = (ζn2 )
q ′ · (ζ2)r
′
= 1 · (ζ2)r
′
= (ζ2)
r ′ .
Como r < m e r ′ < n, pelo item (iii) da Proposição 7.2, concluímos que
r = 0 e r ′ = 0. Portanto, ` é múltiplo, simultaneamente, de m e de n, logo
é múltiplo do mmc(m,n) = mn. 2
Como consequência da proposição acima temos uma nova demonstração
da propriedade multiplicativa da função de Euler:
Φ(mn) = Φ(m)Φ(n), se mdc(m,n) = 1.
Corolário 1. Sejam n ≥ 2 e p1 < · · · < ps números naturais primos tais
que n = pr11 · · ·p
rs
s . Se ζj é uma raiz primitiva pj
rj-ésima da unidade, para
cada j = 1, . . . , s, então ζ1 · · · ζs é uma raiz n-ésima da unidade.
Problemas
7.1 Determine e represente no plano as raízes complexas n-ésimas da
unidade, para n = 3, 6, 8, 12. Indique quais são as raízes primitivas n-ésimas.
7.2 Seja ζ 6= 1 uma raiz n-ésima da unidade, onde n ≥ 2. Mostre que
ζn−1 + · · ·+ ζ+ 1 = 0.
Sugestão xn − 1 = (x− 1)(xn−1 + · · ·+ x+ 1).
7.3 Sejam z1, z2, . . . , zn vértices de um polígono regular inscrito em um
círculo. Mostre que z1 + z2 + · · ·+ zn = 0.
7.4 Seja ζ 6= 1 uma raiz n-ésima da unidade, onde n ≥ 2. Determine o
valor de 1+ 2ζ+ 3ζ2 + · · ·+ nζn−1.
7.5 Seja ξ = cos 2πn + i sen
2π
n . Seja k ∈ Z. Mostre que
a)
ξ
n(n−1)
2 =
{
(−1)n−1 , se n é par
1 , se n é ímpar;
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Seção 8 Breve História dos Números 41
b) 1k + ξk + (ξ2)k + · · ·+ (ξn−1)k =
{
n, se k ≡ 0modn
0, se k 6≡ 0modn.
7.6 Seja p um número natural primo. Mostre que toda raiz p-ésima da
unidade diferente de 1 é uma raiz primitiva p-ésima da unidade.
7.7 Sejam α,β ∈ C, com α 6= 0, e ϕα,β : C −→ C a função de�nida por
ϕα,β(z) = αz+β. Seja n ≥ 2 um número natural. Mostre que (ϕα,β)n = Id
(iteração da composição) e (ϕα,β)k 6= Id, para todo 1 ≤ k < n se, e somente
se, α é uma raiz primitiva n-ésima da unidade.
7.8 Sejam n ≥ 1 um número natural e ζ uma raiz primitiva 2n-ésima da
unidade. Mostre que:
a) ζ2 é uma raiz primitiva n-ésima da unidade.
b) ζn = −1.
7.9 Demonstre o Corolário 1 da Proposição 7.4.
7.10 Seja p um número natural primo. Mostre que as raízes pn-ésimas da
unidade que não são primitivas são raízes pn−1-ésimas da unidade.
8 Breve História dos Números
Os números, com as suas operações, e o espaço, com a sua geometria,
são os principais objetos de estudo da Matemática. Para sistematizar a sua
relação com o mundo e com os seus semelhantes, o homem foi criando os
conceitos de forma e medida. Há registros desde a remota antiguidade do
esforço do homem em construir teorias para o entendimento desses conceitos,
originando a Geometria e a Aritmética.
Essas teorias foram desenvolvidas conjuntamente, com um certo grau de
independência entre si, mas ao mesmo tempo intimamente relacionadas, com
uma teoria ajudando a desenvolver a outra.
À medida que foram sendo descobertas propriedades dos números e das
formas e colocados novos desa�os, foram surgindo problemas que colocavam
em questão as teorias até então desenvolvidas e que requeriam um repensa-
mento de sua fundamentação.
Assim, por exemplo, ocorreu com a aceitação dos números irracionais
que foram descobertos pela escola pitagórica e que não pararam de desa�ar
a mente humana ao longo de mais de três milênios. Isto não quer dizer
que se passou todo este longo período imobilizados por esta questão, pois foi
criada uma conceituação para os números reais que, mesmo imprecisa para os
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42 Os Números Complexos Cap. 1
padrões atuais, não impediu o desenvolvimento da Geometria Analítica e do
Cálculo Diferencial e Integral, os dois pilares da Matemática contemporânea.
A discussão foi reacendida na metade do Século 19 com a fundamenta-
ção mais rigorosa da noção de funções contínuas queintuitivamente deveriam
possuir certas propriedades, como, por exemplo, a propriedade do valor in-
termediário, e que não se conseguia demonstrar com a noção de número real
vigente. Foi então construída por Richard Dedekind (Alemanha, 1831-1916)
e Georg Cantor (Russia e Alemanha, 1845, 1918) uma bela teoria para os
números reais que, até hoje, atende aos desa�os postos pelo desenvolvimento
atual da Matemática.
Os números complexos possuem uma história que corre paralelamente
à dos números reais. Fato interessante, é que a fundamentação atual dos
números complexos antecedeu a dos números reais, no sentido que havia
sido construída uma teoria que permitia entender totalmente os números
complexos, a partir do entendimento vigente dos números reais.
Ao longo da história, a necessidade de se introduzir os números complexos
foi sendo detectada na medida em que se tentava resolver equações algébri-
cas. A real motivação para a introdução dos números complexos surgiu no
Século 16, quando Cardan descobriu que algumas equações do terceiro grau,
chamadas por ele de caso irredutível, possuíam raízes reais, mas em cujas
fórmulas resolventes não se conseguia evitar expressões envolvendo radicais
quadráticos de números negativos. Essa di�culdade motivou Bombelli a criar
novos números, vistos com descon�ança por algumas gerações de matemáti-
cos e posteriormente batizados por Gauss de números complexos. No início
do Século 19, com a representação geométrica dada aos números complexos e
às suas operações e com o seu emprego por Gauss para deduzir propriedades
dos números inteiros, é que foram conquistando legitimidade.
Finalmente, com o estudo das funções de variável complexa pioneira-
mente realizado por Abel, Jacobi, Cauchy, Riemann e Weierstrass, os núme-
ros complexos impuseram-se plenamente com inúmeras aplicações em quase
todos os ramos da Matemática e na tecnologia.
Para maiores detalhes sobre a história dos números, remetemos o leitor
à referência bibliográ�ca [7].
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Bibliogra�a
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.
[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.
[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática
Universitária, IMPA, 2010 e 2012.
[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,
2006.
[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.
[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,
IMPA, 2004.
[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais
e Complexos. Editora UFRGS.
[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-
Verlag, 1994.
181
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Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela
Capítulo 2: A Geometria do Plano Complexo
Sumário
1 Geometria Analítica em C . . . . . . . . . . . . . 44
2 Transformações Elementares em C . . . . . . . . 48
3 Transformações de Möbius . . . . . . . . . . . . . 55
4 Determinação das Transformações de Möbius . 60
5 A Esfera de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . 65
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44 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
As funções de uma variável complexa foram objeto de estudos muito in-
tensos durante o Século 19, início do Século 20. Neste capítulo, estudaremos
certas funções particulares de uma variável complexa, as transformações de
Möbius, que, surpreendentemente, possuem propriedades geométricas, algé-
bricas, aritméticas e dinâmicas muito ricas. Limitar-nos-emos a desenvolver
apenas alguns aspectos geométricos dessas transformações1 .
1 Geometria Analítica em C
As retas e os círculos são, indubitavelmente, as �guras geométricas pla-
nas mais simples. Apesar dessa simplicidade, grande parte da Geometria
Euclidiana é dedicada ao seu estudo, revelando uma riqueza de resultados
e de aplicações. Com a introdução por Descartes da Geometria de Coorde-
nadas no plano R2, a chamada Geometria Analítica, o estudo dos objetos
geométricos foi em grande medida enriquecido com a incorporação dos méto-
dos algébricos que transformam �guras em equações. Este método, aplicado
mais geralmente a qualquer Rn, com n ≥ 2, permitiu o estudo efetivo de
objetos bem mais gerais do que apenas retas, cônicas, planos e quádricas,
originando dois ramos muito ativos da Matemática contemporânea: a Geo-
metria Algébrica e a Geometria Diferencial.
Nesta seção, veremos como se comportam as equações de retas e círculos,
quando o plano R2 é enriquecido com a estrutura complexa, dando origem
ao plano complexo C.
Recorde que as equações das retas e dos círculos, nas coordenadas x e y
do plano R2, são, respectivamente, dadas por
bx+ cy+ d = 0, onde b 6= 0 ou c 6= 0, e (1)
a(x2 + y2) + bx+ cy+ d = 0, onde a 6= 0 e b2 + c2 − 4ad > 0. (2)
Observando que a condição sobre os números reais b 6= 0 ou c 6= 0 na
equação (1) pode ser substituida por b2+ c2 > 0, vemos que as equações (1)
e (2) podem ser reescritas, uni�cadamente, na forma da equação:
a(x2 + y2) + bx+ cy+ d = 0, onde b2 + c2 − 4ad > 0. (3)
Portanto, o conjunto solução da equação acima, se a = 0, é uma reta e,
se a 6= 0, é um círculo de centro e raio, respectivamente:(
−
b
2a
,−
c
2a
)
e R =
√
b2 + c2 − 4ad
2|a|
.
1O leitor é convidado a assistir ao belo �lme Möbius Transformation Revisited de
Douglas Arnold e Jonathan Rogness, em http://www.ima.umn.edu/ arnold/moebius.
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Seção 1 Geometria Analítica em C 45
Em razão desta uni�cação das equações de retas e círculos, pode-se sus-
peitar que em algum �mundo�, retas e círculos são objetos de mesma natu-
reza. Isto realmente ocorre, como veremos na Seção 4, onde tal �mundo� será
descortinado.
Com a identi�cação do ponto (x, y) do plano R2 com o número complexo
z = x + iy e recorrendo ao seu conjugado z = x − iy, podemos expressar as
coordenadas x e y em função das coordenadas complexas z e z como segue:
x = Re(z) =
z+ z
2
, y = Im(z) =
z− z
2i
=
iz− iz
2
. (4)
Desse modo, uma equação com coe�cientes reais nas variáveis x e y pode
ser reescrita, no plano complexo C, como uma equação em z e z com coe�-
cientes complexos.
Portanto, fazendo a substituição de x e y por suas expressões em (4) na
Equação (3), obtemos a equação equivalente
azz+
(b− ic)
2
z+
(b+ ic)
2
z+ d = 0, com b2 + c2 − 4ad > 0.
Esta equação, por sua vez, pode ser reescrita na seguinte forma:
A|z|2 + Bz+ Bz+D = 0, com |B|2 −AD > 0,
onde A = a e D = d são números reais e B = 2−1(b − ic) é um número
complexo.
Reciprocamente, por causa da equivalência entre (3) e a equação acima,
toda equação dessa forma é a equação de uma reta ou de um círculo em R2.
Destacamos o resultado obtido acima na proposição a seguir.
Proposição 1.1. O conjunto solução em C da equação
A|z|2 + Bz+ Bz+D = 0, (5)
onde A,D ∈ R, B ∈ C e |B|2−AD > 0 é um círculo, se A 6= 0, e uma reta, se
A = 0. Reciprocamente, todas as retas e os círculos em C são determinados
por equações desse tipo.
Quando A 6= 0, pelas substituições feitas acima, pode-se recuperar o
centro e o raio do círculo dado pela Equação (5). Esses são, respectivamente,(
−
B+ B
2A
,
B− B
2iA
)
, R =
√
|B|2 −AD
|A|
. (6)
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46 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
Vamos relaxar a condição |B|2 − AD > 0, que aparece na Proposição
1.1, para não ter que nos preocupar de sempre veri�cá-la. Consideraremos
também equações da forma (5), com |B|2 − AD ≤ 0 e algum coe�ciente
não nulo, que ainda chamaremos de círculos. Quando |B|2 − AD = 0 e
A 6= 0, o raio do �círculo� é nulo e o chamaremos de círculo degenerado. Se
|B|2 − AD < 0, o círculo será chamado de círculo imaginário, pois nenhum
ponto de coordenadas reais (x, y) satisfaz a uma equação deste tipo.Exemplo 1. Vamos determinar a equação da reta no plano complexo que
passa pelos pontos z1 = i e z2 = 1.
A equação é da forma Bz + Bz +D = 0, com B ∈ C, D ∈ R e |B| 6= 0.
Escrevendo B = a+ bi, temos
(a+ bi)z+ (a− bi)z+D = 0.
Substituindo z1 = i e z2 = 1 na equação acima, respectivamente, obtemos
(a+ bi)i+ (a− bi)(−i) +D = 0⇐⇒ −2b+D = 0
(a+ bi)1+ (a− bi)1+D = 0⇐⇒ 2a+D = 0.
Logo, a = −b e D = 2b. Portanto, B = −b + bi, com b 6= 0. Tomando
b = 1, obtemos B = −1+i, D = 2 e, consequentemente, a equação procurada
é:
(−1+ i)z+ (−1− i)z+ 2 = 0.
Note que qualquer outra escolha para b, com b 6= 0, conduziria a um
múltiplo da equação que determinamos, logo a uma equação equivalente.
Exemplo 2. Vamos determinar a equação da reta em C que passa por dois
pontos distintos w1 = w ′1 +w
′′
1 i e w2 = w
′
2 +w
′′
2 i.
A reta que passa pelos referidos pontos, tem por equação
det
[
y−w ′′1 x−w
′
1
w ′′2 −w
′′
1 w
′
2 −w
′
1
]
= 0.
Fazendo, nesta expressão, a substituição de x e y pelas igualdades dadas em
(4), e após alguns cálculos, obtemos a equação
i(w1 −w2) z− i(w1 −w2) z+ 2(w
′
1w
′′
2 −w
′′
1w
′
2) = 0. (7)
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Seção 2 Transformações Elementares em C 47
Exemplo 3. Vamos determinar o centro e o raio do círculo de equação:
|z|2 + (1+ 2i)z+ (1− 2i)z− 4 = 0.
Note que A = 1, B = 1 + 2i e D = −4. Logo, pelas fórmulas em (6),
obtemos que o centro do círculo é (−1, 2) e o raio é 3.
Problemas
1.1 Determine a equação da reta em C que passa por w = w ′+w ′′i e possui
a seguinte propriedade adicional:
a) é paralela a v = v ′ + v ′′i 6= 0;
b) é perpendicular a v = v ′ + v ′′i 6= 0.
1.2 Determine a equação da reta em C tendo a propriedade:
a) Passa pelos pontos 1+ 2i e 1+ 3i;
b) Passa por 1+ i e é paralela a 2+ i;
c) Passa por 1+ i e é perpendicular a 2+ i;
d) Passa por a+ bi e é paralela a i;
e) Passa por a+ bi e é perpendicular a i.
1.3 Identi�que a curva em C cuja equação é dada por
a) |1− z| = |3+ z|; b)
∣∣∣∣z+ iz− i
∣∣∣∣ = 1.
1.4 Dados w1, w2 ∈ C, com w1 6= w2, ache o lugar geométrico dos pontos
z ∈ C tais que |z−w1| = |z−w2|.
1.5 Dados os pontos w1, w2 ∈ C, com w1 6= w2, e um número real positivo
a, identi�que o lugar geométrico dos pontos z ∈ C tais que
|z−w1|+ |z−w2| = a.
1.6 Sejam w = w ′ +w ′′i ∈ C e a e b números reais não nulos. Escreva em
coordenadas z e z as equações das cônicas dadas por
(x−w ′)2
a2
± (y−w
′′)2
b2
= 1.
1.7 Escreva nas coordenadas z e z a equação da parábola y = x2.
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48 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
2 Transformações Elementares em C
As funções complexas de variável complexa, também chamadas de tran-
formações do plano complexo, são de grande importância, tanto teórica,
quanto nas aplicações. Diversos problemas práticos da Física e da Enge-
nharia envolvem estudar o comportamento de certos fenômenos em alguma
região do plano que devem satisfazer condições especiais na fronteira dessa
região. Esses problemas têm importância fundamental no estudo, por exem-
plo, de escoamento de �uido bidimensional, potencial elétrico, temperatura
ao longo de uma parede, escoamento de �uido ao redor de um cilindro, etc.
A resolução de tais problemas passa por sua redução a regiões mais simples,
onde o fenômeno se traduz de modo natural. Tal redução envolve determinar
certas funções de variável complexa que permitem transformar regiões e ao
mesmo tempo traduzir os fenômenos físicos nas novas regiões obtidas.
Só para �xarmos o conceito, uma função complexa de variável complexa
é uma função f : S→ C, onde S é um subconjunto de C.
No estudo das funções de variável complexa, como não temos o recurso
de traçar o seu grá�co, a exemplo das funções reais de variável real, outras
técnicas são utilizadas, tais como descrever a imagem de certos subconjuntos
do plano complexo. Portanto, as imagens de curvas ou de regiões do plano
complexo nos darão informações sobre as propriedades da função.
Nesta seção, estudaremos cinco transformações com propriedades geo-
métricas importantes: as translações, as homotetias (multiplicação por um
número real r > 0), as rotações, a multiplicação por um número complexo
α 6= 0 e a inversão.
Exemplo 1. As translações.
Seja β ∈ C, �xo. De�nimos a translação por β como sendo a transfor-
mação Tβ(z) = z+ β.
O domínio de Tβ é claramente C. Note que para cada número complexo
w, existe um único número complexo z tal que w = Tβ(z) = z + β, a saber,
z = w− β. Portanto, Tβ é uma bijeção de C, cuja inversa é T−β.
Escrevendo z = x + yi, β = a + bi e Tβ(z) = u + vi, pela igualdade de
números complexos, temos que:
u+ vi = z+ β = (x+ a) + (y+ b)i⇐⇒ u = x+ a e v = y+ b.
Logo, em coordenadas de R2, a transformada por Tβ de cada ponto (x, y)
do plano é a sua translação de (a, b).
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Seção 2 Transformações Elementares em C 49
Figura 1: Translação por β = a + bi: T(z) = z + β.
Exemplo 2. A homotetia com fator r > 0.
Seja r um número real positivo. De�nimos a homotetia com fator r como
sendo a transformação de C dada por Hr(z) = rz.
O domínio de Hr é claramente C. Note que para cada w ∈ C, existe um
único z ∈ C tal que w = rz, de fato, basta tomar z = 1rw. Portanto, Hr é
uma bijeção de C, cuja inversa é a homotetia H 1
r
, com fator 1r .
Sendo |Hr(z)| = |rz| = r|z| e arg(Hr(z)) = arg(rz) = arg(z), temos que a
transformação Hr é uma contração de |z|, quando 0 < r < 1, e uma dilatação
de |z|, quando r > 1, sempre mantendo �xo o argumento de z.
Note que Hr é uma contração (respectivamente, uma dilatação) se, e
somente se, H−1r é uma dilatação (respectivamente, uma contração).
Na �gura a seguir, ilustramos uma contração e uma dilatação.
Figura 2: As homotetias H2(z) = 2z e H 1
2
(z) = 1
2
z.
Exemplo 3. A rotação de θ radianos.
Seja θ ∈ R. De�nimos a rotação de θ radianos como sendo a transfor-
mação Rθ(z) = eiθz.
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50 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
O domínio de Rθ é claramente C. Como, para cada w ∈ C, z = e−iθw é o
único número complexo tal que que Rθ(z) = w, temos que Rθ é uma bijeção
em C, cuja inversa é a rotação R−θ.
Como |Rθ(z)| = |eiθ| |z| = |z| e arg(Rθ(z)) = θ+arg(z), a transformação de
z por Rθ é efetivamente uma rotação, em torno da origem no plano complexo,
de θ radianos do ponto z, justi�cando o nome rotação de ângulo θ.
Figura 3: Rotação de θ radianos: Rθ(z) = e
iθz.
Exemplo 4. A multiplicação por α ∈ C, α 6= 0
Seja α ∈ C um número complexo não nulo. De�nimos a multiplicação
por α como sendo a transformação Hα(z) = αz.
O domínio de Hα é claramente C. A transformação Hα é bijetiva e a sua
inversa é H 1
α
.
Escrevendo α = reiθ, com r, θ ∈ R e r > 0, na forma polar, podemos
interpretar a transformação Hα como sendo a composição da homotetia Hr
com fator multiplicativo r, e da rotação Rθ de θ radianos,
Hα(z) = re
iθz = rRθ(z) = Hr(Rθ(z)), para todo z ∈ C.
Como a multiplicação de números complexos é comutativa, as funções
homotetia Hr e rotação Rθ comutam, permitindo escrever
Hα = Hr ◦ Rθ = Rθ ◦Hr.
Exemplo 5. A inversão.
Vamos agora estudar a transformação J(z) =
1
z
, chamada de inversão.
O domínio de J é C\{0} e é claro que J é uma bijeção de C\{0} em C\{0},
cuja inversa é a própria transformação J.
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Seção 2 Transformações Elementares em C 51
Note que,
|J(z)| =
1
|z|
→ ∞, quando |z| → 0.
A inversão tem propriedades geométricas muito interessantes e para me-
lhor entendê-las vamos decompô-la como composta de duas transformações
de natureza um pouco diversa das acima, que introduziremos a seguir.
Exemplo 6. A conjugação.
A tranformação C de�nida pela expressão C(z) = z é chamada de conju-
gação.
É claro que C é uma bijeção de C em C, cuja inversa é a própria C.
Geometricamente, C transforma cada ponto z na sua re�exão com respeito
ao eixo real.
Exemplo 7. A inversãoem relação ao círculo unitário.
Seja dado z = |z|eiθ. A transformação inversão em relação ao círculo
unitário é de�nida como sendo
I(z) =
z
|z|2
=
1
|z|
eiθ,
que leva z no número complexo com mesmo argumento e com módulo igual
a 1/|z|. Portanto, I(z) está situado na reta que passa pela origem e por z
(veja a �gura a seguir).
Figura 4: Inversão em relação ao círculo unitário: z e I(z) = z
|z|2
.
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52 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
Observamos que um número complexo não nulo situado no interior do
círculo unitário é transformado por I em um número complexo no exterior
do círculo, colinear com z e 0, e vice-versa. Um ponto do círculo unitário é
transformado nele próprio.
Voltemos à inversão J. Como
J(z) =
1
z
=
z
z · z
=
z
|z|2
= I(z),
temos que a transformação J pode ser interpretada como a composição da
inversão I em relação ao círculo unitário com a conjugação C (re�exão com
respeito ao eixo real).
Figura 5: z, I(z) = z
|z|2
e J(z) = I(z).
Vamos analisar agora o que a transformação J faz com retas e círculos.
Denotaremos por z a coordenada complexa no domínio de J e por w a coor-
denada do seu contradomínio. Seja dado o círculo, no sentido amplo (reta,
círculo, círculo degenerado ou círculo imaginário),
A|z|2 + Bz+ Bz+D = 0. (1)
Dividindo a Equação (1) por |z|2 = z · z 6= 0, obtemos
A+ B
z
z · z
+ B
z
z · z
+D
1
|z|2
= 0.
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Seção 2 Transformações Elementares em C 53
Efetuando as substituições
1
z
= w,
1
z
= w e
1
|z|2
= |w|2, obtemos
A ′|w|2 + B ′w+ B ′w+D ′ = 0, (2)
onde A ′ = D, B ′ = B e D ′ = A, que é a equação de um círculo, no sentido
amplo, no plano de coordenada complexa w.
Portanto, z 6= 0 satisfaz a Equação (1) se, e somente se, w = J(z) = 1
z
satisfaz a equação (2). Note também que temos
|B|2 −AD = |B ′|2 −A ′D ′.
Concluímos, com isto, a análise que segue.
(i) Se A e D são não nulos, a Equação (1) representa um círculo que não
passa pela origem e sua imagem por J também é um círculo que não passa
pela origem, de mesma natureza: real, degenerado, ou imaginário;
(ii) Se A 6= 0, D = 0 e B 6= 0, a Equação (1) representa um círculo C pela
origem O e a imagem por J de C\{O} é uma reta que não passa pela origem.
(iii) Se A = 0, D 6= 0 e B 6= 0, a Equação (1) representa uma reta que
não passa pela origem O e sua imagem por J é C\{O}, onde C é um círculo
passando pela origem.
(iv) Se A = 0, D = 0 e B 6= 0, a Equação (1) representa uma reta ` pela
origem O e a imagem de `\{O} por J é ` ′\{O}, onde ` ′ é uma reta pela origem.
Exemplo 8. Seja c um número real positivo. O círculo C de centro (c, 0) e
raio c é tangente ao eixo y em (0, 0) e sua equação é
|z− c| = c ⇐⇒ |z− c|2 = c2⇐⇒ c2 = (z− c)(z− c) = |z|2 − cz− cz+ c2⇐⇒ |z|2 − cz− cz = 0.
Aplicando a transformação J, temos w = J(z) =
1
z
e fazendo w = u+ vi
obtemos
1− cw− cw = 0⇐⇒ c(w+w) = 1⇐⇒ c(2u) = 1⇐⇒ u = 1
2c
.
A imagem por J dos pontos de C diferentes de O = (0, 0) é a reta vertical
u = 12c .
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54 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
Figura 6: C\{O} no plano xy. Figura 7: reta u = 1
2c
no plano uv.
Exemplo 9. Seja c um número real positivo. A reta horizontal ` de equação
y = c pode ser descrita em C com a equação z − z = 2iy = 2ci, que é
equivalente a −iz+ iz− 2c = 0.
Aplicando a transformação J, temos w = J(z) =
1
z
e fazendo w = u+ vi
obtemos
−iw+ iw− 2c|w|2 = 0 ⇐⇒ |w|2 + i
2c
w−
i
2c
w = 0.
⇐⇒ u2 + v2 − i
2c
(w−w) = 0
⇐⇒ u2 + v2 − i
2c
2iv = 0
⇐⇒ u2 + v2 + v
c
= 0
⇐⇒ u2 + (v+ 1
2c
)2
=
(
1
2c
)2
.
A imagem por J dos pontos de ` são os pontos não nulos do círculo C de
centro
(
0,− 12c
)
e raio 12c , que é tangente ao eixo u na origem.
Figura 8: reta y = c no plano xy. Figura 9: u2 +
(
v + 1
2c
)2
=
(
1
2c
)2
no plano uv.
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Seção 3 Transformações de Möbius 55
Problemas
2.1 Mostre, algebricamente, que a translação Tβ(z) = z + β, β ∈ C, leva
círculos em círculos e retas em retas. Discuta segundo os vários tipos de
círculos.
2.2 Mostre que as homotetias, as rotações, a multiplicação por α 6= 0 e a
conjugação transformam retas em retas e círculos em círculos, mantendo a
natureza dos círculos.
2.3 Seja S1 = {z ∈ C ; |z| = 1} o círculo unitário. Mostre que a restrição de
J a S1 é uma bijeção de S1. Descreva geometricamente esta bijeção.
2.4 Considere o disco unitário D = {z ∈ C ; |z| ≤ 1}, seu interior Int(D) =
{z ∈ C ; |z| < 1} e o seu exterior Ext(D) = {z ∈ C ; |z| > 1}. Mostre que a
restrição de J a Int(D)\{0} é uma bijeção de Int(D)\{0} em Ext(D).
3 Transformações de Möbius
Apresentaremos, nesta seção, uma classe especial de funções complexas
de variável complexa, as chamadas transformações de Möbius, que têm mui-
tas propriedades geométricas e são estudadas até hoje de vários pontos de
vista como, por exemplo, investigando a sua rica dinâmica ou as suas notáveis
propriedades algébricas e aritméticas.
Uma transformação de Möbius é uma função racional da forma
f(z) =
az+ b
cz+ d
, a, b, c, d ∈ C e ad− bc 6= 0.
Observemos inicialmente que as seguintes transformações estudadas na
seção anterior são transformações de Möbius:
a) A translação Tβ(z) = z + β, β ∈ C, corresponde a a = 1, b = β, c = 0 e
d = 1.
b) A multiplicação por α 6= 0 : Hα(z) = αz, α ∈ C\{0}, corresponde a a = α,
b = 0, c = 0 e d = 1.
c) A inversão: J(z) =
1
z
, corresponde a a = 0, b = 1, c = 1 e d = 0.
Note que se multiplicarmos a, b, c, d por um número complexo não nulo
λ, obtemos
λaz+ λb
λcz+ λd
=
az+ b
cz+ d
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56 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
e as transformações de Möbius são iguais. No Problema 3.1, você vai veri�car
que vale a recíproca.
Vejamos agora o signi�cado da condição ad − bc 6= 0, na de�nição da
transformação de Möbius f.
Inicialmente, esta condição garante que o domínio D(f) de f é não vazio.
De fato, D(f) = ∅ se, e somente se, cz + d = 0, para todo z ∈ C, o que é
equivalente a c = d = 0, o que implicaria ad− bc = 0.
Por outro lado, sejam z ′, z ′′ ∈ D(f). É fácil veri�car que f(z ′) = f(z ′′)
se, e somente se (ad − bc)z ′ = (ad − bc)z ′′, o que implica que f é injetora
no seu domínio, quando ad− bc 6= 0. Em particular, f não é constante.
Vamos agora analisar a imagem de f. Para isto, precisaremos dividir a
análise em dois casos.
Caso c = 0: Neste caso, a 6= 0, d 6= 0 e
f(z) =
az+ b
d
= αz+ β, onde α =
a
d
6= 0 e β = b
d
. (1)
Com isto é imediato ver que D(f) = C e f é sobrejetora.
Caso c 6= 0: Neste caso, D(f) = C \ {−dc }.
Por outro lado, a equação f(z) = λ, quando z ∈ D(f), é equivalente à
equação (a − λc)z = λd − b, que só não admite solução quando λ = ac .
Portanto, o conjunto imagem de f é C \ {ac }.
Quando compomos transformações de Möbius há pontos do plano com-
plexo que são problemáticos por não estarem no domínio ou na imagem de
alguma delas. Para não nos preocuparmos com esses pontos excepcionais,
vamos ampliar o domíno das transformações da Möbius. Para isto, conside-
ramos o plano complexo completado, denotado por Ĉ, como a união do plano
complexo C com um ponto virtual que não está em C e que será denotado
por ∞. Assim,
Ĉ = C ∪ {∞}.
A transformação de Möbius f(z) =
az+ b
cz+ d
, com ad − bc 6= 0 e c 6= 0,
será agora uma transformação de�nida em Ĉ, pondo
f
(
−
d
c
)
= ∞.
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Seção 3 Transformações de Möbius 57
Como podemos de�nir f(∞)? O ponto w = ac , que não era imagem de
nenhum ponto de C por f, será considerado como f(∞); ou seja,
f(∞) = a
c
.
Dessa maneira, f passa a ser uma bijeção de Ĉ em Ĉ.
No caso em que c = 0, temos que f é da forma f(z) = αz + β, com
α 6= 0, que é uma bijeção de C em C. Portanto, de�nindo f(∞) = ∞, temos
também, neste caso, que f é uma bijeção de Ĉ em Ĉ.
Podemos justi�carestas de�nições de modo bem natural com o processo
de limite, como segue.
Se c 6= 0,
f(z) =
az+ b
cz+ d
=
a+ bz
c+ dz
→ a
c
, quando |z| → ∞.
Se c = 0, neste caso, α 6= 0 e
f(z) = αz+ β→ ∞, quando |z| → ∞.
Daqui por diante, uma transformação de Möbius será a bijeção
f : Ĉ −→ Ĉ de�nida por
f(z) =
az+ b
cz+ d
, com ad− bc 6= 0,
onde 
f(∞) = ac e f (−dc ) = ∞, se c 6= 0
f(∞) = ∞, se c = 0.
Para as transformações de Möbius estudadas na seção anterior, temos
que:
a) para a translação Tβ(z) = z+ β : Tβ(∞) = ∞.
b) para a multiplicação por α ∈ C\{0} : Hα(∞) = ∞.
c) para a inversão J(z) =
1
z
: J(0) = ∞ e J(∞) = 0.
Agora, podemos compor transformações de Möbius sem nos preocupar-
mos com os pontos excepcionais, ou seja, com os pontos onde não estavam
anteriormente de�nidas.
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58 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
Olhando com atenção a Equação (1), obtida no início dessa seção, vemos
que:
No caso c = 0, quando f(z) = αz+ β, onde α = ad e β =
b
d , temos que
f = Tβ ◦Hα.
Por outro lado, se c 6= 0, podemos escrever
f(z) =
a
c z+
b
c
z+ dc
=
a
c (z+
d
c ) −
a
c ·
d
c +
b
c
z+ dc
=
a
c
+
bc−ad
c2
z+ dc
. (2)
Portanto, de�nindo α = −ad−bc
c2
, γ = dc e β =
a
c , temos que
f = Tβ ◦Hα ◦ J ◦ Tγ.
Assim, acabamos de mostrar o resultado a seguir.
Teorema 3.1. Toda transformação de Möbius é obtida por composição de
translações, multiplicação por números complexos e a inversão.
Por esta razão, essas transformações, que servem para obter todas as de
Möbius, foram chamadas de transformações de Möbius elementares.
O próximo resultado é um corolário do teorema acima e nos dará uma
propriedade fundamental das transformações de Möbius.
Corolário 1. Toda transformação de Möbius é invertível.
Demonstração Com efeito, pelo teorema, toda transformação de Möbius é
composição de transformações elementares, que são transformações invertí-
veis. 2
No caso c = 0, pela equação (1), f pode ser escrita na forma f(z) = αz+β,
com α 6= 0.
Para cada w ∈ C, escrevendo w = αz + β, temos w − β = αz, logo
z = α−1(w− β). Portanto, a inversa de f é a transformação de Möbius
f−1(z) =
1
α
z−
β
α
, f−1(∞) = ∞ .
No caso c 6= 0, escrevemos w = az+ b
cz+ d
, para z 6= −dc , e podemos resolver
a igualdade obtendo z como função de w :
z =
−dw+ b
cw− a
, para w 6= a
c
.
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Seção 3 Transformações de Möbius 59
A função inversa de f é a transformação de Möbius dada por
f−1(z) =
−dz+ b
cz− a
, f−1
(a
c
)
= ∞ e f−1(∞) = −d
c
.
As transformações de Möbius possuem uma propriedade geométrica no-
tável que apresentaremos a seguir.
Vimos, na Seção 1, que círculos generalizados em C são determinados
por equações do tipo
A|z|2 + Bz+ Bz+D = 0, A,D ∈ R. (3)
Para estender essas equações a Ĉ, convencionamos que ∞ é solução de (3)
se, e somente se, A = 0 (note que, de certa forma, é natural que só as retas
possam passar por ∞. Essa a�rmação se tornará bem clara na Seção 5,
quando identi�caremos Ĉ com a esfera de Riemann.
Assim, com a convenção acima, podemos de�nir a equação (3) como a
equação geral dos círculos em Ĉ.
Proposição 3.1. Toda transformação de Möbius transforma círculos em Ĉ
em círculos em Ĉ.
Demonstração Como toda transformação de Möbius é uma composição
de transformações elementares, e como essas transformações possuem esta
propriedade, o resultado segue. 2
Problemas
3.1 Sejam f(z) =
az+ b
cz+ d
e g(z) =
a ′z+ b ′
c ′z+ d ′
transformações de Möbius.
a) Mostre que f = g se, e somente se, existe um número complexo não nulo
λ, tal que a ′ = λa, b ′ = λb, c ′ = λc e d ′ = λd.
b) Mostre que f ◦ g é uma transformação de Möbius.
3.2 Considere a seguinte transformação de Möbius:
f(z) = eiθ
z− a
1− a z
; θ ∈ R e a ∈ C, com |a| < 1.
Mostre que f transforma o círculo |z| = 1 nele mesmo e leva o ponto a em 0.
3.3 Mostre que a transformação de Möbius
f(z) = i
z+ 1
z− 1
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60 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
tranforma o círculo |z| = 1 no eixo real e o eixo real no eixo imaginário.
3.4 Seja M o conjunto das transformações de Möbius f : Ĉ −→ Ĉ e seja
GL(2,C) o conjunto das matrizes invertíveis de ordem 2 com coe�cientes
complexos. Considere a função ϕ : A ∈ GL(2,C) →M, de�nida do seguinte
modo:
A =
[
a b
c d
]
7→ ϕ(A) = fA, onde fA(z) = az+ b
cz+ d
.
Mostre que
a) ϕ é sobrejetora; b) ϕ(A ·B) = ϕ(A) ◦ϕ(B); c) ϕ(A−1) = (ϕ(A))−1;
d) ϕ(A) = ϕ(B) se, e somente se, B = λA, para algum λ ∈ C\{0};
e) Estão bem de�nidas as seguintes funções emM:
tr2(fA) =
tr2(A)
det(A)
e ‖fA‖ =
‖A‖√
|det(A)|
,
onde
tr(A) = a+ d e ‖A‖ =
√
|a|2 + |b|2 + |c|2 + |d|2.
4 Determinação das Transformações de Möbius
Nesta seção mostraremos que os valores de uma transformação de Möbius
em três pontos distintos a determinam. Para isto, precisaremos da de�nição
a seguir.
Um elemento z0 ∈ Ĉ é chamado um ponto �xo da transformação de
Möbius f se, e somente se, f(z0) = z0.
Exemplo 1. Todos os pontos de Ĉ são pontos �xos da transformação iden-
tidade em Ĉ.
Exemplo 2. 1 e −1 são pontos �xos da inversão J e estes são os seus únicos
pontos �xos (veri�que).
Exemplo 3. ∞ é ponto �xo de f de�nida por f(z) = αz+β, onde α,β ∈ C
e α 6= 0.
Na verdade ∞, só é ponto �xo de transformações de Möbius que são uma
composição de uma translação e uma multiplicação por um número complexo
α, isto é, Tβ ◦Hα.
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Seção 4 Determinação das Transformações de Möbius 61
De fato, seja f(z) = az+bcz+d uma transformação de Möbius tal que c 6= 0.
Então, f(∞) = ac 6= ∞, logo ∞ não é ponto �xo de f. Portanto, se f é uma
transformação de Möbius e f(∞) = ∞, então c = 0 e f é a composição de
uma translação e uma homotetia.
Destacamos esse resultado na proposição a seguir.
Proposição 4.1. Seja f uma transformação de Möbius. Então, f(∞) = ∞
se, e somente se, f(z) = αz+ β, onde α,β ∈ C e α 6= 0.
Quantos pontos �xos pode ter uma transformação de Möbius f? Bom, de
acordo com o Exemplo 1, temos que f = Id tem todos os pontos de Ĉ como
pontos �xos. O próximo resultado nos fornecerá uma resposta à pergunta,
mostrando que Id é uma exceção.
Proposição 4.2. Uma transformação de Möbius distinta da identidade tem
um ou dois pontos �xos em Ĉ
Demonstração Seja f(z) = az+bcz+d , com ad − bc 6= 0. Os pontos �xos de f
em C são as soluções da equação
az+ b
cz+ d
= z.
Caso c = 0: Pelo Exemplo 3, sabemos que ∞ é ponto �xo de f. Qualquer
outro ponto �xo deve satisfazer a equação (a− d)z = −b, que em C:
a) tem in�nitas soluções quando a = d e b = 0; ou seja quando f = Id;
b) não tem solução quando a = d e b 6= 0;
c) tem a única solução z = bd−a , quando a 6= d .
Com isto, �ca provada a proposição neste caso.
Caso c 6= 0: Como f(∞) = ac , temos que ∞ não é ponto �xo de f. Portanto,
os pontos �xos de f estão necessariamente em C. Como f
(
− dc
)
= ∞, temos
que z = −dc não é ponto �xo e, portanto, os pontos �xos de f devem satisfazer
a equação az+ b = (cz+ d)z, ou seja a equação
cz2 + (d− a)z− b = 0,
que tem uma ou duas raízes em C. Fica assim provada a proposição também
neste caso. 2
Corolário 1. Uma transformação de Möbius com mais de dois pontos �xos
é a identidade.
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62 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
Corolário 2. Duas transformações de Möbius que possuem o mesmo valor
em três pontos distintos de Ĉ, são iguais.
Demonstração Sejam z1, z2 e z3 três pontos distintos de Ĉ e sejam f e g
duas transformações de Möbius tais que f(zi) = g(zi), i = 1, 2, 3. Logo,
(g−1 ◦ f)(zi) = g−1(f(zi)) = g−1(g(zi)) = zi,
o que implica que a transformação de Möbius g−1 ◦ f tem três pontos �xos.
Pelo Corolário 1, temos g−1 ◦ f = Id e, portanto, f = g. 2
Portanto, dadas duas ternas de pontos distintos z1, z2, z3 e w1, w2, w3,
se existir uma transformação de Möbius f tal que f(zi) = wi, i = 1, 2, 3,ela
é única. O problema agora reside em saber se tal transformação de Möbius
existe.
Exemplo 4. Dados três pontos distintos z1, z2 e z3. Pode-se veri�car fa-
cilmente que a transformação de Möbius g tal que g(z1) = 0, g(z2) = 1 e
g(z3) = ∞ (única, pelo Corolário 2) é dada por
a) g(z) =
(z2 − z3)(z− z1)
(z2 − z1)(z− z3)
, se z1, z2, z3 ∈ C;
b) g(z) =
z2 − z3
z− z3
, se z1 = ∞ e z2, z3 ∈ C;
c) g(z) =
z− z1
z− z3
, se z2 = ∞ e z1, z3 ∈ C;
d) g(z) =
z− z1
z2 − z1
, se z1, z2 ∈ C e z3 = ∞.
As fórmulas acima são fáceis de memorizar a partir da fórmula
g(z) =
(z2 − z3)(z− z1)
(z2 − z1)(z− z3)
, (1)
onde se suprimem os fatores que contêm zi, tanto no numerador, quanto no
denominador, toda vez que zi = ∞.
Vamos agora ao resultado central desta seção.
Teorema 4.1. Dados dois pares de ternas de pontos distintos z1, z2, z3
e w1, w2, w3 de Ĉ, existe uma única transformação de Möbius f, tal que
f(z1) = w1, f(z2) = w2 e f(z3) = w3.
Demonstração Já sabemos que se f existe, ela é única. Vamos agora provar
a existência de tal f, com o auxílio do Exemplo 4. Existem transformações
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Seção 4 Determinação das Transformações de Möbius 63
de Möbius g e h tais que g(z1) = 0, g(z2) = 1, g(z3) = ∞ e h(w1) = 0,
h(w2) = 1, h(w3) = ∞. Então, a transformação de Möbius f = h−1 ◦ g é tal
que f(zj) = (h−1 ◦ g)(zj) = h−1(g(zj)) = wj. 2
Como determinar essa única transformação de Möbius tal que f(z1) = w1,
f(z2) = w2 e f(z3) = w3, onde z1, z2, z3 são distintos e w1, w2, w3 são
distintos?
Para responder a esta pergunta, introduzimos a de�nição a seguir.
Dados z1, z2, z3 e z4 quatro pontos distintos de Ĉ, de�nimos a razão
cruzada de z1, z2, z3 e z4, como sendo
[z1, z2, z3, z4] = g(z4) =
(z2 − z3)(z4 − z1)
(z2 − z1)(z4 − z3)
,
com a interpretação da fração dada após o Exemplo 4, quando algum dos zi
é igual a ∞.
A razão cruzada é um invariante para as transformações de Möbius, ou
seja, vale o seguinte resultado:
Proposição 4.3. Se f é uma transformação de Möbius, então
[f(z1), f(z2), f(z3), f(z4)] = [z1, z2, z3, z4],
para quaisquer quatro pontos distintos z1, z2, z3, z4 de Ĉ.
Demonstração Seja g a transformação de Möbius tal que g(z1) = 0, g(z2) =
1 e g(z3) = ∞. Então, g◦f−1 leva f(z1), f(z2), f(z3) em 0, 1,∞. Pela de�nição
de razão cruzada,
[f(z1), f(z2), f(z3), f(z4)] = (g ◦ f−1)(f(z4))
= g(z4)
= [z1, z2, z3, z4].
2
Pela proposição anterior, a única transformação de Möbius f que leva os
três pontos distintos z1, z2, z3 nos três pontos distintos w1, w2, w3 satisfaz
[w1, w2, w3, f(z)] = [z1, z2, z3, z], (2)
para todo z ∈ Ĉ diferente de z1, z2, z3.
A equação (2) fornece o método prático para a determinação explícita de
f(z).
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64 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
Vamos olhar o caso especial em que z1, z2, z3 ∈ C e w1 = f(z1), w2 =
f(z2), w3 = f(z3) ∈ C. Nesse caso, fazendo w = f(z), a equação (2) é
(w2 −w3)(w−w1)
(w2 −w1)(w−w3)
=
(z2 − z3)(z− z1)
(z2 − z1)(z− z3)
,
efetuando o produto cruzado, podemos resolver para obter w como função
de z, isto é, w = f(z).
Exemplo 5. Vamos determinar a transformação de Möbius f que leva os
pontos z1 = 1, z2 = i, z3 = −1 em w1 = 1, w2 = i, w3 = −i.
Como [w1, w2, w3, f(z)] = [z1, z2, z3, z], fazendo w = f(z) e aplicando a
fórmula (1) a ambos os membros dessa igualdade, obtemos
(w2 −w3)(w−w1)
(w2 −w1)(w−w3)
=
(z2 − z3)(z− z1)
(z2 − z1)(z− z3)
.
Substitituindo pelos valores dados, temos
2i(w− 1)
(i− 1)(w+ i)
=
(i+ 1)(z− 1)
(i− 1)(z+ 1)
⇐⇒ 2i(w− 1)
w+ i
=
(i+ 1)(z− 1)
z+ 1
.
Calculamos w, resolvendo a última equação acima.
2i(w− 1)(z+ 1) = (i+ 1)(z− 1)(w+ i) ⇐⇒
2i(wz+w− z− 1) = (i+ 1)(zw+ iz−w− i) ⇐⇒
(i− 1)wz+ (2i+ i+ 1)w+ (−2i− i+ 1)z = 2i+ 1− i ⇐⇒
w((i− 1)z+ 3i+ 1) + (−3i+ 1)z = i+ 1 ⇐⇒
w =
(3i− 1)z+ i+ 1
(i− 1)z+ 3i+ 1
.
Logo, f(z) =
(3i− 1)z+ i+ 1
(i− 1)z+ 3i+ 1
.
Exemplo 6. Qual a transformação de Möbius que leva z1 = 0, z2 = 1,
z3 = ∞ em w1 = 1, w2 = ∞, w3 = 0?
Como [w1, w2, w3, f(z)] = [z1, z2, z3, z], fazendo w = f(z) e aplicando a
fórmula (1) a ambos os membros dessa igualdade, onde omitimos os dois
fatores nos quais w2 e z3 ocorrem, temos que
w−w1
w−w3
=
z− z1
z2 − z1
.
Substitituindo pelos valores dados, obtemos
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Seção 5 A Esfera de Riemann 65
w− 1
w− 0
=
z− 0
1− 0
= z ⇐⇒ w− 1
w
= z⇐⇒ w− 1 = zw⇐⇒ (1− z)w = 1⇐⇒ w = 1
−z+ 1
.
Logo, f(z) =
1
−z+ 1
.
Problemas
4.1 Seja f uma transformação de Möbius. Mostre que 0 e ∞ são pontos
�xos de f se, e somente se, f(z) = αz, para algum α ∈ C\{0}.
4.2 Em cada item determine todas as transformações de Möbius f tendo a
propriedade requerida:
a) ∞ é o único ponto �xo de f; b) 0 é o único ponto �xo de f;
c) f(0) = ∞ e f(∞) = 0.
4.3 Determine os pontos �xos das seguintes transformações de Möbius:
a) f(z) =
z− 1
z+ 1
; b) f(z) =
1
z
; c) f(z) =
iz− i
z+ i
; d) f(z) =
−1+ i
z+ 2
.
4.4 Prove as a�rmações feitas no Exemplo 4.
4.5 Determine a transformação de Möbius que leva:
a) − 1, 0, e 1 em − 1, i e 1; b) 1, i, e − 1 em i, −1 e 1;
c) 0, 1, e ∞ em − 1, ∞ e 0; d) 0, 1, e ∞ em 1, −1 e i;
e) 0, 1, e ∞ em − 1, ∞ e 1; f) 0, −i, e 1 em − 1, ∞ e 0.
4.6 Determine uma transformação de Möbius f tal que 1 e −1 sejam seus
pontos �xos e f leve R ∪ {∞} no círculo unitário.
5 A Esfera de Riemann
O modelo geométrico para o plano complexo completado Ĉ que obte-
remos, esclarecerá várias das convenções que fomos fazendo ao longo do
caminho.
Vamos estabelecer a seguir uma bijeção entre a esfera unitária menos um
ponto e o plano complexo C.
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66 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
A esfera unitária S2, de centro (0, 0, 0) e raio 1, é o subconjunto do R3
de�nido por
S2 = {(x, y, z) ∈ R3 ; x2 + y2 + z2 = 1}.
Vamos destacar o polo norte N = (0, 0, 1) ∈ S2 e, além disso, cada x+yi
do plano complexo C será identi�cado com o ponto (x, y, 0) ∈ R3 do plano
em R3 de equação z = 0.
Cuidado! Nesta seção a variável z vai assumir apenas valores reais, re-
presentando a terceira coordenada de um ponto de R3.
O plano π, de�nido pela equação z = 0, divide a esfera unitária em duas
partes, o hemisfério norte (z > 0) que contém o polo norte N e o hemisfério
sul (z < 0).
Figura 10: A esfera unitária, o plano complexo C, N, v, P(v), eixo z
Seja v ∈ S2\{N}. Então, N e v determinam uma reta ` em R3, que
intersecta o plano π em um único ponto (av, bv, 0).
A projeção estereográ�ca P : S2\{N} −→ C é a função de�nida por P(v) =
av + bvi.
Para determinarmos a expressão de P, devemos escrever a equação da
reta ` que passa por N e v ∈ S2\{N} e calcular o ponto de interseção de `
com o plano π.
Para escrevermos uma equação paramétrica de `, precisamos de um vetor
gerador e de um ponto de `. Como vetor gerador, tomamos o vetor v−N e
como ponto de `, tomamos o ponto N. Suponhamos que v = (x, y, z). Temos
que Q ∈ ` se, e somente se,
Q = N+ t(v−N)
= (0, 0, 1) + t(x, y, z− 1)
= (tx, ty, 1+ t(z− 1)), onde t ∈ R.
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Seção 5 A Esfera de Riemann 67
Logo,
Q ∈ ` ∩ π se, e somente se, 1+ t(z− 1) = 0
se, e somente se, t =
−1
z− 1
=
1
1− z
se, e somente se, Q =
(
x
1− z
,
y
1− z
, 0
)
.
Portanto,
P(v) = P(x, y, z) =
x
1− z
+
y
1− z
i,
para todo v = (x, y, z) ∈ S2\{N}.
Podemos, agora, enunciar uma primeira propriedade da projeção estere-
ográ�ca P.
Lema 5.1. A função P : S2\{N} −→ C é uma bijeção.
Demonstração Para provarmos a bijetividade de P, vamos exibir a sua
função inversa P−1.
Seja w = w ′+w ′′i ∈ C tal que w = P(v), onde v = (x, y, z), x2+y2+z2 =
1 e z 6= 1. Logo,
w ′ +w ′′i =
x
1− z
+
y
1− z
i⇐⇒ w ′ = x
1− z
e w ′′ =
y
1− z
. (1)
É possível resolver as igualdades à direita em (1), em virtude das condi-
ções sobre as coordenadas de v, notando que
|w|2 + 1 =
x2
(1− z)2
+
y2
(1− z)2
+ 1
=
x2 + y2 + (1− 2z+ z2)
(1− z)2
=
2− 2z
(1−z)2
=
2
1− z
.
Logo, 1 − z =
2
|w|2 + 1
. Isto nos dá z = 1 −
2
|w|2 + 1
=
|w|2 − 1
|w|2 + 1
e, com
as igualdades de (1), obtemos x = w ′(1 − z) =
2w ′
|w|2 + 1
e y = w ′′(1 − z) =
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68 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
2w ′′
|w|2 + 1
. Portanto,
P−1(w) =
(
2w ′
|w|2 + 1
,
2w ′′
|w|2 + 1
,
|w|2 − 1
|w|2 + 1
)
, onde w = w ′ +w ′′i. (2)
2
Note que, quando v se aproxima de N = (0, 0, 1), temos que z → 1 e
|w| = |P(v)| → ∞. Então, é natural de�nir P(N) = ∞, estendendo P a toda
a esfera S2 e obtendo uma bijeção P : S2 −→ Ĉ.
A função P : S2 −→ Ĉ permite, então, identi�car Ĉ com a esfera unitária.
O plano complexo completado, Ĉ, é também conhecido como a esfera de
Riemann.
Mostraremos, a seguir, que a projeção estereográ�ca P tem uma propri-
edade geométrica notável: transforma um círculo em S2 que não passa por
N em um círculo em C e transforma um círculo em S2 que passa por N em
uma reta em C unida com {∞}; e reciprocamente.
Um círculo em S2 é a interseção de S2 com um plano de R3 que corta S2
e não lhe é tangente. A primeira pergunta é como caracterizar tais planos?
Sabe-se da Geometria Analítica que a distância de um plano Π de equação
ax+by+ cz+d = 0, onde n = (a, b, c) 6= (0, 0, 0), à origem O de R3 é dada
pela fórmula:
d(O,Π) =
|d|√
a2 + b2 + c2
.
Portanto, Π corta a esfera S2 se, e somente se, d(O,Π) ≤ 1, sendo-lhe
tangente se, e somente se, d(O,Π) = 1.
Vejamos, agora, como a projeção estereográ�ca vai projetar os pontos do
plano Π com equação ax+ by+ cz+ d = 0 em Ĉ.
Usando a fórmula da função inversa da projeção estereográ�ca obtida em
(2), segue-se que o ponto w = w ′ +w ′′i, projeção de (x, y, z) ∈ Π, no plano
deve satisfazer à equação
a
2w ′
|w|2 + 1
+ b
2w ′′
|w|2 + 1
+ c
|w|2 − 1
|w|2 + 1
+ d = 0.
Escrevendo esta equação nas coordenadas w e w, obtemos
a
w+w
|w|2 + 1
+ b
iw− iw
|w|2 + 1
+ c
|w|2 − 1
|w|2 + 1
+ d = 0.
Daí obtemos a equação
A|w|2 + Bw+ Bw+D = 0, (3)
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Seção 5 A Esfera de Riemann 69
onde
A = c+ d, B = a− bi, D = d− c.
Portanto, a Equação (3) é a equação de um círculo generalizado em Ĉ. Ana-
lisaremos, a seguir, a natureza deste círculo em função de a, b, c e d.
(i) O círculo é uma reta se, e somente se, A = c + d = 0. Isto é claramente
equivalente à condição do plano ax+by+ cz+d = 0 passar pelo polo norte
N = (0, 0, 1).
(ii) O círculo é um circulo real se, e somente se, |B|2−AD = a2+b2+c2−d2 >
0. Esta última condição é equivalente à condição d(O,Π) < 1. Ou seja que
o plano Π intersecta a esfera S2, sem tangenciá-la.
(iii) O círculo é um círculo degenerado se, e somente se, |B|2 − AD = a2 +
b2 + c2 − d2 = 0, o que é equivalente à condição d(O,Π) = 1, signi�cando
que o plano Π tangencia a esfera S2.
(iv) O círculo é um círculo imaginário se, e somente se, |B|2 − AD = a2 +
b2 + c2 − d2 < 0, o que é equivalente à condição d(O,Π) > 1, signi�cando
que o plano Π não corta a esfera S2.
Reciprocamente, pode-se mostrar que P−1 : Ĉ −→ S2 transforma um
círculo em C em um círculo em S2 que não passa por N e uma reta em C
unida com {∞}, em um círculo em S2 passando por N (veja Problema 5.3).
Portanto, o mistério está revelado: o �mundo� onde círculos e retas são
objetos de mesma natureza é o plano completado Ĉ, que através da sua iden-
ti�cação com a esfera de Riemann S2, todas essas curvas são transformadas
em círculos!
Problemas
5.1 Determine a imagem por P de cada círculo C em S2 obtido pela interseção
de S2 com o plano z = c, onde −1 < c < 1.
a) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de −1.
b) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de 1.
5.2 Determine a imagem por P de cada círculo C em S2 determinado pela
interseção de S2 com o plano x = c, onde −1 < c < 1.
a) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de −1.
b) Analise o que ocorre com P(C) quando c se aproxima de 1.
5.3 Mostre que P−1 : Ĉ −→ S2 transforma:
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70 A Geometria do Plano Complexo Cap. 2
a) um círculo em C em um círculo em S2 que não passa por N;
b) uma reta em C unida com {∞} em um círculo em S2 passando por N.
Sugestão Escreva as equações dos círculos em C e proceda usando a ex-
pressão de P.
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Bibliogra�a
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.
[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.
[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática
Universitária, IMPA, 2010 e 2012.
[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,
2006.
[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.
[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,
IMPA, 2004.
[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais
e Complexos. Editora UFRGS.
[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-
Verlag, 1994.
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3
71
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela
Capítulo 3: Propriedades Básicas dos
Polinômios
Sumário
1 Subanéis de C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
2 Polinômios com Coe�cientes em Anéis . . . . . . 74
3 Polinômios em Várias Indeterminadas . . . . . . 83
4 Corpo de Frações de F[x] . . . . . . . . . . . . . . 84
5 Divisão Euclidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
6 Algoritmo de Briot-Ru�ni . . . . . . . . . . . . . 91
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72 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
Vamos estudar detalhadamente o conceito de polinômios com coe�cientes
nos números inteiros, racionais, reais ou complexos. Veremos que as propri-
edades das operações dos polinômios estão relacionadas diretamente com as
propriedades da adição e multiplicação no conjunto de seus coe�cientes e
aprenderemos a efetuá-las na prática.
1 Subanéis de C
O que há em comum nos conjuntos numéricos Z, Q, R e C?
Esses conjuntos, munidos com as operações de adição e de multiplicação
de números complexos, possuem a estrutura de anel que introduzimos na
Seção 1, do Capítulo 1.
Dizemos que um elemento não nulo a de um anel A é invertível ou que
possui inverso se, e somente se, existe a ′ ∈ A, tal que a ·a ′ = 1. Nesse caso,
chamamos a ′ de inverso de a e o denotamos por a−1.
No anel dos inteiros apenas 1 e −1 possuem inversos. O inverso de 1 é 1
e o inverso de −1 é −1. Portanto, Z não é um corpo, pois os únicos inteiros
que têm inversos são 1 e −1.
Exemplo 1. Consideremos o seguinte subconjunto de R:
Z[
√
2] = {a+ b
√
2 ; a, b ∈ Z}.
Vamos operar em Z[
√
2] com as operações de adição e multiplicação dos
reais. Das propriedades dessas operações nos reais, segue-se que
(a+ b
√
2) + (a ′ + b ′
√
2) = (a+ a ′) + (b+ b ′)
√
2
e
(a+ b
√
2) · (a ′ + b ′
√
2) =
(a · a ′ + 2b · b ′) + (a · b ′ + b · a ′)
√
2,
que são ambos elementos de Z[
√
2], pois a + a ′, b + b ′ ∈ Z; e a · a ′ + 2b ·
b ′, a · b ′ + b · a ′ ∈ Z.
Assim, as operações de adição e multiplicação de números reais estão
bem de�nidas em Z[
√
2] e quando restritas a Z[
√
2] possuem as propriedades
associativa, comutativa e distributiva, pois essas propriedades valem em todo
R. Temos ainda que
0 = 0+ 0
√
2 ∈ Z[
√
2], 1 = 1+ 0
√
2 ∈ Z[
√
2],
e o simétrico de a+ b
√
2 em R é
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Seção 1 Subanéis de C 73
−a− b
√
2 = (−a) + (−b)
√
2 ∈ Z[
√
2],
pois −a,−b ∈ Z.
Portanto, Z[
√
2] é um anel com as operações de R.
Esse exemplo motiva a seguinte de�nição:
Um subconjunto não vazio B de um anel A será dito um subanel de A se,
com as operações de A, continuar ainda sendo um anel.
Exemplo 2. Observamos que temos as seguintes inclusões de conjuntosZ ⊂ Q ⊂ R ⊂ C. Mais ainda, sempre que B ⊂ A vale que B é subanel de A.
Em particular, todos são subanéis de C.
Um subconjunto não vazio B de um anel A é um subanel de A se, e
somente se, as seguintes propriedades são veri�cadas:
(i) 0 ∈ B;
(ii) 1 ∈ B;
(iii) se a, b ∈ B, então a+ b ∈ B;
(iv) se a, b ∈ B, então a · b ∈ B;
(v) se a ∈ B, então −a ∈ B.
Exemplo 3. Temos Z ⊂ Z[
√
2] ⊂ R ⊂ C. Além disso, Z é subanel de Z[
√
2]
e Z[
√
2] é subanel de R, sendo todos subanéis de C.
Note que todo subanel A de C necessariamente contém Z, pois contém 0
e 1 e é fechado para as operações de adição e de subtração. Portanto, Z é um
subanel de A. Mais ainda, todo subanel de C é um domínio de integridade,
já que C é um domínio de integridade (cf. Problema 2.14, Capítulo 1).
Um subconjunto K de um corpo L que, com as operações de adição e de
multiplicação de L, é ainda um corpo, será chamado de subcorpo de L.
Exemplo 4. Temos Q ⊂ R ⊂ C, sendo R subcorpo de C e Q subcorpo de
R, logo Q também é subcorpo de C.
Problemas
1.1 a) Mostre que Z[i] = {a+ bi; a, b ∈ Z } é um subanel de C. Este anel é
chamado de anel dos inteiros gaussianos.
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74 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
b) Mostre que os únicos elementos que têm inverso em Z[i] são 1,−1, i e −i.
1.2 Mostre que se A é um subanel de C e se α ∈ C é tal que α2 ∈ A, então
A[α] = {a + bα; a, b ∈ A } é um subanel de C, contendo A como subanel.
Observe que Z[
√
2] e Z[i] são exemplos dessa situação.
1.3 Mostre que 1+
√
2 tem inverso em Z[
√
2]. Conclua que para todo n ∈ Z,
(1+
√
2)n tem inverso em Z[
√
2].
1.4 Mostre que o conjunto {a+b 4
√
2; a, b ∈ Z } não é um subanel de C; mas
{a+ b 4
√
2; a, b ∈ Z[
√
2] } é um subanel de C.
1.5 Mostre que o conjunto {a + b 4
√
2 + c 4
√
4 + d 4
√
8; a, b, c, d ∈ Z } é um
subanel de C. Mostre que este é o menor subanel de C que contém 4
√
2.
1.6 Mostre que todo subcorpo de C contém Q como subcorpo.
1.7 Seja K = {a+ b
√
2 ; a, b ∈ Q}.
a) Mostre que K é um anel com as operações de adição e multiplicação de
números reais. Mostre que Z[
√
2] é um subanel de K.
b) Mostre que K é um corpo. Mostre que K é o menor subcorpo de C que
contém
√
2.
1.8 Seja L = {a+ bi ; a, b ∈ Q}.
a) Mostre que L é um anel com as operações de adição e multiplicação de
números complexos. Mostre que Z[i] é um subanel de L.
b) Mostre que L é um corpo. Mostre que L é o menor subcorpo de C que
contém i.
2 Polinômios com Coe�cientes em Anéis
Seja A um anel. Um símbolo x não pertencente ao anel A será chamado
uma indeterminada sobre A.
Utilizaremos um símbolo xj, para cada número natural j ≥ 0, e escreve-
remos x0 = 1 e x1 = x.
Um polinômio f(x) com coe�cientes em A é uma expressão formal do
tipo
f(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn =
n∑
j=0
ajx
j,
onde n ∈ N, aj ∈ A, para 0 ≤ j ≤ n.
Para 0 ≤ j ≤ n, os elementos aj são chamados de coe�cientes do po-
linômio f(x), as parcelas ajxj de termos e os termos ajxj tais que aj 6= 0 de
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Seção 2 Polinômios com Coe�cientes em Anéis 75
monômios de grau j do polinômio f(x). O coe�ciente a0 é chamado de termo
constante.
Denotamos por A[x] o conjunto de todos os polinômios com coe�cientes
em A; ou seja,
A[x] = {a0 + a1x+ · · ·+ anxn ; aj ∈ A, 0 ≤ j ≤ n,n ∈ N}.
Chamamos f(x) = a0 de polinômio constante. Quando f(x) = 0, cha-
mamos f(x) de polinômio nulo. Este polinômio poderá ser escrito na forma
f(x) = 0+0x+ · · ·+0xn, qualquer que seja n ∈ N. Costumamos não escrever
o termo ajxj sempre que aj = 0, quando houver algum termo não nulo no
polinômio.
Pode-se escrever um polinômio f(x) com as j-ésimas potências de x em
qualquer ordem, mas dá-se preferência à ordem crescente ou à ordem decres-
cente em j.
Exemplo 1. São polinômios em R[x]: f(x) = 12 + x +
√
2x2 + 2x3 e g(x) =
2−
√
3x+ πx3 − 25x
5.
Exemplo 2. São polinômios em Z[x]: h(x) = −x + 3x2 − 3x4, r(x) = 3 +
2x+ x2, s(x) = 2− x+ 3x3 − 3x5 e t(x) = 2− x+ 3x2 − 3x4.
O polinômio f(x) = a0 + a1x + · · · + anxn ∈ A[x], com as convenções
que �zemos acima, pode ser escrito como f(x) = a0 + a1x + · · · + anxn +
0xn+1 + 0xn+2 + · · · + 0xm, para todo número natural m > n. Portanto,
quando comparamos dois polinômios f(x), g(x) ∈ A[x], é possível assumir
que os termos de ambos têm as mesmas potências de x.
Dizemos que os polinômios f(x) = a0+a1x1+a2x2+ · · ·+anxn e g(x) =
b0 + b1x
1 + b2x
2 + · · · + bnxn em A[x] são polinômios iguais se, e somente
se, aj = bj, para 0 ≤ j ≤ n. Nesse caso, escrevemos f(x) = g(x).
No Exemplo 2, os coe�cientes dos termos constantes dos polinômios
h(x) = −x + 3x2 − 3x4 e t(x) = 2 − x + 3x2 − 3x4 são diferentes; logo
h(x) 6= t(x).
Exemplo 3. Os polinômios f(x) = 2x4+x5+4x2−3−x e g(x) = −3+4x2−
x + x5 + 2x4 em Z[x] são iguais, porque os seus coe�cientes aj das j-ésimas
potências xj são: a0 = −3, a1 = −1, a2 = 4, a3 = 0, a4 = 2 e a5 = 1.
Escrevendo os polinômios com as potências de x em ordem crescente ou
decrescente, visualizamos imediatamente a igualdade dos polinômios. Por
exemplo, se f(x) e g(x) são como no Exemplo 3, temos
f(x) = g(x) = −3− x+ 4x2 + 2x4 + x5.
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76 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
Em todo polinômio não identicamente nulo, f(x) 6= 0, algum coe�ciente
deve ser diferente de zero, então há um maior natural n tal que an 6= 0.
De�nimos o grau de f(x) como sendo este número natural n e o denotamos
por gr(f(x)). Nesse caso, an é chamado de coe�ciente líder de f(x).
Os polinômios de grau n com coe�ciente líder an = 1 são chamados de
polinômios mônicos.
Atenção Não de�nimos o grau do polinômio nulo, f(x) = 0.
Exemplo 4. O polinômio constante u(x) = 2 não é identicamente nulo
e gr(u(x)) = 0. Volte aos Exemplos 1 e 2 e observe que gr(f(x)) = 3,
gr(g(x)) = gr(s(x)) = 5, gr(h(x)) = gr(t(x)) = 4, gr(r(x)) = 2 e que r(x) é o
único polinômio mônico.
Com estas de�nições, temos que
gr(f(x)) = 0 se, e somente se, f(x) = a 6= 0, a ∈ A.
No conjunto A[x] podemos de�nir operações de adição e multiplicação
de polinômios, a partir das operações de adição e multiplicação de A.
Sejam f(x) =
n∑
j=0
ajx
j e g(x) =
n∑
j=0
bjx
j em A[x]. De�nimos a operação
de adição desses polinômios como segue
f(x) + g(x) =
n∑
j=0
cjx
j, onde cj = aj + bj, para 0 ≤ j ≤ n.
O resultado da adição de dois polinômios é chamado de soma.
Exemplo 5. Sejam f(x) = 3x3 − 3x2 + 4x + 5, g(x) = 2x2 − 6x − 1 e
h(x) = −3x3 + 5x2 − 3x+ 2 em Z[x]. Então,
f(x) + g(x) = (3+ 0)x3 + (−3+ 2)x2 + (4+ (−6))x+ (5+ (−1))
= 3x3 − x2 − 2x+ 4,
f(x) + h(x) = (3− 3)x3 + (−3+ 5)x2 + (4− 3)x+ (5+ 2)
= 0x3 + 2x2 + x+ 7
= 2x2 + x+ 7.
A adição de polinômios pode ser feita facilmente se escrevemos os polinô-
mios numa tabela, onde nas primeiras linhas estão cada um dos polinômios,
com as potências xj em ordem decrescente, e na última linha o resultado
da adição, de maneira similar à adição de números reais. Calcularemos
g(x) + h(x) desse modo.
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Seção 2 Polinômios com Coe�cientes em Anéis 77
2x2 − 6x − 1
(+) − 3x3 + 5x2 − 3x + 2
− 3x3 + 7x2 − 9x + 1
Logo, g(x) + h(x) = −3x3 + 7x2 − 9x+ 1.
Na adição de polinômios vale a seguinte propriedade do grau: Se f(x) 6= 0,
g(x) 6= 0 e f(x) + g(x) 6= 0, então
gr(f(x) + g(x)) ≤ max{ gr(f(x)), gr(g(x)) },
valendo a igualdade sempre que gr(f(x)) 6= gr(g(x)).
Dados os polinômios f(x) =
n∑
j=0
ajx
j e g(x) =
m∑
j=0
bjx
j em A[x], de�ni-
mos a multiplicação desses polinômios como segue:
f(x) · g(x) =
n+m∑
j=0
cjx
j,
onde
c0 = a0 · b0
c1 = a0 · b1 + a1 · b0
c2 = a0 · b2 + a1 · b1 + a2 · b0
...
cj = a0 · bj + a1 · bj−1 + · · ·+ aj · b0 =
∑
λ+µ=j
aλ · bµ
...
cn+m = an · bm .
O resultado da multiplicação de dois polinômios é chamado de produto.
Observação Segue, imediatamente, da de�nição da multiplicação de poli-
nômios, que:
(1) Para quaisquer j, k ∈ N, vale a identidade: xj · xk = xj+k.
(2) Se f(x) = a e g(x) = b0 + b1x+· · ·+ bmxm, então
f(x) · g(x) = a · g(x) = a ·
(
m∑
k=0
bkx
k
)
=
m∑
k=0
(a · bk)xk
= (a · b0) + (a · b1)x+ · · ·+ (a · bm)xm ,
pois, nesse caso, a0 = a, n = 0, e cj = a0 · bj = a · bj, para todo j ∈ N.
A adição e a multiplicação de polinômios em A[x] têm propriedades, que
são consequências das propriedades da adição e da multiplicação do anel A,
conforme veremos a seguir.
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78 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
Proposição 2.1. A adição e a multiplicação em A[x] têm as seguintes pro-
priedades, para quaisquer f(x), g(x) e h(x) em A[x]:
(Associativa) (f(x) + g(x)) + h(x) = f(x) + (g(x) + h(x)) e
(f(x) · g(x)) · h(x) = f(x) · (g(x) · h(x));
(Comutativa) f(x) + g(x) = g(x) + f(x) e
f(x) · g(x) = g(x) · f(x);
(Distributiva) f(x) · (g(x) + h(x)) = f(x) · g(x) + f(x) · h(x);
(Existência de elemento neutro aditivo) O polinômio nulo é tal que f(x) =
0+ f(x), para todo f(x) ∈ A[x].
(Existência de simétrico) Dado f(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn, o simétrico de
f(x) é o polinômio
−f(x) = (−a0) + (−a1)x+ · · ·+ (−an)xn.
(Existência de elemento neutro multiplicativo) O polinômio constante 1 é tal
que 1 · f(x) = f(x), para todo f(x) ∈ A[x].
Demonstração Faremos a demonstração de algumas das propriedades e
deixaremos as outras como exercício.
Sejam dados f(x) =
n∑
j=0
ajx
j, g(x) =
m∑
j=0
bjx
j e h(x) =
∑̀
j=0
cjx
j, polinô-
mios em A[x].
Associatividade da adição: Podemos supor que n = m = `, após reescrever
f(x), g(x) e h(x) com as mesmas potências de x.
(f(x) + g(x)) + h(x)
(1)
=
n∑
j=0
(aj + bj)x
j +
n∑
j=0
cjx
j
(2)
=
n∑
j=0
(
(aj + bj) + cj
)
xj
(3)
=
n∑
j=0
(
aj + (bj + cj)
)
xj
(4)
=
n∑
j=0
ajx
j +
n∑
j=0
(bj + cj)x
j
(5)
= f(x) + (g(x) + h(x)),
onde em (1) e (2) usamos a de�nição da adição em A[x]; em (3), a associati-
vidade da adição em A e em (4) e (5), novamente, a de�nição da adição em
A[x].
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Seção 2 Polinômios com Coe�cientes em Anéis 79
Comutatividade da multiplicação:
f(x) · g(x) =
n+m∑
j=0
( ∑
j=λ+µ
aλ · bµ
)
xj
=
n+m∑
j=0
( ∑
j=λ+µ
bµ · aλ
)
xj
= g(x) · f(x),
pois em A temos aλ · bµ = bµ · aλ, para quaisquer λ e µ.
Distributividade: Podemos supor ` = m, após reescrever g(x) e h(x) com as
mesmas potências de x
f(x) · (g(x) + h(x)) (1)=
( n∑
j=0
ajx
j
)
·
( m∑
j=0
(bj + cj)x
j
)
(2)
=
n+m∑
j=0
( ∑
j=λ+µ
aλ · (bµ + cµ)
)
xj
(3)
=
n+m∑
j=0
( ∑
j=λ+µ
aλ · bµ + aλ · cµ)
)
xj
(4)
=
n+m∑
j=0
( ∑
j=λ+µ
aλ · bµ
)
xj +
n+m∑
j=0
( ∑
j=λ+µ
aλ · cµ
)
xj
(5)
= f(x) · g(x) + f(x) · h(x),
onde em (1) usamos a de�nição da adição em A[x]; em (2), a de�nição da
multiplicação em A[x]; em (3), a distributividade em A; em (4), a de�nição
da adição em A[x] e em (5), novamente, a de�nição da multiplicação em
A[x]. 2
Tendo em vista as propriedades das operações de A[x], expressadas na
Proposição 2.1, temos que A[x] é um anel.
Exemplo 6. Podemos calcular a soma de m polinômios, construindo uma
tabela com m+ 1 linhas e tantas colunas quantas forem necessárias.
Vamos calcular f(x)+g(x)+h(x), onde f(x), g(x) e h(x) são os polinômios
em Z[x] do Exemplo 5. Neste caso, a tabela terá quatro linhas.
3x3 − 3x2 + 4x + 5
2x2 − 6x − 1
(+) − 3x3 + 5x2 − 3x + 2
0x3 + 4x2 − 5x + 6
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80 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
Logo, f(x) + g(x) + h(x) = 4x2 − 5x+ 6.
Agora, estamos prontos para os exemplos da multiplicação de polinômios.
Exemplo 7. Sejam f(x) = 2x3 + 3x2 − 4x + 3 e g(x) = x2 + 2x + 3 em
Z[x]. Vamos calcular f(x) · g(x). Usando a propriedade distributiva da
multiplicação de polinômios, temos
f(x) · g(x) = (2x3 + 3x2 − 4x+ 3) · (x2 + 2x+ 3)
= 2x3 · (x2 + 2x+ 3) + 3x2 · (x2 + 2x+ 3)+
(−4x) · (x2 + 2x+ 3) + 3 · (x2 + 2x+ 3)
= (2x5 + 4x4 + 6x3) + (3x4 + 6x3 + 9x2)+
(−4x3 − 8x2 − 12x) + (3x2 + 6x+ 9)
= 2x5 + (4+ 3)x4 + (6+ 6− 4)x3 + (9− 8+ 3)x2 + (−12+ 6)x+ 9
= 2x5 + 7x4 + 8x3 + 4x2 − 6x+ 9 ∈ Z[x].
Exemplo 8. Sejam g(x) = x2 + 2x + 3 e h(x) = −2x3 − x + 2 em Z[x].
Vamos calcular h(x) · g(x). Construiremos uma tabela, escrevendo h(x) na
primeira linha (L1) e g(x) na segunda (L2), com as potências de x em ordem
decrescente. Fazemos a multiplicação usando a propriedade distributiva e
calculando a multiplicação de cada termo do polinômio g(x) pelo polinômio
h(x), em ordem crescente das potências de x, organizando os resultados na
tabela, nas linhas subsequentes, em ordem crescente das potências de x. A
última linha da tabela (L6) será a adição das parcelas.
− 2x3 + 0x2 − x + 2 L1
(×) 2x2 + 2x + 3 L2
− 6x3 + 0x2 − 3x + 6 L3
− 4x4 + 0x3 − 2x2 + 4x L4
(+) −4x5 + 0x4 − 2x3 + 4x2 L5
−4x5 − 4x4 − 8x3 + 2x2 + x + 6 L6
Em (L3) está o cálculo de 3 · (−2x3 − x + 2); em (L4), o cálculo de
2x · (−2x3 − x + 2); em (L5), o cálculo de 2x2 · (−2x3 − x + 2) e em (L6), a
adição L3+L4+L5 das parcelas obtidas.
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Seção 2 Polinômios com Coe�cientes em Anéis 81
Nos Exemplos acima temos que
gr(f(x) · g(x)) = 5 = gr(f(x)) + gr(g(x))
e
gr(h(x) · g(x)) = 5 = gr(h(x)) + gr(g(x)).
Isto não é uma mera coincidência. Temos a seguinte propriedade impor-
tantíssima do grau em A[x]:
Sejam f(x) e g(x) polinômios não nulos em A[x], onde A é um domínio
de integridade. Se os coe�cientes líderes de f(x) e de g(x) são an e bm,
respectivamente, então o polinômio f(x) · g(x) tem coe�ciente líder an · bm.
Isto segue do fato de que an e bm são elementos não nulos de um domínio
de integridade, logo o seu produto é não nulo. Em particular, se f(x) e g(x)
são polinômios não nulos, então f(x) · g(x) é não nulo, mostrando que, nesse
caso, A[x] também é um domínio de integridade. Além disso,
gr(f(x) · g(x)) = gr(f(x)) + gr(g(x)).
A propriedade acima do grau, será chamada de propriedade multiplicativa
do grau.
Uma observação importante a ser feita e que será utilizada mais adiante é
que, mesmo que A não seja um domínio de integridade, se um dos coe�cientes
líderes de f(x) ou de g(x) for invertível, continua valendo a propriedade
multiplicativa do grau (cf. Problema 2.3).
Exemplo 9. Vamos determinar dois polinômios de grau 2 com coe�cientes
inteiros cujo produto seja x4+4 ∈ Z[x]. O método utilizado na nossa solução
é conhecido pelo nome de método dos coe�cientes a determinar de Descartes.
Sejam f(x) = x2 + ax+ b e g(x) = x2 + cx+ d em Z[x] tais que
x4 + 4 = f(x)g(x) = (x2 + ax+ b)(x2 + cx+ d)
= x4 + (a+ c)x3 + (d+ ac+ b)x2 + (ad+ bc)x+ bd.
Da igualdade de polinômios segue que
(1) a+ c = 0
(2) d+ ac+ b = 0
(3) ad+ bc = 0
(4) bd = 4.
De (4), obtemos que são seis as possiblidades para os valores de b e d,
a saber, b = 1 e d = 4, ou b = 2 e d = 2, ou b = 4 e d = 1, ou b = −1 e
d = −4, ou b = −2 e d = −2, ou b = −4 e d = −1.
De (1) temos que a = −c. Substituindo em (2), obtemos que d+b = c2.
Assim, a única possibilidade é b = 2 e d = 2 e, nesse caso, c = 2 ou
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82 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
c = −2. Logo, a = −2 ou a = 2. A equação (3) é satisfeita. Portanto,
f(x) = x2 − 2x+ 2 e g(x) = x2 + 2x+ 2; ou seja
x2 + 4 = (x2 − 2x+ 2)(x2 + 2x+ 2).
Problemas
2.1 Mostre as propriedades comutativa da adição e associativa da multipli-
cação em A[x], onde A é um anel.
2.2 Seja B um anel. De�nimos B∗ = {b ∈ B ; b tem inverso em B}. Mostre
que se A é um domínio de integridade, então A[x]∗ = A∗.
2.3 a) Se a é um elemento invertível de um anel A, mostre que ab 6= 0, para
todo b ∈ A \ {0}.
b) Sejam f(x), g(x) ∈ A[x] \ {0}. Mostre que se o coe�ciente líder de f(x) ou
de g(x) for invertível, então gr(f(x)g(x)) = gr(f(x)) + gr(g(x)).
2.4 Calcule a soma e o produto dos polinômios f(x) = −2x3 − x2 + x + 1 e
g(x) = 3x3 + 12x
2 − x− 2 em Q[x].
2.5 Determine os números reais a, b, c e d para que as igualdades de poli-
nômios abaixo sejam verdadeiras em R[x]:
a) (a2 − 5)x3 + (2− b)x2 + (3c− 2)x+ (d+ 3) = 0;
b) 3ax6 − 2bx5− 3c2x4 + d3 = x5 − x4 + 2;
c) ax2 + bx+ c = (ax− d)2;
d) (b+ d)x4 + (d+ a)x3 + (a− c)x2 + (c+ b) = 4x4 + 2x3 + 2.
2.6 Determine o grau do polinômio f(x) ∈ R[x], para a ∈ R,
a) f(x) = (a2 − 1)x2 + (a2 − 4a+ 3)x+ (a+ 2);
b) f(x) = (a3 − 4a)x3 + a(a+ 2)x2 + (a− 2)3.
2.7 Use o método dos coe�cientes a determinar para obter a ∈ Z de modo
que x4 + ax3 + 7x2 − ax + 1 seja o quadrado de um polinômio mônico em
Z[x].
2.8 Sejam f(x) = 2x+ 1, g(x) = 2x2 + 3 e h(x) = 3x+ 2 em Z4[x].
a) Determine os polinômios f(x) · g(x) e f(x) · h(x) e calcule os seus graus.
b) Mostre que Z4[x] não é um domínio de integridade.
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Seção 3 Polinômios em Várias Indeterminadas 83
3 Polinômios em Várias Indeterminadas
Seja A um anel. Seja A[x1] o anel de polinômios com coe�cientes em A na
indeterminada x1. Seja x2 uma indeterminada sobre o anel A[x1], de�nimos
A[x1, x2] =
(
A[x1]
)
[x2].
Procedendo indutivamente, de�nimos o anel de polinômios em n inde-
terminadas
A[x1, x2, . . . , xn] =
(
A[x1, x2, . . . , xn−1]
)
[xn].
O polinômio em n indeterminadas f(x1, . . . , xn) ∈ A[x1, . . . , xn] pode ser
escrito como
f(x1, . . . , xn) =
∑
0 ≤ j1 ≤ s1
.
.
.
0 ≤ jn ≤ sn
aj1,...,jnx
j1
1 · · · x
jn
n ,
onde s1, . . . sn ∈ N e aj1,...,jn ∈ A.
Cada termo do tipo aj1,...,jnx
j1
1 · · · x
jn
n é chamado de monômio e seu grau
é de�nido como j1 + · · ·+ jn, sempre que aj1,...,jn 6= 0.
De�nimos o grau de um polinômio não nulo em n indeterminadas com
coe�cientes em A como sendo o maior dos graus dos seus monômios não
nulos.
Exemplo 1. São polinômios em Q[x1, x2, x3]
f(x1, x2, x3) = x1x2 −
1
4x1x3 + x
2
2 − x
2
1,
g(x1, x2, x3) =
1
3 + x1 − 2x3 + x1x2 −
2
5x
2
1 + 3x1x2x
2
3 − 2x
4
2x3 + x
5
3,
h(x1, x2, x3) = 2+ x1x3 −
3
4x1x2x3 + 4x
3
2 − 3x1x3x
3
2 + x
5
2 +
1
2x
3
2x
3
3.
Temos que
gr(f(x1, x2, x3)) = 2, gr(g(x1, x2, x3)) = 5 e gr(h(x1, x2, x3)) = 6.
Um polinômio não nulo é chamado homogêneo de graum se todos os seus
monômios não nulos têm grau m.
Em um polinômio não nulo em n indeterminadas, a soma dos seus monô-
mios não nulos de grau m é um polinômio homogêneo, chamado componente
homogênea de grau m. Todo polinômio não nulo é a soma das suas compo-
nentes homogêneas.
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84 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
Exemplo 2. No exemplo anterior, f(x1, x2, x3) é um polinômio homogêneo
de grau 2 e as componentes homogêneas de h(x1, x2, x3) são:
componente homogênea de grau 0: 2,
componente homogênea de grau 2: x1x3,
componente homogênea de grau 3: − 34x1x2x3 + 4x
3
2,
componente homogênea de grau 5: −3x1x3x32 + x
5
2,
componente homogênea de grau 6: 12x
3
2x
3
3.
Se A for um domínio de integridade, sabemos que A[x1] é um domíno de
integridade, logo por um argumento de indução, segue-se que A[x1, . . . , xn]
é um domínio de integridade.
Problemas
3.1 Determine o grau e as componentes homogêneas dos seguintes polinô-
mios em Q[x1, x2, x3]
a) x21x
2
2 + x
4
3 + x
2
1x2 − 2x1x2 + x
2
2x
2
3 + 7x1 −
2
3x2;
b) −3x21x
3
2 − 2x1x
4
3 + x
2
1x2 − 2x1x2x3 − 2x
2
2x3 + x
3
2x3 + 4x
4
1x2.
3.2 Escreva os polinômios de Q[x, y] abaixo como elementos de
(
Q[x]
)
[y]:
a) 2x5y+ x3y2 + 2xy+ 3x2y2 − 5xy2 + 5x+ 3y+ 2;
b) 2x3y− 3x2y2 + 2xy+ 3x2y2 + 4x3y2 + 5xy2 + 3x2y+ 2x− 4.
4 Corpo de Frações de F[x]
Por ser um domínio de integridade, o anel dos inteiros satisfaz a lei do
cancelamento:
Se a, b, c ∈ Z, a 6= 0 e a · b = a · c, então b = c.
Com efeito, se a · b = a · c, então 0 = a · b−a · c = a(b− c), com a 6= 0,
logo b − c = 0 e b = c. Além disso, apenas os inteiros 1 e −1 têm inverso
em Z
O conjunto dos números racionais é de�nido por
Q =
{a
b
; a, b ∈ Z e b 6= 0
}
,
onde
a
b
=
a ′
b ′
se, e somente se, a · b ′ = b · a ′.
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Seção 4 Corpo de Frações de F[x] 85
Cada elemento
a
b
∈ Q é chamado de fração e a e b são chamados,
respectivamente, de numerador e denominador.
As operações de adição e multiplicação em Q são de�nidas por:
a
b
+
c
d
=
a · d+ b · c
b · d
e
a
b
· c
d
=
a · c
b · d
,
onde as operações de adição e multiplicação no numerador e denominador
das frações são as operações dos inteiros.
A soma e o produto independem da representação da fração, isto é, se
a
b
=
a ′
b ′
e
c
d
=
c ′
d ′
, então
a · d+ b · c
b · d
=
a ′ · d ′ + b ′ · c ′
b ′ · d ′
e
a · c
b · d
=
a ′ · c ′
b ′ · d ′
,
pois os produtos cruzados, em cada uma das frações, coincidem.
Com essas operações, Q é um corpo que contém Z como subanel. Os
elementos de Z podem ser identi�cados com as frações de denominador 1.
Na verdade, Q é o menor corpo contendo Z como um subanel, isto é, se L
é um corpo contendo Z como subanel, então Q ⊂ L. Q é conhecido como
corpo das frações de Z.
Podemos copiar essa construção para o anel F[x], onde F é um corpo
qualquer.
Em F[x] temos que se f(x) · g(x) = 0, então f(x) = 0 ou g(x) = 0. Os
elementos de F[x] que têm inverso são os elementos invertíveis de F. De modo
análogo ao caso dos inteiros, vale em F[x] a lei do cancelamento:
Se f(x), g(x), h(x) ∈ F[x], f(x) 6= 0 e f(x) · g(x) = f(x) · h(x), então
g(x) = h(x).
Com efeito, se f(x) · g(x) = f(x) · h(x) e f(x) 6= 0, então
0 = f(x) · g(x) − f(x) · h(x) = f(x)
(
g(x) − h(x)
)
,
logo g(x) − h(x) = 0 e g(x) = h(x).
De�nimos o conjunto das funções racionais por
F(x) =
{
f(x)
g(x)
; f(x), g(x) ∈ F[x] e g(x) 6= 0
}
,
onde
f(x)
g(x)
=
f ′(x)
g ′(x)
se, e somente se, f(x) · g ′(x) = g(x) · f ′(x).
As operações de adição e multiplicação em F(x) são de�nidas por:
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86 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
f(x)
g(x)
+
m(x)
n(x)
=
f(x) · n(x) + g(x) ·m(x)
g(x) · n(x)
e
f(x)
g(x)
· m(x)
n(x)
=
f(x) ·m(x)
g(x) · n(x)
,
onde as operações de adição e multiplicação do numerador e denominador
são as operações de F[x].
A soma e o produto independem da representação da fração, isto é, se
f(x)
g(x)
=
f ′(x)
g ′(x)
e
m(x)
n(x)
=
m ′(x)
n ′(x)
,
então
f(x) · n(x) + g(x) ·m(x)
g(x) · n(x)
=
f ′(x) · n ′(x) + g ′(x) ·m ′(x)
g ′(x) · n ′(x)
e
f(x) ·m(x)
g(x) · n(x)
=
f ′(x) ·m ′(x)
g ′(x) · n ′(x)
,
pois os produtos cruzados, em cada uma das frações, coincidem.
Com essas operações, F(x) é um corpo que contém F[x] como subanel.
F[x] pode ser identi�cado com as frações de F(x) de denominador 1. Na
verdade, F(x) é o menor corpo contendo F[x] como um subanel, isto é, se L
é um corpo contendo F[x] como um subanel, então F(x) ⊂ L.
Problemas
4.1 Mostre que a soma e o produto em Q ou em F(x) independem da
representação da fração.
4.2 Mostre que se L é um corpo contendo Z como subanel, então Q ⊂ L.
4.3 Mostre que se L é um corpo contendo F[x] como subanel, então F(x) ⊂ L.
5 Divisão Euclidiana
Vamos introduzir os conceitos de divisibilidade em A[x] e mostrar que
é possível fazer de modo único uma divisão com resto controlado em A[x],
sempre que o divisor tem coe�ciente líder invertível em A.
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Seção 5 Divisão Euclidiana 87
Sejam f(x) e g(x) em A[x]. Quando existe h(x) ∈ A[x] tal que f(x) =
g(x) · h(x) dizemos que f(x) é múltiplo de g(x). Nesse caso, se g(x) 6= 0
dizemos que g(x) divide f(x).
Exemplo 1. x2−2x+2 divide x4+4 em Z[x], assim como x2+2x+2 divide
x4 + 4 (cf. Exemplo 9, Seção 2).
Exemplo 2. É claro que se f(x) 6= 0, então f(x) divide 0.
O seguinte resultado é uma consequência da propriedade multiplicativa
do grau em A[x].
Proposição 5.1. Sejam A um anel, f(x), g(x) ∈ A[x]\{0}. Se g(x) tem
coe�ciente líder invertível e este polinômio divide f(x), então gr(g(x)) ≤
gr(f(x)).
Demonstração Como g(x) divide f(x) e ambos são não nulos, então existe
h(x) ∈ A[x]\{0} tal que f(x) = g(x)h(x). Pela propriedade multiplicativa do
grau, temos
gr(f(x)) = gr(g(x)h(x))
= gr(g(x)) + gr(h(x)) ≥ gr(g(x)).
2
A divisão em A[x] conhecida como divisão euclidianaserá apresentada
na proposição a seguir.
Lembramos que os únicos elementos em Z que têm inverso são 1 e −1.
Nos corpos Q, R ou C todo elemento não nulo tem inverso.
Proposição 5.2 (Divisão Euclidiana). Seja A um anel e sejam f(x), g(x) ∈
A[x], com g(x) 6= 0 e coe�ciente líder invertível em A. Então, existem q(x)
e r(x) em A[x], unicamente determinados, tais que
f(x) = q(x)g(x) + r(x),
onde r(x) = 0 ou gr(r(x)) < gr(g(x)).
Demonstração Seja g(x) = b0 + b1x + · · · + bmxm, onde bm tem inverso
b−1m ∈ A.
(Prova da existência) Se f(x) = 0, então tome q(x) = r(x) = 0.
Suponhamos que f(x) 6= 0. Seja n = gr(f(x)) e escreva f(x) = a0+a1x+
· · ·+ anxn, com an 6= 0.
Se n < m, então tome q(x) = 0 e r(x) = f(x).
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88 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
Podemos supor n ≥ m. A demonstração é por indução sobre n =
gr(f(x)).
Se n = 0, então 0 = n ≥ m = gr(g(x)), logo m = 0, f(x) = a0 6= 0,
g(x) = b0, com b
−1
0 ∈ A. Assim, f(x) = a0b
−1
0 g(x), com q(x) = a0b
−1
0 e
r(x) = 0.
Suponhamos o resultado válido para polinômios com grau menor do que
n = gr(f(x)). Vamos mostrar que vale para f(x).
Seja f1(x) o polinômio de�nido por f1(x) = f(x) − anb−1m x
n−mg(x). O po-
linômio anb−1m x
n−mg(x) tem grau n e coe�ciente líder an. Logo, gr(f1(x)) <
gr(f(x)). Por hipótese de indução, existem q1(x) e r1(x) em A[x] tais que
f1(x) = q1(x)g(x) + r1(x),
com r1(x) = 0 ou gr(r1(x)) < gr(g(x)). Logo,
f(x) = f1(x) + anb
−1
m x
m−ng(x)
(1)
= (q1(x)g(x) + r1(x)) + anb
−1
m x
m−ng(x)
(2)
= (q1(x) + anb
−1
m x
m−n)g(x) + r1(x).
Em (1) substituímos a expressão de f1(x) e em (2) usamos a comutativi-
dade da adição e a distributividade em A[x].
Tomamos q(x) = q1(x) + anb−1m x
m−n e r(x) = r1(x).
(Prova da unicidade) Sejam q1(x), r1(x), q2(x), r2(x) tais que
f(x) = q1(x)g(x) + r1(x)
(3)
= q2(x)g(x) + r2(x), onde
(4)
{
r1(x) = 0 ou gr(r1(x)) < gr(g(x)) e
r2(x) = 0 ou gr(r2(x)) < gr(g(x)).
De (3) segue que (q1(x) − q2(x))g(x) = r2(x) − r1(x).
Se q1(x) 6= q2(x), então q1(x) − q2(x) 6= 0, logo r2(x) − r1(x) 6= 0 e, da
Proposição 5.1, obtemos
gr( g(x)︸︷︷︸
divisor
) ≤ gr(r2(x) − r1(x))
(4)
< gr(g(x)),
uma contradição. Portanto, q1(x) = q2(x), logo r1(x) = r2(x). 2
Sejam f(x), g(x), q(x) e r(x) como na proposição anterior. Chamamos
f(x) de dividendo, g(x) de divisor, q(x) de quociente e r(x) de resto.
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Seção 5 Divisão Euclidiana 89
Observe que da proposição acima, segue-se que o polinômio g(x) divide
o polinômio f(x) se, e somente se, o resto da divisão de f(x) por g(x) for o
polinômio nulo.
Você deve ter observado também que a determinação do monômio de
maior grau do quociente só depende dos monômios de maior grau do divi-
dendo e do divisor. Na divisão de polinômios devemos prestar atenção nos
graus do dividendo, do divisor e do resto. Agora vamos armar a divisão.
Vejamos como determinar o quociente q(x) e o resto r(x) da divisão eucli-
diana do polinômio f(x) por g(x) com coe�ciente líder invertível. Elaboramos
uma tabela, ilustrando os cálculos passo a passo. Na tabela, armamos a di-
visão para calcular o quociente e o resto, resultados da divisão euclidiana.
Os seguintes exemplos consistem em armar e efetuar, conforme o modelo
f(x) g(x)
... q(x)
r(x)
Exemplo 3. Sejam f(x) = 2x+ 5 e g(x) = x2 + 2x+ 4 em Z[x].
(Passo 1) Temos gr(f(x)) = 1 < 2 = gr(g(x)). Nada a fazer.
(Passo 2) O quociente é q(x) = 0 e o resto é r(x) = f(x) = 2x+ 5.
2x + 5 x2 + 2x + 4
− 0 0
2x + 5
Exemplo 4. Sejam f(x) = 2x2 + 3x+ 3 e g(x) = x2 + 2x+ 2 em Q[x].
(Passo 1) O monômio de maior grau de f(x) é 2x2 e o monômio de maior
grau de g(x) é x2. O quociente da divisão de 2x2 por x2 é q1(x) = 2.
(Passo 2) Fazemos o cálculo:
r1(x) = f(x) − q1(x)g(x) = (2x
2 + 3x+ 3) − 2x2 − 4x− 4 = −x− 1.
2x2 + 3x + 3 x2 + 2x + 2
− 2x2 − 4x − 4 2
− x − 1
(Passo 3) Como 1 = gr(r1(x)) < gr(g(x)) = 2, não podemos continuar a
divisão. Paramos os cálculos.
(Passo 4) Obtemos q(x) = q1(x) = 2 e r(x) = r1(x) = −x− 1.
Exemplo 5. Faremos a divisão euclidiana de f(x) = 3x4+ 5x3+ 2x2+ x− 3
por g(x) = x2 + 2x+ 1 em Z[x].
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90 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
(Passo 1) O monômio de maior grau de f(x) é 3x4 e o monômio de maior
grau de g(x) é x2. O quociente da divisão de 3x4 por x2 é q1(x) = 3x2.
(Passo 2) Fazemos o cálculo:
r1(x) = f(x) − q1(x)g(x) = (3x
4 + 5x3 + 2x2 + x − 3) − 3x4 − 6x3 − 3x2 =
−x3 − x2 + x− 3.
3x4 + 5x3 + 2x2 + x − 3 x2 + 2x + 1
−3x4 − 6x3 − 3x2 3x2
− x3 − x2 + x − 3
(Passo 3) Como 3 = gr(r1(x)) > gr(g(x)) = 2 devemos continuar, dividindo
r1(x) por g(x), pois r1(x) não é o resto da divisão euclidiana.
(Passo 4) O monômio de maior grau de r1(x) é −x3 e o monômio de maior
grau de g(x) é x2. O quociente da divisão de −x3 por x2 é q2(x) = −x.
(Passo 5) Fazemos o cálculo:
r2(x) = r1(x) − q2(x)g(x) = (−x
3 − x2 + x− 3) + x3 + 2x2 + x = x2 + 2x− 3.
3x4 + 5x3 + x2 + x − 3 x2 + 2x + 1
−3x4 − 6x3 − 3x2 3x2 − x
− x3 − x2 + x − 3
x3 + 2x2 + x
x2 + 2x − 3
(Passo 6) Como 2 = gr(r2(x)) = gr(g(x)) = 2, podemos continuar, cal-
culando a divisão de r2(x) por g(x), pois r2(x) não é o resto da divisão
euclidiana.
(Passo 7) O monômio de maior grau de r2(x) é x2 e o monômio de maior
grau de g(x) é x2. O quociente da divisão de x2 por x2 é q3(x) = 1.
(Passo 8) Fazemos o cálculo:
r3(x) = r2(x) − q3(x)g(x) = (x
2 + 2x− 3) − x2 − 2x− 1 = −4.
3x4 + 5x3 + 2x2 + x − 3 x2 + 2x + 1
−3x4 − 6x3 − 3x2 3x2 − x + 1
− x3 − x2 + x − 3
x3 + 2x2 + x
x2 + 2x − 3
− x2 − 2x − 1
− 4
(Passo 9) Como 0 = gr(r3(x)) < gr(g(x)) = 2, terminamos o algoritmo, pois
r3(x) é o resto da divisão euclidiana.
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Seção 6 Algoritmo de Briot-Ru�ni 91
(Passo 10) Obtemos
q(x) = 3x2 − x+ 1 = q1(x) + q2(x) + q3(x) e r(x) = r3(x) = −4 .
Problemas
5.1 Sejam A um subanel de C, β ∈ A e f(x) ∈ A[x]. Mostre que o resto
da divisão euclidiana de f(x) por x− β é f(β).
5.2 Determine o resto da divisão euclidiana de f(x) = x6 − 1 ∈ Z[x] por
x+ 2.
5.3 Seja f(x) ∈ Q[x]. Sabendo que f(1) = 2 e f( 12) =
1
4 , determine o resto
da divisão euclidiana de f(x) por
(
x− 12
)
(x− 1).
5.4 Sejam f(x) ∈ Q[x] e a, b ∈ Q com a 6= b. Determine o resto da divisão
euclidiana de f(x) por (x− a)(x− b).
5.5 Dados f(x) e g(x), determine o quociente q(x) e o resto r(x) da divisão
euclidiana de f(x) por g(x), quando
a) f(x) = x6 − 64 e g(x) = x2 − 4 em R[x];
b) f(x) = 4x5 + 5x3 + 8x2 − 52x−
3
2 e g(x) = 2x
2 + x− 1 em Q[x];
c) f(x) = xn − βn e g(x) = x− β, β ∈ C\{0} e n ≥ 1.
6 Algoritmo de Briot-Ru�ni
Seja f(x) = a0+a1x+ · · ·+anxn ∈ A[x], onde A é um anel, e seja β ∈ A.
De�nimos a avaliação de f(x) em β como sendo
f(β) = a0 + a1β+ · · ·+ anβn ∈ A.
Se f(β) = 0, dizemos que β é uma raiz de f(x).
Proposição 6.1. Seja f(x) em A[x]\{0}. Então, β ∈ A é uma raiz de f(x)
se, e somente se, x− β divide f(x).
Demonstração Suponhamos que f(β) = 0. Pela divisão euclidiana de f(x)
por x− β, existem q(x), r(x) ∈ A[x] tais que
f(x) = q(x)(x− β) + r(x),
onde r(x) = 0 ou gr(r(x)) < gr(x − β) = 1. Assim, r(x) = r pertence a A e
f(x) = q(x)(x− β) + r. Avaliando f(x) em β, temos
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92 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
0 = f(β) = q(β)(β− β) + r = r,
mostrando que x− β divide f(x).
Reciprocamente, suponhamos que x−β divida f(x). Então, existe q(x) ∈
A[x] tal que f(x) = q(x)(x− β). Portanto,
f(β) = q(β)(β− β) = q(β) · 0 = 0.
2
Considerando a importância da divisão de um polinômio por polinômios
da forma x − β, vamos apresentar um método e�ciente e prático para a
determinação do quociente e do resto da divisão euclidiana de f(x) ∈ A[x]
por x−β, onde β ∈ A. Este método é chamado de algoritmo de Briot-Ru�ni,
cuja demonstração utiliza apenas o método dos coe�cientes a determinar de
Descartes.
Sejam f(x) = anxn + an−1xn−1 + · · · + a1x + a0 ∈ A[x],com an 6= 0, e
β ∈ A. Sejam q(x) ∈ A[x] e r ∈ A, respectivamente, o quociente e o resto
da divisão euclidiana de f(x) por x− β. Então,
f(x) = q(x)(x− β) + r, com gr(q(x)) = n− 1.
Escrevendo q(x) = qn−1xn−1 + qn−2xn−2 + · · ·+ q1x+ q0, temos que
f(x) = (qn−1x
n−1 + qn−2x
n−2 + · · ·+ q1x+ q0)(x− β) + r
= qn−1x
n + (qn−2 − βqn−1)x
n−1 + · · ·+ (q0 − βq1)x
+(r− βq0),
comparando com os coe�cientes de f(x), obtemos:
qn−1 = an
qn−2 − βqn−1 = an−1
qn−3 − βqn−2 = an−2
...
q1 − βq2 = a2
q0 − βq1 = a1
r− βq0 = a0
⇒

qn−1 = an
qn−2 = an−1 + βqn−1
qn−3 = an−2 + βqn−2
...
q1 = a2 + βq2
q0 = a1 + βq1
r = a0 + βq0
A sequência de igualdades acima à direita, é uma fórmula recursiva que
permite calcular os coe�cientes de q(x), da maior potência para a menor,
sucessivamente, a partir do valor inicial conhecido qn−1 = an. Os outros
coe�cientes são determinados, um após o outro.
O algoritmo de Briot-Ru�ni consiste na elaboração de uma tabela, para
calcular os coe�cientes de q(x) e o resto r, usando a fórmula recursiva. A
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Seção 6 Algoritmo de Briot-Ru�ni 93
tabela tem duas linhas. Começamos colocando na primeira linha β seguido
dos coe�cientes an, an−1, . . . , a1, a0 do dividendo f(x) e, na segunda linha,
o valor inicial qn−1 = an.
β an an−1 · · · a2 a1 a0
an = qn−1
Começamos fazendo o cálculo anβ+an−1 = qn−2 e colocando na segunda
linha e na coluna após qn−1, obtendo
β an an−1 · · · a2 a1 a0
an = qn−1 qn−2
Continuamos o procedimento, até que tenhamos
β an an−1 · · · a2 a1 a0
an = qn−1 qn−2 · · · q1 q0 r
Na prática, ao fazer os cálculos, é conveniente separar os coe�cientes do
quociente q(x) do resto r, conforme a seguinte tabela
β an an−1 · · · a2 a1 a0
an = qn−1 qn−2 · · · q1 q0 | r
Exemplo 1. Vamos determinar o quociente e o resto da divisão euclidiana
em Q[x] de f(x) = x3−2x2+3 por x+3, usando o algoritmo de Briot-Ru�ni.
Nesse caso, β = −3, gr(f(x)) = 3 e gr(q(x)) = 2.
−3 1 −2 0 3
1 −5 15 | −42
Logo, r = −42, 3 não é raiz de f(x), q(x) = x2 − 5x + 15 e f(x) =
(x2 − 5x+ 15)(x+ 3) − 42.
O algoritmo pode ser usado para fazer divisões sucessivas de f(x) por
x− β, quando β é uma raiz de f(x). Vejamos um exemplo.
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94 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
Exemplo 2. Seja f(x) = 4x4 + 5x2 − 7x + 2 ∈ Q[x]. Vamos mostrar que a
maior potência de x− 12 que divide f(x) é 2.
Fazemos a divisão euclidiana de f(x) por x− 12 e obtemos
1
2 4 0 5 −7 2
4 2 6 −4 | 0
Logo, 12 é raiz de f(x) e f(x) =
(
x− 12
)
q(x), onde q(x) = 4x3+2x2+6x−4.
Será que 12 é raiz de q(x)? Fazemos a divisão de q(x) por x −
1
2 na
mesma tabela, acrescentando β = 12 na linha dos coe�cientes do quociente.
Aplicamos o procedimento em q(x), obtendo
1
2 4 0 5 −7 2
1
2 4 2 6 −4 | 0
4 4 8 | 0
Logo, 12 é raiz de q(x), q(x) =
(
x− 12
)
(4x2+4x+8) e f(x) =
(
x− 12
)2
(4x2+
4x+ 8).
Será que 12 é raiz de q2(x) = 4x
2 + 4x + 8? Aplicamos mais uma vez o
procedimento, acrescentando 12 na linha dos coe�cientes de q2(x), obtendo
1
2 4 0 5 −7 2
1
2 4 2 6 −4 | 0
1
2 4 4 8 | 0
4 6 | 11
Logo, x− 12 não divide q2(x). Portanto,
f(x) =
(
x− 12
)2
(4x2 + 4x+ 8).
Temos então que
(
x− 12
)2
divide f(x), mas
(
x− 12
)3
não divide f(x).
Dizemos que β ∈ A é uma raiz de f(x) ∈ A[x] de multiplicidadem quando
(x−β)m divide f(x) e (x−β)m+1 não divide f(x) em A[x]. Nesse caso, existe
q(x) ∈ A[x] tal que
f(x) = (x− β)mq(x), com q(β) 6= 0.
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Seção 6 Algoritmo de Briot-Ru�ni 95
Dizemos que β é uma raiz simples de f(x), sem = 1, e uma raiz múltipla,
se m ≥ 2.
No Exemplo anterior, 12 é uma raiz de f(x) de multiplicidade 2.
Encerramos essa Seção com uma aplicação interessante do algoritmo de
Briot-Ru�ni.
Sejam A um subanel de C e β ∈ A. A função ϕ : A[x] −→ A[x] de�nida
por ϕ(g(x)) = g(x − β) é uma bijeção, pois ψ : A[x] −→ A[x] de�nida
por ψ(g(x)) = g(x + β) tem a propriedade de ϕ ◦ ψ = Id e ψ ◦ ϕ = Id.
Portanto, para cada f(x) ∈ A[x], existe um único polinômio g(x) ∈ A[x] tal
que f(x) = ϕ(g(x)) = g(x−β). Isto é equivalente a dizer que cada polinômio
f(x) com coe�cientes em A pode ser escrito, de uma única maneira, como
um polinômio com coe�cientes em A e potências de x− β.
Dado f(x) = anxn + · · · + a1x + a0 ∈ A[x], com an 6= 0 e n ≥ 1, como
podemos expressá-lo como um polinômio em potências de x− β?
Pela divisão euclidiana de f(x) por x− β, temos
f(x) = (x− β)q1(x) + r0, onde r0 ∈ A e gr(q1(x)) = n− 1.
Pela divisão euclidiana de q1(x) por x− β, temos
q1(x) = (x− β)q2(x) + r1, onde r1 ∈ A e gr(q2(x)) = n− 2.
Sucessivamente, fazemos a divisão de qj(x) por x−β, obtendo qj+1(x) ∈
A[x] e rj ∈ A, para j = 0, . . . , n−1, com gr(qj+1(x)) = n−j−1 e q0(x) = f(x).
Assim,
(1) f(x) = (x− β)q1(x) + r0, com gr(q1(x)) = n− 1 e r0 ∈ A
(2) q1(x) = (x− β)q2(x) + r1, com gr(q2(x)) = n− 2 e r1 ∈ A
...
(n) qn−1(x) = (x− β)qn(x) + rn−1, com gr(qn(x)) = 0 e rn−1 ∈ A.
Fazendo rn = qn(x) ∈ A e substituindo, sucessivamente, uma equação
na outra, obtemos
f(x) = r0 + r1(x− β) + · · ·+ rn−1(x− β)n−1 + rn(x− β)n,
onde rn = an é o coe�ciente líder de f(x).
O algoritmo de Briot-Ru�ni será a ferramenta para fazer as divisões
sucessivas por x− β.
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96 Propriedades Básicas dos Polinômios Cap. 3
β an an−1 · · · a2 a1 a0
β coe�cientes de q1(x) | r0
β coe�cientes de q2(x) | r1
...
...
β coe�cientes de qn−1(x) | rn−2
coe�cientes de qn(x) | rn−1
rn = an
Exemplo 3. Seja f(x) = 2x5 + 3x4 − x3 + x2 − 4 ∈ Z[x]. Vamos escrevê-lo
em potências crescentes de x+ 1.
−1 2 3 −1 1 0 −4
−1 2 1 −2 3 −3 | −1
−1 2 −1 −1 4 | −7
−1 2 −3 2 | 2
−1 2 −5 | 7
2 | −7
2
Logo, f(x) = −1− 7(x+ 1) + 2(x+ 1)2 + 7(x+ 1)3 − 7(x+ 1)4 + 2(x+ 1)5.
Problemas
6.1 Mostre que 12 e −
1
2 são raízes de
f(x) = 16x5 − 24x4 + 8x3 + 4x2 − 3x+ 12 ∈ Q[x]
e determine as suas multiplicidades.
6.2 Escreva x6− 64 como um polinômio em potências crescentes de x− 2.
6.3 Escreva xn−βn como um polinômio em potências crescentes de x−β,
onde β ∈ A\{0}, sendo A um anel.
6.4 Sejam A um anel, β ∈ A e a função ϕ : A[x] −→ A[x] de�nida por
ϕ(g(x)) = g(x− β). Para quaisquer f(x), g(x) ∈ A[x] e a ∈ A, mostre que:
a) ϕ(f(x) + g(x)) = ϕ(f(x)) +ϕ(g(x));
b) ϕ(f(x) · g(x)) = ϕ(f(x)) ·ϕ(g(x));
c) ϕ(af(x)) = aϕ(f(x)).
6.5 Seja f(x) = x5 − 5x4 + 7x3 − 2x2 + 4x− 8 ∈ Q[x].
a) Determine a multiplicidade da raiz 2 de f(x).
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Seção 6 Algoritmo de Briot-Ru�ni 97
b) Escreva f(x) como um polinômio em potências crescentes de x− 2.
6.6 Seja f(x) = x5 + 7x4 + 16x3 + 8x2 − 16x− 16 ∈ Q[x].
a) Determine a multiplicidade da raiz −2 de f(x).
b) Escreva f(x) como um polinômio em potências crescentes de x+ 2.
6.7 Sejam A um domínio de integridade, f(x) ∈ A[x] e β ∈ A uma raiz de
f(x) de multiplicidade m. Mostre que existe um polinômio q(x) em A[x], tal
que f(x) = (x− β)mq(x), com q(β) 6= 0.
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Bibliogra�a
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.
[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.
[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática
Universitária, IMPA, 2010 e 2012.
[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,
2006.
[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.
[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,
IMPA, 2004.
[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais
e Complexos. Editora UFRGS.
[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-
Verlag, 1994.
181
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4
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Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres VillelaCapítulo 4: Fatoração de Polinômios
Sumário
1 Polinômios e Suas Raízes . . . . . . . . . . . . . . 99
2 Fatoração de Polinômios sobre os Reais . . . . . 102
3 Polinômios Primos e a Fatoração Única . . . . . 108
4 MDC e MMC de Polinômios . . . . . . . . . . . 113
5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros . . . . . . . 117
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Seção 1 Polinômios e Suas Raízes 99
1 Polinômios e Suas Raízes
O próximo resultado nos dará uma limitação sobre o número de raízes
de um polinômio com coe�cientes em um domínio de integridade.
Proposição 1.1. Seja A um domínio de integridade e seja f(x) em A[x]\{0}.
Se f(x) tem grau n, então f(x) tem no máximo n raízes em A.
Demonstração A prova é por indução sobre n = gr(f(x)).
Se n = 0, então f(x) = a 6= 0 não tem raízes em A e o resultado é válido.
Seja n ≥ 0. Suponhamos o resultado verdadeiro para polinômios de grau
n e seja f(x) um polinômio com gr(f(x)) = n+ 1.
Se f(x) não tem raízes em A, nada há a demonstrar. Digamos que f(x)
tenha uma raiz β ∈ A. Pela Proposição 6.1, do Capítulo 3, x−β divide f(x)
em A[x], logo existe q(x) ∈ A[x] tal que
f(x) = q(x)(x− β), com gr(q(x)) = n.
Por hipótese de indução, q(x) tem no máximo n raízes em A. Observamos
que
α ∈ A é raiz de f(x) ⇐⇒ 0 = f(α) = q(α)(α− β)
(?)⇐⇒ q(α) = 0 ou α− β = 0⇐⇒ α é raiz de q(x) ou α = β,
onde em (?) usamos o fato de A ser um domínio de integridade. Logo, f(x)
tem no máximo n+ 1 raízes em A. 2
Exemplo 1. O polinômio x2 − 2 ∈ Q[x] não tem raízes em Q. Entretanto,
x2 − 2 ∈ R[x] tem duas raízes reais,
√
2 e −
√
2. O polinômio x2 + 1 ∈
Q[x] ⊂ R[x] não tem raízes reais. Olhando x2 + 1 como um polinômio com
coe�cientes complexos, vemos que tem as duas raízes i e −i em C.
Exemplo 2. (Raízes da Unidade) Considere a raiz complexa primitiva
n-ésima da unidade ξ = cos 2πn + i sen
2π
n . Sabemos que as raízes da unidade
são os números complexos da forma ξk, onde k = 0, . . . , n−1. Por de�nição,
as raízes n-ésimas da unidade são as raízes em C do polinômio p(x) = xn−1.
Essas raízes são todas simples, pois são duas a duas distintas e o seu número
é igual ao grau do polinômio p(x). Como 1 é raiz desse polinômio, temos
que x− 1 divide p(x). Efetuando esta divisão, encontramos
xn − 1 = (x− 1)(xn−1 + xn−2 + · · ·+ x+ 1).
Assim, as raízes da unidade distintas de 1 são as raízes do polinômio
xn−1 + xn−2 + · · ·+ x+ 1.
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100 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Exemplo 3. (Polinômios de Interpolação de Lagrange) Seja K um
corpo e sejam aj, bj ∈ K, j = 1, 2, . . . , n, com os aj dois a dois distintos e os
bj não todos nulos. Considere os polinômios
pj(x) = bj
(x− a1) · · · (x− aj−1)(x− aj+1) · · · (x− an)
(aj − a1) · · · (aj − aj−1)(aj − aj+1) · · · (aj − an)
, j = 1, . . . , n.
Então p(x) =
∑n
j=1 pj(x) é o único polinômio de grau menor do que n tal
que p(aj) = bj, j = 1, . . . , n.
De fato, o polinômio p(x) tem grau menor do que n e é tal que p(aj) = bj,
pois
pj(ak) =
{
0, se j 6= k
bj, se j = k.
Para provar a unicidade, suponha que q(x) seja um polinômio que sa-
tisfaz as mesmas condições de p(x). Segue-se que p(x) − q(x) se anula em
a1, . . . , an. Como esse polinômio tem grau menor do que n e tem n raízes,
ele é nulo, acarretanto que q(x) = p(x).
Vimos no Capítulo 1 que todo polinômio de grau 2 com coe�cientes
complexos tem raízes em C. Na verdade, o corpo dos números complexos
tem a seguinte propriedade especial:
Todo polinômio não constante com coe�cientes complexos tem uma raiz
complexa.
Este resultado tem uma história interessante e dada a posição central
que ocupava na Álgebra, no passado, foi batizado de Teorema Fundamental
da Álgebra. Contaremos a história deste teorema e o demonstraremos no
Capítulo 5.
Dizemos que um corpo K é algebricamente fechado quando todo polinô-
mio não constante com coe�cientes em K tem uma raiz em K. Portanto, o
Teorema Fundamental da Álgebra nos diz que C é algebricamente fechado.
Uma propriedade importante dos corpos algebricamente fechados é dada
no resultado a seguir.
Proposição 1.2. Sejam K um corpo algebricamente fechado e f(x) em K[x],
com gr(f(x)) = n ≥ 1. Então, existem β1, . . . , βn ∈ K, não necessariamente
distintos, e a ∈ K\{0} tais que
f(x) = a(x− β1) · · · (x− βn).
Demonstração A demonstração é por indução sobre o grau de f(x). Se
gr(f(x)) = 1, então f(x) = ax + b, com a, b ∈ K e a 6= 0, logo f(x) =
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Seção 1 Polinômios e Suas Raízes 101
a(x+a−1b) e β1 = −a−1b. Seja n ≥ 1 e suponhamos o resultado válido para
polinômios de grau n. Seja f(x) ∈ K[x] com gr(f(x)) = n + 1. Por hipótese,
f(x) tem uma raiz β ∈ K. Pela Proposição 6.1, Capítulo 3, f(x) = q(x)(x−β),
para algum q(x) ∈ K[x] e gr(q(x)) = n. Por hipótese de indução, existem
a, β1, . . . , βn ∈ K, com a 6= 0, tais que
q(x) = a(x− β1) · · · (x− βn).
Logo,
f(x) = a(x− β1) · · · (x− βn)(x− β).
Tomando βn+1 = β, obtemos o resultado. 2
É claro, na proposição anterior, que a é o coe�ciente líder de f(x). Após
uma reordenação das raízes de f(x), caso necessário, podemos supor que β1,
. . . , βs, 1 ≤ s ≤ n, são as suas raízes distintas e βj ocorre com multiplicidade
rj, para cada j = 1, . . . , s, logo
f(x) = a(x− β1)
r1 · · · (x− βs)rs ,
onde r1 + · · ·+ rs = n.
Nos corpos algebricamente fechados, todo polinômio de grau n ≥ 1 tem
exatamente n raízes, contadas com as suas multiplicidades.
Como consequência do resultado acima, podemos reenunciar o Teorema
Fundamental da Álgebra como a seguir.
Teorema 1.1. Todo polinômio f(x) com coe�cientes complexos e grau n ≥ 1,
se escreve de uma única maneira, a menos da ordem dos fatores, como
f(x) = a(x− β1)
r1 · · · (x− βs)rs ,
onde a ∈ C\{0} é o coe�ciente líder de f(x), β1, . . . , βs são números com-
plexos distintos, r1, . . . , rs são inteiros positivos tais que r1 + · · ·+ rs = n.
O resultado a seguir é característico dos domínios de integridade com um
número in�nito de elementos, como por exemplo os subanéis de C.
Proposição 1.3. Seja A um domínio de integridade com um número in�nito
de elementos. Se f(x) ∈ A[x] e f(β) = 0, para todo β ∈ A, então f(x) = 0.
Demonstração Suponhamos, por absurdo, que f(x) ∈ A[x]\{0} com f(β) =
0 para todo β ∈ A. Seja n = gr(f(x)). É claro que n 6= 0. Logo, n ≥ 1. Pela
Proposição 1.1, f(x) tem no máximo n raízes em A, contradizendo o fato de
A ser in�nito. 2
A diferença entre polinômio e função polinomial é apenas aparente nos
domínios com um número in�nito de elementos.
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102 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Corolário 1. Seja A um domínio de integridade com um número in�nito
de elementos. Sejam f(x) e g(x) em A[x] tais que f(β) = g(β), para todo
β ∈ A. Então, f(x) = g(x).
Demonstração Seja h(x) = f(x) − g(x). Então, para todo β ∈ A, h(β) =
f(β) − g(β) = 0. Pela proposição anterior, 0 = h(x) = f(x) − g(x). Logo,
f(x) = g(x). 2
Observação Os conceitos de polinômio e função polinomial são diferentes
em domínios �nitos. De fato, o leitor conhece exemplos de domínios com
um número �nito de elementos; a saber, para cada natural primo p, o corpo
Zp = { 0, 1, . . . , p− 1 }, das classes dos resíduos módulo p. Consideremos o
anel de polinômios Zp[x], dos polinômios com coe�cientes em Zp.
Para todo n ≥ 1, os polinômios fn(x) = xp
n
− x ∈ Zp[x], pelo Pequeno
Teorema de Fermat (cf. [3], Volume 1, ou [4]), têm a propriedade de fn(β) =
0, para todo β ∈ Zp, mostrando que em Zp os conceitos de polinômio e
função polinomial são diferentes.
Problemas
1.1 Seja F um corpo e sejam f(x) e ax+b, com a 6= 0, polinômios em F[x].
Mostre que se ax+ b divide f(x), então f(x) tem raiz em F.
1.2 Seja n ∈ N, com n ≥ 2. Considere a raiz primitiva n-ésima da unidade
ξ = cos 2πn + i sen
2π
n .
a) Mostre a igualdade de polinômios
1+ x+ x2 + · · ·+ xn−1 = (x− ξ)(x− ξ2) · · · (x− ξn−1).
b) Na igualdade acima, fazendo x = 1 e tomando os módulos de ambos os
lados,mostre a seguinte identidade trigonométrica:
sen
π
n
· sen 2π
n
· · · sen (n− 1)π
n
=
n
2n−1
.
1.3 Determine o polinômio de menor grau que tem raízes 0, 1+ i e 1− i e
toma valores 2 e −2 em −1 e 1, respectivamente.
2 Fatoração de Polinômios sobre os Reais
Vamos mostrar como obter a fatoração de um polinômio em R[x] a partir
da sua fatoração em C[x], obtida pelo Teorema Fundamental da Álgebra.
Para isto, precisamos do conceito de polinômio irredutível.
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Seção 2 Fatoração sobre os reais 103
Sejam F um corpo e f(x) ∈ F[x]\F. Dizemos que f(x) é um polinômio
irredutível em F[x] se possuir a seguinte propriedade:
Se f(x) = g(x) · h(x), com g(x), h(x) ∈ F[x], então f(x) ou g(x) é um
polinômio constante não nulo.
Caso contrário, dizemos que o polinômio f(x) é não irredutível ou redutível
em F[x].
Portanto, um polinômio f(x) é redutível em F[x] se, e somente se, existem
polinômios g(x), h(x) ∈ F[x] tais que f(x) = g(x)·h(x), com 0 < gr(g(x)) < gr(f(x))
e 0 < gr(h(x)) < gr(f(x)).
Exemplo 1. Seja F um corpo qualquer. O polinômio ax+ b, onde a, b ∈ F
e a 6= 0, é irredutível em F[x].
De fato, escrevendo ax+ b = f(x) · g(x), com f(x), g(x) ∈ F[x] temos que
ambos os fatores são não nulos e
1 = gr(ax+ b) = gr(f(x)) + gr(g(x)).
Logo, gr(f(x)) = 0 e gr(g(x)) = 1, ou gr(f(x)) = 1 e gr(g(x)) = 0. Então,
f(x) ou g(x) é um polinômio constante não nulo.
Em particular, o polinômio mônico x − β, com β ∈ F, é irredutível em
F[x].
Exemplo 2. Em C[x] um polinômio é irredutível se, e somente se, ele é de
grau 1.
Pelo Exemplo 1, sabemos que todo polinômio de grau 1 é irredutível.
Reciprocamente, suponhamos que f(x) ∈ C[x] e gr(f(x)) ≥ 2. Como C é
algebricamente fechado, existe β ∈ C tal que f(β) = 0, logo x−β divide f(x).
Portanto, existe q(x) ∈ C[x] tal que f(x) = q(x)(x− β), com gr(q(x)) + 1 =
gr(f(x)) ≥ 2, logo gr(q(x)) ≥ 1. Portanto, f(x) não é irredutível.
O resultado acima, é válido em todo corpo algebricamente fechado.
Na análise da irredutibilidade ou não de um polinômio, o corpo dos coe-
�cientes é muito importante.
Exemplo 3. Como x2 − 2 = (x−
√
2)(x+
√
2) em R[x], então x2 − 2 não é
irredutível em R[x]. Entretanto, x2 − 2 é irredutível em Q[x], pois tem grau
2 e não tem raiz em Q. (Veja Problema 2.2.)
Exemplo 4. Um polinômio f(x) = ax2+bx+c ∈ R[x], com ∆ = b2−4ac <
0, é irredutível em R[x]. De fato, se o polinômio fosse redutível, ele seria
divisível por um polinômio do primeiro grau em R[x], digamos dx + e, com
d 6= 0. Neste caso, f(x) teria a raiz real (−e/d), o que contradiz o fato de
∆ < 0.
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104 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Dado um polinômio f(x) = anxn+an−1xn−1+ · · ·+a1x+a0 em F[x], com
gr(f(x)) = n ≥ 1, e dado a ∈ F \ {0}, é fácil veri�car que f(x) é irredutível se,
e somente se, af(x) é irredutível.
Podemos escrever
f(x) = an(x
n + (an)
−1an−1x
n−1 + · · ·+ (an)−1a1x+ (an)−1a0︸ ︷︷ ︸
p(x)
).
Portanto, f(x) é irredutível se, e somente se, o polinômio mônico p(x) é
irredutível.
Assim, para determinar todos os polinômios irredutíveis de F[x] só preci-
samos conhecer os polinômios irredutíveis mônicos.
A �m de obter a decomposição de f(x) ∈ R[x] em produto de fatores ir-
redutíveis em R[x], vamos introduzir o conceito de conjugação de polinômios
com coe�cientes complexos e explorar algumas das suas propriedades.
Seja f(x) = anxn+ · · ·+a1x+a0 ∈ C[x]. O polinômio conjugado de f(x)
é de�nido por
f(x) = anx
n + · · ·+ a1x+ a0 ,
onde aj é o conjugado de aj, j = 0, . . . , n.
Daremos a seguir as propriedades da conjugação de polinômios.
Proposição 2.1. Sejam f(x), g(x), h(x) ∈ C[x]. A conjugação tem as se-
guintes propriedades:
(i) se f(x) = g(x) + h(x), então f(x) = g(x) + h(x);
(ii) se f(x) = g(x) · h(x), então f(x) = g(x) · h(x);
(iii) f(x) = f(x) se, e somente se, f(x) ∈ R[x];
(iv) se β ∈ C, então f(β) = f(β).
Demonstração Deixamos o item (i) como exercício.
Escrevamos f(x) =
s∑
j=0
ajx
j, g(x) =
n∑
j=0
bjx
j e h(x) =
m∑
j=0
cjx
j.
(ii) Suponhamos que f(x) = g(x) · h(x). Da de�nição de multiplicação de
polinômios, temos aj =
∑
λ+µ=j
bλcµ, para j = 0, . . . , s. Logo,
aj =
∑
λ+µ=j
bλcµ =
∑
λ+µ=j
bλcµ, para j = 0, . . . , s,
seguindo-se da de�nição da multiplicação de polinômios que g(x) · h(x) =
f(x).
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Seção 2 Fatoração sobre os reais 105
(iii) Tem-se que
f(x) = f(x) ⇐⇒ aj = aj, para todo j = 0, . . . , s⇐⇒ aj ∈ R, para todo j = 0, . . . , s⇐⇒ f(x) ∈ R[x].
(iv) Seja β ∈ C. Segue, da de�nição de avaliação e das propriedades da
conjugação em C, que
f(β) =
n∑
j=0
ajβ
j
=
n∑
j=0
ajβj =
n∑
j=0
ajβj = f(β).
2
Corolário 1. Seja β ∈ C uma raiz de f(x) ∈ C[x] de multiplicidade m.
Então, β é uma raiz de f(x) com multiplicidade m.
Demonstração Seja β ∈ C uma raiz de f(x) ∈ C[x] de multiplicidade m.
Então, f(x) = (x − β)mq(x) com q(β) 6= 0. De (ii) na proposição anterior,
segue que f(x) = (x − β)mq(x) e de (iv), q(β) = q(β) 6= 0 = 0, mostrando
que β é raiz de f(x) de multiplicidade m. 2
Proposição 2.2. Seja f(x) ∈ R[x]. Se β ∈ C é uma raiz de f(x) com
multiplicidade m, então β também é raiz de f(x) de multiplicidade m.
Demonstração Se f(x) ∈ R[x], temos que f(x) = f(x), seguindo-se o resul-
tado do Corolário 1, acima. 2
Corolário 1. As raízes complexas não reais de f(x) ∈ R[x] ocorrem aos
pares (cada raiz com sua conjugada). Todo polinômio de grau ímpar em R[x]
tem pelo menos uma raiz real.
Demonstração Seja f(x) ∈ R[x] e seja β ∈ C, β 6∈ R, tal que f(β) = 0.
Então, β 6= β e f(β) = 0 se, e somente se, f(β) = 0, ambas com a mesma
multiplicidade. Portanto, se o polinômio tem grau ímpar, tem de ter pelo
menos uma raiz real. 2
Proposição 2.3. Os polinômios mônicos irredutíveis em R[x] são da forma
x− a, a ∈ R, ou x2 + bx+ c, com b2 − 4c < 0. Todo polinômio f(x) ∈ R[x],
com gr(f(x)) > 2, é redutível em R[x].
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106 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Demonstração Já sabemos que os polinômios x − a, onde a ∈ F, são
irredutíveis em qualquer corpo F.
Um polinômio de grau 2 com coe�cientes em qualquer corpo F é irredu-
tível em F[x] se, e somente se, não tem raízes em F. Logo, x2 + bx + c é
irredudível em R[x] se, e somente se, x2+bx+ c não tem raízes em R, o que
equivale a ter b2 − 4c < 0.
Para demonstrar a última a�rmação, seja f(x) ∈ R[x] tal que gr(f(x)) > 2.
Seja β ∈ C uma raiz de f(x). Temos dois casos a considerar:
Caso 1: Se β ∈ R, então x − β divide f(x) em R[x]. Logo, f(x) é redutível
em R[x].
Caso 2: Se β ∈ C \ R, então β 6= β e β também é raiz de f(x). Logo,
(x− β)(x− β) divide f(x) em C[x]. Entretanto,
(x− β)(x− β) = x2 − (β+ β)x+ ββ
= x2 − 2Re(β)x+ | β |2 ∈ R[x],
logo x2 − 2Re(β)x+ | β |2 divide f(x) em R[x]. Então, f(x) é redutível em
R[x]. 2
Como consequência do Teorema 1.1, temos a seguinte versão para poli-
nômios com coe�cientes reais do Teorema Fundamental da Álgebra.
Teorema 2.1 (Teorema Fundamental da Álgebra em R[x]). Todo polinômio
f(x) com coe�cientes reais e grau n ≥ 1 se escreve de modo único, a menos
da ordem dos fatores, como
f(x) = a(x− β1)
r1 · · · (x− βt)rtp1(x)n1 · · ·ps(x)ns,
onde a ∈ R \ {0} é o coe�ciente líder de f(x); β1, . . . , βt são as raízes reais
distintas de f(x); pj(x) = x2 + bjx+ cj são polinômios distintos com coe�ci-
entes reais tais que bj
2 − 4cj < 0, para todo j = 1, . . . , s; e r1, . . . , rt, n1,
. . . , ns são números naturais, tais que r1 + · · ·+ rt + 2n1 + · · ·+ 2ns = n.
Exemplo 5. x4 − 2 = (x2 −
√
2)(x2 +
√
2) = (x − 4
√
2)(x + 4
√
2)(x2 +
√
2) é a
fatoração em produto de polinômios mônicos irredutíveis em R[x].
Exemplo 6. Qual a fatoração em polinômios mônicos irredutíveis em R[x]
de f(x) = x4 + 1 ?
As raízes em C de f(x) são as raízes complexas quartas de −1, pois
β4 + 1 = 0 se, e somente se, β4 = −1. Vamos determiná-las. O argumento
de −1 é π. Assim, as raízes complexas quartas de −1 têm argumentos φk =
π+2πk4 =
π(2k+1)
4 , k = 0, 1, 2, 3 e módulo ρ =
4
√
|− 1| = 4
√
1 = 1. Logo,
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Seção 2 Fatoração sobre os reais 107
φ0 =
π
4 ⇒ z0 = cos π4 + i sen π4 = √22 + √22 i
φ1 =
3π
4 ⇒ z1 = cos 3π4 + i sen 3π4 = −√22 + √22 i
φ2 =
5π
4 ⇒ z2 = cos 5π4 + i sen 5π4 = −√22 − √22 i
φ3 =
7π
4 ⇒ z3 = cos 7π4 + i sen 7π4 = √22 − √22 i,
então
x4 + 1 = (x− z0)(x− z1)(x− z2)(x− z3) em C[x].
Note que z0 = z3 e z1 = z2. Portanto, z0 e z3 são raízes do polinô-
mio (x − z0)(x − z0) = x2 −
√
2x + 1 e z1 e z2 são raízes do polinômio
(x− z1)(x− z1) = x
2 +
√
2x+ 1. Logo,
x4 + 1 = (x2 +
√
2x+ 1)(x2 −
√
2x+ 1)
é a fatoração em polinômios mônicos irredutíveis em R[x].
Problemas
2.1 Sejam F um corpo e f(x) ∈ F[x]\F. Mostre que f(x) é irredutível, se e
somente se, af(x) é irredutível para todo a ∈ F\{0}.
2.2 Seja f(x) ∈ F[x] um polinômio de grau 2 ou 3, onde F é um corpo.
a) Mostre que f(x) é não irredutível em F[x] se, e somente se, f(x) tem uma
raiz em F.
b) Escreva a condição para f(x) de grau 2 ou 3 ser irredutível em F[x].
2.3 Dê exemplos de um corpo F e um polinômio f(x) ∈ F[x], tal que
gr(f(x)) = 4, f(x) não tem raízes em F e f(x) não é irredutível em F[x].
2.4 Mostre que os seguintes polinômios são irredutíveis em Q[x]:
a) x2 − 2x− 1; b) x2 + x+ 1; c) x3 − 2.
2.5 Seja F um corpo. Mostre que em F[x] há in�nitos polinômios mônicos
irredutíveis.
2.6 Faça o que se pede.
a) Determine o polinômio f(x) de grau 3 com coe�cientes reais e coe�ciente
líder 3, tal que 1 e 1− i são raízes de f(x).
b) Dê as fatorações do polinômio f(x) do item (a) em produto de potências
de polinômios mônicos irredutíveis em R[x] e em C[x].
c) Determine o polinômio g(x) de grau 4 com coe�cientes reais e coe�ciente
líder −2, tal que 3+ 4i e 2+ i são raízes de f(x).
d) Dê as fatorações do polinômio g(x) do item (c) em produto de potências
de polinômios mônicos irredutíveis em R[x] e em C[x].
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108 Fatoração de Polinômios Cap. 4
e) Dê o polinômio mônico com coe�cientes complexos de menor grau, tal que
3 + i e 2 são suas raízes. Quais polinômios com coe�cientes complexos são
tais que 3+ i e 2 são suas raízes?
f) Dê o polinômio mônico com coe�cientes reais de menor grau, tal que 3+ i
e 2 são suas raízes. Quais os polinômios com coe�cientes reais, tais que 3+ i
e 2 são suas raízes?
2.7 Dê a fatoração em produto de polinômios mônicos irredutíveis em R[x]
de cada polinômio abaixo.
a) x4 + 5x2 + 6; b) x4 + 6x2 + 9; c) x4 + x2 + 1.
2.8 Seja f(x) = x5 − 5x4 + 7x3 − 2x2 + 4x− 8.
a) Dê as fatorações de f(x) em produto de polinômios mônicos irredutíveis
em R[x] e em C[x], usando o Problema 6.5, Capítulo 3;
b) Dê as raízes de f(x) em C com suas multiplicidades.
2.9 Seja f(x) = x5 + 7x4 + 16x3 + 8x2 − 16x− 16.
a) Dê as fatorações de f(x) em produto de polinômios mônicos irredutíveis
em R[x] e em C[x], usando o Problema 6.6, Capítulo 3;
b) Dê as raízes de f(x) em C com suas multiplicidades.
2.10 Dê as fatorações em produto de polinômios mônicos irredutíveis em
C[x] e em R[x] dos polinômios abaixo.
a) x6 − 16; b) x6 + 16; c) x8 − 1; d) x8 + 1.
2.11 Seja f(x) = x6−4x5+15x4−24x3+39x2−20x+25. Sabendo que 1+2i
é uma raiz múltipla de f(x), determine a sua multiplicidade, as outras raízes
complexas de f(x) e dê a decomposição de f(x) em produto de potências de
polinômios mônicos irredutíveis em R[x].
3 Polinômios Primos e a Fatoração Única
Qual a importância dos polinômios irredutíveis? Veremos adiante que os
polinômios irredutíveis desempenham papel semelhante ao desempenhado
pelos números primos.
Um polinômio f(x) ∈ A[x]\F, onde A é um domínio de integridade,
será chamado de polinômio primo se, sempre que f(x) dividir um produto
g(x)h(x), então f(x) divide um dos fatores; ou seja, f(x) divide g(x) ou divide
h(x).
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Lema 3.1. Todo polinômio primo, com coe�cientes em um domínio de in-
tegridade, é irredutível.
Demonstração De fato, suponhamos que f(x) seja primo e digamos que
f(x) = g(x)h(x), com g(x) e h(x) em A[x]. Então, f(x) divide g(x)h(x) e,
por hipótese, f(x) divide g(x) ou f(x) divide h(x). Suponhamos que f(x)
divida g(x). Então, g(x) = f(x)q(x) para algum q(x) ∈ A[x] e
f(x) = g(x)h(x) = f(x)q(x)h(x).
Cancelando f(x) (aqui usamos o fato de A ser domínio de integridade), obte-
mos que 1 = q(x)h(x). Logo, h(x) = a 6= 0, a ∈ F. O outro caso é análogo.
Então, f(x) é irredutível. 2
Quando A é um corpo, vale a recíproca da propriedade acima. Para
demonstrar este fato, precisaremos do lema a seguir. Antes, porém, �xemos
uma notação.
Dados elementos f(x), g(x), d(x) ∈ F[x], onde F é um corpo, de�nimos
I(f(x), g(x)) = { a(x)f(x) + b(x)g(x) ; a(x), b(x) ∈ F[x] }
e
I(d(x)) = { c(x)d(x) ; c(x) ∈ F[x] }.
Note que a segunda de�nição é um caso particular da primeira, pois
I(d(x)) = I(d(x), 0). Note também que h(x) ∈ I(f(x), g(x)) se, e somente se,
ah(x) ∈ I(f(x), g(x)), para todo a ∈ F \ {0} (cf. Problema 3.1).
Lema 3.2. Sejam f(x), g(x) ∈ F[x], onde F é um corpo, com pelo menos
um deles não nulo. Então, existe um polinômio d(x) ∈ I(f(x), g(x)), tal que
I(f(x), g(x)) = I(d(x)).
Demonstração Considere o subconjunto dos números naturais:
S = { gr(h(x)) ; h(x) ∈ I(f(x), g(x)) e h(x) 6= 0 }.
O conjunto S é não vazio, pois f(x) = 1 · f(x) + 0 · g(x) ∈ I(f(x), g(x)) e
g(x) = 0 · f(x) + 1 · g(x) ∈ I(f(x), g(x)) e, portanto, I(f(x), g(x)) possui um
elemento não nulo. Como S ⊂ N, pelo Princípio da Boa Ordenação, S tem
um menor elemento, digamos s. Então, existe d(x) ∈ I(f(x), g(x)), d(x) 6= 0,
tal que s = gr(d(x)).
Como d(x) ∈ I(f(x), g(x)), existem a0(x), b0(x) ∈ F[x] tais que
d(x) = a0(x)f(x) + b0(x)g(x). (1)
Logo, para todo c(x) ∈ F[x], temos que
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110 Fatoração de Polinômios Cap. 4
c(x)d(x) = (c(x)a0(x))f(x) + (c(x)b0(x))g(x) ∈ I(f(x), g(x)),
mostrando que I(d(x)) ⊂ I(f(x), g(x)).
Por outro lado, seja h(x) ∈ I(f(x), g(x)). Pela divisão euclidiana de h(x)
por d(x), existem q(x), r(x) ∈ F[x] tais que
h(x) = q(x)d(x) + r(x),
onde r(x) = 0 ou gr(r(x)) < gr(d(x)). Temos que
r(x) = h(x) − q(x)d(x). (2)
Como h(x) ∈ I(f(x), g(x)), existem polinômios a(x), b(x) em F[x], tais que
h(x) = a(x)f(x) + b(x)g(x). Substituindo a expressão (1) em (2), obtemos
que
r(x) = a(x)f(x) + b(x)g(x) − q(x)(a0(x)f(x) + b0(x)g(x))
= (a(x) − q(x)a0(x))f(x) + (b(x) − q(x)b0(x))g(x).
Logo, r(x) ∈ I(f(x), g(x)). Pela escolha de d(x), como sendo um elemento
de menor grau em I(f(x), g(x)), temos que r(x) = 0. Logo, de (2), temos que
h(x) = q(x)d(x) ∈ I(d(x)) e, consequentemente, I(f(x), g(x)) ⊂ I(d(x)). 2
Façamos a seguir algumas observações importantes.
a) Observe que o elemento d(x) tal que I(f(x), g(x)) = I(d(x)) é qualquer
elemento de I(f(x), g(x)) de menor grau possível. Dentre esses, existe um
único polinômio mônico (cf. Problema 3.1)
b) Os polinômios f(x) e g(x) pertencem a I(d(x)), logo f(x) = c1(x)d(x) e
g(x) = c2(x)d(x), onde c1(x), c2(x) ∈ F[x]. Portanto, d(x) divide ambos os
polinômios f(x) e g(x).
c) Como d(x) ∈ I(f(x), g(x)), então existem a0(x), b0(x) ∈ F[x] tais que
d(x) = a0(x)f(x) + b0(x)g(x).
d) Se um polinômio h(x) divide ambos os polinômios f(x) e g(x), então h(x)
divide a0(x)f(x) + b0(x)g(x) = d(x).
Agora estamos prontos para provar o resultado anunciado.
Proposição 3.1. Seja f(x) ∈ F[x]\F, onde F é um corpo. Temos que f(x) é
primo se, e somente se, f(x) é irredutível.
Demonstração (⇒) Já foi demonstrado no Lema 3.1.
(⇐) Seja f(x) ∈ F[x]\F irredutível. Sejam g(x) e h(x) em F[x] tais que f(x)
divide g(x)h(x) e f(x) não divide g(x). Vamos mostrar que f(x) divide h(x).
Consideremos o conjunto I(f(x), g(x)). Pelo Lema 3.2, existe um polinô-
mio d(x) 6= 0 em F[x], tal que I(d(x)) = I(f(x), g(x)). Como d(x) divide
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Seção 3 PolinômiosPrimos e a Fatoração Única 111
f(x) e este polinômio é irredutível, temos que existe a em F \ {0} tal que
d(x) = a ou d(x) = af(x). Esta última possibilidade não pode ocorrer, pois
d(x) divide g(x), mas por hipótese f(x) não divide g(x). logo, d(x) = a.
Portanto, a = d(x) = a0(x)f(x) + b0(x)g(x), para alguns a0(x), b0(x) ∈
F[x]. Multiplicando esta igualdade por h(x)a−1, obtemos
h(x) = a0(x)f(x)h(x)a
−1 + b0(x)g(x)h(x)a
−1.
Como f(x) divide cada parcela à direita, então f(x) divide a sua soma que é
h(x). 2
Temos, assim, a seguinte propriedade para polinômios mônicos, com co-
e�cientes em algum corpo, análoga a uma bem conhecida propriedade dos
números naturais:
Dado um polinômio mônico p(x), com coe�cientes em algum corpo
p(x) é primo ⇐⇒ p(x) é irredutível⇐⇒ 1 e p(x) são os únicos divisores
mônicos de p(x) .
Teorema 3.1 (Fatoração única). Seja F um corpo e seja f(x) ∈ F[x] com
gr(f(x)) ≥ 1. Então, existem polinômios mônicos irredutíveis p1(x), . . . ,
ps(x) distintos, a ∈ F\{0} e números naturais n1 ≥ 1, . . . , ns ≥ 1, tais que
f(x) = ap1(x)
n1 · · ·ps(x)ns .
Essa expressão é única, a menos da ordem dos fatores.
Demonstração Vamos mostrar que existem polinômios mônicos irredutí-
veis, não necessariamente distintos, p1(x), . . . , pm(x) tais que
f(x) = ap1(x) · · ·pm(x)
e essa expressão é única a menos da ordem dos fatores. Obtemos a expressão
do enunciado, supondo que os fatores distintos são p1(x), . . . , ps(x), com
s ≤ m (após uma reenumeração, caso necessário, e agrupando os fatores
iguais).
A demonstração da existência de uma tal decomposição será feita por
indução sobre n = gr(f(x)).
Se gr(f(x)) = 1, então f(x) = ax+b = a(x+a−1b), com a, b ∈ F e a 6= 0.
Suponhamos que gr(f(x)) = n ≥ 2 e o teorema válido para polinômios
em F[x] não constantes com grau menor do que n. Vamos mostrar que vale
para f(x). Seja f(x) = anxn + · · ·+ a1x+ a0. Se f(x) é irredutível, então
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112 Fatoração de Polinômios Cap. 4
f(x) = an (x
n + · · ·+ a−1n a1x+ a−1n a0)︸ ︷︷ ︸
p1(x) mônico irredutível
.
Portanto, podemos supor que f(x) seja redutível. Então, existem g(x) e
h(x) em F[x] não constantes tais que
f(x) = g(x)h(x),
com 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) < n = gr(f(x)). Por hipótese de indução, g(x) =
bp1(x) · · ·pr(x), com p1(x), . . . , pr(x) mônicos e irredutíveis e b ∈ F\{0}.
h(x) = cpr+1(x) · · ·pr+`(x), pr+1(x), . . . , pr+`(x) mônicos e irredutíveis e
c ∈ F\{0}.
Logo,
f(x) = b · p1(x) · · ·pr(x) · c · pr+1(x) · · ·pr+`(x)
= a · p1(x) · · ·pr(x) · pr+1(x) · · ·pr+`(x),
onde a = b · c ∈ F\{0} e p1(x), . . . , pr+`(x) são mônicos irredutíveis.
Para provar a unicidade, suponhamos que
f(x) = a · p1(x) · · ·pm(x) = b · q1(x) · · ·qr(x), (3)
com a, b ∈ F\{0} e p1(x), . . . , pm(x), q1(x), . . . , qr(x) mônicos e irredutíveis.
Como a = coe�ciente líder de f(x) = b, cancelando em (3) obtemos
p1(x) · · ·pm(x) = q1(x) · · ·qr(x).
Como p1(x) divide o polinômio à esquerda da igualdade acima, temos
que p1(x) divide q1(x) · · ·qr(x). Como p1(x) é primo, então p1(x) divide
qj(x) para algum j = 1, . . . , r. Portanto, qj(x) = up1(x) para algum u ∈
F\{0}. Comparando os coe�cientes líderes, obtemos u = 1 e qj(x) = p1(x).
Reenumerando os polinômios q1(x), . . . , qr(x), se necessário, podemos supor
p1(x) = q1(x).
Faremos indução sobre m. Se m = 1, então r = 1. Se m > 1, cancelamos
p1(x), obtendo
p2(x) · · ·pm(x) = q2(x) · · ·qr(x)
e, por hipótese de indução, m− 1 = r− 1, que é equivalente a m = r, e cada
pj(x) é igual a qj(x). 2
Problemas
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Seção 4 MDC e MMC de Polinômios 113
3.1 Sejam F um corpo e f(x), g(x) ∈ F[x]. Mostre que
a) Se h(x), k(x) ∈ I(f(x), g(x)), então h(x) + k(x) ∈ I(f(x), g(x));
b) Se `(x) ∈ F[x] e h(x) ∈ I(f(x), g(x)), então `(x)h(x) está em I(f(x), g(x));
c) h(x) ∈ I(f(x), g(x)) se, e somente se, ah(x) ∈ I(f(x), g(x)), para todo
a ∈ F\{0};
d) Se f(x), g(x) não são ambos nulos, existe um único polinômio mônico
d(x) ∈ F[x] tal que I(f(x), g(x)) = I(d(x)).
3.2 Sejam F um corpo e f1(x), . . . , fs(x), p(x) ∈ F[x], com p(x) irredutível.
a) Mostre que se p(x) divide f1(x) · · · fs(x), então existe j = 1, . . . , s tal que
p(x) divide fj(x).
b) Mostre que se f1(x), . . . , fs(x) são irredutíveis e p(x) divide f1(x) · · · fs(x),
então existem j = 1, . . . , s e aj 6= 0 em F tais que p(x) = ajfj(x).
c) Mostre que se f1(x), . . . , fs(x) são mônicos irredutíveis, p(x) é mônico e
p(x) divide f1(x) · · · fs(x), então existem j = 1, . . . , s tal que p(x) = fj(x).
3.3 Sejam F um corpo e β ∈ F. Mostre que f(x) é irredutível em F[x] se,
e somente se, f(x − β) é irredutível em F[x], para qualquer β ∈ F. Observe
que a condição do enunciado �para qualquer� pode ser substituída por �para
algum�.
Sugestão Use o Problema 6.4 do Capítulo 3.
3.4 Sejam F um corpo e f(x) = anxn + an−1xn−1 + · · · + a1x + a0 em
F[x] com an 6= 0. De�nimos o polinômio recíproco de f(x) por Rec(f(x)) =
an + an−1x + · · · + a1xn−1 + a0xn. Mostre que se a0 6= 0, f(x) é irredutível
se, e somente se, Rec(f(x)) é irredutível.
3.5 Seja p um número natural primo. Escreva o polinômio xp− x de Zp[x]
como produto de fatores mônicos irredutíveis.
4 MDC e MMC de Polinômios
Em anéis de polinômios, temos os conceitos de máximo divisor comum e
de mínimo múltiplo comum, análogos aos dos correspondentes conceitos no
anel dos inteiros.
Sejam f(x), g(x) ∈ F[x], não ambos nulos, onde F é um corpo. Um ele-
mento d(x) em F[x] é chamado um máximo divisor comum de f(x) e g(x) se
possuir as seguintes propriedades:
(i) d(x) é divisor comum de f(x) e de g(x), isto é, d(x) divide cada um desses
polinômios;
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114 Fatoração de Polinômios Cap. 4
(ii) se h(x) ∈ F[x] é um divisor comum de f(x) e g(x), então h(x) divide d(x).
Da propriedade (ii), acima, deduz-se facilmente que se d(x) e d ′(x) são
dois máximos divisores comuns de f(x) e g(x), então d(x) divide d ′(x) e
viceversa. Logo, existe uma constante não nula a ∈ F tal que d ′(x) = ad(x).
No entanto, pela de�nição de mdc não é evidente que este sempre exista.
Porém, as observações b) a d), da seção anterior, garantem a existência de
um mdc de quaisquer dois polinômios f(x) e g(x), não ambos nulos. Este
é precisamente qualquer um dos polinômios d(x) tal que I(f(x), g(x)) =
I(d(x)).
Como dois mdc de dois polinômios diferem por uma constante multipli-
cativa não nula, existe um único mdc mônico que será chamado de o mdc
de f(x) e g(x) e será denotado por mdc
(
f(x), g(x)
)
. Se algum dos poli-
nômios f(x) ou g(x) é nulo, digamos f(x) = 0, então é fácil veri�car que
mdc
(
f(x), g(x)
)
= a−1g(x), onde a é o coe�ciente líder de g(x).
Sejam f(x), g(x) ∈ F[x], ambos não nulos. Um elemento m(x) em F[x] é
chamado um mínimo múltiplo comum de f(x) e g(x), se possuir as seguintes
propriedades:
(i) m(x) é um múltiplo comum de f(x) e g(x), isto é, m(x) é múltiplo de f(x)
e de g(x);
(ii) se h(x) ∈ F[x] é um múltiplo comum de f(x) e g(x), então h(x) é múltiplo
de m(x).
A�rmamos que para quaisquer f(x), g(x) ∈ F[x], existe um mínimo múl-
tiplo comum.
Observamos, primeiramente, que o conjunto dos múltiplos comuns do
produto f(x)g(x) é um múltiplo comum de f(x) e de g(x), logo é múltiplo de
um mmc. Também temos f1(x) · · · ft(x) = 0 se, e somente se, fj(x) = 0, para
algum j = 1, . . . , t. Portanto, o mínimo múltiplo comum é 0 se, e somente
se, fj(x) = 0, para algum j = 1, . . . , t.
Consideremos agora todos os polinômios não nulos. Segue do Teorema
3.1 que existe um mínimo múltiplo comum em F[x].
Em geral, m(x) é um mmc de f1(x), . . . , ft(x) se, e somente se, am(x)
é um mmc de f1(x), . . . , ft(x), para todo a em F\{0}. Portanto, se todos os
polinômios são não nulos, existe um único mínimo múltiplo comum mônico,
denotado por mmc
(
f1(x), . . . , ft(x)
)
.
Como determinar o máximo divisor comum ou o mínimo múltiplo comum
de dois polinômios?
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Seção 4 MDC e MMC de Polinômios 115
Se um dos polinômios é o polinômio nulo, digamos f(x) = 0 e g(x) 6= 0,
então g(x) tem as propriedades (i) e (ii) da de�nição de mdc, logo é um
máximo divisor comum de f(x) e g(x). Nesse caso, mdc(0, g(x)) = a−1g(x),
onde a é o coe�ciente líder de g(x), e o mínimo múltiplo comum de 0 e g(x)
é 0.
Suponhamos que f(x) 6= 0 e g(x) 6= 0. Escrevemos f(x) e g(x) como pro-
duto de potências de polinômios mônicos irredutíveis. Sejam p1(x), . . . , pn(x)
os polinômios mônicos irredutíveis que ocorrem na fatoração de f(x) ou de
g(x). Então,
f(x) = ap1(x)
r1 · · ·pn(x)rn , onde a ∈ F\{0} e rj ≥ 0, para j = 0, . . . , n
e
g(x) = bp1(x)
s1 · · ·pn(x)sn , onde b ∈ F\{0} e sj ≥ 0, para j = 0, . . . , n.
Para cada j = 1, . . . , n, sejam
`j = min{rj, sj} e kj = max{rj, sj}.
Então,
mdc(f(x), g(x)) = p1(x)
`1 · · ·pn(x)`n
e
mmc(f(x), g(x)) = p1(x)
k1 · · ·pn(x)kn .
Exemplo 1. Sejam f(x) = 2(x − 1)3(x −
√
2)2(x2 + 1)2 e g(x) =
√
3(x +
2)(x− 1)2(x−
√
2)3(x2 + 1) em R[x].
Os polinômios mônicos irredutíveis que ocorrem nas fatorações de f(x)
ou de g(x) são x+ 2, x− 1, x−
√
2, x2 + 1, assim
f(x) = 2(x+ 2)0(x− 1)3(x−
√
2)2(x2 + 1)2
g(x) =
√
3(x+ 2)(x− 1)2(x−
√
2)3(x2 + 1) e
mdc(f(x), g(x)) = (x+ 2)0(x− 1)2(x−
√
2)2(x2 + 1)
= (x− 1)2(x−
√
2)2(x2 + 1),
mmc(f(x), g(x)) = (x+ 2)(x− 1)3(x−
√
2)3(x2 + 1)2.
Os polinômios f1(x), . . . , ft(x) são ditos primos entre si, ou coprimos, se,
e somente se, mdc
(
f1(x), . . . , ft(x)
)
= 1.
Quaisquer polinômios distintos mônicos irredutíveis em F[x] são primos
entre si.
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116 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Exemplo 2. São irredutíveis em Q[x] os polinômios x − 1, x − 3 e x2 − 2.
Logo, mdc(x− 1, x− 3, x2 − 2) = 1.
Observamos que em F[x] um máximo divisor comum d(x) de polinômios
f1(x), . . . , ft(x), nem todos nulos, tem a seguinte propriedade adicional:
existem polinômios a1(x), . . . , at(x) em F[x] tais que
d(x) = a1(x)f1(x) + · · ·+ at(x)ft(x).
De fato, o caso t = 2 é consequência imediata do Lema 3.2, veri�cando
que o polinômio d(x) obtido lá é um mdc de f(x) = f1(x) e g(x) = f2(x). Para
o caso geral, veja no Problema 4.4 a versão do Lema 3.2 para t polinômios
e a propriedade adicional mencionada acima.
Problemas
4.1 a) Escreva a propriedade que distingue as seguintes frases:
Frase 1: sejam f(x) e g(x) polinômios, ambos não nulos.
Frase 2: sejam f(x) e g(x) polinômios, não ambos nulos.
b) Mostre que se f(x) e g(x) são ambos nulos, não existe nenhum polinômio
d(x) satisfazendos as propriedades (i) e (ii) da de�nição de mdc.
4.2 Determine o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum em
R[x] de
a) f(x) = x2 − 2x− 1 e g(x) = 2x− 3.
b) f(x) = x3 − 1 e g(x) = x3 + 1.
c) f(x) = x9 − 1 e g(x) = x6 − 1
4.3 Sejam f(x) = x3 e g(x) = (1− x)2 em Q[x].
a) Mostre que mdc(f(x), g(x)) = 1.
b) Determine a(x), b(x) ∈ Q[x], tais que a(x)f(x) + b(x)g(x) = 1, usando o
método dos coe�cientes a determinar.
4.4 Sejam F um corpo e f1(x), . . . , ft(x) ∈ F[x], nem todos nulos. Seja
I = {a1(x)f1(x) + · · ·+ at(x)ft(x) ; a1(x), . . . , at(x) ∈ F[x]}. Mostre que:
a) Existe d(x) ∈ F[x], d(x) 6= 0, tal que I = I(d(x)).
b) Existem a1(x), . . . , at(x) ∈ F[x] tais que d(x) = a1(x)f1(x) + · · · +
at(x)ft(x).
c) d(x) divide f1(x), . . . , d(x) divide ft(x).
d) d(x) é um máximo divisor comum de f1(x), . . . , ft(x).
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Seção 5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros 117
Sugestão Siga a demonstração do Lema 3.2, fazendo as substituições óbvias.
4.5 Seja F um corpo.
a) Mostre que se α,β são elementos distintos de F então, para quaisquer
n ≥ 1 e m ≥ 1, mdc
(
(x− α)m, (x− β)n
)
= 1.
b) Sejam f(x) ∈ F[x] e α,β elementos distintos de F. Mostre que se x − α
divide f(x) e x− β divide f(x), então (x− α)(x− β) divide f(x).
c) Sejam f(x) ∈ F[x] e β1, . . . , βn elementos de F distintos dois a dois tais que
x − βj divide f(x), para todo j = 1, . . . , n. Mostre que (x − β1) · · · (x − βn)
divide f(x).
5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros
Nesta seção, se a, b ∈ Z, a 6= 0, escreveremos a | b, quando a divide b e,
a - b, quando a não divide b.
Sabemos que a existência de fator de grau 1 na fatoração de um poli-
nômio f(x) em Q[x] é equivalente à existência em Q de uma raiz de f(x).
O seguinte resultado permitirá determinar as raízes racionais de polinômios
com coe�cientes inteiros.
Proposição 5.1. Seja f(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn ∈ Z[x]\Z. Seja β ∈ Q,
β 6= 0, uma raiz de f(x). Escrevendo β = rs , com r, s ∈ Z\{0} e mdc(r, s) = 1,
então r | a0 e s | an.
Demonstração Temos que
0 = f
(r
s
)
= a0 + a1 ·
r
s
+ · · ·+ an−1
rn−1
sn−1
+ an
rn
sn
.
Multiplicando essa igualdade por sn, obtemos:
0 = a0 · sn + a1 · r · sn−1 + · · ·+ an−1 · rn−1 · s︸ ︷︷ ︸
b
+ an · rn.
Como s | 0 e s | b, então s | an · rn, mas mdc(r, s) = 1, logo s | an.
Analogamente, de�nindo a = a1 · r · sn−1 + · · ·+ an−1 · rn−1 · s+ an · rn
temos 0 = a0 · sn+a. Como r | 0 e r | a, então r | a0 · sn, mas mdc(r, s) = 1,
logo r | a0. 2
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118 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Corolário 1. Seja f(x) = a0 + a1x + · · · + anxn ∈ Z[x]\Z, com coe�ciente
líder an = ±1. Se β ∈ Q é uma raiz de f(x), então β ∈ Z e, quando β 6= 0,
β divide a0.
Demonstração Deixamos a demonstração para o Problema 5.1.
Exemplo 1. O polinômio f(x) = x3 + 3x+ 2 é irredutível em Q[x].
De fato, qualquer fatoração de um polinômio de grau 3 com coe�cientes
racionais, dá origem a um fator de grau 1, que é equivalente a f(x) ter uma
raiz racional. Pelo corolário acima, as possíveis raízes racionais de f(x) são os
inteiros β ∈ {±1,±2}. Como f(β) 6= 0, para todo β ∈ {±1,±2}, concluímos
que f(x) é irredutível em Q[x].
Exemplo 2. Vamos determinar a fatoração em irredutíveis de Q[x] do po-
linômio f(x) = 3x3 + 2x2 + 2x− 1 ∈ Z[x].
Como f(0) = −1, então 0 não é raiz de f(x). Seja β = rs 6= 0 uma raiz de
f(x) com s > 0. Então, r | −1 e s | 3, logo r ∈ {±1} e s ∈ {1, 3} e as possíveis
raízes racionais de f(x) são β ∈
{
±1,± 13
}
.
Por avaliação, veri�camos que f
(
1
3
)
= 0. Assim, x − 13 divide f(x) em
Q[x]. Fazendo a divisão em Q[x], obtemos:
f(x) =
(
x− 13
)
(3x2 + 3x+ 3)
= 3
(
x− 13
)
(x2 + x+ 1),
a fatoração de f(x) em polinômios mônicos irredutíveis em Q[x].
Na verdade, 3x3 + 2x2 + 2x − 1 = (3x − 1)(x2 + x + 1) é uma fatoração
em polinômios irredutíveis em Z[x].
Seja f(x) ∈ Z[x] um polinômio não nulo, diferente de 1 e diferente de −1.
Dizemos que f(x) é irredutível em Z[x] se, e somente se, se f(x) = g(x)h(x),
com g(x), h(x) ∈ Z[x], então g(x) = ±1 ou h(x) = ±1. Caso contrário,
dizemos que f(x) é redutível ou não é irredutível em Z[x].
Exemplo 3. Note que para todo natural primo p, os polinômios constantes
±p são irredutíveis em Z[x].
Exemplo 4. Os polinômios f1(x) = 4x + 2 e f2(x) = 6 não são irredutíveis
em Z[x], pois f1(x) = 2(2x+ 1) e f2(x) = 2 · 3.
Os polinômios f3(x) = 2, f4(x) = 2x + 1 e f5(x) = 3 são irredutíveis em
Z[x], assim como os polinômios 3x− 1 e x2 + x+ 1 do Exemplo 2. Veri�que!
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Seção 5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros 119
O exemplo acima mostra que em Z[x] há polinômios de grau 1 que não
são irredutíveis. Também, os polinômios constantes não nulos podem ser
separados em três categorias:
(i) invertíveis: 1 ou −1;
(ii) irredutíveis: p ou −p, onde p é um natural primo;
(iii) redutíveis: todo inteiro não nulo, diferente de 1, de −1, de p, de −p,
onde p é um natural primo.
Precisamos tomar cuidado com as constantes não nulas em Z[x] e dife-
rentes de ±1. Para isto, vamos introduzir o seguinte conceito.
Seja f(x) = a0+a1x+· · ·+anxn ∈ Z[x] um polinômio não nulo. De�nimos
o conteúdo de f(x) como sendo o máximo divisor comum dos seus coe�cientes
não nulos e o denotamos por cont(f(x)). Polinômios em Z[x] cujo conteúdo
é 1 são chamados de primitivos.
Exemplo 5. Sejam f(x)= 2−4x+6x2+2x3+8x5 e g(x) = 2+x2+3x4−5x5.
Temos que cont(f(x)) = 2, pois mdc(2,−4, 6, 8) = 2, e cont(g(x)) = 1, pois
mdc(2, 1, 3,−5) = 1. Assim, g(x) é primitivo e podemos escrever f(x) =
2f1(x), onde f1(x) = 1− 2x+ 3x2 + x3 + 4x5 e f1(x) é primitivo.
Em geral, se f(x) ∈ Z[x]\{0} e cont(f(x)) = a, então temos f(x) = af1(x),
onde f1(x) é primitivo.
Proposição 5.2 (Gauss). Sejam g(x) e h(x) ∈ Z[x] polinômios primitivos,
então o polinômio g(x)h(x) é primitivo.
Demonstração De fato, sejam g(x) e h(x) polinômios primitivos e suponha-
mos, por absurdo, que existe um natural primo p que divide cont(g(x)h(x)).
Logo, p divide cada coe�ciente de g(x)h(x). Escrevemos g(x) = a0 + a1x+
· · ·+ arxr e h(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bsxs. Como p não divide cont(g(x)) e p
não divide cont(h(x)), existe o menor inteiro k, 0 ≤ k ≤ r, tal que p - ak e,
o menor inteiro `, 0 ≤ ` ≤ s, tal que p - b`. Portanto, p - akb`. O coe�ciente
de xk+` em g(x)h(x) é
a0bk+` + · · ·+ ak−1b`+1 + akb` + ak+1b`−1 + · · ·+ ak+`b0,
o qual não é divisível por p, pois p divide todas as parcelas, exceto a parcela
akb`, uma contradição. 2
Corolário 1. Sejam g(x) e h(x) ∈ Z[x]\{0}, então
cont(g(x)h(x)) = cont(g(x)) cont(h(x)).
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120 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Demonstração Escrevemos g(x) = ag1(x), h(x) = bh1(x) e g(x)h(x) =
cq(x), onde a = cont(g(x)), b = cont(h(x)), c = cont(g(x)h(x)), g1(x),
h1(x) e q(x) são primitivos. Pela proposição anterior, g1(x)h1(x) é primitivo,
logo
ab = cont(ab(g1(x)h1(x)))
= cont((ag1(x)(bh1(x)))
= cont(g(x)h(x)) = c,
então cont(g(x)) cont(h(x)) = cont(g(x)h(x)). 2
Exemplo 6. Seja f(x) = 12 −
3
5x +
2
3x
3 + x4 ∈ Q[x]. O mínimo múltiplo
comum dos denominadores dos seus coe�cientes não nulos, escritos como
frações irredutíveis, é mmc(2, 5, 3, 1) = 30. Multiplicando f(x) por 30 temos
que 30f(x) = 15 − 18x + 20x3 + 30x4 ∈ Z[x] e cont(30f(x)) = 1, isto é,
f1(x) = 30f(x) é primitivo e f(x) = 130f1(x).
Em geral, se f(x) ∈ Q[x] é um polinômio mônico em é o mínimo múltiplo
comum dos denominadores dos seus coe�cientes não nulos, escritos como
frações irredutíveis, então f1(x) = mf(x) ∈ Z[x], com f1(x) primitivo. (Veja
Problema 5.7)
Lema 5.1. Seja f(x) ∈ Q[x] um polinômio não nulo. Então, existem a ∈
Q\{0} e f1(x) ∈ Z[x] primitivo, tais que f(x) = af1(x) e, a menos de sinal,
a e f1(x) são únicos.
Demonstração Seja m o mínimo múltiplo comum dos denominadores dos
coe�cientes não nulos de f(x). Então,mf(x) ∈ Z[x]\{0}. Seja d = cont(mf(x)).
Portanto, mf(x) = df1(x), com f1(x) primitivo e
f(x) =
1
m
(mf(x)) =
1
m
df1(x) =
d
m
f1(x).
Sejam a1, a2, b1, b2 ∈ Z\{0} e f1(x), f2(x) primitivos tais que
f(x) =
a1
b1
f1(x) =
a2
b2
f2(x). (1)
Então, b2a1f1(x) = b1a2f2(x). Portanto,
| b2a1 |= cont(b2a1f1(x)) = cont(b1a2f2(x)) =| b1a2 | .
Assim, b2a1 = ±b1a2, que é equivalente a, a1b1 = ±
a2
b2
. Substituindo em (1),
obtemos f1(x) = ±f2(x). 2
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Seção 5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros 121
Proposição 5.3. Seja f(x) ∈ Z[x]\Z primitivo. Então, f(x) é redutível em
Z[x] se, e somente se, f(x) é redutível em Q[x].
Demonstração (⇒) Se f(x) ∈ Z[x]\Z é primitivo e redutível em Z[x], então
f(x) = g(x)h(x), onde g(x), h(x) ∈ Z[x] ⊂ Q[x] e 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) <
gr(f(x)). Logo, f(x) é redutível em Q[x].
(⇐) Suponhamos que f(x) ∈ Z[x] é primitivo e f(x) = g(x)h(x), onde
g(x), h(x) ∈ Q[x] e 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) < gr(f(x)). Sejam a, b, c, d intei-
ros positivos e g1(x), h1(x) polinômios primitivos tais que g(x) = abg1(x) e
h(x) = cdh1(x). Então,
f(x) =
a
b
g1(x)
c
d
h1(x) =
ac
bd
g1(x)h1(x),
é equivalente a bdf(x) = acg1(x)h1(x), com g1(x)h1(x) primitivo. Logo,
bd = cont(bdf(x)) = cont(ac(g1(x)h1(x))) = ac. Assim, acbd = 1 e f(x) =
g1(x)h1(x), com gr(g1(x)) = gr(g(x)) e gr(h1(x)) = gr(h(x)), mostrando que
f(x) é redutível em Z[x]. 2
Exemplo 7. Vamos mostrar que f(x) = x4 + 1 é irredutível em Q[x]. Como
f(x) ∈ Z[x] e é primitivo, pela proposição anterior, basta mostrar que f(x)
é irredutível em Z[x]. Primeiramente, f(1) = f(−1) = 2, logo f(x) não é
divisível por um fator do tipo x − a, onde a ∈ Z. Sejam a, b, c, d ∈ Z, e
suponhamos, por absurdo, que
f(x) = (x2 + ax+ b)(x2 + cx+ d)
= x4 + (a+ c)x3 + (ac+ b+ d)x2 + (ad+ bc)x+ bd.
Comparando os coe�cientes, obtemos:
(i) a+ c = 0,
(ii) ac+ b+ d = 0,
(iii) ad+ bc = 0,
(iv) bd = 1.
Segue de (iv) que b = d = 1 ou b = d = −1. Substituindo (i) em (ii),
temos que c2 = b+d. Logo, c2 = 2 ou c2 = −2, uma contradição com o fato
de c ∈ Z. Portanto, f(x) = x4+ 1 é irredutível em Z[x], logo é irredutível em
Q[x].
Vamos mostrar que em Z[x] vale a fatoração única em fatores irredutíveis
em Z[x], a menos de sinal, isto é, a menos de multiplicação por ±1, que será
induzida pela fatoração única em Q[x]. Vamos relacionar a fatoração de um
polinômio não constante com coe�cientes inteiros em irredutíveis mônicos
em Q[x], que mostramos a existência na Seção 3, com a sua fatoração num
produto de polinômios primitivos e irredutíveis em Z[x].
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122 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Teorema 5.1 (Fatoração única em Z[x]). Seja f(x) ∈ Z[x]\Z. Então, exis-
tem um inteiro não nulo d, e p1(x), . . . , pr(x), polinômios primitivos irre-
dutíveis em Z[x], tais que
f(x) = d(p1(x) · · ·pr(x)),
e essa escrita é única, a menos da ordem dos fatores e de sinal.
Demonstração Seja f(x) ∈ Z[x]\Z. Pela fatoração única em Q[x], existem
polinômios q1(x), . . . , qr(x) ∈ Q[x], mônicos e irredutíveis em Q[x], e inteiros
não nulos b e c > 0, tais que
f(x) =
b
c
q1(x) · · ·qr(x).
Seja mj o mínimo múltiplo comum dos denominadores dos coe�cientes
não nulos de qj(x), para cada j = 1, . . . , r. Então, pj(x) = mjqj(x) ∈ Z[x] é
um polinômio primitivo (veja Problema 5.2) e irredutível e
(cm1 · · ·mr)f(x) = b(m1q1(x)) · · · (mrqr(x)) = b(p1(x) · · ·pr(x)).
Como o produto de polinômios primitivos é primitivo, calculando os con-
teúdos dos polinômios à esquerda e à direita da igualdade acima, obtemos
(cm1 · · ·mr) cont(f(x)) =| b | .
Como cont(f(x)) ∈ Z, então (cm1 · · ·mr) divide b. De�nindo d =
b
cm1···mr , obtemos f(x) = dp1(x) · · ·pr(x).
Segue da fatoração única em Q[x], a unicidade dos polinômios mônicos
qj(x), a menos da ordem dos fatores, e a unicidade da fração bc . Pelo Lema
5.1, os polinômios primitivos pj(x) e os inteiros mj são únicos, a menos de
sinal, para cada j = 1, . . . , r. Quando d 6= ±1, pelo Teorema Fundamental da
Aritmética, escrevemos d como produto de elementos primos (irredutíveis),
obtendo a fatoração de f(x) em produto de irredutíveis em Z[x]. 2
Exemplo 8. Agora, podemos justi�car a a�rmação feita no Exemplo 2 sobre
f(x) = 3x3 + 2x2 + 2x− 1. A sua fatoração em irredutíveis mônicos em Q[x]
é f(x) = 3
(
x− 13
)
(x2 + x+ 1).
Dessa fatoração, obtemos f(x) = (3x − 1)(x2 + x + 1) em Z[x], onde
g(x) = 3x − 1 e h(x) = x2 + x + 1 são polinômios primitivos e irredutíveis
em Z[x].
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Seção 5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros 123
Em virtude de C ser algebricamente fechado, em C[x] os polinômios mô-
nicos irredutíveis são x − β. Vimos na Seção 2 que os polinômios mônicos
irredutíveis em R[x] são x − a ou x2 + bx + c, onde b2 − 4c < 0. Quais
são os polinômios mônicos irredutíveis em Q[x]? Veremos que há polinômios
irredutíveis em Q[x] de grau n, para todo n ≥ 1.
O seguinte critério de irredutibilidade é muito útil e permite exibir di-
versos exemplos de polinômios irredutíveis em Q[x].
Teorema 5.2 (Critério de Eisenstein). Seja f(x) = a0 + a1x + · · · + anxn
um polinômio em Z[x]. Suponhamos que exista um número primo p tal que
p - an, p | a0, . . . , p | an−1 e p2 - a0. Então, f(x) é irredutível em Q[x].
Demonstração Sejam d = cont(f(x)) e f1(x) primitivo tal que f(x) =
df1(x). Como p - d, as condições do enunciado continuam válidas para os
coe�cientes de f1(x). Podemos supor que f(x) é primitivo. PelaProposição
5.3, basta provar que f(x) é irredutível em Z[x].
Suponhamos, por absurdo, que f(x) = g(x)h(x), com g(x), h(x) em Z[x]
e 1 ≤ gr(g(x)), gr(h(x)) < n = gr(f(x)). Sejam
g(x) = b0 + b1x+ · · ·+ brxr, com bj ∈ Z, com 0 ≤ j ≤ r, e
h(x) = c0 + c1x+ · · ·+ csxs, com cj ∈ Z, com 0 ≤ j ≤ s.
Como a0 = b0 · c0 e p | a0, então p | b0 ou p | c0. Entretanto, p2 - a0,
logo p divide apenas um deles, isto é,
p | b0 e p - c0, ou p - b0 e p | c0 .
Suponhamos, sem perda de generalidade, que p | b0 e p - c0.
Como an = br · cs e p - an, então p - br. Seja ` o menor natural
1 ≤ ` ≤ r tal que p - b`. Então, p | b0, . . . , p | b`−1 e
a` = b0c` + · · ·+ b`−1c1︸ ︷︷ ︸
p divide
+ b`c0︸︷︷︸
p não divide
.
Logo, p - a` e, por hipótese, ` = n = gr(f(x)) > r, uma contradição. 2
Exemplo 9. f(x) = 3x5 + 4x+ 6 ∈ Z[x] é irredutível em Q[x].
Temos que a5 = 3 a4 = a3 = a2 = 0, a1 = 4 e a0 = 2. Valem as hipóteses
do teorema anterior para o primo p = 2:
2 | a0, 2 | a1, 2 | a2, 2 | a3, 2 | a4, 2 - a5 e 4 - a0.
Exemplo 10. Há polinômios irredutíveis em Q[x] de grau n, para todo
n ≥ 1. A saber, f(x) = xn − p, onde p é um natural primo, é irredutível em
Q[x], para todo n ≥ 1.
De fato, o caso n = 1 é trivial. Para n ≥ 2, aplicamos o critério de
Eisenstein, com o primo p. Nesse caso, a0 = p, a1 = · · · = an−1 = 0 e
an = 1.
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124 Fatoração de Polinômios Cap. 4
Exemplo 11. f(x) = 2x4 − 12x3 − 3x2 + 6x− 6 é irredutível em Q[x]. Nesse
caso, a4 = 2, a3 = −12, a2 = −3, a1 = 6 e a0 = −6. Vale o critério de
Eisenstein para o primo p = 3.
Exemplo 12. O polinômio f(x) = xp−1 + xp−2 + · · · + x + 1, onde p é um
número primo, é irredutível em Q[x].
De fato, f(x) =
xp − 1
x− 1
e, pela fórmula do binômio de Newton,
f(x+ 1) =
(x+ 1)p − 1
(x+ 1) − 1
=
xp +
(
p
1
)
xp−1 + · · ·+
(
p
p−2
)
x2 +
(
p
p−1
)
x
x
= xp−1 +
(
p
1
)
xp−2 + · · ·+
(
p
p−2
)
x+
(
p
p−1
)
.
Como p divide
(
p
j
)
, para 1 ≤ j ≤ p − 1, e
(
p
p−1
)
= p, podemos aplicar o
critério de Eisenstein ao polinômio f(x+ 1) com o primo p. Assim, f(x+ 1)
é irredutível em Q[x], e pelo Problema 3.3, f(x) é irredutível em Q[x].
Exemplo 13. O polinômio f(x) = xp(p−1) + xp(p−2) + · · ·+ xp + 1, onde p é
um número primo, é irredutível em Q[x].
Há várias maneiras de se provar este resultado, que é um caso particular
de um resultado mais geral sobre polinômios ciclotômicos (veja [3] Volume 2,
por exemplo). No entanto, vamos prová-lo com os instrumentos que temos
em mãos; ou seja, com o critério de irredutibilidade de Eisenstein.
A estratégia que utilizaremos, como no exemplo anterior, será de mostrar
que é irredutível o polinômio
f(x+ 1) = (x+ 1)p(p−1) + (x+ 1)p(p−2) + · · ·+ (x+ 1)p + 1.
Observemos que
(x+ 1)p(p−j) = ((x+ 1)p)p−j = (xp + 1+ pxg(x))p−j = (xp + 1)p−j + pxgj(x),
onde xgj(x) é um polinômio de grau menor do que p(p − j), sem termo
constante. Assim,
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Seção 5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros 125
(x + 1)p(p−1) =
(
p−1
0
)
xp(p−1) +
(
p−1
1
)
xp(p−2) +
(
p−1
2
)
xp(p−3) + · · · +
(
p−1
p−2
)
xp + 1 + pxg1(x)
(x + 1)p(p−2) =
(
p−2
0
)
xp(p−2) +
(
p−2
1
)
xp(p−3) + · · · +
(
p−2
p−3
)
xp + 1 + pxg2(x)
(x + 1)p(p−3) =
(
p−3
0
)
xp(p−3) + · · · +
(
p−3
p−4
)
xp + 1 + pxg3(x)
.
.
.
.
.
.
(x + 1)p =
(
1
0
)
xp + 1 + pxgp−1(x)
Utilizando a identidade das diagonais (cf. [4], página 19):(
n
0
)
+
(
n + 1
1
)
+ · · · +
(
n +m
m
)
=
(
n +m + 1
m
)
,
temos que (
p−1
1
)
+
(
p−2
0
)
=
(
p
1
)
;(
p−1
2
)
+
(
p−2
1
)
+
(
p−3
0
)
=
(
p
2
)
;
...(
p−1
p−2
)
+
(
p−2
p−3
)
+ · · ·+
(
1
0
)
=
(
p
p−2
)
.
Sendo todos os números nos segundos membros das igualdade acima múl-
tiplos de p, temos que f(x + 1) = xp(p−1) + p + pxh(x), onde xh(x) é um
polinômio de grau menor do que p(p − 1), sem termo constante. Portanto,
em vista do critério de Eisenstein, o polinômio f(x+ 1) é irredutível, logo o
polinômio f(x) é irredutível em Q[x].
Problemas
5.1 Demonstre o Corolário 1.
5.2 Ache as raízes racionais e dê a fatoração em produto de polinômios
mônicos irredutíveis em Q[x] de cada polinômio abaixo.
a) 10x3 + 19x2 − 30x+ 9 b) 2x4 − 5x3 + x2 + 4x− 4
c) 6x5 + x4 − 14x3 + 4x2 + 5x− 2 d) 2x3 − x2 + 1
5.3 Seja rs 6= 0 uma raiz de f(x) = anx
n + · · ·+ a1x+ a0 ∈ Z[x].
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126 Fatoração de Polinômios Cap. 4
a) Mostre que r−ms divide f(m), para todo inteiro m.
Sugestão Escreva f(x) = an(x−m)n+cn−1(x−m)n−1+ · · ·+c1(x−m)+c0
em potências de x−m, use que f
(
r
s
)
= 0 e elimine os denominadores.
b) Conclua que r− s divide f(1) e r+ s divide f(−1).
c) Use o item anterior para mostrar que x = 2 é a única raiz racional de
x3 − 6x2 + 15x− 14.
5.4 Ache as raízes racionais, usando o item (b) do Problema anterior, e dê
a fatoração em produto de polinômios mônicos irredutíveis em Q[x]:
a) x3 − 9x2 + 22x− 24 b) x4 − x3 − x2 + 19x− 42
5.5 a) Mostre que β =
√
2 +
√
5 é raiz de x4 − 14x2 + 9 e prove que β é
irracional.
b) Mostre que
√
2+
√
3 é irracional.
c) Mostre que 3
√
2+
√
2 é irracional.
5.6 Determine o conteúdo de f(x) e escreva f(x) = cont(f(x))f1(x), onde
f1(x) é primitivo:
a) 2x3 − x2 + 3 b) 6x3 − 2x2 + 12x− 4 c) −18x5 + 9x2 + 36x− 45
5.7 Mostre que se f(x) ∈ Q[x] é um polinômio mônico e m é o mínimo
múltiplo comum dos denominadores dos seus coe�cientes não nulos, então
g(x) = mf(x) ∈ Z[x] é primitivo.
5.8 Mostre que se f1(x), . . . , fs(x) em Z[x] são polinômios primitivos, então
f1(x) · · · fs(x) é primitivo.
5.9 Sejam g(x), h(x) ∈ Q[x] polinômios mônicos, tais que o produto
g(x)h(x) ∈ Z[x]. Mostre que g(x), h(x) ∈ Z[x].
5.10 Mostre que os seguintes polinômios são irredutíveis em Q[x]:
a) x4 + x+ 1 b) x5 + x2 + 1
5.11 Determine a fatoração em Z[x] em produto de polinômios primitivos
irredutíveis dos polinômios dos Problemas 5.2 e 5.4.
5.12 Determine quais dos seguintes polinômios são irredutíveis em Q[x]:
a) x3 + x2 + x+ 1 b) 3x4 + 6x2 − 4x+ 6
c) x4 − 8x3 + 6x+ 2 d) x6 + 25x3 + 5x2 + 20x+ 15
e) x3 − 2x2 + x+ 15 f) 4x3 + 3x2 + 3x− 1
5.13 Seja f(x) = anxn+an−1xn−1+ · · ·+a1x+a0 ∈ Z[x], com gr(f(x)) = n.
Mostre que se existe um natural primo p, tal que p - a0, p | a1, . . . , p | an−1,
p | an e p2 - an, então f(x) é irredutível em Q[x].
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Seção 5 Polinômios com Coe�cientes Inteiros 127
5.14 Determine todas as raízes complexas, suas multiplicidades e dê a
decomposição do polinômio em produto de potências de fatores mônicos
irredutíveis em Q[x], R[x] e C[x]:
a) x4 − 5x3 + 3x2 + 15x− 18
b) −x4 + 4x3 − 2x2 − 8x+ 8
c) x6 − 2x5 − x4 + 4x3 − 5x2 + 6x− 3
d) 2x6 + 5x5 + x4 + 10x3 − 4x2 + 5x− 3
5.15 Seja f(x) =
xp
n
− 1
xp
n−1 − 1
.
a) Mostre que f(x) ∈ Z[x].
b) Mostre que f(x) é irredutível em Q[x].
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Bibliogra�a
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.
[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.
[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática
Universitária, IMPA, 2010 e 2012.
[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,
2006.
[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.
[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,
IMPA, 2004.
[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais
e Complexos. Editora UFRGS.
[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-
Verlag, 1994.
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5
128
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela
Capítulo 5: Equações Algébricas
Sumário
1 Equação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . 129
2 Equação do Terceiro Grau . . . . . . . . . . . . . 130
3 Equação do QuartoGrau . . . . . . . . . . . . . . 136
4 Relações Entre Coe�cientes e Raízes . . . . . . . 137
5 Teorema Fundamental da Álgebra . . . . . . . . 142
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1. EQUAÇÃO DO SEGUNDO GRAU 129
Iniciaremos, neste capítulo, o estudo das equações algébricas. As equa-
ções mais simples são as do primeiro grau e a sua resolução, conhecida desde
a antiguidade, se confunde com a operação de divisão. Os babilônios, como
atestam as tabuletas de barro que eles escreveram entre 1800 e 1600 a.C., sa-
biam extrair algumas raízes quadradas e, portanto, sabiam resolver algumas
equações particulares do segundo grau. A fórmula resolvente da equação
do segundo grau, como a conhecemos hoje, é devida ao matemático hindú
Sridhara, do Século 10, e leva o nome de fórmula de Bhaskara, devido ao fato
de ter sido publicada em um livro escrito por esse outro matemático hindú
do Século 12.
Passaram-se vários séculos até que se conseguisse resolver as equações de
graus três e quatro, tarefa realizada pelos matemáticos de Bolonha, Itália,
no século 16.
O problema da resolubilidade das equações de grau maior ou igual do que
cinco se constituiu, desde então, num dos problemas centrais da Matemática
até ser totalmente elucidado pela Teoria de Galois na primeira metade do
Século 19.
Neste capítulo, discutiremos apenas a resolubilidade das equações de grau
até quatro, as relações existentes entre coe�cientes e raízes das equações
gerais e daremos uma prova do Teorema Fundamental da Álgebra, deixando
o restante da discussão para um curso mais avançado.
1 Equação do Segundo Grau
Considere a equação ax2 + bx+ c = 0 com coe�cientes em C e a 6= 0. A
fórmula que fornece as raízes desta equação em função dos seus coe�cientes
costuma ser deduzida completando quadrados como segue:
ax2 + bx+ c = a
(
x2 +
b
a
x
)
+ c =
a
(
x2 + 2
b
2a
x+
b2
4a2
)
+ c−
b2
4a
=
a
(
x+
b
2a
)2
+ c−
b2
4a
Portanto, α é raiz da equação se, e somente se,
a
(
α+
b
2a
)2
+ c−
b2
4a
= 0,
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130 Equações Algébricas Cap. 5
o que, por extração de raiz quadrada, nos fornece
α =
−b±
√
b2 − 4ac
2a
,
onde
√
b2 − 4ac é uma das raízes quadradas do número complexo ∆ = b2 −
4ac, chamado usualmente de discriminante da equação.
O anulamento de ∆ nos fornece, portanto, a condição necessária e su�-
ciente para que a equação do segundo grau tenha uma raiz dupla (igual a
− b2a).
Se os coe�cientes a, b e c da equação ax2 + bx + c = 0 são reais, então
pela fórmula resolvente temos o seguinte resultado:
1. ∆ > 0 se, e somente se, a equação tem duas raízes reais distintas.
2. ∆ = 0 se, e somente se, a equação tem duas raízes reais iguais.
3. ∆ < 0 se, e somente se, a equação tem duas raízes complexas distintas
conjugadas.
Problemas
1.1 a) Sejam x1 e x2 as raízes da equação ax2 + bx + c = 0. Mostre que
x1 + x2 = −
b
a e x1x2 =
c
a .
b) Forme as equações mônicas do segundo grau com raízes: 1 e −1; 2 e 3.
1.2 Dada a equação ax2 + bx + c = 0, se x1 e x2 são as suas raízes, sem
resolvê-la calcule as expressões: x21 + x
2
2, x
3
1 + x
3
2 e (x1 − x2)
2.
1.3 Sejam x1 e x2 as raízes do polinômio ax2 + bx+ c e seja ∆ o seu discri-
minante. Mostre que ∆ = a2(x1 − x2)2.
1.4 Dada a equação ax2 + bx + c = 0, efetue nela a mudança de variável
x = y + d com d escolhido de modo que a nova equação não tenha termo
do primeiro grau na variável y. Resolva esta equação e retorne à equação
original na variável x, determinando as suas raízes.
2 Equação do Terceiro Grau
Nesta seção consideraremos a equação geral do terceiro grau com coe�ci-
entes complexos, que, sem perda de generalidade, podemos supor que esteja
na forma:
x3 + a2x
2 + a1x+ a0 = 0. (1)
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Seção 2 Equação do Terceiro Grau 131
Por meio de uma mudança de variável, vamos colocar o polinômio em (1)
numa forma onde não �gure o termo do segundo grau.
Substituindo x por y+ d na equação (1) temos
(y+ d)3 + a2(y+ d)
2 + a1(y+ d) + a0 =
y3 + (3d+ a2)y
2 + (3d2 + 2da2 + a1)y+ (d
3 + d2a2 + da1 + a0).
Pondo d = −
a2
3
, na expressão acima, temos que
x3 + a2x
2 + a1x+ a0 = y
3 + py+ q,
onde
x = y−
a2
3
, p = a1 −
a2
2
3
e q =
2a2
3
27
−
a1a2
3
+ a0. (2)
Portanto, para achar as raízes da equação (1), basta achar as raízes da
equação
y3 + py+ q = 0,
com p e q como em (2) e delas subtrair
a2
3
.
Exemplo 1. Vamos eliminar o termo do segundo grau do polinômio p(x) =
x3 − 6x2 + x− 1.
Fazendo a substituição x = y + 2, o polinômio se transforma em y3 −
11y− 15.
Vamos agora concentrar a nossa atenção na resolução da equação
y3 + py+ q = 0. (3)
Sejam u e v duas novas indeterminadas. Façamos em (3) a mudança de
variáveis: y = u+ v. Obtemos então
0 = (u+ v)3 + p(u+ v) + q = (u3 + v3 + q) + (u+ v)(p+ 3uv). (4)
Segue-se daí que cada solução (u, v) do sistema{
u3 + v3 = −q
u · v = −p3
nos fornece uma solução (u, v) de (4) e, portanto, uma solução da forma
y = u+ v de (3).
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132 Equações Algébricas Cap. 5
Elevando ao cubo a segunda equação do sistema acima, segue-se que
se (u, v) é uma solução do sistema, então u3 e v3 são soluções da seguinte
equação do segundo grau:
z2 + qz−
p3
27
= 0. (5)
Fixando uma das raízes quadradas de q
2
4 +
p3
27 e denotando-a por
√
q2
4 +
p3
27 ,
temos que as raízes de (5) são
z1 = −
q
2
+
√
q2
4
+
p3
27
e z2 = −
q
2
−
√
q2
4
+
p3
27
Pela simetria do papel que desempenham u e v, podemos supor que
u3 = z1 e v3 = z2.
Escolhendo uma das raízes cúbicas de z1 e denotando-a por 3
√
z1, segue-se
que as soluções de u3 = z1 são 3
√
z1, w 3
√
z1, e w2 3
√
z1, onde w = −1+i
√
3
2 é
uma das raízes cúbicas da unidade.
Denotando agora por 3
√
z2 a raiz cúbica de z2 tal que 3
√
z1 3
√
z2 = −
p
3 ,
de modo que a segunda equação do sistema acima seja satisfeita, o referido
sistema admite as seguintes soluções:
u1 = 3
√
z1, v1 = 3
√
z2;
u2 = w 3
√
z1, v2 = w
2 3
√
z2;
u3 = w
2 3
√
z1, v3 = w 3
√
z2.
Segue-se então que a equação (3) possui como soluções, as chamadas
fórmulas de Cardan:
y1 = u1 + v1 =
3
√
−q2 +
√
q2
4 +
p3
27 +
3
√
−q2 −
√
q2
4 +
p3
27 ,
y2 = u2 + v2 = w
3
√
−q2 +
√
q2
4 +
p3
27 +w
2 3
√
−q2 −
√
q2
4 +
p3
27 ,
y3 = u3 + v3 = w
2 3
√
−q2 +
√
q2
4 +
p3
27 +w
3
√
−q2 −
√
q2
4 +
p3
27 .
As fórmulas resolventes da equação (1) podem ser obtidas pelas fórmulas
de Cardan mediante as substituições em (2).
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Seção 2 Equação do Terceiro Grau 133
Exemplo 2. Resolvamos a equação de Cardan x3−15x−4 = 0, apresentada
no Capítulo 1.
As fórmulas de Cardan nos fornecem imediatamente as seguintes solu-
ções:
x1 =
3
√
2+
√
−121 +
3
√
2−
√
−121
x2 = w
3
√
2+
√
−121 +w2
3
√
2−
√
−121
x3 = w
2 3
√
2+
√
−121 +w
3
√
2−
√
−121
Exemplo 3. Resolvamos a equação x3 − 3x− 1 = 0.
Esta equação é desprovida do seu termo do segundo grau, logo as fórmulas
de Cardan nos dão diretamente que
x1 =
3
√
1
2 +
√
3
2 i +
3
√
1
2 −
√
3
2 i ,
x2 = w
3
√
1
2 +
√
3
2 i+w
2 3
√
1
2 −
√
3
2 i ,
x3 = w
2 3
√
1
2 +
√
3
2 i+w
3
√
1
2 −
√
3
2 i .
Observe que
3
√
1
2
+
√
3
2
i = 3
√
ζ, onde ζ = cos
π
3
+ i sen
π
3
,
que pode ser escolhida como sendo cos π9 + i sen
π
9 .
Portanto, 3
√
1
2 −
√
3
2 i =
3
√
ζ deve ser obrigatoriamente escolhida como
sendo cos π9 − i sen
π
9 , pois devemos ter
3
√
ζ
3
√
ζ = −p3 = 1. Temos então que
x1 =
(
cos π9 + i sen
π
9
)
+
(
cos π9 + i sen
π
9
)
= 2 cos π9 ,
x2 = w
(
cos π9 + i sen
π
9
)
+w
(
cos π9 + i sen
π
9
)
= 2 cos 7π9 ,
x3 = w
(
cos π9 + i sen
π
9
)
+w
(
cos π9 + i sen
π
9
)
= 2 cos 5π9 .
No exemplo acima, temos que os coe�cientes da equação e as raízes são
números reais, mas as fórmulas de Cardan nos expressam as raízes sob forma
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134 EquaçõesAlgébricas Cap. 5
algébrica envolvendo números complexos. Muitas tentativas foram feitas
para exprimir as raízes de equações do terceiro grau com coe�cientes raci-
onais, irredutíveis em Q[x] e possuindo todas as raízes reais em termos de
radicais reais, todas fracassando. Este caso é chamado de caso irredutível e
foi somente no Século 19 que tal mistério foi esclarecido, demonstrando-se
através da Teoria de Galois que, nesse caso, é impossível exprimir as raízes
da equação em termos de radicais reais, apenas.
Exemplo 4. Resolvamos a equação x3 − 3x− 18 = 0.
Pelas fórmulas de Cardan, esta equação possui as seguintes raízes:
x1 =
3
√
9+ 4
√
5 +
3
√
9− 4
√
5,
x2 = −
1
2
(
3
√
9+ 4
√
5+
3
√
9− 4
√
5
)
+ i
√
3
2
(
3
√
9+ 4
√
5−
3
√
9− 4
√
5
)
,
x3 = −
1
2
(
3
√
9+ 4
√
5+
3
√
9− 4
√
5
)
− i
√
3
2
(
3
√
9+ 4
√
5−
3
√
9− 4
√
5
)
.
A equação tem portanto uma raiz real e duas raízes complexas (conju-
gadas). Por inspeção vê-se que 3 é raiz da equação, daí extraímos a seguinte
igualdade curiosa:
3 =
3
√
9+ 4
√
5+
3
√
9− 4
√
5.
Exemplo 5. Resolvamos a equação x3 + 6x2 + 21x+ 14 = 0.
Para eliminar o termo do segundo grau, efetuamos a substituição x =
y− 2, obtendo a equação y3 + 9y− 12 = 0, cujas raízes são:
y1 =
3
√
6+
√
63 +
3
√
6−
√
63,
y2 = w
3
√
6+
√
63+w2
3
√
6−
√
63,
y3 = w
2 3
√
6+
√
63+w
3
√
6−
√
63.
Portanto, as raízes da equação original são:
x1 = y1 − 2, x2 = y2 − 2 e x3 = y3 − 2.
A história da resolução da equação do terceiro grau apresenta alguns
lances pitorescos. Conta-se que foi Scipio del Ferro quem primeiro resolveu
a equação do terceiro grau, sem nunca publicar o seu resultado, limitando-se
apenas a contar o seu feito a alguns amigos. Em 1535, Tartaglia redescobriu
a resolução destas equações, mantendo o seu método em segredo para com ele
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Seção 2 Equação do Terceiro Grau 135
coroar um tratado de Álgebra que pretendia escrever. Tartaglia revelou o seu
segredo a Jerônimo Cardan, sob juramento de não divulgá-lo. Cardan, não
honrando o seu compromisso, publicou em 1545 o livro Ars Magna contendo
o método de resolução da equação do terceiro grau dando, entretanto, o
devido crédito ao seu autor. Por terem sido publicadas pela primeira vez por
Cardan, estas fórmulas levam o seu nome. O livro de Cardan contém também
a resolução da equação do quarto grau devida ao seu discípulo Ludovico
Ferrari, que será o assunto da próxima seção. O método que utilizamos
para deduzir as fórmulas de Cardan é devido a Hudde e data de 1658. As
fórmulas de Cardan têm mais interesse teórico e histórico do que prático.
Para calcular boas aproximações de raízes de equações algébricas dispõe-se
de métodos numéricos muito mais e�cientes.
Problemas
2.1 Usando as fórmulas de Cardan, resolva as seguintes equações:
a) x3 + 9x− 6 = 0; b) x3 − 9x− 12 = 0;
c) x3 − 3x+ 2 = 0; d) x3 − 9x2 − 9x− 15 = 0;
e) x3 − 5x+ 2 = 0; f ) x3 − 6x2 − 6x− 14 = 0;
g) x3 + 12x− 30 = 0; h) x3 − 3x+ i−32 = 0.
2.2 Mostre que
a)
3
√
7+
√
50+
3
√
7−
√
50 = 2;
b)
3
√√
108+ 10−
3
√√
108− 10 = 2;
c)
3
√√
243+
√
242−
3
√√
243−
√
242 = 2
√
2;
d)
3
√
2+
√
5+
3
√
2−
√
5 = 1.
2.3 Em cada caso abaixo, construa e determine as outras raízes de uma
equação do terceiro grau com coe�cientes racionais, tendo o número indicado
como raiz.
a)
3
√
3−
3
√
9; b)
3
√
2+
√
3+
3
√
2−
√
3.
2.4 Considere a igualdade
a3x
3 + a2x
2 + a1x+ a0 = a3(x− x1)(x− x2)(x− x3),
onde x1, x2 e x3 são as raízes do polinômio do lado esquerdo da igualdade.
Usando o método dos coe�cientes a determinar, mostre que
a) x1 + x2 + x3 = −
a2
a3
b) x1 · x2 + x1 · x3 + x2 · x3 = a1a3
c) x1 · x2 · x3 = −a0a3
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136 Equações algébricas Cap. 5
3 Equação do Quarto Grau
Apresentaremos nesta seção o método de Ferrari para resolução da equa-
ção do quarto grau.
Considere a equação:
x4 + a3x
3 + a2x
2 + a1x+ a0 = 0. (1)
Temos que x4+a3x3 = −(a2x2+a1x+a0). Completanto o quadrado no
primeiro membro desta equação e ajustando o segundo membro, temos(
x2 +
1
2
a3x
)2
=
(
1
4
a23 − a2
)
x2 − a1x− a0. (2)
Se o segundo membro desta equação fosse um quadrado perfeito, a reso-
lução da equação recairia na resolução de duas equações do segundo grau.
O nosso objetivo será agora transformar o segundo membro de (2) em um
quadrado perfeito, sem destruir o quadrado perfeito do primeiro membro.
Somando a expressão y2 + 2y
(
x2 + 12a3x
)
a ambos os membros de (2),
obtemos,[(
x2 +
1
2
a3x
)
+ y
]2
=
(
2y+
1
4
a23 − a2
)
x2 + (ya3 − a1)x+ (y
2 − a0). (3)
Vamos agora determinar os valores de y que transformarão o segundo
membro de (3) em um quadrado perfeito. Para que isto ocorra devemos ter
o discriminante do segundo membro de (3), como trinômio do segundo grau
em x, nulo. Ou seja,
(ya3 − a1)
2 − 4 ·
(
2y+
1
4
a23 − a2
)
· (y2 − a0) = 0.
Daí, segue-se que,
8y3 − 4a2y
2 + (2a1a3 − 8a0)y+ (4a0a2 − a0a
2
3 − a
2
1) = 0. (4)
Escolhendo y como sendo uma das raízes da equação (4), a equação (3)
nos fornece [(
x2 +
1
2
a3x
)
+ y
]2
= (αx+ β)2, (5)
com α e β convenientes. Esta equação se resolve mediante a resolução das
duas seguintes equações do segundo grau:(
x2 +
1
2
a3x
)
+ y = (αx+ β) e
(
x2 +
1
2
a3x
)
+ y = −(αx+ β).
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Seção 4 Relações Entre Coe�cientes e Raízes 137
Como a equação (1) é equivalente à equação (5), temos que a resolução
de uma equação do quarto grau pode ser reduzida à resolução de equações
de graus dois e três.
Exemplo 1. Resolvamos a equação x4 − 2x3 − x2 − 2x− 2 = 0.
Determinemos y satisfazendo a equação (4), que no nosso caso toma a
forma 2y3 + y2 + 6y + 3 = 0. É fácil veri�car que y = −12 é solução desta
equação. Para este valor de y a equação (5) passa a ser(
x2 − x−
1
2
)2
= x2 + 3x+
9
4
=
(
x+
3
2
)2
.
Obtemos assim as seguintes equações do segundo grau:
x2 − x−
1
2
= x+
3
2
e x2 − x−
1
2
= −
(
x+
3
2
)
,
cujas raízes são as raízes da equação proposta. Assim, a nossa equação tem
as raízes:
1+
√
3, 1−
√
3, i e − i.
Problemas
3.1 Resolva as equações:
a) x4 − 2x3 + 4x2 − 2x+ 3 = 0; b) x4 − 12x2 + 24x− 5 = 0;
c) x4 + 2x3 + x2 + 4x− 2 = 0; d) x4 − 15x2 − 12x− 2 = 0;
e) x4 − 24x2 + 60x+ 11 = 0; f) x4 − 9x2 − 6x+ 4 = 0;
g) x4 + 8x2 + 16x+ 20 = 0; h) x4 + 2x2 − 4x+ 8 = 0.
4 Relações Entre Coe�cientes e Raízes
O nosso objetivo nesta seção é determinar as relações existentes entre os
coe�cientes e as raízes de uma equação algébrica.
Sejam K um corpo e x, x1, x2, . . . , xn indeterminadas sobre K. Considere
o polinômio
n∏
j=1
(x− xj) = (x− x1)(x− x2) · · · (x− xn) ∈ K[x, x1, x2, . . . , xn].
Queremos escrever este polinômio como polinômio na indeterminada x
com coe�cientes no anel K[x1, . . . , xn]. Para este efeito, considere os seguintes
polinômios de K[x1, . . . , xn]:
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138 Equações Algébricas Cap. 5
s1(x1, . . . , xn) =
∑
j
xj = x1 + · · ·+ xn
s2(x1, . . . , xn) =
∑
j1<j2
xj1xj2 = x1x2 + x1x3 + · · ·+ xn−1xn
s3(x1, . . . , xn) =
∑
j1<j2<j3
xj1xj2xj3 =
x1x2x3 + x1x2x4 + · · ·+ xn−2xn−1xn
...
sn−1(x1, . . . , xn) =
∑
j1<j2<···<jn−1
xj1xj2 · · · xjn−1 =
x1x2 · · · xn−1 + · · ·+ x2x3 · · · xn
sn(x1, . . . , xn) = x1x2 · · · xn
Pede-se ao leitor veri�car as seguintes relações:
s1(x1, . . . , xn+1) = s1(x1, . . . , xn) + xn+1
s2(x1, . . . , xn+1) = s2(x1, . . . , xn) + xn+1s1(x1, . . . , xn)
s3(x1, . . . , xn+1) = s3(x1, . . . , xn) + xn+1s2(x1, . . . , xn)
...
sn(x1, . . . , xn+1) = sn(x1, . . . , xn) + xn+1sn−1(x1, . . . , xn)
sn+1(x1, . . . , xn+1) = xn+1sn(x1, . . . , xn)
Lema 4.1. Temos a seguinte relação:
n∏
j=1
(x− xj) = x
n − s1(x1, . . . , xn)x
n−1 + · · ·+ (−1)nsn(x1, . . . , xn).
Demonstração A demonstração será feita por indução sobre n ≥ 2. Para
n = 2, o resultado é óbvio. Vamos supor que a fórmula vale para n e provar
que vale para n+ 1.
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Multiplicando por (x− xn+1) ambos os lados da igualdade no enunciado
do Lema, obtém-se:
(x− x1)(x− x2) · · · (x− xn)(x− xn+1) =[
xn − s1(x1, . . . , xn)x
n−1 + · · ·+ (−1)nsn(x1, . . . , xn)
]
(x− xn+1) =
xn+1 − [s1(x1, . . . , xn) + xn+1] x
n+[
s2(x1, . . . , xn)x
n−1 + xn+1s1(x1, . . . , xn)
]
xn−1 + · · ·+
(−1)n [sn(x1, . . . , xn) + xn+1sn−1(x1, . . . , xn)] x+
(−1)n+1xn+1sn(x1, . . . , xn) =
= xn+1 − s1(x1, . . . , xn+1)x
n + · · ·+ (−1)nsn(x1, . . . , xn+1)x+
(−1)n+1sn+1(x1, . . . , xn+1).
2
Proposição 4.1. Se x1, x2, . . . , xn são as raízes do polinômio p(x) = a0 +
a1x+ · · ·+ anxn, então
sj(x1, . . . , xn) = (−1)
jan−j
an
, j = 1, . . . , n.
Demonstração Sendo x1, . . . , xn as raízes de p(x), temos pelo Lema 4.1 que
p(x) = an(x− x1) · · · (x− xn) =
an[x
n − s1(x1, . . . , xn)x
n−1 + · · ·+ (−1)n−1sn−1(x1, . . . , xn)x+
(−1)nsn(x1, . . . , xn)].
Igualando os coe�cientes dos termos de mesmo grau, obtém-se o resultado.
2
As igualdades na proposição acima são chamadas de relações entre coe-
�cientes e raízes da equação dada. Estas relações nos dão um sistema de n
equações (não lineares) nas n incógnitas x1, x2, . . . , xn. É natural pensar que
resolvendo o sistema poderíamos encontrar as raízes da equação. Vejamos
num exemplo o que sucede.
Exemplo 1. Considere a equação x3 + x + 1 = 0. A esta equação está
associado o sistema: 
x1 + x2 + x3 = 0
x1x2 + x1x3 + x2x3 = 1
x1x2x3 = −1
Para resolver este sistema procederemos por eliminação. Multiplicando
a segunda equação por x3, obtemos x1x2x3 + x1x32 + x2x32 = x3. Usando a
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140 Equações Algébricas Cap. 5
terceira equação segue-se que −1 + (x1 + x2)x32 = x3. Usando a primeira
equação obtém-se −1+ (−x3)x32 = x3.
Portanto para achar x3 devemos resolver a equação x33+ x3+ 1 = 0, que
é precisamente a equação proposta originalmente.
Este exemplo nos mostra que não será este o método que nos conduzirá à
resolução das equações. Entretanto, se tivermos alguma informação adicional
sobre as raízes de uma equação, é possível chegar às soluções. Vejamos alguns
exemplos.
Exemplo 2. Resolvamos a equação x3 − x2 − 2x + 2 = 0 sabendo que o
produto de duas de suas raízes é igual a −2.
Sejam x1, x2 e x3 as raízes da equação. Acrescentando a condição acima
às relações entre coe�cientes e raízes, obtemos o sistema:
x1 + x2 + x3 = 1
x1x2 + x1x3 + x2x3 = −2
x1x2x3 = −2
x1x2 = −2
Da terceira e da quarta equação segue-se que x3 = 1. Da primeira, temos
que x1+x2 = 0, que juntamente com a quarta nos fornece x1 = ±
√
2. Como
x2 = −x1, as raízes da equação são 1,
√
2 e −
√
2.
Exemplo 3. Resolvamos a equação x3 − 3x2 + x + 1 = 0, sabendo que as
suas raízes estão em progressão aritmética.
Sejam x1 = a− r, x2 = a, e x3 = a+ r as raízes da equação. Temos que,
3 = x1 + x2 + x3 = 3a
1 = x1x2 + x1x3 + x2x3 = 3a
2 − r2
−1 = x1x2x3 = a(a
2 − r2)
Da primeira dessas equações segue-se que a = 1. Da segunda, temos
então que 3− r2 = 1, logo r2 = 2 e portanto r = ±
√
2. Segue-se que as raízes
da equação são: 1−
√
2, 1 e 1+
√
2.
Exemplo 4. Determinaremos a soma dos quadrados das raízes da equação
3x5 − 3x4 + 2x3 + x− 1 = 0, sem resolvê-la.
Se x1, x2, x3, x4 e x5 são as suas raízes, temos que
x1
2 + x2
2 + x3
2 + x4
2 + x5
2 =
= (x1 + x2 + x3 + x4 + x5)
2 − 2(x1x2 + · · ·+ x4x5)
= 12 − 2 ·
(
2
3
)
= 1− 43 = −
1
3 .
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Seção 4 Relações Entre Coe�cientes e Raízes 141
Exemplo 5. Determinaremos a soma dos inversos das raízes da equação
2x4 − 6x3 + 5x2 − 7x+ 1 = 0, sem resolvê-la.
Se x1, x2, x3 e x4 são as raízes da equação, temos que
1
x1
+
1
x2
+
1
x3
+
1
x4
=
x2x3x4 + x1x3x4 + x1x2x4 + x1x2x3
x1x2x3x4
=
7/2
1/2
= 7
A Proposição 4.1 e os Exemplos 4 e 5, acima, nos mostram que certas
funções das raízes, por exemplo, a soma das raízes, a soma dos produtos dois
a dois das raízes, a soma dos produtos três a três das raízes etc., a soma dos
quadrados das raízes e a soma dos inversos das raízes podem ser calculadas
em função dos coe�cientes da equação sem resolvê-la. Existe um resultado
geral, que não provaremos aqui, que diz que todo polinômio simétrico nas
raízes de uma equação pode se expressar em função dos coe�cientes da equa-
ção, sem resolvê-la. Trata-se do chamado Teorema Fundamental das Funções
Simétricas (para uma prova, veja, por exemplo, [3] Volume 2).
Problemas
4.1 Resolva as seguintes equações, dadas as condições adicionais:
a) x3 + 2x2 + 3x+ 2 = 0, sabendo-se que x1 + x2 = x3;
b) 3x3 + 2x2 − 19x+ 6 = 0, sabendo-se que x1 + x2 = −1;
c) x3 − 7x2 − 42x+ 216 = 0, sabendo-se que x32 = x1x2;
d) x3 + 9x2 + 6x− 56 = 0, sabendo-se que x2 = −2x1;
e) 9x3−36x2+44x−16 = 0, sabendo-se que as suas raízes estão em progressão
aritmética;
f) 3x3−26x2+52x−24 = 0, sabendo-se que as suas raízes estão em progressão
geométrica;
g) x4 − 2x3 + 2x2 − x− 2 = 0, sabendo-se que x1 + x2 = 1.
4.2 Sabendo-se que as raízes da equação x3 − 2x2 + ax + 46 = 0 estão em
progressão aritmética, determine o valor de a e resolva a equação.
4.3 Sabendo-se que a equação 2x4 − 15x3 + ax2 − 30x+ 8 = 0 possui raízes
em progressão geométrica, determine o valor de a e resolva a equação.
4.4 Qual a relação que deve existir entre p, q e r para que as raízes da
equação x3 + px2 + qx+ r = 0
a) estejam em progressão aritmética?
b) estejam em progressão geométrica?
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142 Equações Algébricas Cap. 5
4.5 Dada a equação 2x5 − 3x4 − x3 + 7x2 − 9x+ 8 = 0 , ache
a) a soma dos quadrados de suas raízes;
b) a soma dos cubos de suas raízes;
c) a soma dos inversos de suas raízes;
d) a soma dos quadrados dos inversos de suas raízes.
4.6 Ache o valor dem para que a soma dos quadrados das raízes da equação
3x5 −mx3 + 2x2 + x− 1 = 0 seja igual a 1.
5 Teorema Fundamental da Álgebra
Resolvidas as equações, com coe�cientes complexos, até o grau quatro,
uma pergunta natural que se coloca é se as equações de grau maior do que
4 possuem sempre raízes complexas e, em tal caso, se há fórmulas algébricas
para expressá-las em função dos coe�cientes da equação. A primeira per-
gunta é respondida a�rmativamente pelo Teorema Fudamental da Álgebra
que abordaremos adiante. A segunda pergunta foi respondida pela negativa
pelo matemático norueguês Niels Henrik Abel (1802-1829), em um artigo
publicado em 1824, para as equações gerais de graus maiores ou iguais do
que cinco (cf. [3] Volume 2). No entanto, algumas equações admitem fórmu-
las resolventes algébricas em termos dos seus coe�cientes. Coube ao jovem
matemático francês Évariste Galois (1811-1832) caracterizar tais equações,
através de um estudo conhecido hoje como Teoria de Galois.
Apesar do nome, o Teorema Fundamental da Álgebra é um teorema de
Análise, não sendo conhecida nenhuma prova puramente algébrica dele. Por
outro lado, o nome não re�ete mais uma realidade, ele é uma herança do
tempo em que o desenvolvimento da Álgebra se encontrava estreitamente
relacionado com o corpo dos números complexos, tendo sido esse teorema
central naquele contexto. Com o desenvolvimento dos métodos abstratos na
Álgebra, esse resultado deixou de desempenhar papel fundamental para a
área.
Em 1629, o matemático franco-holandês Albert Girard (1595-1632) a�r-
mou, em seu livro L'invention nouvelle en l'Algèbre, que uma equação algé-
brica de grau n possuía n raízes, sem, entretanto, dizer nada sobre a natureza
dessas raízes.
A primeira tentativa séria para demonstrar o Teorema Fundamental da
Álgebra foi feita pelo matemático francês Jean Le Rond D'Alembert (1717-
1783) em 1746, cuja prova foi considerada falha, sendo melhorada e simpli-
�cada por Argand em 1806 e posteriormente em 1814. A parte delicada da
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Seção 5 Teorema Fundamental da Álgebra143
prova de D'Alembert-Argand era baseada na propriedade de que toda função
real contínua numa região fechada e limitada do plano possui um mínimo ab-
soluto. Naquela época, com o conhecimento que se tinha dos números reais,
não era possível provar tal teorema de existência. A prova desse fato teve
que esperar que os números reais fossem contruídos por Richard Dedekind
(matemático alemão, 1831-1916), por volta de 1870, para ser realizada em
1874 pelo matemático alemão Karl Weierstrass (1815-1897).
Uma outra prova foi dada em 1772 pelo matemático francês Joseph-
Louis Lagrange (1736-1813), supondo a existência das raízes de uma equação
com coe�cientes reais em algum corpo, para depois mostrar que essas raízes
eram necessariamente complexas (cf. [3], Volume 2). Essa demonstração
é a mais algébrica de todas, onde o único resultado de análise admitido
é que um polinômio real de grau ímpar possui pelo menos uma raiz real
(isto é consequência do Teorema do Valor Intermediário, também provado
quase um século após por Weierstrass). A prova de Lagrange foi contestada
por Gauss, por não aceitar que se recorresse a nenhum corpo estranho aos
complexos para garantir a existência das raízes de uma equação algébrica com
coe�cientes reais. A existência de um corpo onde um determinado polinômio
tem sempre raízes foi construído por Kronecker em 1887, completando, assim,
a prova de Lagrange.
Em 1797, na sua tese de doutorado publicada em 1799, Gauss fez críticas
às demonstrações anteriores do teorema e deu uma nova demonstração, de
cujas falhas ele tinha consciência. Ao longo da vida, Gauss, deu quatro
provas do Teorema Fundamental da Álgebra, todas com alguma falha, dado
o grau insu�ciente do desenvolvimento da Matemática na época. Registram-
se também tentativas de demonstração feitas por Euler e Laplace. Hoje há
uma grande quantidade de provas, sendo esse resultado corolário de �quase
todo� teorema profundo de Análise.
A demonstração que daremos do Teorema Fundamental da Álgebra é
aquela devida a D'Alembert-Argand, por ser, na nossa opinião, a mais sim-
ples de todas e repousa em dois lemas que daremos a seguir.
Lema 5.1. Dado um polinômio p(x) ∈ C[x] \ C, existe z0 ∈ C tal que
|p(z0)| ≤ |p(z)|, ∀z ∈ C.
Demonstração Obviamente, basta provar o resultado para polinômios mô-
nicos. Escrevamos p(x) = xn + an−1xn−1 + · · · + a1x + a0, logo pelas desi-
gualdades triangulares (Proposições 3.1 e 3.2, Capítulo 1), temos para todo
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144 Equações Algébricas Cap. 5
z ∈ C,
|p(z)| = |z|n
∣∣1+ an−1z + · · ·+ a0zn ∣∣
≥ |z|n
(
1− |an−1|
|z|
− · · ·− |a0|
|z|n
)
,
o que mostra que
lim
|z|→+∞ |p(z)| = +∞.
Assim, existe R > 0 tal que |p(z)| > |p(0)| para todo z com |z| > R. Se
D = {z ∈ C; |z| ≤ R}, pelo Teorema de Weierstrass (cf. [6], Corolário 3,
página 19), temos que existe z0 ∈ D, tal que |p(z0)| ≤ |p(z)| para todos
z ∈ D. Como |p(z0)| ≤ |p(0)|, temos que |p(z0)| ≤ |p(z)|, para todo z ∈ C. 2
Lema 5.2. Seja p(x) ∈ C[x] \C. Se z0 ∈ C é tal que p(z0) 6= 0, então existe
z1 ∈ C tal que |p(z1)| < |p(z0)|.
Demonstração Também aqui basta provar o resultado para polinômios
mônicos. Seja p(x) = xn+an−1xn−1+ · · ·+a1x+a0 e sejam z0 e h números
complexos tais que p(z0) 6= 0 e h a ser determinado de modo que |p(z0+h)| <
|p(z0)|.
Com o auxílio do binômio de Newton, podemos escrever
p(z0 + h) = (z0 + h)
n + an−1(z0 + h)
n−1 + · · ·+ a0 = p(z0) + q(h),
onde q(x) é um polinômio não nulo, pois p(x) é um polinômio não constante,
de grau n e sem termo constante. Seja bxm o termo de menor grau em q(x).
Assim, podemos escrever q(x) = bxm + xm+1r(x), onde r(x) é um outro
polinômio.
Podemos escolher o argumento de h de modo λ = bh
m
p(z0)
tenha argumento
igual a π (lembre que p(z0) 6= 0). Portanto, λ é um número real negativo.
Podemos garantir que a desigualdade −1 ≤ λ ≤ 0 se mantém para |h| su�-
cientemente pequeno. Tomamos ainda |h| su�cientemente pequeno para que
|hm+1r(h)| < |bhm|. Pela desigualdade triangular e pelo Problema 3.9(d) do
Capítulo 1, para todo h ∈ C, nas condições acima, temos que
|p(z0 + h)| = |p(z0) + bh
m + hm+1r(h)|
≤ |p(z0) + bhm|+ |hm+1r(h)|
= |p(z0)|− |bh
m|+ |hm+1r(h)|
< |p(z0)|.
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Seção 5 Teorema Fundamental da Álgebra 145
Portanto, existe z1 = z0 + h, com h como acima, tal que |p(z1)| < |p(z0)|.
2
Prova do Teorema Fundamental da Álgebra Seja p(x) ∈ C[x] \ C.
Pelo Lema 5.1, temos que existe z0 ∈ C tal que |p(z0)| ≤ |p(z)|, para todo
z ∈ C. Vamos mostrar que p(z0) = 0. De fato, de p(z0) 6= 0, então, pelo
Lema 5.2, existiria z1 ∈ C tal que |p(z1)| < |p(z0)|, o que é um absurdo. 2
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Bibliogra�a
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.
[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.
[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática
Universitária, IMPA, 2010 e 2012.
[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,
2006.
[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.
[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,
IMPA, 2004.
[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais
e Complexos. Editora UFRGS.
[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-
Verlag, 1994.
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146
Livro: Polinômios e Equações Algébricas
Autores: Abramo Hefez
Maria Lúcia Torres Villela
Capítulo 6: Construções com Régua e
Compasso
Sumário
1 O Legado dos Gregos . . . . . . . . . . . . . . . . 147
2 Primeira Algebrização do Problema . . . . . . . 157
3 Extensões de Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . 165
4 Algebrização Final do Problema . . . . . . . . . 174
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Seção 1 O legado dos gregos 147
Este capítulo tratará da resolução de alguns problemas geométricos clás-
sicos, com o auxílio da álgebra dos polinômios e de alguns de seus desdobra-
mentos que aqui desenvolveremos. Em geral, esses problemas pedem para
determinar se certas construções geométricas podem ser realizadas com régua
e compasso. Não se trata aqui de resolver problemas de Desenho Geométrico,
mas apenas responder à pergunta se um determinado problema geométrico
pode ou não ser resolvido somente com o uso de uma régua não graduada
e de um compasso. Os gregos antigos nos legaram alguns desses problemas
que desa�aram a mente humana durante cerca de dois milênios e só tiveram
resposta completa e de�nitiva no século XIX, quando a Álgebra e a Análise
já estavam su�cientemente desenvolvidas para lhes darem respostas.
1 O Legado dos Gregos
Dentre as construções geométricas que os gregos sabiam realizar no plano
com régua não graduada e compasso, usando os postulados de Euclides, estão
as seguintes:
1) Dados um ponto P e uma reta r, traçar uma reta perpendicular à reta r
passando pelo ponto P.
Há duas possibilidades:
a) O ponto P pertence a r,
b) O ponto P não pertence a r.
A construção abaixo contempla ambos os casos.
Com centro em P trace um círculo de raio R qualquer, mas que intersecte
a reta em pelo menos dois pontos. Centrado em cada um desses pontos trace
um círculo de raio R ′ > R. Esses dois círculos se cortam em dois pontos,
que ligados com a régua nos dão a reta perpendicular a r passando por P.
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148 Construções com régua e compasso Cap. 6
Figura 1: Reta perpendicular a r passando por P ∈ r.
Note que se P 6∈ r, basta tomar R ′ = R, quando um dos pontos de
interseção dos dois círculos traçados por último é P (faça a �gura).
2) Dados uma reta r e um ponto P fora de r, traçar por P uma reta paralela
à reta r.
Por P trace a perpendicular r ′ a r. Em seguida, trace a perpendicular a
r ′ porP. Esta é a reta paralela a r por P (faça a �gura).
3) Divisão de um segmento dado AB em qualquer número n de partes iguais.
Por uma das extremidades do segmento, por exemplo A, trace uma reta
qualquer que não contenha o segmento. Sobre esta reta, a partir de A, mar-
que com o compasso n segmentos iguais de comprimento qualquer. Ligue a
extremidade, mais afastada de A, do último desses segmentos ao ponto B
com uma reta r. Pelas extremidades de cada um dos segmentos acima, trace
paralelas à reta r. Os pontos de interseção dessas retas com o segmento AB
o dividem em n partes iguais.
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Seção 1 O legado dos gregos 149
Figura 2: Divisão do segmento AB em n partes iguais.
4) Bissecção de um ângulo qualquer.
Com centro no vértice P do ângulo, trace um círculo de raio qualquer.
Com o mesmo raio trace dois círculos centrados nos pontos A e B de inter-
seção do círculo anteriormente desenhado com os lados do ângulo. Una os
pontos de interseção desses dois últimos círculos (um deles é P). Essa reta
bissecta o ângulo dado.
Figura 3: Bissecção de um ângulo.
5) Transportar, somar e subtrair ângulos.
Para transportar para o ponto P o ângulo θ graus, trace por P retas
paralelas às retas determinadas pelos lados do ângulo θ.
Figura 4: Transportar para o ponto P o ângulo θ.
Sejam dados os ângulos θ1 e θ2, em graus, com vértices O1 e O2.
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150 Construções com régua e compasso Cap. 6
Figura 5: Ângulos θ1 e θ2.
Com centro nos vértices O1 e O2 dos ângulos θ1 e θ2, trace círculos C1
e C2 de mesmo raio. Sejam Aj e Bj os pontos de interseção do círculo Cj
com os lados do ângulo θj, para j = 1, 2. Com o compasso meça a distância
d entre A2 e B2. O círculo de centro B1 e raio d intersecta o círculo C1 nos
pontos P e Q. Na �gura abaixo, o ângulo Â1O1P é θ1+θ2 e o ângulo Â1O1Q
é θ1 − θ2, onde θ1 ≤ θ2.
Figura 6: θ1 + θ2 = Â1O1P e θ1 − θ2 = Â1O1Q.
Observe que a construção acima nos fornece um outro modo de trans-
portar ângulos. Por exemplo, Q̂O1B1 = B̂1O1P = θ2.
Dada uma terna ordenada de pontos AOB, estamos adotando a seguinte
convenção: o ângulo ÂOB é aquele determinado pela rotação do segmento
OA, em torno de O no sentido anti-horário, de modo que a semirreta de
extremo O determinada por A coincida com a semirreta de extremo O de-
terminada por B. Assim, temos que B̂OA = 360o − ÂOB (faça a �gura).
6) Dados segmentos de comprimentos a e b, construir segmentos de compri-
mentos a+ b e a− b.
Sejam AB e CD segmentos de comprimentos a e b e r a reta por A e B.
O círculo de centro B e raio b intersecta a reta r nos pontos P e Q, com Q
o ponto mais afastado de A. O comprimento do segmento AQ é a + b e o
comprimento do segmento AP é a− b, com b ≤ a.
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Seção 1 O legado dos gregos 151
Figura 7: A soma a + b e a subtração a − b.
7) Construção de um quadrado inscrito num círculo.
Trace duas retas ortogonais quaisquer passando pelo centro do círculo.
Os quatro pontos de interseção dessas retas com o círculo são os vértices de
um quadrado.
Figura 8: Quadrado inscrito no círculo.
8) Construção dos polígonos regulares de 2n lados inscritos em um círculo,
com n ≥ 3.
Por recorrência. Construa inicialmente um quadrado inscrito no círculo.
Por bissecção de seus ângulos internos, se obtém o octógono regular ins-
crito, etc. A partir do polígono de 2n−1 lados, por bissecção de seus ângulos
internos obtém-se o polígono regular inscrito com 2n lados.
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152 Construções com régua e compasso Cap. 6
Figura 9: Octógono inscrito no círculo.
9) Construção do hexágono e do triângulo regulares inscritos.
Sendo o ângulo interno do hexágono π/3 radianos e sendo o triângulo
OAB isósceles, segue-se que OAB é equilátero, logo o lado do hexágono é
igual ao raio do círculo. A partir do hexágono é imediato obter o triângulo.
Figura 10: Hexágono e triângulo inscritos no círculo.
Fixada uma unidade de medida, os gregos também realizavam as seguin-
tes construções geométricas.
10) Dados segmentos de comprimentos a e b e uma unidade de medida,
construir segmentos de comprimentos a · b e a/b.
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Seção 1 O legado dos gregos 153
O produto e o quociente são obtidos através de semelhanças de triângulos,
como nas �guras abaixo.
Figura 11: O quociente a
b
e o produto a · b.
11) Dados uma unidade de medida e um segmento de comprimento a, cons-
truir um segmento de comprimento
√
a.
Construa um segmento de comprimento a + 1 emendando um segmento
de reta de comprimento 1 com um de comprimento a sobre uma mesma reta.
Ache o ponto médio M desse segmento e trace um semicírculo centrado em
M com raio igual a a+12 . Pelo ponto onde são emendados os dois segmentos,
levante a perpendicular à reta. O comprimento do segmento dessa perpendi-
cular compreendido entre a reta e o semicírculo é igual a
√
a.
Figura 12: Construção de
√
a.
12) Construção do decágono e do pentágono regulares inscritos num círculo
de raio R.
Denotemos por x o comprimento do lado do decágono inscrito no círculo
de raio R. Sendo o ângulo interno do decágono ÂOB de π/5 radianos, ele é
igual à metade do ângulo ÂBO. Ao traçarmos a bissetriz do ângulo ÂBO,
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154 Construções com régua e compasso Cap. 6
obtemos o triângulo BCA semelhante ao triângulo OAB. Pela semelhança
dos triângulos obtemos OBAB =
BA
CA , ou seja,
R
x
=
x
R− x
,
o que nos dá a equação x2 + Rx − R2 = 0, cuja única solução positiva é
R
2 (
√
5 − 1). Essa medida pode ser obtida a partir do raio R e da unidade de
medida, usando as construções (3), (6), (10) e (11).
Figura 13: Ângulo ÂBO e triângulos 4BCA e 4OAB.
A construção do pentágono é imediatamente obtida tomando os vértices
do decágono alternadamente.
Figura 14: Decágono e pentágono regulares inscritos no círculo.
Os gregos então sabiam construir polígonos regulares inscritos em círculos
de 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 16 e 20 lados. Também sabiam construir um polígono
com 2mn lados, desde que soubessem construir o polígono com n lados, por
sucessivas bissecções dos ângulos internos do polígono de n lados.
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Seção 1 O legado dos gregos 155
Por outro lado, por mais que os geômetras tentassem construir com régua
e compasso o heptágono (polígono de 7 lados) e o eneágono (polígono de 9
lados), eles nunca conseguiram. Começou então a pairar a suspeita de que
tais construções não seriam possíveis. Mas como provar tal impossibilidade?
Uma coisa, é provar que uma determinada �gura é construtível, exibindo
a construção; outra coisa, é mostrar que nenhuma construção poderá levar
à obtenção de uma dada �gura. Foi preciso aguardar que a Álgebra e a
Análise se desenvolvessem o su�ciente para que tais questões pudessem ser
respondidas, cabendo à genialidade de Gauss apontar o caminho.
Outros problemas deixados sem solução pelos gregos foi a possibilidade ou
não de trissectar um ângulo de 60o (equivalente à construção do eneágono), a
duplicação do cubo e a quadratura do círculo, que abordaremos mais adiante.
Antes de prosseguirmos, vamos dar uma nova formulação para o problema
geométrico das construçõoes com régua não graduada e o compasso.
Seja dada uma coleção de pontos S do plano, com pelo menos dois pontos.
Em S são destacados dois pontos, cujo comprimento do segmento de reta
por eles determinado representa a unidade de medida. Construímos outros
pontos a partir dos pontos de S, utilizando apenas uma régua não graduada e
um compasso, através da realização das seguintes construções fundamentais:
(I) ligar dois pontos de S por um segmento de reta;
(II) traçar uma reta por dois pontos de S;
(III) traçar um círculo com centro num ponto de Se raio igual à medida de
um segmento determinado por dois pontos de S.
As construções fundamentais são chamadas, respectivamente, de seg-
mento de reta, reta ou círculo construtíveis com régua e compasso a partir
de S. Esses são os segmentos de retas, retas ou círculos permitidos de serem
construídos.
Após cada construção, incorporamos a S os pontos de interseção das retas
e dos círculos traçados, por meio das construções fundamentais. Um ponto
P do plano será dito construtível com régua e compasso a partir de S, se ele
puder ser obtido após um número �nito de construções fundamentais, como
acima.
Os pontos de S também determinam ângulos, que podem ser dados por
uma terna ordenada de pontos de S.
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156 Construções com régua e compasso Cap. 6
Figura 15: Ângulo θ = ÂBC.
Nesse caso, dizemos que θ é um ângulo construtível com régua e compasso
a partir de S.
Daqui por diante, os segmentos de retas, retas ou círculos, pontos e ân-
gulos construtíveis com régua e compasso a partir de S serão chamados sim-
plesmente de construtíveis.
Problemas
1.1 Seja S uma coleção de pontos do plano com pelo menos dois pontos.
Em cada item, descreva uma sequência de construções fundamentais que
mostrem que a a�rmação é verdadeira.
(a) Sejam a reta r e o ponto P construtíveis. Então:
(i) A reta perpendicular a r passando por P é construtível.
(ii) Se P 6∈ r, então a reta paralela a r passando por P é construtível.
(b) Se A e B são pontos distintos construtíveis, então os pontos que dividem
o segmento AB em n partes iguais são construtíveis.
(c) Se θ é construtível, então θ2 é construtível.
(d) Se θ1 e θ2 são construtíveis, então θ1 + θ2 e θ1 − θ2 são construtíveis.
1.2 Mostre em uma só �gura como construir com régua e compasso um
segmento de comprimento
√
1+
√
2.
1.3 Mostre em uma só �gura como construir
√
n, para qualquer número
natural n ≥ 1.
1.4 Mostre que a construção de um polígono regular inscrito em um círculo
de raio 1 é equivalente à construção de um polígono regular inscrito em um
círculo de raio R qualquer.
1.5 Realize geometricamente a construção do decágono.
1.6 Mostre que trissectar um ângulo de 60o é equivalente à construção do
polígono regular de 18 lados inscrito em um círculo, o que é equivalente à
construção do eneágono regular inscrito no círculo.
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Seção 2 Primeira algebrização do problema 157
1.7 Mostre que se o polígono regular de n lados inscrito em um círculo
é construtível com régua e compasso e se n = n1 · n2, então os polígonos
regulares de n1 e n2 lados são também construtíveis.
2 Primeira Algebrização do Problema
O primeiro passo que daremos no sentido de algebrizarmos o problema
das construções com régua e compasso será o de identi�car R2 com C, onde
se destacam os pontos 0+ 0i e 1+ 0i, que suporemos contidos em qualquer
conjunto de pontos S a ser considerado. Ganhamos, assim, a possibilidade
de efetuar multiplicações de pontos.
Observamos que o eixo x, o eixo y e o círculo unitário são construtíveis.
Seja z 6= 0 um número complexo construtível.
Podemos escrever z = a + bi ou z = |z|(cos θ + i sen θ), na forma trigo-
nométrica, onde θ ∈ [0, 2π) é dado em radianos.
Figura 16: z = a + bi = |z|(cos θ + i sen θ).
O segmento de reta da origem a z, as retas vertical e horizontal passando
por z são construtíveis. Logo, o comprimento |z|, os números reais a e b,
assim como o ângulo θ, são construtíveis.
Dados os números complexos construtíveis z1 e z2, sabemos construir
com régua e compasso os números complexos z1 ± z2, z1 · z2 e
z1
z2
.
De fato, escrevendo z1 = a1 + b1i e z2 = a2 + b2i, temos que
z1 ± z2 =
(
a1 ± a2
)
+
(
b1 ± b2
)
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158 Construções com régua e compasso Cap. 6
e os números reais a1 ± a2 e b1 ± b2 são construtíveis, dado que a1, a2, b1
e b2 são construtíveis.
Para o cálculo do produto e do quociente, quando ambos são não nulos,
podemos escrevê-los na forma trigonométria,
z1 = |z1|
(
cos θ1 + i sen θ1
)
, z2 = |z2|
(
cos θ2 + i sen θ2
)
.
Então,
z1 · z2 = |z1||z2|
(
cos(θ1 + θ2) + i sen(θ1 + θ2)
)
e
z1
z2
=
|z1|
|z2|
(
cos(θ1 − θ2
)
+ i sen(θ1 − θ2)
)
.
Sabemos fazer as construções, respectivamente, de |z1| · |z2|, θ1 + θ2,
|z1|
|z2|
e
θ1 − θ2.
Se z = |z|(cos θ+ i sen θ) é construtível, então
√
z =
√
|z|
(
cos
θ
2
+ i sen
θ
2
)
,
é construtível, pois |z| e θ são construtíveis e sabemos com as construções
fundamentais determinar a raiz quadrada do segmento |z|, bem como bissec-
tar o ângulo θ.
Segue-se que são construtíveis as raízes complexas de uma dada equação
do segundo grau com coe�cientes b e c números complexos construtíveis
x2 + bx+ c = 0.
De fato, as raízes são
x1 =
−b+
√
b2 − 4c
2
e x2 =
−b−
√
b2 − 4c
2
,
e, pelo que vimos acima, são construtíveis com régua e compasso.
Os problemas que abordaremos serão o de caracterizar os números com-
plexos construtíveis com régua e compasso a partir de 0 e 1.
Portanto, já sabemos, por meio das construções fundamentais, construir
todo número inteiro, assim como todo número racional e todo número com-
plexo da forma a + bi, onde a, b ∈ Q. Outros pontos como, por exemplo,
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Seção 2 Primeira algebrização do problema 159
√
a +
√
b i, onde a e b são números racionais positivos, também são cons-
trutíveis com régua e compasso a partir de 0 e 1.
Portanto, a construtibilidade de um polígono regular de n lados inscrito
em um círculo de raio R (a partir de 0 e 1) se reduz ao problema da cons-
trutibilidade de uma raiz n-ésima primitiva ζ qualquer da unidade, já que
dada uma tal raiz, uma sua potência, que é construtível a partir de ζ, nos
dá a raiz cos 2πn + i sen
2π
n , primeiro vértice após o vértice 1 do polígono de n
lados inscrito no círculo centrado em 0 e de raio 1 (veja Problema 1.4, onde
se justi�ca poder tomar R = 1).
Exemplo 1. Construtibilidade do triângulo equilátero inscrito em um cír-
culo.
Mostrar que o triângulo equilátero é construtível é equivalente a mostrar
que as raízes cúbicas primitivas da unidade são construtíveis. As raízes
cúbicas primitivas da unidade são raízes da equação
x2 + x+ 1 = 0,
e, portanto, construtíveis.
Exemplo 2. Construtibilidade do pentágono regular inscrito.
Sob esta ótica, mostrar que o pentágono regular inscrito em um círculo
é construtível com régua e compasso é o mesmo que mostrar como construir
com régua e compasso uma raiz quinta primitiva da unidade.
As raízes quintas primitivas da unidade são raízes da equação algébrica
x4 + x3 + x2 + x+ 1 = 0,
que são os números complexos cos
(
2kπ
5
)
+ i sen
(
2kπ
5
)
, k = 1, 2, 3, 4.
Nos propomos de calcular algebricamente essas raízes. Apesar de po-
der resolver a equação pelo método de Ferrari, a resolveremos por métodos
elementares, por ser de um tipo muito especial.
Note que
Rec(x4 + x3 + x2 + x+ 1) = x4 + x3 + x2 + x+ 1.
As equações que possuem esta propriedade são chamadas de equações recí-
procas.
Como 0 não é raiz da nossa equação, ela pode ser escrita do seguinte
modo:
x2 +
1
x2
+ x+
1
x
+ 1 = 0.
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160 Construções com régua e compasso Cap. 6
Tomando y = x + x−1 em C(x), obtemos x2 + x−2 = y2 − 2, logo a nossa
equação se transforma em
y2 + y− 1 = 0,
cujas raízes são
y1 =
−1+
√
5
2
, y2 =
−1−
√
5
2
.
As raízes da nossa equação podem ser encontradas resolvendo as equações
x+
1
x
= y1, x+
1
x
= y2.
Isto nos dá as seguintes raízes:
−1+
√
5
4
+ i
√
10+ 2
√
5
4
,
−1+
√
5
4
− i
√
10+ 2
√
5
4
,
−1−
√
5
4
+ i
√
10− 2
√
5
4
,
−1−
√
5
4
− i
√
10− 2
√
5
4
.
Portanto, todas construtíveis com régua e compasso.
Com essa primeira algebrização do problema obtemos o seguinte resul-
tado, do ponto de vista geométrico não trivial, porém do ponto de vista
algébrico muito simples deser provado.
Proposição 2.1. Seja n = n1n2, onde n1 e n2 são números naturais mai-
ores do que ou iguais a 2, primos entre si. O polígono regular inscrito de
n lados é construtível com régua e compasso se, e somente se, os polígonos
regulares inscritos de n1 e n2 lados são ambos construtíveis.
Demonstração O problema 1.7 nos diz que se o polígono de n lados é
construtível, então os polígonos de n1 e n2 lados são construtíveis. Re-
ciprocamente, se os polígonos de n1 e n2 lados são construtíveis, então são
construtíveis uma raiz n1-ésima primitiva da unidade ζ1 e uma raiz n2-ésima
primitiva da unidade ζ2. Como ζ = ζ1ζ2 é uma raiz n-ésima primitiva da
unidade e é construtível a partir de ζ1 e ζ2, o resultado segue. 2
Como consequência dessa proposição temos que o polígono regular ins-
crito de 15 lados é construtível com régua e compasso.
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Seção 2 Primeira algebrização do problema 161
Exemplo 3. Construtibilidade do polígono regular de 17 lados, segundo
Gauss.
Queremos mostrar que � = cosα + i senα, onde α = 2π17 , é construtível
com régua e compasso. Para isto bastará mostar que cosα é construtível.
Sabemos que � é raiz do polinômio p(x) = x16+x15+ · · ·+x+1, cujas raízes
são as raízes 17-ésimas da unidade, exceto a raiz 1.
Seguindo Gauss, ordenemos essas raízes como segue:
�, �3, �9, �10, �13, �5, �15, �11, �16, �14, �8, �7, �4, �12, �2, �6, (1)
onde cada elemento é o cubo do anterior e o primeiro é o cubo do último.
Formemos as seguintes somas, tomando os termos de (1) alternadamente:
y1 = �+ �
9 + �13 + �15 + �16 + �8 + �4 + �2, (2)
y2 = �
3 + �10 + �5 + �11 + �14 + �7 + �12 + �6. (3)
A soma das raízes n-ésimas primitivas da unidade é igual a −1, pois esse
número é o simétrico do coe�ciente de x15 em p17(x). Logo
y1 + y2 = −1. (4)
Por outro lado, por inspeção vemos que o produto y1y2 é igual a quatro
vezes a soma dos �i, para i = 1, . . . , 16. Logo
y1y2 = 4(y1 + y2) = −4. (5)
Assim, de (4) e (5) concluímos que y1 e y2 são as raízes da equação
y2 + y− 4 = 0,
que são os números (−1 ±
√
17)/2. Agrupando na expressão (3) de y1 as
parcelas que são números complexos conjugados, temos
y1 = (�+ �
16) + (�2 + �15) + (�4 + �13) + (�8 + �9)
= 2 cosα+ 2 cos 2α+ 2 cos 4α+ 2 cos 8α > 0,
já que α, 2α e 4α são ângulos do primeiro quadrante, logo com cossenos
positivos, e
cosα+ cos 2α > 2cos
π
4
=
√
2 > −cos8α.
(Faça uma �gura para se convencer disso.)
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162 Construções com régua e compasso Cap. 6
Portanto, podemos concluir que
y1 =
−1+
√
17
2
e y2 =
−1−
√
17
2
.
Tomemos agora nas expressões (3) e (4) de y1 e y2 os seus termos alter-
nadamente para formar:
x1 = �+ �
13 + �16 + �4 = 2(cosα+ cos 4α)
x2 = �
9 + �15 + �8 + �2 = 2(cos 2α+ cos 8α)
x3 = �
3 + �5 + �14 + �12 = 2(cos 3α+ cos 5α)
x4 = �
10 + �11 + �7 + �6 = 2(cos 6α+ cos 7α).
Veri�ca-se sem di�culdade que x1 > x2 e esses números são raízes da equação
x2 − y1x− 1 = 0,
enquanto que x3 > x4 e esses são raízes da equação
x2 − y2x− 1 = 0.
Assim, podemos concluir que
x1 =
−1+
√
17
4
+
√
34− 2
√
17
4
,
x2 =
−1+
√
17
4
−
√
34− 2
√
17
4
,
x3 =
−1−
√
17
4
+
√
34+ 2
√
17
4
,
x4 =
−1−
√
17
4
−
√
34+ 2
√
17
4
.
Formemos agora os números
z1 = �+ �
16 = 2 cosα,
z2 = �
13 + �4 = 2 cos 4α.
Esses números são raízes da equação
z2 − x1z+ x3 = 0.
Portanto, z1 = 2 cosα é construtível com régua e compasso a partir de x1
e x3, que por sua vez, pelas suas expressões acima, são construtíveis com
régua e compasso a partir de 0 e 1. Logo, cosα é construtível com régua
e compasso a partir de 0 e 1, provando que o polígono regular de 17 lados
inscrito no círculo de raio 1 é construtível com régua e compasso.
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Seção 2 Primeira algebrização do problema 163
Comentários
A construtibilidade com régua e compasso do polígono regular de 17
lados sequer foi cogitada pelos gregos antigos. Foi em 1796 que, aos dezenove
anos, Gauss mostrou, com o desenvolvimento acima, que um polígono regular
de 17 lados é construtível com régua e compasso. Esse feito fez com que,
para felicidade da humanidade, Gauss se decidisse a abraçar a carreira de
matemático.
No seu Disquisitiones Arithmeticae de 1821 (cf. [2]), Gauss mostra que
se um número primo p é tal que p− 1 é uma potência de 2, então o polígono
regular de p lados é construtível com régua e compasso, generalizando o caso
p = 17. Os números primos p com esta propriedade são os chamados primos
de Fermat; e os únicos primos de Fermat conhecidos são p = 3, 5, 17, 257 e
65.537. Não se sabe sequer se o número de primos de Fermat é �nito ou
in�nito.
Este teorema de Gauss, que não demonstraremos aqui, foi provado por
ele estudando detalhadamente a equação da divisão do círculo
xp−1 + xp−2 + · · ·+ x+ 1 = 0,
nos moldes do caso p = 17, como feito acima. Hoje, meio da Teoria de Galois
é possível dar uma prova muito mais conceitual, com muito menos cálculos
do que a prova original de Gauss.
Gauss enunciou mas não provou explicitamente a recíproca desse resul-
tado, que demonstraremos na Seção 4. Isso foi feito rigorosamente pela
primeira vez em 1837 por um matemático francês pouco conhecido chamado
Pierre Laurent Wantzel, introduzindo para isto uma nova técnica.
O resultado de Gauss, em vista da Proposição 2.1, se generaliza, nos
dizendo que é construtível todo polígono regular de n lados, quando n é o
produto de uma potência de 2 e de primos de Fermat distintos. Portanto,
como conhecemos poucos primos de Fermat, ainda são relativamente poucos
os polígonos que sabemos serem construtíveis.
Wantzel, através de sua técnica, provou que também vale a recíproca
do resultado generalizado de Gauss, �cando assim estabelecido o resultado
de�nitivo sobre a construtibilidade de polígonos regulares:
Um polígono regular com um número n de lados é construtível com régua
e compasso se, e somente se, n é o produto de uma potência de 2 e de primos
de Fermat distintos.
Note que, com as técnicas apresentadas até o momento, sem dispormos
ainda da técnica introduzida por Wantzel, só é possível mostrar resultados
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164 Construções com régua e compasso Cap. 6
positivos, ou seja, que determinadas �guras são construtíveis com régua e
compasso. Para expor com clareza a ideia de Wantzel de como provar re-
sultados negativos, necessitaremos de um estudo preliminar dos rudimentos
da teoria de extensões de corpos que desenvolveremos na próxima seção. Na
seção seguinte, discutiremos os problemas da trissecção de um ângulo, a du-
plicação do cubo e a impossibilidade de construir polígonos regulares como
os de 7, 11, 13 e 19 lados, entre outros.
Neste livro, só não provaremos o resultado de Gauss que a�rma que se
p é um primo de Fermat, então o polígono regular de n lados é construtível
com régua e compasso. O restante da asserção será provado na Seção 4.
Problemas
2.1 Quanto mede o lado do pentágono regular inscrito em um círculo de
raio R?
2.2 Dado um subconjunto S de C, com {0, 1} ⊂ S, mostre que, para um
número complexo z, as seguintes condições são equivalentes.
i) z é construtível a partir de S;
ii) Re(z) e Im(z) são construtíveis a partir de S;
iii) z̄ é construtível a partir de S;
vi) z2 é construtível a partir de S;
v)
√
z é construtível a partir de S.
2.3 Sejam b, c ∈ C. Mostre que são equivalentes as condições:
i) b e c são construtíveis com régua e compasso;
ii) As raízes da equação x2 + bx + c = 0 são construtíveis com régua e
compasso;
iii) As raízes da equação x4 + bx2 + c = 0 são construtíveis com régua e
compasso.
2.4 Mostre que
cos(72o) =
−1+
√
5
4
, sen(72o) =
√
10+ 2
√
5
4
.
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Seção 3 Extensões do corpos 165
3 Extensões de Corpos
Para poder prosseguir com o nosso projeto de algebrização do proble-
ma da construtibilidadecom régua e compasso das �guras geométricas, que
citamos anteriormente, será necessário desenvolver um pouco mais a álgebra
dos polinômios.
Quando temos dois corpos F e K tais que F ⊂ K e as operações de adição e
multiplicação em K se restringem às correspondentes operações em F, diremos
que F é um subcorpo de K, ou que K é uma extensão de F. Em tal caso,
escrevemos K | F, ou ainda,
K
F
Exemplos de extensões de corpos são os seguintes:
R | Q, C | Q, C | R, F(x) | F,
onde x é uma indeterminada e F é um dos corpos Q, R ou C.
Note que, por ser K um corpo, a adição em K é comutativa, associativa,
tem elemento zero e todo elemento possui simétrico. Além disso, se α,β ∈ K
e a, b ∈ F, temos que
1) (a+ b)α = aα+ bα,
2) a(α+ β) = aα+ aβ,
3) a(bα) = (ab)α,
4) 1α = α.
Portanto, temos que K é um espaço vetorial sobre o corpo F. Esta estru-
tura será fundamental para o nosso estudo.
A dimensão do espaço vetorial K sobre F será chamada de grau da exten-
são e será denotada por [K : F].
Uma extensão K | F será dita �nita, se K como espaço vetorial sobre F for
�nito, ou seja, se [K : F] <∞.
Exemplo 1. Seja K = {a+ b
√
2 ; a, b ∈ Q} (cf. Problema 1.2, Capítulo 3).
A extensão K | Q é �nita, pois K é um espaço vetorial sobre Q gerado por 1
e
√
2.
Exemplo 2. Seja L = {a+ bi ; a, b ∈ Q} (cf. Problema 1.3, Capítulo 3). A
extensão L | Q é �nita, pois L é um espaço vetorial sobre Q gerado por 1 e i.
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166 Construções com régua e compasso Cap. 6
Exemplo 3. Seja x uma indeterminada. A extensão Q(x) | Q não é �nita,
pois {1, x, x2, . . . , } é linearmente independente sobre Q.
Dada uma extensão K | F e um elemento α ∈ K, diremos que α é algébrico
sobre F, se α for raiz de um polinômio não nulo p(x) em F[x].
Exemplo 4. Os elementos
√
2, 3
√
2 e 4
√
2 de R são algébricos sobre Q. De
fato, eles são, respectivamente, raízes dos polinômios x2 − 2, x3 − 2 e x4 − 2
em Q[x].
Exemplo 5. O elemento
4
√
3+
√
2 é algébrico sobre Q. De fato, denotando
este elemento por α e elevando à quarta potência, obtemos
α4 = 3+
√
2.
Elevando a expressão α4 − 3 =
√
2 ao quadrado, obtemos a igualdade α8 −
6α4 + 7 = 0, o que, por sua vez, implica que α é algébrico sobre Q.
Dada uma extensão K | F, um elemento α ∈ K que não é algébrico sobre
F será dito transcendente sobre F.
Um elemento de R transcendente sobre Q será chamado simplesmente de
número transcendente.
O mais famoso dos números transcendentes é o número π que expressa
a razão entre o comprimento de um círculo e o seu diâmetro. Desde a an-
tiguidade, tem se determinado valores aproximados de π por números raci-
onais, cada vez melhores. Arquimedes determinou a seguinte aproximação:
3 1071 < π < 3
10
70 . Hoje se conhece a expansão decimal de π com mais de cinco
trilhões de casas. Por muito tempo se suspeitou que π fosse um número
irracional, tendo este fato sido demonstrado por Johann Heinrich Lambert,
em 1761. Muito mais difícil é a prova de que π é transcendente, realizada
por Ferdinand von Lindemann em 1882.
Um fato curioso, é que apesar de se saber que há muito mais números
transcendentes do que algébricos, poucos desses possuem um nome, como,
por exemplo, π e a base dos logaritmos naturais e.
Uma maneira de obtermos corpos intermediários entre F e K em uma
extensão K | F é a partir da noção de adjunção que introduziremos a seguir.
Seja K | F uma extensão de corpos e seja α ∈ K. De�nimos a adjunção
de α a F como sendo o menor subcorpo de K contendo F∪ {α} e o denotamos
por F(α). Assim, F ⊂ F(α) ⊂ K e α ∈ F(α).
Isto signi�ca que F(α) é um subcorpo de K tal que se L é um subcorpo
de K com F ⊂ L e α ∈ L, então F(α) ⊂ L.
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Seção 3 Extensões do corpos 167
Exemplo 6. O menor subcorpo de R contendo Q ∪ {
√
2} é Q(
√
2) = {a +
b
√
2 ; a, b ∈ Q}.
Exemplo 7. O menor subcorpo de C contendo Q ∪ {
√
i} é Q(i) = {a +
bi ; a, b ∈ Q} e o menor subcorpo de C contendo R ∪ {
√
i} é R(i) = C.
O fato de de�nirmos um objeto, não signi�ca que ele exista. Mas pela
própria de�nição, se F(α) existir, ele é único. De fato, se F(α) ′ for outra
adjunção de α a F, então por de�nição de adjunção, temos
F(α) ⊂ F(α) ′ e F(α) ′ ⊂ F(α),
o que mostra que F(α) = F(α) ′.
Iremos a seguir mostrar a existência de F(α). Seja
M =
{
p(α)
q(α)
; p(x), q(x) ∈ F[x] e q(α) 6= 0
}
.
É um exercício rotineiro veri�car que o conjuntoM é um corpo. Por outro
lado, todo subcorpo L de K que contém F∪ {α}, deve conter necessariamente
M. Logo, por de�nição, M é o corpo F(α).
Dada uma extensão K | F e um elemento α ∈ K algébrico sobre F, de�-
nimos o polinômio mínimo de α sobre F como sendo o polinômio mônico de
menor grau com coe�cientes em F que se anula em α.
Exemplo 8. O número real
√
2, é algébrico sobre Q e sobre R, com polinô-
mios mínimos x2−2 sobre Q e x−
√
2 sobre R, respectivamente. Os números
3
√
2 e 4
√
2 são algébricos sobre Q, com polinômios mínimos x3 − 2 e x4 − 2,
respectivamente.
O próximo resultado nos dará várias caracterizações do polinômio mí-
nimo.
Proposição 3.1. Sejam K | F uma extensão de corpos e α ∈ K. Seja p(x)
um polinômio mônico com coe�cientes em F, tal que p(α) = 0. As seguintes
condições são equivalentes:
(i) p(x) é o polinômio mínimo de α;
(ii) se q(x) ∈ F[x] é tal que q(α) = 0, então p(x) divide q(x);
(iii) p(x) é irredutível.
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168 Construções com régua e compasso Cap. 6
Demonstração (i) ⇒ (ii): Suponhamos que p(x) seja o polinômio mínimo
de α sobre F. Seja q(x) ∈ F[x], tal que q(α) = 0. Pela divisão euclidiana de
q(x) por p(x) existem f(x) e r(x) ∈ F[x] tais que
q(x) = f(x)p(x) + r(x),
com r(x) = 0 ou 0 ≤ gr(r(x)) < gr(p(x)). Avaliando em α, obtemos
0 = q(α) = f(α) · 0+ r(α) = r(α).
Como p(x) é o polinômio não nulo de menor grau que se anula em α,
segue que r(x) = 0 e p(x) divide q(x).
(ii) ⇒ (iii): Vamos mostrar que p(x) é primo. Sejam f(x), g(x) em F[x], tais
que p(x) divide f(x)g(x). Então, existe h(x) em F[x] tal que p(x)h(x) =
f(x)g(x). Avaliando em α, obtemos que 0 = p(α)h(α) = f(α)g(α) ∈ K.
Como K é um corpo, f(α) = 0 ou g(α) = 0. Portanto, p(x) divide f(x) ou
p(x) divide g(x).
(iii) ⇒ (i): Seja f(x) o polinômio mínimo de α sobre F. Suponhamos que
p(x) ∈ F[x] seja mônico e irredutível e p(α) = 0. De (i) implica (ii) segue que
f(x) divide p(x). Como os divisores mônicos de p(x) são 1 e p(x) e f(x) 6= 1,
concluímos que f(x) = p(x). 2
O resultado a seguir irá relacionar o grau de uma extensão do tipo F(α) | F
e o grau do polinômio mínimo de α sobre F.
Proposição 3.2. Seja K | F uma extensão e seja α ∈ K algébrico sobre F.
Se n é o grau do polinômio mínimo de α sobre F, então [F(α) : F] = n e
{1, α, α2, . . . , αn−1} é uma base de F(α) sobre F.
Demonstração Primeiramente, mostraremos que {1, α, . . . , αn−1} gera F(α)
sobre F. Seja β ∈ F(α). Então, existem f(x), g(x) ∈ F[x] tais que β =
f(α)
g(α)
, com g(α) 6= 0. Seja p(x) ∈ F[x] o polinômio mínimo de α sobre F.
Como g(α) 6= 0, então p(x) não divide g(x). Sendo p(x) irredutível segue
que mdc(g(x), p(x)) = 1. Segue do Lema 3.2 do Capítulo 4 que existem
a(x), b(x) ∈ F[x], tais que
1 = a(x)g(x) + b(x)p(x).
Avaliando em α, obtemos que
1 = a(α)g(α) + b(α)p(α) = a(α)g(α).
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Seção 3 Extensões do corpos 169
Logo,
1
g(α)
= a(α) e β =
f(α)
g(α)
= a(α)f(α).
Pela divisão euclidiana de a(x)f(x) por p(x), existem q(x), r(x) em F[x]
tais que
a(x)f(x) = p(x)q(x) + r(x),
onde r(x) = 0 ou 0 ≤ gr(r(x)) < gr(p(x)) = n.
Avaliando a igualdade acima em α, obtemos
β = a(α)f(α) = p(α)q(α) + r(α) = r(α).
Escrevendo r(x) = b0 + b1x + · · · + bn−1xn−1, onde bj ∈ F, para cada
j = 0, . . . , n − 1, temos que β = r(α) = b0 + b1α + · · · + bn−1αn−1, logo
{1, α, . . . , αn−1} gera F(α). Vamos mostrar que este conjunto é linearmente
independente.
Suponhamos, por absurdo, que existam c0, . . . , cn−1 em F, nem todos
nulos, taisque
c0 + c1α+ · · ·+ cn−1αn−1 = 0.
Então, h(x) = c0 + c1x + · · · + cn−1xn−1 é um polinômio não nulo de
grau menor do que n que se anula em α, contradizendo o fato de gr(p(x)) =
n. Portanto, c0 = c1 = · · · = cn−1 = 0 e {1, α, . . . , αn−1} é linearmente
independente sobre F. 2
Exemplo 9. O Exemplo 8, em presença da Proposição 3.2, mostra que
[Q(
√
2) : Q] = 2, [Q( 3
√
2) : Q] = 3 e [Q( 4
√
2) : Q] = 4.
Precisaremos do seguinte resultado sobre a multiplicatividade dos graus
em extensões de corpos.
Proposição 3.3. Sejam L | K e K | F duas extensões �nitas, então a extensão
L | F é �nita e
[L : F] = [L : K] [K : L].
Demonstração Seja {αk ; k = 1, . . . ,m} ⊂ K uma base de K | F e seja
{βj ; j = 1, . . . , n} ⊂ L uma base de L | K. Vamos mostrar que o conjunto
{αkβj ; k = 1, . . . ,m e j = 1, . . . , n} ⊂ L é uma base de L | F.
Seja β ∈ L. Como {βj ; j = 1, . . . , n} gera L | K, existem bj ∈ K tais
que β =
n∑
j=1
bjβj. Como {αk ; k = 1, . . . ,m} gera K | F, para cada bj ∈ K,
existem akj ∈ F, tais que bj =
m∑
k=1
akjαk. Assim,
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170 Construções com régua e compasso Cap. 6
β =
n∑
j=1
bjβj =
n∑
j=1
(
m∑
k=1
akjαk
)
βj
=
n∑
j=1
(
m∑
k=1
akjαkβj
)
=
n∑
j=1
m∑
k=1
akj(αkβj),
mostrando que {αkβj ; k = 1, . . . ,m e j = 1, . . . , n} gera L | F.
Suponhamos agora que 0 =
n∑
j=1
m∑
k=1
akjαkβj, com akj ∈ F. Então, 0 =
n∑
j=1
m∑
k=1
akjαkβj =
n∑
j=1
(
m∑
k=1
akjαk
)
βj, com
m∑
k=1
akjαk ∈ K, para cada j.
Como {βj ; j = 1, . . . , n} é linearmente independente sobre K, temos que
m∑
k=1
akjαk = 0, para cada j = 1, . . . , n, e como {αk ; k = 1, . . . ,m} é linear-
mente independente sobre F, obtemos que akj = 0, para cada k = 1, . . . ,m.
2
A construção da adjunção pode ser iterada como segue:
Sendo F(α1) ⊂ K e α2 ∈ K, podemos formar a adjunção de α2 a F(α1):
(F(α1))(α2).
Com o mesmo raciocínio que �zemos acima, pode-se mostrar que
F(α1, α2) =
{
p(α1, α2)
q(α1, α2)
; p, q ∈ F[x1, x2] e q(α1, α2) 6= 0
}
é um corpo que contém F(α1) e α2 e tal que todo subcorpo L de K que contém
F(α1) e α2 deve necessariamente conter F(α1, α2), o que nos mostra que
(F(α1))(α2) = F(α1, α2)
=
{
p(α1, α2)
q(α1, α2)
; p, q ∈ F[x1, x2] e q(α1, α2) 6= 0
}
.
Podemos recursivamente construir a partir de F(α1, . . . , αn−1) o corpo
F(α1, . . . , αn−1, αn) = (F(α1, . . . , αn−1))(αn)
=
{
p(α1, . . . , αn)
q(α1, . . . , αn)
; p, q ∈ F[x1, . . . , xn] e q(α1, . . . , αn) 6= 0
}
.
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Seção 3 Extensões do corpos 171
Exemplo 10. A extensão Q( 4
√
2,
√
2) | Q pode ser vista como uma itera-
ção das extensões Q( 4
√
2) | Q(
√
2) e Q(
√
2) | Q. Como [Q( 4
√
2) : Q] = 4 e
[Q(
√
2) : Q] = 2, segue da Proposição 3.3 que [Q( 4
√
2) : Q(
√
2)] = 2.
Exemplo 11. Mostraremos queQ(
√
2+
√
3) = Q(
√
2,
√
3) e determinaremos
o polinômio mínimo de
√
2+
√
3 sobre Q.
Como
√
2 e
√
3 estão no corpo Q(
√
2,
√
3), então
√
2 +
√
3 está em
Q(
√
2,
√
3). Logo, Q(
√
2,
√
3) ⊃ Q ∪ {
√
2 +
√
3} e assim Q(
√
2,
√
3) ⊃
Q(
√
2+
√
3), o menor subcorpo de R com essa propriedade.
Para mostrar que Q(
√
2,
√
3) ⊂ Q(
√
2+
√
3), basta mostrar que
√
2,
√
3
estão em Q(
√
2+
√
3), visto que Q ⊂ Q(
√
2+
√
3).
Seja α =
√
2 +
√
3. Então,
√
3 = α −
√
2 e 3 = α2 − 2
√
2α + 2, logo√
2 = α
2−1
2α ∈ Q(α) e
√
3 = α−
√
2 = α− α
2−1
2α ∈ Q(α).
Com isto, concluímos que Q(
√
2+
√
3) = Q(
√
2,
√
3).
Qual é o polinômio mínimo de α sobre Q?
Elevando ao quadrado a igualdade 2
√
2α = α2− 1, obtemos α4− 10α2+
1 = 0. Com isso, só concluímos que α é algébrico sobre Q e que p(x), o
polinômio mínimo de α sobre Q, divide x4−10x2+1. Assim, [Q(α) : Q] ≤ 4.
Vamos determinar [Q(α) : Q], usando que Q(α) = Q(
√
2,
√
3).
Temos que [Q(
√
2) : Q] = 2. Como Q(
√
2,
√
3) = Q(
√
2)(
√
3), basta
determinar [Q(
√
2)(
√
3) : Q(
√
2)] = n e usar a multiplicatividade do grau,
isto é,
[Q(
√
2)(
√
3) : Q] = [Q(
√
2)(
√
3) : Q(
√
2)][Q(
√
2) : Q],
ilustrada no diagrama:
Q(
√
2,
√
3) = Q(
√
2)(
√
3)
n
Q
Q(
√
2)
�
��
2
2n
@@
Como
√
3 é raiz de x2 − 3 ∈ Q(
√
2)[x], então n ≤ 2.
Vamos mostrar que
√
3 6∈ Q(
√
2). Suponhamos, por absurdo, que
√
3 ∈
Q(
√
2). Então
√
3 = a + b
√
2, com a, b ∈ Q, pois {1,
√
2} é uma base de
Q(
√
2) | Q. Se a = 0, então
√
3
2 = b ∈ Q, é uma contradição. Se b = 0, então√
3 = a ∈ Q, também é uma contradição. Podemos supor que a 6= 0 e b 6= 0
e 3 = a2 + 2ab
√
2 + 2b2. Assim,
√
2 = 3−a
2−2b2
2ab ∈ Q, o que também é uma
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172 Construções com régua e compasso Cap. 6
contradição. Logo,
√
3 6∈ Q(
√
2). Então, n = [Q(
√
2)(
√
3) : Q(
√
2)] > 1.
Como n ≤ 2 concluímos que n = 2. Assim, [Q(
√
2 +
√
3) : Q] = 2n = 4,
gr(p(x)) = 4 e p(x) = x4−10x2+1 e concluímos que x4−10x2+1 é irredutível
em Q[x].
Uma extensão K | F é algébrica se, e somente se, todo α ∈ K é algébrico
sobre F.
Exemplo 12. A extensão C | R é algébrica. De fato, se α = a + bi, com
a, b ∈ R, então (α − a)2 = −b2, logo α2 − 2aα + b2 + a2 = 0. Então, α é
raiz de x2 − 2ax+ b2 + a2 ∈ R[x].
Exemplo 13. A extensão R | Q não é algébrica, pois π é transcendente
sobre Q.
Proposição 3.4. Toda extensão �nita é algébrica.
Demonstração Seja K | F uma extensão �nita. Se α ∈ K, então F ⊂ F(α) ⊂
K e [F(α) : F] divide [K : F] <∞, logo [F(α) : F] = n <∞. Então, os elementos
1, α, . . . , αn de F(α) são linearmente dependentes sobre F, ou seja, existem
a0, a1, . . . , an, não todos nulos, tais que a0 + a1α + · · · + anαn = 0, o que
mostra que α é algébrico sobre F. 2
Corolário 1. Seja K | F uma extensão �nita. Então existem α1, . . . , αn em
K algébricos sobre F, tais que K = F(α1, . . . , αn).
Demonstração Sejam n = [K : F] e {α1, . . . , αn} ⊂ K uma base de K sobre
F. Então,
K = Fα1 + · · ·+ Fαn ⊂ F(α1, . . . , αn) ⊂ K,
logo K = F(α1, . . . , αn). Pela Proposição anterior, αj é algébrico sobre F,
para todo j = 1, . . . , n. 2
Problemas
3.1 Para cada α e F determine o polinômio mínimo de α sobre F, [F(α) : F]
e uma base de F(α) | F:
a) α = 3+
√
3, F = Q; b) α = 3+
√
3, F = R;
c) α = 4
√
2+ 1, F = Q; d) α = 4
√
2+ 1, F = Q(
√
2);
e) α =
3
√
2+
√
2, F = Q; f) α =
√
2+
√
2, F = Q;
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Seção 3 Extensões do corpos 173
g) α = cos 2π5 + i sen
2π
5 , F = Q.
3.2 Determine o polinômio mínimo de α = cos 2πp + i sen
2π
p sobre Q, onde
p é natural primo.
3.3 a) Mostre que 4
√
3 é algébrico sobre Q;
b) Mostre que K = Q
(√
3
)
é um subcorpo de L = Q( 4
√
3);
c) Mostre que L = K
(
4
√
3
)
;
d) Determine
[
Q
(
4
√
3
)
: Q
(√
3
)]
.
3.4 Seja K = Q(ω), onde ω = cos 2π5 + i sen
2π
5 .
a) Construa uma base de K | Q;
b) Escreva
ω
1+ω2
como combinação linear dessa base.
3.5 Seja K = Q(α), onde α = 4
√
3.
a) Mostre que {1, α, α2, α3} é uma base de K | Q;
b) Escreva
α− 1
1+ α+ 2α2 − 3α3
como combinação linear da base do item an-
terior.
3.6 Seja K = Q
(
i,
√
3
)
. Para cada α ∈ {
√
3, i+
√
3, 2+
√
3, i
√
3 },
a) determine o polinômio mínimo de α sobre Q;
b) determine para que valores de α temos K = Q(α).
3.7 Mostre que Q
(
3
√
2
)
∩Q
(√
2
)
= Q.
3.8 Sejam K | F uma extensão de corpos e α ∈ K. De�nimos
F[α] = {f(α) ; f(x) ∈ F[x]}.
a) Mostre que F[α] é um subanel de K contendo F ∪ {α};
b) Mostre que se A é um subanel de K contendo F ∪ {α}, então F[α] ⊂ A;
c) Conclua que F[α] é o menor subanel de K contendo F ∪ {α};
d) Mostre que se α é algébrico sobre F, então F[α] = F(α).
3.9 Seja L uma extensão do corpo F. Mostre que se [L : F] é um número
primo, então todo corpo K com F ⊂ K ⊂ L satisfaz K = F ou K = L.
3.10 Seja K | F uma extensão de corpos de grau primo. Mostre que se
β ∈ K\F, então K = F(β).
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174 Construções com régua e compasso Cap. 6
3.11 Seja K = Q
(√
2,
√
5
)
. Prove que os elementos 1,
√
2,
√
5,
√
10, bem
como os elementos 1,
√
2 +
√
5, (
√2 +
√
5)2, (
√
2 +
√
5)3 formam uma base
de K | Q.
3.12 Seja α ∈ C uma raiz do polinômio x3 − 3x + 3 e seja β = α2 − α.
Prove que Q(α) = Q(β) e determine o polinômio mínimo de β sobre Q.
3.13 Mostre que
√
π não é um número algébrico.
4 Algebrização Final do Problema
Vamos sempre supor que z1 = 0 e z2 = 1. Recordemos a noção de ponto
construtível da Seção 1. Um ponto z ∈ C é construtível com régua e com-
passo, se existir uma sequência de pontos z3, . . . , zs de C, onde zs = z e cada
um dos zj, j ≥ 3, é obtido por meio de uma das construções fundamentais
envolvendo os pontos que lhe são anteriores na sequência.
Denotamos por C o conjunto dos pontos de C construtíveis com régua
e compasso a partir de S = {0, 1}. Como a soma, a diferença, o produto e
o quociente de dois números construtíveis é construtível, temos que C é um
corpo, que certamente contém Q.
A estratégia que se usa para mostrar a não construtibilidade de um ponto
z ∈ C é a seguinte: a partir do conhecimento dos possíveis graus dos elemen-
tos de C, mostrar que o grau de z é incompatível com esses.
Suponhamos que z foi obtido pela construção da sequência de pontos
z3, . . . , zs = z. Como zj ∈ C, é claro que z̄j ∈ C. Vamos avaliar os graus das
extensões
Q(z3, z̄3) | Q, Q(z3, z̄3, z4, z̄4) | Q(z3, z̄3), . . . ,
Q(z3, z̄3, . . . , zs, z̄s) | Q(z3, z̄3, . . . , zs−1, z̄s−1).
Para simpli�car as notações, vamos pôr
Kj = Q(z2, z̄2, . . . , zj, z̄j), j ≥ 2.
Note que K2 = Q e para j > 2, temos que Kj = Q(z3, z̄3, . . . , zj, z̄j).
Proposição 4.1. Cada uma das extensões Kj | Kj−1, j = 3, . . . , s, acima,
tem grau um, dois ou quatro.
Demonstração Fixemos um número natural j ≥ 3; e sejam w1, w2, w3, w4
e w5 pontos de Kj−1, com w1 6= w2 e w4 6= w5.
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Seção 4 Algebrização �nal do problema 175
Recorde do Capítulo 2 (Equação (7)) que a equação da reta que passa
pelos pontos w1 e w2 em coordenadas z e z̄ de C, após multiplicação de
ambos os seus membros (−i), é dada por
(w̄1 − w̄2) z+ (w2 −w1) z̄+ (w1w̄2 − w̄1w2) = 0
e do círculo de centro w3 e raio |w4 −w5|, por
(z−w3)(z̄− w̄3) = (w4 −w5)(w̄4 − w̄5).
Portanto, uma reta que passa por pontos de Kj−1, e um círculo com centro
em um ponto de Kj−1 e raio igual à distância entre dois pontos de Kj−1, têm
equações do tipo
az+ bz̄+ c = 0 e zz̄+ dz+ ez̄+ f = 0,
com a, b, c, d, e, f ∈ Kj−1.
Consequentemente, o ponto de interseção de duas tais retas distintas é
solução de um sistema {
az+ bz̄+ c = 0
a ′z+ b ′z̄+ c ′ = 0
onde a, b, c, a ′, b ′, c ′ ∈ Kj−1. Este sistema tem uma única solução, que
calculada pela regra de Cramer, está claramente em Kj−1, bem como a sua
conjugada. Portanto, se zj é esta solução, temos que [Kj : Kj−1] = 1.
Vejamos, agora, a interseção de dois círculos com centros e raios em Kj−1.
Os pontos de interseção são soluções de um sistema{
zz̄+ dz+ ez̄+ f = 0
zz̄+ d ′z+ e ′z̄+ f ′ = 0
onde d, e, f, d ′, e ′, f ′ ∈ Kj−1. Subtraindo uma equação da outra, obtemos um
sistema {
zz̄+ dz+ ez̄+ f = 0
az+ bz̄+ c = 0
(1)
com a, b, c, d, e, f ∈ Kj−1, que é a interseção de um círculo com uma reta
ambas com coe�cientes em Kj−1.
Portanto, substituindo z ou z̄ da segunda equação na primeira em (1),
vemos que se zj é um ponto de interseção de dois círculos ou de um círculo
e de uma reta, com coe�cientes em Kj−1, então tanto zj quanto z̄j são raízes
de uma equação do segundo grau com coe�cientes em Kj−1. Isto mostra que
[Kj−1(zj) : Kj−1] ≤ 2 e que [Kj−1(z̄j) : Kj−1] ≤ 2. Como Kj = Kj−1(zj, z̄j),
temos a seguinte torre de extensões:
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176 Construções com régua e compasso Cap. 6
Kj = Kj−1(zj, z̄j)
Kj−1(zj)
n
Kj−1
m
Como z̄j é raiz de uma equação do segundo grau com coe�cientes em
Kj−1, por mais forte razão ele é raiz de um polinômio de grau dois sobre
Kj−1(zj). Portanto,
[Kj : Kj−1] = [Kj : Kj−1(zj)] [Kj−1(zj) : Kj−1] = nm,
com n ≤ 2 e m ≤ 2, de onde segue o resultado. 2
Corolário 1. O grau [Ks : Q] da extensão Ks | Q é uma potência de 2.
Demonstração De fato, pela multiplicatividade dos graus em extensões de
corpos, temos que
[Ks : Q] = [Ks : Ks−1] [Ks−1 : Ks−2] · · · [K3 : Q].
O resultado segue agora da Proposição 4.1. 2
Teorema 4.1. Se z é um ponto construtível com régua e compasso, então z
é algébrico sobre Q e tem grau igual a uma potência de 2.
Demonstração De fato, se z é construtível, existem pontos z3, . . . , zs = z
tais que cada zj é obtido por construções fundamentais a partir dos pontos
0, 1, z3, . . . , zj−1. Logo, z = zs ∈ Ks e, portanto, Q ⊂ Q(z) ⊂ Ks. Daí
[Q(z) : Q] divide [Ks : Q]. Em particular, [Q(z) : Q] é �nito, logo z é
algébrico sobre Q. Pelo Corolário 1, segue-se que [Q(z) : Q] é uma potência
de 2. 2
A seguir, atacaremos os problemas clássicos relacionados com construti-
bilidade com régua e compasso, até aqui não resolvidos.
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Seção 4 Algebrização �nal do problema 177
Problema da não construtibilidade dos polígonos regulares
1) Polígonos de 7, 11, 13 e 19 lados.
As raízes primitivas p-ésimas da unidade, onde p é um número primo,
são raízes do polinômio irredutível
xp−1 + xp−2 + · · ·+ x+ 1.
Como esse polinômio tem grau p − 1, que não é potência de 2, quando p =
7, 11, 13 ou 19, o Teorema 4.1 nos diz que essas raízes não são construtíveis
com régua e compasso.
Esse argumento é absolutamente geral e nos fornece o seguinte resultado:
Proposição 4.2 (Wantzel). Um polígono com um número primo p de lados
que não é primo de Fermat, não é construtível com régua e compasso.
Demonstração De fato, o polinômio mínimo sobre Q de uma raiz p-ésima
da unidade é
xp−1 + xp−2 + · · ·+ x+ 1.
Portanto, pelo Teorema 4.1, temos que se p− 1 não é uma potência de dois,
o polígono de p lados não é construtível com régua e compasso. Portanto,
se p não é um primo de Fermat, o polígono não é construtível.
2
Corolário 1. Se o número n de lados de um polígono regular for divisível
por um número primo diferente de 2 e que não é um primo de Fermat, então
o polígono não é construtível.
Demonstração De fato, seja p o número primo diferente de 2 e que não
é de Fermat que divide n, logo n = rp, o que em vista da Proposição 2.1,
implicaria que o polígono de p lados é construtível; contradição. 2
O que se pode dizer quando o número de lados n do polígono contiver
um quadrado na sua fatoração em fatores primos?
Proposição 4.3. Se p é um número primo maior do que 2, então o polígono
regular de pr lados, com r ≥ 2, não é construtível.
Demonstração Basta mostrar que o polígono de p2 lados não é construtível
(justi�que). Uma raiz p2-ésima primitiva ζ da unidade é raiz do polinômio
xp
2
− 1
xp − 1
= xp(p−1) + xp(p−2) + · · ·+ x2p + xp + 1,
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178 Construções com régua e compasso Cap. 6
que sabemos ser irredutível em Q[x] (cf. Exemplo 13, Seção 5, Capítulo 4).
Logo o grau de ζ sobre Q é igual a p(p− 1), que não é uma potência de 2.2
Exemplo 1. O eneágono (polígono de nove lados) regular não é construtível
com régua e compasso.
Corolário 1. Um polígono regular de n lados não é construtível com régua e
compasso, se na fatoração de n em fatores primos tiver um primo diferente
de 2 elevado a uma potência maior do que 1.
Demonstração Isto é consequência da proposição acima. 2
Corolário 2 (Wantzel). Se um polígono regular de n lados é construtível
com régua e compasso, então n se decompõe como produto de uma potência
de 2 e de primos de Fermat distintos.
Demonstração Seja n = 2rp1 · · ·ps, com pk > 2, k = 1, . . . , s, a decompo-
sição de n em fatores primos. Se algum dos pk não for primo de Fermat, o
polígono de n lados não é construtível, pois, caso contrário, o polígono de pk
lados seria construtível, o que contradiz a Proposição 4.2. Se pk = pj, para
algum par de k e j distintos, o polígono de n lados não é construtível, pois,
caso contrário, o polígono de p2k lados seria construtível,o que contradiz a
Proposição 4.3. 2
Problema da Duplicação do Cubo
Dada a aresta de um cubo, o problema consiste em construir, com régua
e compasso, a aresta de um cubo que tenha o dobro do volume do cubo cuja
aresta é dada.
Vamos supor que a aresta do cubo dado tenha 0 e 1 como extremidades.
Se a é a aresta procurada, devemos ter que a3 = 2, logo a é raiz do polinômio
x3 − 2 que, pelo critério de Eisenstein, é irredutível em Q[x]. Portanto,
[Q(a) : Q] = 3 e, consequentemente, pelo Teorema 4.1, a não é construtível
com régua e compasso.
Problema da Trissecção de um Ângulo
Dado um ângulo θ, queremos trissectá-lo com régua e compasso.
Para colocar o problema dentro do contexto, supõe-se que um ângulo θ
seja determinado pelos pontos 1, 0 e z tal que |z| = 1 e z faz um ângulo θ com
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Seção 4 Algebrização �nal do problema 179
o eixo real. Para trissectar este ângulo é necessário e su�ciente construir um
ponto z1 tal que |z1| = 1 e formando um ângulo θ3 com o eixo real.
Portanto, o nosso problema equivale a construir cos(θ/3) a partir de
cos(θ).
Pela fórmula de De Moivre, temos
cos(θ) + i sen(θ) =
(
cos θ3 + i sen
θ
3
)3
=
cos3
(
θ
3
)
+ 3i cos2
(
θ
3
)
sen
(
θ
3
)
− 3 cos
(
θ
3
)
sen2
(
θ
3
)
− i sen
(
θ
3
)
.
Tomando partes reais na fórmula acima, temos que
cos(θ) = cos3
(
θ
3
)
− 3 cos
(
θ
3
) (
1− cos2
(
θ
3
))
=
4 cos3
(
θ
3
)
− 3 cos
(
θ
3
)
.
Portanto cos(θ/3) é raiz do polinômio 4x3 − 3x− cos θ.
Exemplo 2. Se θ = 60o, tem-se que cos θ = cos 60o = 12 . Sendo o polinômio
4x3 − 3x− cos θ = 4x3 − 3x− 12 irredutível em Q[x] (justi�que), cos θ/3 não
é construtível, logo, o ângulo de 60o não pode ser trissectado com régua e
compasso.
Note que já sabíamos, por outras vias, que o ângulo de 60o não é trissec-
tável com régua e compasso. De fato, a trissecção deste ângulo é equivalente
à construção do eneágono (cf. Problema 1.3), que sabemos não ser constru-
tível com régua e compasso. Portanto, o nosso critério não nos dá nada de
novo neste caso. O próximo exemplo nos fornecerá novos ângulos que não
podem ser trissectados.
Exemplo 3. Seja dado um ângulo θ tal que cos θ = pq , onde p e q são
números naturais primos entre si, com q > 1, ímpar e livre de cubos. Então,
o ângulo θ3 não é construtível com régua e compasso.
De fato, se θ fosse trissectável a equação 4x3 − 3x − pq = 0 teria uma
raiz racional, digamos x = rs , com mdc(r, s) = 1. Substituindo essa raiz na
equação, obtemos a relação
qt = ps3, onde t = 4r3 − 3rs2. (1)
Seja β > 2 um número primo que divide q. Sendo mdc(p, q) = 1, temos
que mdc(p, β) = 1, então de (1) temos que β divide s3, logo β3 divide s3.
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180 Construções com régua e compasso Cap. 6
Por outro lado, notemos que mdc(s, t) = mdc(s, 4r3). Sendo mdc(s, r) =
1, temos que mdc(s, t) é 1, 2 ou 4. Isto implica que β3 é primo com t, logo
β3 divide q, o que é um absurdo.
Em particular, ângulos θ cujos cossenos são da forma 1/β, onde β > 2
é primo, nos fornecem in�nitos exemplos de ângulos não trissectáveis com
régua e compasso.
Problema da Quadratura do Círculo
Este é o mais famoso dos problemas de construção com régua e compasso
e se formula como se segue.
Dado um círculo de raio 1, construir com régua e compasso o lado de um
quadrado cuja área seja igual à área do círculo dado.
Seja a o lado do quadrado, logo a2 = π. Portanto a =
√
π. Sucede que√
π não é algébrico sobre Q (cf. Problema 3.13). Segue-se daí a impossibili-
dade de se resolver o problema da quadratura do círculo.
Problemas
4.1 São construtíveis com régua e compasso as raízes da equação x5−2x4+
4x− 2 = 0 ?
4.2 Mostre que um ângulo θ é construtível com régua e compasso se, e
somente se, tg θ é construtível.
4.3 Mostre que é impossível dividir um ângulo de 100o ou de 200o em cinco
partes iguais.
4.4 Em cada caso, abaixo, determine se pode ou não ser trissectado o ângulo
θ tal que
a) cos θ = 14 b) cos θ = −
9
16 c) cos θ = −
2
3
4.5 Mostre que cos 2π7 é raiz de 8x
3 + 4x2 − 4x− 1 = 0 e que 2 cos 2π7 é raiz
de x3 + x2 − 2x − 1 = 0. Mostre com isto que o heptágono regular inscrito
numa circunferência de raio 1 não é construtível com régua e compasso.
4.6 Mostre que é possível trissectar um ângulo de π5 radianos. Pode o ângulo
de π7 ser trissectado?
4.7 Pode-se construir com régua e compasso as raízes de:
a) x96 − 1 = 0 ? b) x6 + x3 − 1 = 0 ?
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Bibliogra�a
[1] C. S. Fernandes, A. Hefez - Introdução à Álgebra Linear. Coleção PROF-
MAT, SBM, 2012.
[2] C. F. Gauss - Disquisitiones Arithmeticae. Springer-Verlag, 1986.
[3] A. Hefez - Curso de Álgebra, Vol. I e Vol. II. Coleção Matemática
Universitária, IMPA, 2010 e 2012.
[4] A. Hefez - Elementos de Aritmética. Coleção Textos Universitários, SBM,
2006.
[5] S. Lang - Estruturas Algébricas. Ao Livro Técnico, 1972.
[6] E. L. Lima - Análise Real, Volume II. Coleção Matemática Universitária,
IMPA, 2004.
[7] J. B. Ripoll, C. C. Ripoll e J.F P. da Silveira - Números Racionais, Reais
e Complexos. Editora UFRGS.
[8] J. Stillwell - Elements of Algebra: geometry, numbers, equations. Springer-
Verlag, 1994.
181
	fpolinomios_cap01.pdf
	fpolinomios_cap02.pdf
	fpolinomios_cap03.pdf
	fpolinomios_cap04.pdf
	fpolinomios_cap05.pdf
	fpolinomios_cap06.pdf

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