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1 Curso Ênfase © 2019 EXECUÇÃO PENAL – FELIPE ALMEIDA AULA5 - PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE DAS PENAS 1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DE EXECUÇÃO PENAL (CONTINUAÇÃO) Na presente aula, ainda no âmbito dos Princípios Fundamentais do Direito de Execução Penal, serão analisados os Princípios da Individualização da Pena e da Intranscendência da Pena. Inicialmente, verifique-se o Princípio da Individualização da Pena. 1.1. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA A Constituição da República consagra o princípio da individualização da pena no art. 5º, inciso XLVI, in verbis: Art. 5º [...] XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; Ademais, conforme observado nas aulas anteriores, o art. 5º, XLVIII, determina que XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; Logo, a pena deve levar em consideração a pessoa concreta do condenado. Assim, conforme leciona Nelson Hungria, a individualização da pena consiste em "retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso". Nesse contexto, verifique que, embora se trate de ideia antiga, já expressava a noção da retribuição ligada a individualização da pena. Ademais, todos os criminosos são diferentes e o legislador, conforme estudado anteriormente, preocupa-se em criar um plano individualizador de cumprimento da pena, considerando, para tanto, as particularidades de cada pessoa privada de liberdade. Rememore, nesses termos, que todos os presos são diferentes e, portanto, devem ser alocados de acordo com seu perfil. Execução Penal – Felipe Almeida Aula5 - Princípio da Pessoalidade das Penas 2 Curso Ênfase © 2019 No entanto, esses aspectos referem-se apenas a um dos estágios do princípio da individualização da pena. Modernamente, tal princípio é considerado em três momentos ou estágios distintos, quais sejam: • momento legislativo, • momento judicial, e • momento executório ou administrativo da individualização da pena. Tais estágios, em decorrência de sua importância, serão analisados individualmente, a seguir. 1.1.1. MOMENTO LEGISLATIVO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA Em princípio, ao tratar do momento legislativo da individualização da pena, aborda-se a própria lógica subsidiária e fragmentária do Direito Penal. Isso porque, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, ou seja, a ferramenta à disposição do Estado que será manejada quando todos os demais ramos do direito fracassarem. Então, quando não se conseguir solucionar o conflito social com a interdição de atividades, imposição de multas, com Direito Administrativo sancionador ou com compensações, reparações, indenizações pelo Direito Civil, etc., recorre-se ao Direito Penal. Além disso, a fragmentariedade determina que Direito Penal não se presta a tutelar todos os bens jurídicos existentes na sociedade. O Direito Penal, em verdade, deve acautelar fragmentos de bens jurídicos. Logo, o legislador, por uma opção de política criminal, seleciona os bens que estarão salvaguardados pela tutela penal. Por seu turno, a individualização da pena no momento legislativo trata dessa tutela seletiva realizada pelo Direito Penal. Então, nesse estágio, • tem-se a eleição dos valores e bens jurídicos mais importantes, que serão tutelados pela Lei Penal, • e a individualização da pena pelo legislador, ante o estabelecimento, no preceito secundário, da sanção cominada em abstrato para aquele que praticar a conduta proibida. Em síntese, portanto, o legislador elege o bem a ser tutelado, tipifica a conduta (ou seja, cria um tipo penal) e comina a pena em abstrato para quem violar aquela norma penal incriminadora. Logo, o primeiro momento da individualização da pena ocorre quando o legislador cria a norma geral e abstrata e estabelece o preceito secundário. Em essência, o estágio legislativo de individualização da pena ocorre quando o legislador comina uma pena em abstrato para a prática Execução Penal – Felipe Almeida Aula5 - Princípio da Pessoalidade das Penas 3 Curso Ênfase © 2019 de determina conduta. 1.1.2. MOMENTO JUDICIAL DA INDIVIDULIZAÇÃO DA PENA Por outro lado, a individualização judicial da pena ocorre quando o juiz, na sentença condenatória, concretiza e individualiza a norma geral e abstrata desenvolvida pelo legislador. Então, quando o juiz, a partir do processo dosimétrico de aplicação da pena (art. 59 e 68 do Código Penal), estabelece a sanção justa e adequada para determinado caso concreto, está individualizando e concretizando a pena geral e abstrata prevista pelo legislador. Em suma, o estágio judicial ocorre com o processo dosimétrico de aplicação da pena, no qual o magistrado, por ocasião da sentença penal condenatória, individualiza e concretiza determinada pena. 1.1.3. MOMENTO EXECUTÓRIO OU ADMINISTRATIVO DA PENA Nesse terceiro momento de individualização da pena, são verificadas algumas controvérsias e discussões sobre princípio da individualização no âmbito do cumprimento da pena, ou seja, no momento de sua execução. Nesse âmbito, rememore que o artigo 6º da Lei de Execução Penal determina a classificação do preso condenado e provisório para melhor individualizar o cumprimento da pena. Para tanto, consideram-se os antecedentes e a personalidade do preso, que deverão ser utilizados para elaborar o plano individualizador do cumprimento da pena. E é nesse momento que se verificam as maiores controvérsias envolvendo esse princípio. Nesse ínterim, um dos temas mais discutidos foi a Lei dos Crimes Hediondos. Isso porque, a Lei 8.072/90, previa, em sua redação original, no art. 2º, §2º, a figura do regime integralmente fechado, consoante o qual o sujeito cumpria a totalidade de sua pena em regime fechado. Portanto, o apenado não tinha direito à progressão de regime (embora não significasse dizer que o apenado não teria direito ao livramento condicional, por exemplo). No entanto, desde o seu surgimento, a doutrina questionava a constitucionalidade do regime integralmente fechado, previsto pela Lei 8.072, na medida em que ele violaria o princípio da individualização da pena. Ademais, havia quem argumentasse que tal previsão violava o pacto federativo, pois, ao editá-la, o legislador teria invadindo a competência do Poder Judiciário, ao qual cabe estabelecer o regime de cumprimento de pena. Então, haveria violação ao princípio da individualização da pena, ante a imposição do Poder Legislativo do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado. Execução Penal – Felipe Almeida Aula5 - Princípio da Pessoalidade das Penas 4 Curso Ênfase © 2019 Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC 82959, em 23 de fevereiro de 2006, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado por violar o princípio da individualização da pena. Naquele momento, discutiu-se a tese da abstratização do controle difuso, pois, embora essa decisão tenha sido exarada em sede de controle incidental pelo controle difuso, acabou gerando eficácia erga omnes e efeito vinculante. Por conseguinte, os Tribunais passaram a adotar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, o legislador, por intermédio da Lei 11.464/2007, buscou adaptar a Lei dos Crimes Hediondos à jurisprudência do STF. Contudo, tal Lei culminou em nova violação do princípio da individualização, na medida em que, ao dar nova redação ao art. 2º, §2º da Lei 8.072, estabeleceu que o regime inicial de cumprimento de pena seria ofechado. Assim, em princípio, entendeu-se que não havia mais inconstitucionalidade. Todavia, posteriormente, verificou-se que a inconstitucionalidade apenas recaiu em estágio diverso do princípio da individualização, em vez de ser suprimida. Em resumo, embora não houvesse mais a violação do princípio da individualização da pena no momento executório, passou a existir no momento judicial. Isso porque, • antes, quando a Lei estabelecia o cumprimento integral da pena em regime fechado, violava o princípio da individualização no estágio executório ou administrativo, isto é, no momento do cumprimento da pena; e, • posteriormente, pela redação estabelecida pela Lei nº 11.464/2007, a Lei de Crimes Hediondos passou a prever o regime inicial fechado de cumprimento da pena, violando, portanto, o princípio da individualização, porém, em seu estágio judicial (já que ao juiz cabe determinar o regime inicial de cumprimento de pena); Desse modo, novamente, verificou-se o Poder Legislativo impondo ao Judiciário a fixação do regime fechado, já que a Lei de Crimes Hediondos o previa como regime inicial obrigatório. Houve, portanto, violação ao art. 59, inciso III, do Código Penal, que determina que cabe ao juiz, por ocasião da prolação da sentença condenatória, estabelecer o regime inicial de cumprimento de pena. E, não caberia ao Legislativo definir qual é o regime inicial de cumprimento. Em síntese, verificou-se que • na redação originária, o Legislador determinou que todo o cumprimento de pena deveria ocorrer no regime fechado, violando, portanto, a individualização da pena no momento executório. • posteriormente, pela redação estabelecida pela Lei nº 11.464/2007, o legislador Execução Penal – Felipe Almeida Aula5 - Princípio da Pessoalidade das Penas 5 Curso Ênfase © 2019 determinou que o regime inicial de cumprimento da pena seria o fechado. Sobreveio, assim, nova ofensa ao princípio da individualização, porém, em seu estágio judicial, já que ao juiz cabe determinar o regime inicial de cumprimento de pena; Desse modo, o STF, novamente, declarou inconstitucional a redação do art. 2º, §2º, da Lei nº 8.072, em razão do estabelecimento do regime inicial fechado para os crimes hediondos ou equiparados. Com isso, o cumprimento de pena nos crimes hediondos passou a observar o regime legal estabelecido pelo Código Penal. Portanto, a fixação do regime inicial, assim como nos demais casos, dependerá do quantum da pena fixado, de modo que o condenado em • até 4 anos, terá regime inicial aberto; • entre 4 e 8 anos, o regime semiaberto; e • acima de 8 anos, o regime fechado. Outrossim, superados os tópicos relativos à Individualização das Penas, será observado o Princípio da Personalidade das Penas. 1.2 PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DAS PENAS OU PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DA PENA O Princípio da Personalidade das Penas, também denominado de Princípio da Intranscêndencia ou Pessoalidade da Pena, está previsto no art. 5º, inciso XLV, da Constituição da República, in verbis: Art. 5º [...] XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; Portanto, morrendo a pessoa do condenado, morrerá também o interesse do Estado em executar aquela pena. Trata-se, em essência, do Direito Penal da Culpabilidade, na medida em que Direito Penal visa o agente culpável, de modo que sobrevindo a sua morte, o Estado deixa de ter interesse em executar a sua pena. Contudo, existem duas exceções a essa responsabilização subjetiva do Direito Penal, quais sejam: • a obrigação de reparar o dano, nos termos do art. 63 e seguintes do Código de Processo Execução Penal – Felipe Almeida Aula5 - Princípio da Pessoalidade das Penas 6 Curso Ênfase © 2019 Penal, e • o perdimento de bens, enquanto modalidade de pena restritiva de direitos, prevista no art. 44, do Código Penal. Então, a obrigação de reparar o dano e o perdimento de bens são exceções constitucionais ao Princípio da Intranscendência das Penas. Nesse âmbito, há autores que criticam a redação do dispositivo, sob o argumento de que, em princípio, o constituinte determina que com a morte do condenado, morre o interesse do Estado em executar a pena, mas, em seguida, excepciona a regra estabelecendo duas exceções. Todavia, em que pese as críticas doutrinárias nesse sentido, o certo é que o legislador constituinte excepcionou em duas ocasiões o princípio da intranscendência (na obrigação de reparar o dano e no perdimento de bens). Ademais, outras questões são apresentadas pela doutrina no âmbito do princípio da pessoalidade da pena, como, por exemplo, a sanção disciplinar de restrição de visitas. Nesses termos, uma das sanções principais do sistema disciplinar é a restrição do direito à visitação (art. 53, III, da LEP). Contudo, alguns autores entendem que tal restrição, em última análise, implica em violação do princípio da personalidade da pena, na medida em que, em vez de punir o condenado, penaliza os seus familiares, que ficam privados do direito de visitar o preso. Ademais, parte da doutrina entende que, nessa sanção, o sujeito ficaria incomunicável, situação que não admite nem mesmo em Estado de Exceção, logo, o sujeito não poderia ser privado do contato com a família. Assim, entende-se que se a incomunicabilidade é vedada, inclusive, em Estado de Exceção (como, por exemplo, o estado de defesa), não poderia uma mera sanção disciplinar tornar o preso incomunicável e, portanto, privá-lo do contato com a família. Do mesmo modo, há quem entenda que a suspensão de visita íntima viola o princípio da intranscendência da pena, pois pune o visitante, não o apenado. Ademais, outras situações eram consideradas violação ao princípio em questão, como, por exemplo, as revistas íntimas, que eram realizadas no visitante. Atualmente, essa prática foi reduzida consideravelmente, ante a instalação de body scanner nas unidades prisionais (o que vem reduzindo sistematicamente esse tipo de revista íntima). No entanto, a revista vexatória era apontada como violação ao princípio da intranscendência, porque punia a pessoa do visitante, no exercício de seu direito de visitação e de assistência familiar à pessoa privada de liberdade. Execução Penal – Felipe Almeida Aula5 - Princípio da Pessoalidade das Penas 7 Curso Ênfase © 2019 Por fim, em suma, o Princípio da Personalidade determina que a morte do condenado implica na cessação do interesse do Estado em executar a pena ("morreu o condenado, morre o interesse do Estado em executar as penas"). Contudo, admitem-se duas exceções ao Princípio da Intranscendência: (a) a obrigação de reparar o dano e (b) o perdimento de bens, as quais se estendem aos sucessores, dentro dos limites do patrimônio transferido (ou seja, da herança).
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