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O nascituro e as teorias sobre sua personalidade jurídica

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O nascituro e as teorias sobre sua personalidade jurídica
1. O nascituro
Imperioso, primeiramente, entender o sentido da expressão nascituro para se averiguar qual é o titular do direito à vida que está sendo tutelando. Neste momento, as lições de Fernanda Martins Simões e Carlos Mauricio Ferreira (2013) elucidam a questão:
Nascituro é uma palavra derivada do latim nasciturus e significa a criança que está para nascer, um substantivo masculino que designa aquele que há de nascer, ou um adjetivo que qualifica um ser como já concebido e gerado, mas ainda não nascido.
Do dicionário jurídico, é possível abstrair o seguinte raciocínio explanado por De Plácido e Silva, sobre aquilo que hodiernamente passou a se designar como embrião in anima nobile:
Designa, assim, o ente que está gerado ou concebido, tem existência no ventre materno: está em vida intrauterina. Mas, não nasceu ainda, não ocorreu o nascimento dele, pelo que não se iniciou sua vida como pessoa.
Embora o nascituro, em realidade não se tenha como nascido, porque como tal se entende aquele que se separou, para ter vida própria, do ventre materno, por uma ficção legal é tido como nascido, para que a ele assegurem os direitos que lhe cabem, pela concepção.
Era o princípio que os romanos já firmavam pela voz de GAIO: Nascituro pro jam nato habetur, quando de ejus commodo agitu (O nascituro se tem por nascido, quando se trata de seu interesse).”[footnoteRef:1] Negritos dos autores. [1: SIMÕES Fernanda Martins; FERREIRA, Carlos Mauricio. (2013). Op. cit., págs.193/194.] 
Destarte, o nascituro nada mais é do que o ser em formação no útero da mãe e o seu primeiro direito, a toda evidência, é o de se desenvolver adequadamente no ventre de sua genitora e nascer com vida.
2. Teorias sobre a personalidade jurídica do nascituro
O tema sempre propiciou grandes discussões em razão do legislador civil entender que a personalidade jurídica da pessoa começa com o seu nascimento com vida.
Ora, se a personalidade jurídica se inicia com o nascimento, como é possível atribuí-la ao nascituro, que é o ser em formação no útero da mãe, pendente ainda seu nascimento?
Para responder a essa indagação, no Brasil, advieram três correntes fundamentais: teoria natalista, teoria da personalidade condicional ou mista e teoria concepcionista.
2.1.Teoria Natalista
Para os defensores da teoria natalista o nascituro, enquanto não nascido vivo, não tem personalidade jurídica, e, deste modo, não pode ser titular de qualquer direito. Esta teoria prevalece entre os doutrinadores clássicos, para os quais o nascituro não pode ser tido como pessoa, já que o Código Civil estabelece que é o nascimento com vida que propicia o início da personalidade civil. Até que sobrevenha com vida, o ser em formação possui mera expectativa de direitos.
Flavio Tartuce (2018), recrimina a teoria natalista, uma vez que adotada sua premissa de que o nascituro não tem personalidade civil, ele não seria uma pessoa, e, portanto, seria uma coisa, já que tem apenas a esperança de vir a ter direitos.
Assevera o mencionado autor que “a teoria natalista esbarra em dispositivos do Código Civil que consagram direitos àquele que foi concebido e não nasceu. Essa negativa de direitos é mais um argumento forte para sustentar a total superação dessa corrente doutrinária.”[footnoteRef:2] [2: TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, 8ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018., p. 77.] 
De qualquer modo, diante da redação do artigo 2º do Código Civil[footnoteRef:3], que dispõe que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; esta corrente ainda encontra simpatizantes na doutrina brasileira. [3: BRASIL. (2002). Lei 10.406. Código Civil Brasileiro. Op. cit.] 
2.2. Teoria da Personalidade Condicional ou Mista
Os partidários da teoria da personalidade condicional ou mista estabelecem que a personalidade civil tem início desde a concepção, porém, está dependente do nascimento com vida, portanto, preceituam a existência de uma circunstância que impede a aquisição da personalidade desde logo (a concepção), que é o nascimento com vida. É o posicionamento, por exemplo, do jurista Miguel Maria de Serpa Lopes citado por Willian Artur Pussi (2008)[footnoteRef:4]. [4: PUSSI, Willian Artur. Personalidade Jurídica do Nascituro. 2ª edição, Curitiba: Editora Juruá, 2008, p. 47.] 
Flavio Tartuce (2018)[footnoteRef:5], censura a teoria da personalidade condicional, sob o argumento de que ela apenas perfilha direitos eventuais ao nascituro, e como parte do pressuposto de que a personalidade também começa com o nascimento com vida, em seu cerne, ela afigura-se natalista. Para esse doutrinador os direitos de personalidade não podem ficar subordinados à ocorrência da condição de nascer vivo, como propõe a teoria, pois, seria o mesmo que dizer que o nascituro não tem direitos efetivos, mas apenas a expectativas deles. [5: TARTUCE, Flavio. (2018). Op. cit., p. 78.] 
Destarte, extrai-se desta teoria que a aquisição da personalidade civil estreia com a concepção, entretanto, os direitos do nascituro subordinam-se a uma condição suspensiva, isto é, a um evento futuro e incerto, qual seja seu nascimento com vida. Enquanto essa condição não for satisfeita, o seu titular não terá adquirido direitos ou contraído obrigações, contudo, ao nascer com vida, já será considerado pessoa desde a sua concepção, conforme assevera Willian Artur Pussi (2008)[footnoteRef:6]. [6: PUSSI, Willian Artur. (2008). Op. cit., p. 87.] 
2.3 Teoria Concepcionista
A teoria concepcionista funda-se no reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro desde a concepção, independentemente da concretização de condição suspensiva, com exceção de alguns direitos. Essa teoria encontra suporte no artigo 2º do Código Civil, pelo qual “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”[footnoteRef:7] [7: BRASIL. Código Civil (2002). Op. cit., artigo 2º.] 
Os aderentes dessa teoria argumentam não ser justo que os direitos do nascituro fiquem condicionados ao nascimento com vida. Tal condição deve se relacionar apenas com os direitos patrimoniais.
Para Flavio Tartuce (2018)[footnoteRef:8], pela teoria concepcionista “o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei”, apresentando-se como a teoria majoritária entre os doutrinadores civilistas mais modernos. [8: TARTUCE, Flavio. (2018). Op. cit., p. 78.] 
O mesmo autor, registra que:
“[ ... ] a conclusão pela corrente concepcionista consta do Enunciado n. 1, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovado na I Jornada de Direito Civil, e que também enuncia direitos ao natimorto, cujo teor segue: ‘Art. 2.º A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.’[footnoteRef:9] [9: TARTUCE, Flavio (2018). Op. cit., p. 79.] 
O Superior Tribunal de Justiça tem se filiado à teoria concepcionista em seus julgados, como é possível conferir pela ementa abaixo transcrita:
DIREITO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ABORTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. EXEGESE SISTEMÁTICA. ORDENAMENTO JURÍDICO QUE ACENTUA A CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO. VIDA INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. INCIDÊNCIA.
1. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil - que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei.
2. Entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemáticados arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro - embora não nascida - é afirmada sem a menor cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida" - tutela da vida humana em formação, a chamada vida intrauterina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 658).
3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro - natalista e da personalidade condicional - fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa - como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros.
4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais.
5. Portanto, é procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT, com base no que dispõe o art. 3º da Lei n. 6.194/1974.
Se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina.
6. Recurso especial provido.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1415727/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 29/09/2014).[footnoteRef:10] [10: BRASIL (2014). Superior Tribunal de Justiça. REsp 1415727/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 29/09/2014). Disponível em < http://www.stj.jus.br/ SCON/jurisprudencia/ doc.jsp ?livre=nascituro +personalidade&b =ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=1 >. Acesso em junho de 2018.] 
Conclui-se, assim, que a teoria concepcionista é aquela que atende aos interesses da pessoa ainda em sua formação primitiva no útero de sua mãe, já que lhe reconhece personalidade civil desde a sua concepção, propiciando, deste modo, a salvaguarda de seus interesses desde o início.
Autora: Adriana Paula da Cruz Ribeiro Jamusse. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões. Assessora Jurídica na 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Dourados/MS no período de 2013 a 2020.

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