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3 Curso EAD Estomatologia Lesões Vesicobolhosas Vesícula e bolha são lesões de crescimento superficial, contendo líquido no seu interior, sendo vesícula o termo para referir a lesão com até 3 mm, e bolha a lesão com mais do que 3 mm de diâmetro (Figura 1). As lesões vesicobolhosas em boca podem ter etiologia e curso clínico muito distintos. Algumas lesões podem se iniciar como vesículas (por exemplo o herpes) ou bolhas (por exemplo pênfigo vulgar e penfigóide benigno de mucosas), que posteriormente se rompem deixando um leito erosivo ou ulcerado. Outras lesões podem formar bolhas (por ex. mucocele) e regredir espontaneamente em alguns casos. Neste capitulo, abordaremos as lesões mais frequentes em que a observação de vesículas ou bolhas, durante o exame físico, é fundamental para a obtenção do diagnóstico. Algumas informações importantes para o diagnóstico são: • Lesão única ou múltiplas. • Qual a coloração do líquido? • Houve modificação no aspecto clínico da(s) lesão(ões)? FIGURA 1. Características de vesícula e bolha. 4 Curso EAD Estomatologia FIGURA 2. Mucocele em lábio inferior, sendo algumas (A e C) mais profundas e em formato de cúpula, e outra vegetante1 de base séssil (B). A lesão também pode ser vista no palato (D). Fonte: FO/UFRGS, Neville et al. (2009) Mucocele (Fenômeno de extravasamento de muco) Essa é uma lesão muito comum na rotina clínica, especialmente em crianças. Surge a partir do rompimento do ducto excretor de uma glândula salivar menor, seguido pelo derramamento de mucina que fica acumulada no interior do tecido conjuntivo. Portanto, o principal fator etiológico é o trauma local que pode ser referido pelo paciente ou responsáveis. Contudo, em alguns casos, pode não ser identificado. Clinicamente, observa-se aumento de volume de coloração azulada ou translúcida, assintomática, que ocorre com maior frequência na mucosa labial inferior (Figura 2). Às vezes, essas lesões ocorrem no palato e no ventre de língua. As lesões superficiais, em alguns casos, rompem- se e esvaziam seu conteúdo, mas comumente se enchem outra vez. Sua maior incidência é no sexo feminino e em crianças entre 8 e 14 anos de idade. O aspecto clínico associado à história de remissão e recorrência, aliado ao exame histopatológico, confirma o diagnóstico definitivo. O tratamento consiste na remoção da lesão e das glândulas salivares menores circunvizinhas, que provavelmente foram as responsáveis pelo surgimento de lesão. Esta abordagem minimiza as recorrências, que são relativamente frequentes. Rânula A rânula também representa um fenômeno de extravasamento de muco. Entretanto, ocorre na região de assoalho de boca devido à ruptura de um ducto da glândula sublingual (glândula salivar maior). Da mesma forma que no mucocele, o fator etiológico também é o trauma local, que pode ser referido ou não ter sido percebido pelo paciente. Clinicamente, observa-se aumento de volume em assoalho de boca de coloração azulada ou translúcida, geralmente assintomático. O nome rânula deriva do aspecto clínico semelhante ao ventre de uma rã. Lesões mais profundas podem ter uma coloração semelhante a da mucosa adjacente (Figura 3A). Lesões extensas podem elevar a língua (Figura 3B). Pode ser referida história de aumento de volume seguido de remissão e ressurgimento da lesão. O diagnóstico é baseado nos aspectos clínicos da lesão. O tratamento é variado. Uma opção, mais radical, é a remoção da lesão juntamente com a glândula. Outra alternativa é criar, cirurgicamente, uma nova via de drenagem2 para a salivar chegar na cavidade bucal, procedimento chamado marsupialização3. Uma abordagem proposta mais recentemente é a micromarsupialização, a partir da qual se passa o fio de sutura através da lesão para criar uma via de drenagem e induzir a formação de epitélio em torno do fio, como se fosse um novo ducto excretor. A B DC 1Que cresce para fora. 2Escoamento de material líquido ou semifludo de uma lesão. 3Procedimento em que se remove uma parte da lesão, estabelecendo comunicação da sua porção central (cística) com o meio externo, favorecendo a drenagem. 5 Curso EAD Estomatologia FIGURA 3. A rânula se caracteriza como uma bolha localizada no assoalho bucal. Quando localizada mais profundamente, apresenta coloração semelhante a da mucosa normal adjacente (A). Lesões mais superficiais mostram coloração azulada (B), pois o muco pode ser visualizado por transparência. Fonte: FO/UFRGS, REGEZI,SCIUBA, JORDAN (2013) A B Herpes Labial Recorrente O herpes labial é uma doença infecciosa causada pela infecção pelo vírus do herpes simples tipo I (HSV-1). A infecção inicial se dá pelo contato com lesões peribucais ativas. A maior parte dos pacientes se infecta e não desenvolve nenhuma manifestação, apenas 1% apresenta a manifestação primária (gengivoestomatite herpética aguda ou primária). Posteriormente, cerca de 45% das pessoas infectadas desenvolve a reativação do vírus, desencadeada por fatores como estímulos locais, exposição solar, imunossupressão, estresse, e alterações hormonais. Essa reativação é o herpes labial recorrente, que se caracteriza por lesões que afetam a região de transição entre pele e vermelhão de lábio. Em alguns casos, o herpes pode se manifestar no interior da boca. Os pacientes podem apresentar sinais e sintomas prodrômicos, que precedem a manifestação clínica em um período de 4 a 6 horas, tais como: prurido, ardência, dor e eritema na região. Clinicamente, as lesões se iniciam como múltiplas vesículas, que se rompem no intervalo de 24 a 48 horas, formando úlceras, que ressecam e tornam-se crostas que, em um período de 7 a 10 dias, involuem sem deixar nenhuma cicatriz (Figura 4). Os pacientes relatam quadros de recorrência usualmente no mesmo local. O diagnóstico é clínico baseado na história de recorrência e nas características descritas acima. Alguns pacientes apresentam poucas recorrências ao ano (de 1 a 3), porém outros apresentam quadros mensais de reativação do vírus e aparecimento de lesões. Nestes casos uma investigação sistêmica minuciosa bem como, avaliação dos possíveis efeitos desencadeadores se faze necessária. O tratamento envolve o uso de antivirais tópicos ou sistêmicos. Abaixo são descritos protocolos terapêuticos que podem ser utilizados nas lesões de herpes labial recorrente (Quadro1). Enfatizamos que a efetividade destas terapêuticas é maior quando o tratamento se inicia no momento dos sinais prodrômicos ou surgimento das primeiras vesículas. USO EXTERNO (APLICAÇÃO TÓPICA) Aciclovir 50mg/g creme ...................................................................... 1 bisnaga Aplicar uma camada sobre a lesão 5 vezes ao dia. Iniciar antes de as vesículas se romperem, e repetir o procedimento diariamente até a cicatrização da lesão. USO INTERNO (VIA ORAL): Aciclovir 200mg .......................................................................... 1 cx (25 comprimidos) Tomar 1 comprimido de 2 a 5 vezes ao dia durante 5 dias. Valaciclovir 500mg .....................................................................1 cx (10 comprimidos Tomar 1 comprimido via oral a cada 24h por 5-7 dias). 6 Curso EAD Estomatologia Quadro 1. Prescrições sugeridas para herpes recorrente/secundário. FIGURA 4. (A). Múltiplas vesículas na transição entre pele e lábio caracterizando o início da manifestação do herpes labial recorrente (A). Posteriormente, essas vesiculoas coalescem, rompem-se e depois formam crosta (B). A manifestação intrabucal do herpes, com aspecto ulcerativo, costuma afetar a mucosa ceratinizada (C e D). Fonte: FO/UFRGS, Neville et al. (2009) A B DC Pênfigo Vulgar O pênfigo vulgar é uma doença auto-imune mucocutânea4 crônica que se caracteriza pela formação de bolhas intra-epiteliais. A etiologia é desconhecida, mas sabe-se que há produção de auto-anticorpos (IgG) reativos contra proteínas dos desmossomos. Esses anticorpos se ligam à proteína alvo e impedem a adesão entre as célulasepiteliais gerando a bolha intra-epitelial e levando o destacamento do epitélio de superfície. Clinicamente, afeta mais pacientes na quarta e quinta décadas de vida. Observa-se a formação de bolhas que se rompem facilmente, deixando áreas ulceradas e dolorosas (Figura 5). As bolhas raramente são vistas porque são frágeis e de curta duração. As lesões bucais precedem o surgimento das lesões cutâneas em 60% dos casos. Uma manobra clínica que pode nos auxiliar no diagnóstico de uma lesão como esta é o sinal de Nikolsky, que caracteriza-se pela tração delicada da mucosa clinicamente não afetada. Se, após alguns minutos, houver desprendimento da mucosa e produção de uma ferida, considera-se o sinal de Nikolsky positivo. Diante deste resultado conclui-se que se trata de uma doença que afeta a adesão epitelial, sendo pênfigo vulgar uma delas. Isso significa que o teste não é específico, persistindo a necessidade de descartar outras lesões autoimunes, especialmente o penfigóide benigno de mucosas. O diagnóstico final será obtido com a somatória das informações do exame clínico inicial e do exame histopatológico de uma biópsia parcial/incisional. Em alguns casos, se faz imunofluorescência direta, exame em que se pesquisa a presença dos auto-anticorpos no material da biópsia. O tratamento consiste na administração de corticóides tópicos e/ou sistêmicos, podendo ser associados ao uso de imunomoduladores. O prognóstico para os pacientes com pênfigo vulgar é reservado5 visto que, mesmo com a doença controlada, vários pacientes têm que manter o uso de terapia com corticóide de manutenção e, portanto, efeitos adversos a esse tratamento podem surgir, dentre eles tumores em função da imunossupressão. 4Doença que se manifesta em diferentes mucosas e também em pele 7 Curso EAD Estomatologia FIGURA 5. Lesões erosivas e ulceradas múltiplas em diferentes localizações na boca colocam pênfigo vulgar como uma das hipóteses a ser considerada (A, B e C). Na boca, dificilmente a doença é visualizada na fase de bolha. Em pele, a observação de bolhas é um sinal sugestivo de pênfigo vulgar (D). Fonte: FO/UFRGS, Neville et al. (2009) A B DC Penfigóide Benigno das Membranas Mucosas O penfigóide benigno das membranas mucosas é uma doença auto-imune, mucocutânea, vesicobolhosa que afeta predominantemente as mucosas bucais (Figura 6) e conjuntivas (Figura 7A). A causa é desconhecida, mas sabe-se que a doença ocorre devido ao acúmulo de auto-anticorpos (imunoglobulinas) ou componentes do complemento ao longo da membrana basal do epitélio, levando a formação de bolhas entre o epitélio e o conjuntivo. As lesões bucais normalmente são crônicas e persistentes, e se apresentam como úlceras superficiais precedidas por bolhas. As bolhas raramente são vistas porque são frágeis e de curta duração. Lesões cutâneas também podem ser vistas, mas não são tão frequentes como no pênfigo (Figura 7B). O sinal de Nikolsky é positivo. As lesões podem deixar cicatrizes, especialmente as lesões oculares, bastante comuns ao longo do curso da doença. É uma doença de adultos/idosos e mais frequente nas mulheres. Para o estabelecimento do diagnóstico definitivo a realização de biópsia incisional e exame histopatológico é fundamental. O diagnóstico é confirmado histologicamente, muitas vezes sendo necessária também a imunofluorescência direta. O tratamento é realizado com imunossupressores e imunomoduladores tópicos e sistêmicos. Em um número considerável de casos há envolvimento exclusivo de gengiva, situação em que a aplicação tópica de corticóides pode controlar a doença de maneira eficaz. 5No contexto do pênfigo vulgar, prognóstico reservado significa que a previsão é de que não haja cura definitiva para a doença. As medicações visam controlar a doença. FIGURA 6. Vesícula intrabucal (A, asterisco) observada no palato mole de paciente com penfigóide benigno de membranas mucosas. O mais comum é identificar a doença na fase de úlceras/erosões (B, C e D), as quais geralmente estão associadas a dor importante. A apresentação de úlceras e erosões em gengiva, caracterizando gengivite descamativa (C e D), é bastante comum. O asterisco na figura B indica a papila incisiva, que persistiu após a extração dos dentes da região. Fonte: FO/UFRGS, Neville et al. (2009) A B DC 8 Curso EAD Estomatologia FIGURA 7. O envolvimento da mucosa conjuntiva (A) pode levar à cicatrização com aderência entre pálpebra e mucosa conjuntiva (simbléfaro), que pode evoluir para cegueira, se não tratada. Lesões bolhosas podem ser vistas em pele (B). Fonte: Neville et al. (2009) A B Angina Bolhosa Hemorrágica A angina bolhosa hemorrágica é uma doença bucal que se caracteriza por bolhas e/ ou vesículas contendo sangue. O paciente pode ou não referir dor. A etiopatogênese parece ser multifatorial, associando microtraumatismos, suscetibilidade individual e uso crônico de corticóides inalatórios. Alguns acreditam que estas lesões possam ter associação com diabetes e hipertensão. Clinicamente, as lesões tendem a ser mais observadas em adultos acima da 5ª década de vida, e localizam-se principalmente em palato mole e mucosa jugal. As bolhas se rompem naturalmente, resultando numa ulceração que repara não deixando cicatriz (Figura 8). O diagnóstico é clínico, mas, em alguns casos de recorrência ou mais atípicos, a biópsia pode ser realizada. Não possui tratamento específico e o prognóstico é muito bom. 9 Curso EAD Estomatologia A B EDC FIGURA 8. Casos ilustrando os diferentes estágios do curso clínico da angina bolhosa hemorrágica, desde a formação da bolha (A. B), seu rompimento (C), formação da úlcera (D) e cicatrização (E). Fonte: FO/UFRGS Agora, para finalizar, vamos organizar o raciocínio diagnóstico baseado nas questões colocadas no início deste capítulo: • Lesão única ou múltipla? • Qual a coloração do líquido? • Houve modificação no aspecto clínico da(s) lesão(ões)? 10 Curso EAD Estomatologia QUAL O NÚMERO DE LESÕES? QUAL A COLORAÇÃO DO LÍQUIDO? ÚNICA TRANSLÚCIDA • Mucocele • Rânula • Angina bolhosa hemorrágica • Mucocele • Rânula • Herpes labial recorrente* • Pênfigo vulgar* • Penfigoide benigno de membranas mucosas* • Herpes labial recorrente • Pênfigo vulgar • Penfigóide benigno de membranas mucosas • Mucocele • Rânula • Angina bolhosa hemorrágica MÚLTIPLAS AZULADA ARROXEADA/ ENEGRECIDA * dificilmente essas doenças são diagnosticadas na fase de vesícula/bolha, pois essas lesões rompem-se facilmente 11 Curso EAD Estomatologia HOUVE MODIFICAÇÃO NO ASPECTO CLINICO DA(S) LESÃO(ÕES)? SIM • Herpes labial recorrente • Pênfigo vulgar • Penfigoide benigno de membranas mucosas • Angina bolhosa hemorrágica Geralmente iniciam como lesões vesicobolhosas. Após rompimento, tornam-se úlceras. Podem aumentar e diminuir de tamanho. Eventualmente rompem, liberam muco e cicatrizam. • Mucocele • Rânula NÃO Referências Alberdi-Navarro et al, (2015).J, Gainza-Cirauqui ML, Prieto-Elías M, Aguirre-Urizar JM. Angina bullosa hemorrhagica an enigmatic oral disease. World J Stomatol, v.4, no.1, p.1-7, 2015 Almeida, Oslei P. Patologia Oral. Editora Artes Medicas 2016. Cawson, Roderick A.; Odell, EW - Fundamentos Básicos de Patologia e Medicina Oral - Editora Livraria Santos Editora. 8ed. 2013 Coleman, C.C.; Nelson J. F. Princípios de diagnóstico bucal. Editora Guanabara Koogan, 1993. Neville, Brad W.; Damm, Douglas D.; Allen, Carl N.; Bouquot, Jerry E. - Patologia Oral e Maxilofa- cial - Editora Elsevier. 3ª ed., 2009. Regezi, Joseph A.; Sciubba, James J.; Jordan, Richard C.K. - Patologia oral: correlações clínicopa- tológicas - Editora Elsevier 6a ed. 2012. 12 Curso EAD Estomatologia TelessaúdeRS-UFRGS Coordenação Geral Roberto Nunes Umpierre Marcelo Rodrigues Gonçalves Gerência de Projetos Ana Célia da Silva Siqueira Coordenação Executiva Rodolfo Souza da Silva Coordenação do curso Vinicius Coelho Carrard Coordenação da Teleducação AnaPaula Borngräber Corrêa Conteudistas do Curso Manoela Domingues Martins Marco Antonio Trevizani Martins Vinicius Coelho Carrard Vivian Petersen Wagner Conteudistas do Objeto Virtual de Aprendizagem Renata de Almeida Zieger Fernando Neves Hugo Stefanie Thieme Perotto Karla Frichembruder Vinicius Coelho Carrard Manoela Domingues Martins Marco Antônio Trevizani Martins Revisores Bianca Dutra Guzenski Michelle Roxo Gonçalves Otávio Pereira D’Avila Thiago Tomazetti Casotti A Equipe de coordenação, suporte e acompanhamento do Curso é formada por integrantes do Núcleo de TelessaúdeRS do Rio Grande do Sul (TelessaúdeRS/UFRGS) e do Programa Nacional de Telessaúde Brasil Redes. Diagramação e Ilustração Carolyne Vasquez Cabral Angélica Dias Pinheiro Iasmine Paim Nique da Silva Lorenzo Costa Kupstaitis Projeto Gráfico Iasmine Paim Nique da Silva Lorenzo Costa Kupstaitis Luiz Felipe Telles Design do Objeto Virtual de Aprendizagem Lorenzo Costa Kupstaitis Matheus Lima dos Santos Garay Edição/Filmagem/Animação Diego Santos Madia Rafael Martins Alves Bruno Tavares Rocha Luís Gustavo Ruwer da Silva Divulgação Camila Hofstetter Camini Jovana Dullius Design Instrucional Ana Paula Borngräber Corrêa Equipe de Teleducação Angélica Dias Pinheiro Ylana Elias Rodrigues Equipe Responsável: Dúvidas e informações sobre o curso Site: www.telessauders.ufrgs.br E-mail: ead@telessauders.ufrgs.br Telefone: 51 33082098
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