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DIREITO CIVIL - MATERIAL 1 (DANO)

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VI Dano
6.1 Modalidades de reparação; 6.2 Dano indenizável; 6.3 Perda de uma chance; 6.4 Dano direto, reflexo ou em ricochete e indireto.
O dano é o útero que gera a responsabilidade civil, ou como assegura Caio Mário: “o dano é elemento ou requisito essencial na etiologia da responsabilidade civil”.[footnoteRef:1] Na lucidez de Pontes de Miranda “não se identifiquem o delito (ato ilícito) e a reparabilidade. Pode haver delito, ou melhor, ato ilícito, sem dano, e pois sem que se possa reclamar a reparação”.[footnoteRef:2] Na sempre repetida lição de José de Aguiar Dias: “é verdadeiro truísmo sustentar o princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há que reparar”.[footnoteRef:3] [1: PERREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 43.] [2: MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado, vol. 53, p. 85.] [3: DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. revista e atualizada de acordo com o CC de 2002, e aumentada por Rui Belford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 969.] 
Está superado, destarte, o princípio da ideologia liberal, que sentenciava nenhuma responsabilidade sem culpa; a assertiva é outra nenhuma responsabilidade sem dano. Um motorista, que dirige veículo em alta velocidade pelas ruas da cidade, responde na área penal por colocar em risco a incolumidade pública, e no âmbito administrativo por violar as normas regulamentares de trânsito, mas nada responde na área civil pela ausência de dano. Não basta o ato ilícito, porquanto responsabilidade civil sem dano é enriquecimento sem causa para quem recebe a indevida reparação, e o direito brasileiro, desde sempre, foi munificente na sua aversão a essa figura que reverbera o injustificado empobrecimento de alguém.
Daí decorrente, damnum é a consequência da conduta humana capaz de produzir lesão a direitos ou a interesses alheios juridicamente protegidos. 
6.1 Modalidades de reparação
Constatado o dano, o ordenamento jurídico dota a vítima do direito de pedir a sua reparação frente ao agente causador.
São várias as modalidades de reparação: pela convenção das partes, pela mediação ou arbitragem, pela tutela natural ou in natura, pela tutela específica, e pela tutela genérica.
A reparação pela convenção das partes é sempre provável, pois em se tratando de direito disponível as partes podem acordar o que lhe seja mais conveniente, mesmo sem qualquer intervenção de terceiro, como no caso da dação em pagamento (CC, arts. 356 a 359). 
Outro meio é valer-se da mediação e da arbitragem. Para tanto, deveria ser mais difundida a jurisdição privada, o que infelizmente no Brasil ainda se mostra de maneira tímida, apesar da boa legislação sobre a matéria, a Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, chamada Lei Marco Maciel. 
Nada impede a tutela in natura, no dano patrimonial pela reposição da coisa danificada por outra similar, no dano moral em face de publicação ofensiva a devida retratação no mesmo órgão de comunicação utilizado.
Pela tutela específica em que o credor persegue a prestação tal qual convencionada, quando ainda lhe é útil e possível o seu cumprimento. São exemplos, na obrigação de dar pela busca e apreensão de bens móveis, na obrigação de fazer fungível, conforme o art. 249, pelo fazimento por terceiro da prestação não adimplida pelo devedor, e na obrigação de não fazer, na forma do art. 251, pelo desfazimento do ato a cuja abstenção se obrigou o devedor.
Pela tutela genérica das perdas e danos, que é a reparação por equivalente em dinheiro, quando a prestação se torna impossível ou não oferece mais utilidade ao credor.
6.2 Dano indenizável
Em termos gerais, o dano indenizável deve ser o certo ou efetivo, aquele fundado em um fato preciso e não sobre mera hipótese. O dano atual é o contemporâneo à realização do ato lesivo, assim os estragos na lataria de um carro por ocasião do acidente. É futuro se suscetível de constatação por colocar-se na sequência normal de um fato atual. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul põe o exemplo no julgamento em que uma recém-nascida perdeu a mãe, sendo indenizada por dano moral:
[...] É verdade que a autora não teve contato com a mãe. É verdade, também, que aos três dias de vida não tinha capacidade de entender o que estava ocorrendo. Mas, também é verdade, [...] durante toda a sua vida será uma criança sem mãe. Não terá a presença da mãe em todas as atividades do dia-a-dia, não verá a mãe ao crescer, ao conviver com seus iguais, o que, evidentemente, causa dano à sua psique e à sua formação (TJRS, 1ª Câm. Cível, j. 11.11.96, rel. Des. J. Vellinho de Lacerda, JTJRS 39/211).
Posto nestes termos, a distinção a fazer é uma só: se o dano é ou não certo. De fato, não se compadece com o dever de indenizar o dano hipotético ou conjetural, que consiste em um prejuízo temido, meramente eventual porquanto incerto.
Lucros cessantes – Pretensão que deve ser fundada em bases plausíveis ou verossímeis de modo não compreender os proventos hipotéticos, imaginários ou fantásticos (1º TACivSP, RT 682/119).
Persevera no mesmo entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
É excluído de reparação o dano meramente hipotético, eventual ou conjuntural, isto é, aquele que pode não vir a concretizar-se (TJSP, 3ª Câm. Dir. Privado, j. 11.06.96, rel. Des. Ênio Zuliani, JTJ Lex 182/79).
6.3 A perda de uma chance
Foi na França, que a doutrina e a jurisprudência forjaram, com acuidade, a teoria da pert d’une chance, a qual relativiza a assertiva de que somente o dano certo é indenizável. Indeniza-se pela supressão de uma situação favorável que poderia verificar-se. Dá-se quando a realização da chance perdida nunca seja certa, porém a perda da chance, esta sim, é certa. 
Um dos exemplos mais citados é a negligência do advogado que deixa de impetrar o recurso cabível, privando o seu constituinte do julgamento pelo superior grau de jurisdição, que poderia acolher a sua pretensão. Outros exemplos, o caso do jóquei que deveria montar o cavalo de corrida que lhe foi entregue pelo proprietário, mas por sua exclusiva culpa não chega a tempo de participar do páreo. Ou ainda, o pintor que envia seu quadro para participar de uma exposição com premiação e o correio negligentemente não o entrega em tempo hábil. Nas três situações há uma incerteza: o recurso poderia ou não ser provido, o cavalo poderia ou não vencer o páreo, a pintura poderia ou não ser premiada; certa é a perda de uma chance que cada um deles inexoravelmente se viu privado.
Chance é possibilidade real e séria, vale afirmar, aquilo que normalmente acontece (id quod plerunque accidit). Não é qualquer chance, mormente aquelas que se apresentam distantes, que não se colocam na sequência ordinária dos fatos. Pelo critério da realidade e da seriedade da chance perdida é que se distingue do dano hipotético ou conjectural, cuja reparação cabe arredar pela sua eventualidade.
Portanto, a chance perdida não é mera expectativa da vítima, simples casualidade, mas aquela que se esteia em uma possibilidade fidedigna de alguém obter lucro ou evitar prejuízo diante de situação concreta, não alcançada por fato exclusivo de outrem.[footnoteRef:4] [4: SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007, p. 203.] 
Ensina Judith Martins-Costa:
Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação, criteriosa, da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da possibilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar.[footnoteRef:5] [5: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 362.] 
AgostinhoAlvim, em sua clássica obra, aborda a hipótese de alguém que concorrerá a um certame, onde apresentará um animal havido como raridade, de modo a candidatar-se a um grande prêmio. Entretanto, a pessoa a quem a sua custodia foi transferida, em um acidente evitável, deixa o animal perecer. O mestre refuta a possibilidade de o dono demandar o prejuízo do prêmio. Aceita, contudo, que o animal, diante da probabilidade real e séria de vencer, tinha o seu valor acrescido, podendo ser negociado por preço maior. Essa valorização entra no patrimônio do proprietário, de modo que esse mais, não o prêmio, distancia-se do mero dano hipotético e penetra na seara do dano efetivo. É dizer, o que deve ser objeto de indenização é a perda de uma chance, cujo valor pode ser apurado por perícia, não o grande prêmio oferecido no certame.[footnoteRef:6] Considera-se ainda, que quanto mais real e séria a chance perdida, maior a indenização. [6: ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, 3 ed. Rio de Janeiro – São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária Ltda., 1965, p. 190-191. Ver: SEVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 40-41.] 
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pela relatoria do Desembargador Maldonado de Carvalho lucidamente sintetiza a questão na parte final do acórdão:
[...] Na pert d’une chance, o fato ilícito e culposo deve contribuir, de forma direta, para que outrem perca uma chance de conseguir um lucro ou obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Contudo é necessário que a chance perdue seja real e séria, tendo-se em conta, também, na avaliação dos danos, a álea susceptível de comprometer tal chance. Deve ter em conta, assim, não apenas a existência do fator álea, mas também o grau dessa álea, ou seja, leva-se em consideração, quanto à prova, o caráter atual ou iminente da chance de que o autor alega ter sido privado (TJRJ, 6ª Câm., j. 17.9.2003, rel. Des. Maldonado de Carvalho).
Outro interessante julgado vem do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Uma estudante ficou em recuperação por não ter obtido nota suficiente para aprovação direta em português. A escola ministrou de maneira deficiente o processo de recuperação, o que teria retirado a chance de a aluna ser aprovada, perdendo, em consequência, um ano de sua vida escolar.
Responsabilidade civil – Ensino particular – Dano moral e material – Reprovação de aluna. Comprovada a irregularidade na reprovação da aluna, à qual não foi oportunizada adequada recuperação terapêutica, com perda de chance de ser aprovada e rompimento de seu equilíbrio psicológico, impõe-se seja indenizado o dano moral sofrido. A frustração dos pais, porém, não constitui dor passível de reparação, nas circunstâncias. Dano material afastado. Apelo provido em parte (TJRS, 5ª Câm. Cível, j. 27.11.2003, rel. Des. Leo Lima).
A escola foi condenada a pagar trinta salários mínimos a título de dano moral.	
	
STJ, REsp 300.190, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., j. 24.4.01, DJ 18/03/02, ver voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar (Felipe Braga Neto, Resp. Civil, p. 60.
6.4 Dano direto e reflexo ou em ricochete 
Primordialmente, a própria vítima é quem sofre o prejuízo. É o dano direto. Toma-se o art. 949, do Código Civil, em que ocorrendo lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido integralmente de todas as despesas até ao fim de sua convalescença. Assim também se ocorrer o perecimento ou deterioração de um bem, o agente do ato lesivo ficará obrigado a indenizar o proprietário. Ainda ocorrendo ofensa moral, o ofensor obrigar-se-á a ressarcir o ofendido.
Ademais, os efeitos jurídicos do dano, além de atingir diretamente a vítima, podem repercutir na esfera de interesses de outras pessoas, trazendo consequências práticas que devem ser consideradas. É o chamado dano em ricochete ou reflexo. Em outras palavras, é aquele em que a vítima sofre os efeitos do dano causado diretamente a outrem.
Petição inicial. Indeferimento. Extinção do processo. Direito próprio. Responsabilidade civil. A genitora é titular de direito próprio e não alheio, ao postular, em ação de indenização, danos morais e materiais sofridos pela filha, no interior de coletivo. Afastado os efeitos da r. sentença que extinguiu o processo. Apelo provido. 
Do corpo do acórdão extrai-se: 
Depreende-se da inicial que a apelante não está pleiteando direito próprio da filha, conforme sustentou a r. sentença, mas o direito próprio que se originou de sofrimento personalíssimo, ou seja, dano moral, com as lesões e danos sofridos pela filha (1º TACivSP, 3ª Câm., j. 02.03.2004, rel. Juiz Salles Vieira, RT 827/267).
No caso em testilha, a filha foi vítima direta do dano ao se envolver em acidente de trânsito, quando transportada por ônibus, o que originou, em ricochete, sofrimento à mãe, autora da ação. É a lição de Sourdat ao afirmar que o marido é legitimado a impetrar ação em seu próprio nome, considerando a ofensa feita à sua mulher, por atingi-lo diretamente em razão dos laços íntimos que os unem.[footnoteRef:7] [7: Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 50.] 
Outro exemplo, dentre tantos, de dano reflexo ou em ricochete é o que se relaciona ao vilipêndio da imagem de pessoa morta.
A fotografia de pessoa morta, em tentativa de assalto a empresa de ônibus, apresentada no noticiário de jornal que a apontou como perigoso marginal, gera o dever de indenizar por danos morais os familiares. Tal reportagem atingiu a imagem do falecido ao apontá-lo como perigoso marginal, quando, na realidade, se encontrava no local para se candidatar a emprego oferecido, se tratando, apenas, da vítima do evento (TJRJ, 18ª Câm. Cível, j. 1º.10.2002, rel. Des. Nascimento Povoas Vaz, RT 814/321).
O Código Civil preveja um único caso de dano reflexo ou em ricochete, no caso de alimentos. Não se contesta o direito do alimentando receber alimentos pela morte do alimentante, uma vez que sofre dano certo e atual pela perda de credito alimentar que recebia. 
A partir daí outras hipóteses podem ser suscitados.
Quanto aos parentes legitimados a receber alimentos, mas que ainda não os recebem, a primeira cogitação a fazer é a da perda de uma chance. Na mesma situação encontra-se o nascituro, ad exemplum, pela perda do pai. Clovis Bevilaqua afirma, ao invocar o critério dos cômodos, que ao nascituro é deferido o direito de alimentos em desfavor de quem praticou homicídio contra quem os devia (CC16, art. 1534, II, atual art. 948, II).[footnoteRef:8] [8: BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, vol. I, 2ª tiragem, edição histórica, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1958, p. 687. ] 
Ao nascituro se asseguram direitos relativos à personalidade desde o momento da concepção, desde que venha a nascer com vida, nos termos do art. 4º do CC [atual art. 2º]. Assiste-lhe, pois, direito à indenização por danos materiais e morais em decorrência da perda do genitor, vitimado em acidente do trabalho por culpa da empregadora (2º TACivSP, 10ª Câm., j. 29.11.97, rel. Juiz Adail Moreira, in Rui Stoco, op. cit., p. 920).
Não se afasta a possibilidade de a mãe do nascituro, que se encontra em situação de penúria, requer alimentos em nome dele, de sorte o nascituro é alimentado, alimentando-se a matriz.
É, também, o caso de o filho menor, não reconhecido, perde uma probabilidade real e séria de acolhimento de sua pretensão alimentar, que seria certa em face da vítima morta. Reconhecida a paternidade, o ato lesivo retira-lhe a possibilidade idônea de obter uma situação futura mais confortável pela pensão que passaria a lhe ser devida. Incide, mais uma vez, a teoria da perda de uma chance.
Investigação de paternidade – Ação proposta em nome de nascituro pela mãe gestante – Legitimidade “ad causam” – Extinção do processo afastada.
Representando o nascituro pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito material,até então apenas uma expectativa resguardada (TJSP, 1ª Câm., j. 14.9.93, rel. Des. Renan Lotufo, RT 703/60)
De outro lado, há de se demonstrar o pressuposto da dependência econômica, de modo que somente se deferem os alimentos àqueles a quem o de cujus os devia, pois a privação dos alimentos é consequência do dano por afetar a pessoa cuja subsistência ficou prejudicada.
A relação de dependência econômica entre os familiares é essencial para a fixação da pensão. Não havendo demonstração de contribuírem as vítimas para o sustento de seus pais, moradores em Estados diferentes, não pode ser presumida a relação de dependência. Contudo, quanto à pensão da filha de uma das vítimas absolutamente incapaz, perdura a presunção de dependência econômica, sendo devida a verba (1º TACivSP, 2ª Câm., j. 18.02.2004, rel. Juiz Ribeiro Souza, RT 826/236).
Da mesma forma, não tem direito o herdeiro universal, se não provada a dependência econômica.
O sobrinho do falecido, instituído herdeiro universal por testamento, não tem legitimidade para pleitear pensão por morte decorrente de acidente com base no art. 1.537, II, do CC [atual art. 948, II] (a indenização no caso de homicídio consiste na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia), vez que o simples vínculo sanguíneo com a vítima, é insuficiente para justificar o pedido indenizatório. Para tanto, indispensável o pressuposto da econômica dependência daquele que reclama prestação de alimentos de terceiro (RT 675/134).
A verba alimentar aqui tratada não se confunde com os alimentos do Direito de Família, embora ambos devam ser calculados com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustarem-se às variações ulteriores, conforme o teor da Súmula 490, do Supremo Tribunal Federal. E ainda, na sua fixação, considera-se o binômio possibilidade do alimentante e necessidade do alimentando (CC, art. 1.694, § 1º).
De efeito, a reparação dessa verba alimentar é, sem dúvida nenhuma, a consequência do dano, integra o patrimônio da pessoa prejudicada, ou como assegura José de Aguiar Dias: “Por ocasião do dano, considera-se como retirada desse patrimônio a parcela que, regularmente avaliada e afinal convertida em numerário, a ele volta, para reintegrá-lo, em forma de indenização.” Essa natureza jurídica é muito importante, pois não somente legitima os parentes consanguíneos, como também pelos laços da adoção os descendentes, ascendentes, colaterais, cônjuge e companheiro, e “todas as pessoas prejudicadas pelo ato danoso.” [footnoteRef:9] [9: DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, vol. II, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 790 e 791.] 
Nesse sentido é esclarecedora a passagem assinalada por Braga Netto, no caso o homem que pensiona a sua ex-esposa, e vem a falecer em virtude de atropelamento culposo. Poderá ela promover ação em desfavor do atropelante, que lhe causou um dano, qual seja a cessação da percepção da pensão decorrente do falecimento do ex-marido. O mesmo autor põe outro exemplo mais intrincado.
Digamos que Fábio, dirigindo seu carro, atropela e mata Pedro, pai de dois filhos. Os filhos ingressam com ação contra Fábio, pedindo, além dos danos morais, uma quantia mensal como substitutivo da ajuda que o pai lhes oferecia. Um pouco depois Fábio é morto por um colega de trabalho, em discussão fútil. Se os filhos do atropelado ficarem impedidos (por circunstâncias fáticas) de receber o que Fábio lhes devia, poderão voltar-se contra o colega de trabalho de Fábio, que o matou, exigindo a pensão que deixou de pagar? A resposta só pode ser afirmativa, desde que, no caso concreto, o nexo de causalidade esteja devidamente configurado. Tal indenização, se concedida, não será compensada como os valores devidos aos familiares de Fábio, a serem pagos por quem o matou.[footnoteRef:10] [10: BRAGA NETTO, Felipe P. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 60.] 
Os casos de dano em ricochete devem ser meditados considerando a advertência de Rui Stoco. Para ele essa espécie de dano causa a preocupação de alargar o campo de incidência do direito à indenização, acrescentando que somente o que seja certo, porquanto decorrente direta e imediatamente da conduta do agente poderá ser indenizado, o que arreda o dano que se coloca como consequência remota, impondo a percuciente análise de cada caso concreto.[footnoteRef:11] [11: STOCO, Rui, op., cit., p. 1.245.] 
Colhem-se exemplos na literatura jurídica portuguesa pela pena de Antunes Varela.
Assim, se A foi atropelado por B e sofreu ferimentos, será este obrigado a indenizá-lo do dano que lhe causou. Mas já não será obrigado a indemnizar C, dono do teatro onde A deveria exibir-se no dia do acidente, nem a D, arrendatário do bufete que não funcionou por não haver o espetáculo, nem a E, crítico teatral que perdeu a remuneração ajustada, visto B não ter violado nenhuma das relações contratuais afetadas na sua consistência prática.
Se E agrediu F, causando-lhe impossibilidade de trabalho, terá naturalmente que indemnizar o ofendido, não só das despesas que tenha feito incómodos que tenha padecido, como do prejuízo resultante da sua inatividade. Mas já não terá que indemnizar a empresa onde F é empregado, pelos prejuízos que lhe cause a falto do concurso do agredido, durante o período de impossibilidade de trabalho, atento o carácter relativo da relação de trabalho.[footnoteRef:12] [12: VARELA, Antunes. Das obrigações em geral, 10 ed., Coimbra: Almedina, 2000, vol. I, p. 621.] 
Outra passagem similar de limitação do dano reflexo, que exclui os considerados remotos, é ofertada por mais um lusitano Mário Júlio de Almeida Costa.
A, pianista famoso, compromete-se para com B, empresário, a dar um concerto, no dia X, em determinada casa de espetáculos; na hipótese de A sofrer uma agressão de C, resultando impossibilitado de cumprir o contrato, nem por isso este fica obrigado a indenizar o empresário B, mas apenas A.[footnoteRef:13] [13: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direitos das obrigações, 7ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 528.] 
Suponha, ademais, a hipótese de o fazendeiro adquirir um trator, que não lhe é entregue por culpa do vendedor. O fazendeiro, por essa causa, deixa de cultivar as suas terras e, não auferindo renda, deixa de pagar o seu credor que, por sua vez, vende bens a preço vil. A conduta ilícita do comerciante não pode ser causa do não cultivo das terras e nem da venda de bens a preço vil. Poderia o fazendeiro arar suas terras com trator alugado, ou mesmo arrendá-las para outro produtor. O comerciante responde pelo inadimplemento contratual, mas sua conduta é muito distante para ser causa dos demais prejuízos: não arar as terras, o inadimplemento e a venda de bens por preço vil.
A matéria exige muita ponderação. Nem sempre um dano é causa de outro, apesar de certo liame entre eles.
Cumpre verificar se de um mesmo ato advêm sucessivos danos, um decorrente do outro, sendo o primeiro a causa do segundo, este do terceiro e assim sucessivamente. O agente, contudo, responde apenas pelo dano imediato, afastados aqueles mais remotos.
Portanto, os danos em ricochete causados a terceiros, não diretamente atingidos pela conduta do agente, sem contravir qualquer relação contratual ou extracontratual, não encontram respaldo para intuir indenização, isto porque não decorrem diretamente do ato ilícito e nem de previsão legal. [footnoteRef:14] [14: VALERA, Antunes, op. cit., p. 621; CAVALIERI FILHO, Sergio, op. cit., p. 103.] 
Como dito, o Código Civil preveja uma única situação de dano em ricochete é a do art. 948, do Código Civil, que impõe indenização pelo pagamento de despesas com o tratamento da vítima, funeral e luto da família, mais a prestação alimentícia às pessoas a quem o morto os devia, sem prejuízo de outras reparações, pois o rol é meramente exemplificativo, não excluindo a compensação por dano moral.
Ação indenizatória – Ato ilícito – Homicídio – Obrigação do autor do delito em prestar alimentos ao filho da vítima – Irrelevância de o alimentando ter convividocom seus avós, mormente se há prova de que a de cujus contribuía para seu sustento – Verba devida desde a data do evento até o momento em que o beneficiário completou 25 anos, idade em que se pressupõe tenha condições para prover seu próprio sustento (TJAL, 2ª Câm., j. 6.9.1999, rel. Des. Mario Casado Ramalho, RT 772/306).
A letra do acórdão conduz a interessante observação. O Direito Romano considerava os alimentos antes como officium pietates que propriamente uma obrigação. Revela o fundamento moral do instituto que repousa no dever inerente aos parentes, mormente aos mais próximos, de se ajudarem mutuamente nos casos de necessidade. 
É o direito de cada pessoa de conservar a sua existência, a fim de realizar seu aperfeiçoamento moral e espiritual, atendendo as suas necessidades primárias que lhe propiciam assegurar a dignidade humana. Foi a preocupação de José, no Antigo Testamento, ao fornecer “víveres a seu pai, a seus irmãos e a toda família, proporcionalmente ao número de filhos” (Gênesis, 47.12).
Embora, como já sinalizado, a pensão alimentícia decorrente da responsabilidade civil não guardar similitude com aquela derivada do Direito de Família, ambas admitem revisão.

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