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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL CAMPUS FELIZ CURSO DE TECNOLOGIA EM PROCESSOS GERENCIAIS Alexandre Härter PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS NA EMPRESA AGROSUL AGROAVÍCOLA INDUSTRIAL S.A. Feliz 2016 1 Alexandre Härter PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS NA EMPRESA AGROSUL AGROAVÍCOLA INDUSTRIAL S.A. Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Tecnologia em Processos Gerenciais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul como requisito para a obtenção do título de Tecnólogo em Processos Gerenciais. Orientador: Professor Matheus Milani Feliz 2016 2 Alexandre Härter PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS NA EMPRESA AGROSUL AGROAVÍCOLA INDUSTRIAL S.A. Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Tecnologia em Processos Gerenciais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul como requisito para a obtenção do título de Tecnólogo em Processos Gerenciais. Aprovado em 15 de dezembro de 2016. BANCA EXAMINADORA: ________________________________________________ Professora Cecília Brasil Biguelini _________________________________________________ Professor Júlio César de Vargas Oliveira ________________________________________________ Professor Matheus Milani ________________________________________________ Professor Rogério Foschiera 3 Dedico este trabalho a todas as pessoas que lutam pelas causas justas. 4 AGRADECIMENTOS A Deus, que me permitiu viver e concluir este trabalho. À minha família, que sempre esteve comigo me apoiando e incentivando, em especial aos meus avós, Ernesto e Rosa, e à minha companheira Camila. Ao professor orientador Matheus Milani, por seu incondicional apoio e incansável empenho. À empresa Agrosul Agroavícola Industrial S.A., que permitiu meu acesso aos seus dados para confecção deste trabalho. A todos aqueles que estiveram ao meu redor e contribuíram direta ou indiretamente para a conclusão deste trabalho. 5 “A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê”. (Arthur Schopenhauer) 6 RESUMO O presente trabalho consiste em um estudo de caso que será realizado na empresa Agrosul Agroavícola Industrial S.A., cujo foco é analisar e descrever o processo de inclusão de colaboradores com deficiência. A ideia de realização surgiu pelo interesse dos autores sobre os assuntos de acessibilidade para as pessoas com necessidades específicas, em especial no que tange a relação de labor dessas pessoas. O objetivo principal do trabalho é compreender a inserção de pessoas com necessidades específicas na empresa e as dificuldades e limitações destas relações de emprego, sob a ótica da organização empregadora e dos colaboradores com necessidades específicas. A abordagem empregada será qualitativa, com uma pesquisa descritiva. Serão realizadas entrevistas com os colaboradores com necessidades específicas da empresa e também com o diretor administrativo da empresa. Demais colaboradores como gestores e supervisores irão responder à questionários sobre o assunto de inclusão. Também será utilizada a técnica de observação para construção do trabalho, onde serão feitas observações em determinados setores onde existem colaboradores com necessidades específicas em labor. O trabalho irá contribuir com a literatura sobre inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, além de, principalmente, apontar os caminhos da inclusão na empresa Agrosul, que pode servir de modelo em muitos aspectos para outras organizações. Para a maioria dos colaboradores com necessidades específicas a oportunidade dada pela empresa foi uma grande conquista individual, vê-se muitos depoimentos que falam de superação. Também, um ponto geral nos depoimentos está ligado à palavra compreensão, no sentido de que as pessoas com necessidades específicas necessitam de maior compreensão por parte da sociedade, ponto que vem sido trabalhado por diversas ações governamentais e que de forma ascendente vem sendo incutida nas mentes e ações da sociedade. Na parte de resultado do trabalho também estão as respostas dos supervisores de setor e de gestores, que vem a inclusão na empresa como algo positivo e que não diminui a produtividade, por exemplo. O projeto de inclusão na empresa possibilitou aprendizado para muitos colaboradores. Também é observado que muito se tem a trabalhar sobre incluir, de forma muito especial entre os próprios colaboradores com necessidades especiais, que muitas vezes precisam ser motivados a acreditar mais em seu próprio potencial. Palavras-chave: Deficiência; Inclusão; Trabalho. 7 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Proporção de pessoas com deficiência conforme número de colaboradores 16 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10 2 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 12 2.1 DAS DEFINIÇÕES E CONDIÇÕES DAS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS ............................................................................................................ 12 2.2 LEGISLAÇÃO E NORMAS SOBRE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS E O TRABALHO ................................................................................. 15 2.3 DO DIREITO À IGUALDADE ................................................................................ 17 2.3.1 Igualdade formal............................................................................................. 18 2.3.2 Igualdade material .......................................................................................... 18 2.4 DISCRIMINAÇÃO ................................................................................................. 19 2.4.1 Discriminação negativa e positiva .................................................................. 20 2.4.2 Discriminação direta e indireta ....................................................................... 21 2.5 AÇÕES AFIRMATIVAS ........................................................................................ 22 2.6 O AMBIENTE DE TRABALHO E A PESSOA COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS ............................................................................................................ 23 3.1 MÉTODO ESCOLHIDO E JUSTIFICATIVA .......................................................... 25 3.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ........................................................ 25 3.2.1 Entrevista ....................................................................................................... 26 3.2.2 Observação .................................................................................................... 26 3.2.3 Questionários ................................................................................................. 27 3.3 ELEMENTOS DE PESQUISA .............................................................................. 27 3.4 APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE PESQUISA .......................................... 27 3.5 ANÁLISE DE DADOS ........................................................................................... 28 4 HISTÓRICO DA EMPRESA ........................................................................................ 29 5 RESULTADOS ............................................................................................................ 31 5.1 DAS ENTREVISTAS............................................................................................. 31 5.1.1 Resultados com os colaboradores com deficiência auditiva .......................... 31 5.1.2 Resultados com os colaboradores com deficiência física .............................. 32 5.1.3 Resultados com os colaboradores com deficiência intelectual/mental ........... 32 9 5.1.4 Resultados com os colaboradores com deficiência visual ............................. 33 5.1.5 Resultado com a diretoria .............................................................................. 33 5.2 OBSERVAÇÂO ..................................................................................................... 34 5.3 QUESTIONÁRIOS ................................................................................................ 35 5.3.1 Resultado com supervisores de setor ............................................................ 35 5.3.2 Resultado com gestores ................................................................................. 37 5.3.2 Resultado com membros do Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência ................................................................................................................................ 38 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 40 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 42 APÊNDICES ................................................................................................................... 45 ANEXOS ........................................................................................................................ 51 10 1 INTRODUÇÃO Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 29,3% da população brasileira (aproximadamente 405.605.000 brasileiros) possui algum tipo de deficiência, seja auditiva, motora, visual ou mental ou intelectual. São 5,10% da população que possui deficiência auditiva, 7% apresenta deficiência motora, 18,6% apresenta deficiência visual e, 1,4% que apresenta deficiência mental ou intelectual. O presente trabalho irá abordar, como conteúdo principal, o que incorre à empresa Agrosul Agroavícola Industrial S.A. a contratação de colaboradores com necessidades específicas, nos aspectos financeiro, produtivo e de cultura organizacional. Também serão abordadas legislação e normas sobre acessibilidade e inclusão nas empresas. A ideia para a pesquisa é devida ao interesse dos autores pelas causas de acessibilidade e inclusão das pessoas com necessidades específicas na sociedade e, em especial, nas organizações de trabalho. Também, é um assunto que tem estado em constante discussão e ampliação nos últimos anos. Neste trabalho, onde consta a expressão “necessidades específicas” entende-se o que está expresso no Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999 como “deficiência”, que, em seu Artigo 3º é caracterizada como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. Com isso, a delimitação deste trabalho é como a Agrosul Agroavícola Industrial S.A. vê a contratação e a relação de emprego de pessoas com necessidades específicas, questionando-se: como a Agrosul Agroavícola Industrial S.A. vislumbra a contratação de colaboradores com necessidades específicas e quais as dificuldades ou limitações encontradas pela organização no processo de contratação e durante o vínculo empregatício? A relevância da pesquisa se dá em razão de que o presente trabalho busca compreender as diversas questões que incorrem à Agrosul Agroavícola Industrial S.A. no que tange a contratação de pessoas portadoras de necessidades específicas. Serão abordadas questões referentes a legislação produtividade e alteração da cultura organizacional, a fim de propiciar um comparativo entre as questões que vêm da 11 contratação de pessoas com necessidades específicas com vista à tomada de tal decisão pela administração da empresa. O trabalho tem por base ratificar a importância da contratação de pessoas com necessidades específicas dada pelos administradores da empresa. Outra finalidade do trabalho é demonstrar aos futuros administradores, atuais graduandos do curso de Processos Gerenciais, a importância da contratação de pessoas com necessidades específicas nas organizações para dar um reconhecimento cada vez mais digno para essas pessoas. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo compreender a inserção de pessoas com necessidades específicas na empresa Agrosul Agroavícola Industrial S.A. e as dificuldades e limitações destas relações de emprego, sob a ótica da organização empregadora e dos colaboradores com necessidades específicas. Buscando especificar este objetivo geral, o trabalho tem o intuito de: I. Buscar os problemas que decorrem da contratação de pessoas com necessidades específicas; II. Descrever as dificuldades encontradas pela empresa na inclusão dos colaboradores com necessidades específicas; III. Descrever os pontos positivos e negativos da contratação de colaboradores com necessidades específicas; IV. Abordar o ponto de vista do colaborador com necessidade específica na relação de emprego. Para alcançar os objetivos delineados, o trabalho seguirá a seguinte estrutura: no seguinte capítulo deste trabalho será estruturado um referencial teórico, com uma revisão de literatura que fornecerá a base teórica pela qual será analisada o trabalho. Logo após, são apresentados os procedimentos metodológicos utilizados para a construção da pesquisa e o histórico da empresa, contextualizando o campo empírico sob o qual o trabalho será construído. Por fim, são discutidos os resultados encontrados com a pesquisa e as conclusões finais do trabalho. Ao final se encontram as referências bibliográficas, os apêndices e anexos. 12 2 REFERENCIAL TEÓRICO Neste capítulo serão abordadas as definições e condições das pessoas com necessidades específicas, além da parte de legislação e normas que amparam os trabalhadores com necessidades específicas. Também serão vistas questões como ações afirmativas e discriminação, e, demais questões que envolvem a contratação de pessoas com necessidades específicas, como ambiente de trabalho. 2.1 DAS DEFINIÇÕES E CONDIÇÕES DAS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS As deficiências nas pessoas são uma questão social que acompanham o homem desde os primeiros tempos de civilização. As formas de tratamento com pessoas com deficiência e mesmo as concepções de deficiência passaram por alterações no decorrer dos anos. (SEVERINO, 2007). Na Idade Média as deficiências eram tidas como manifestações da natureza. Na Idade Moderna as deficiências passaram a ser vistas como lesões, diminuição de capacidades. E, na Idade Contemporânea, têm-se as deficiências como alteração mental, física ou sensorial, que venha a diminuir a capacidade de desenvolver certas atividades convencionais. (SEVERINO, 2007). A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, cita três classes de deficiência: a física, a mental e a sensorial1. Em 1989, pela Lei nº 7.853, regulamentada pelo Decreto nº 914, de setembro de 2003, que instituiu a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, no seu 3º artigo, definiu que a pessoa portadora de necessidades específicas é “aquela que apresenta em caráter permanente, perda ou 1 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (...) II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (...) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm#art2 13 anormalidade de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. (JÚNIOR, 2009). A Organização Mundial da Saúde (OMS) com a publicação da Classificação Internacional das Deficiência, Incapacidade e Desvantagens (CIDID) teve o mérito de produzir um conceito que gerou reflexões e discussões em várias partes do mundo que acabaram implicando na produção de legislações nacionais para definição de quem são as pessoas com deficiência. Nem todos conceitos adotados pelas legislações seguiram o modelo consagrado na CIDID, mas referida classificação contribuiu para que a sociedade civil organizada passasse a se preocupar com a atenção às pessoas com deficiência”. (JÚNIOR, p. 20, 2009) No Brasil, a Lei nº 10.098 em seu artigo 2º define as pessoas com deficiência como aquelas que, temporária ou permanentemente, tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e utilizá-lo. (JÚNIOR, 2009). A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, promulgada pelo Brasil pelo Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001, define o termo deficiência como: “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. (JUNIOR, p. 21-22, 2009) Atualmente sabe-se pelo Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999, em seu artigo 4º, que existem 5 (cinco) tipos de deficiência: visual, auditiva, motora, mental e, múltipla. Segundo o Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro 2004 no primeiro caso enquadram-se as pessoas que apresentam “alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções”. São pessoas com deficiência auditiva, pelo Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004, aquelas que “possuem perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz”. 14 O Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004 aponta como pessoa portadora de deficiência visual a pessoa que possui: Cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. Ainda, por pessoa portadora de deficiência mental, o Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004 expõe como sendo aquela pessoa que possui “funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas”. São as áreas de habilidades adaptativas: a. Trabalho; b. Lazer; c. Habilidades acadêmicas; d. Saúde e segurança; e. Utilização dos recursos da comunidade; f. Habilidades sociais g. Cuidado pessoal; e h. Comunicação Por fim, o Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004 dispõe sobre as pessoas com deficiência múltipla, que são aquelas que possuem duas ou mais deficiências associadas. Com o foco no direito de trabalho da Pessoa com Necessidades Específicas, vale citar: Na esfera do direito do trabalho, pode-se conceituar pessoa portadora de deficiência como aquela que, por possuir alguma limitação física, sensorial, mental ou múltipla, enfrenta maiores dificuldades para se inserir no mercado de trabalho e nele se manter e desenvolver, especialmente quando comparado às pessoas que não portam tais limitações, necessitando, pois, de medidas compensatórias com vistas a efetivar a igualdade de oportunidades e o acesso ao emprego. (JUNIOR apud GOLDFARB, 2007, p. 35-36). 15 2.2 LEGISLAÇÃO E NORMAS SOBRE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS E O TRABALHO De forma mais relevante, pode-se dizer que são 07 (sete), entre leis e decretos, que são marcos históricos da causa. Estão compreendidas entre os anos de 1989, com a Lei nº 7.853, até o ano 2011, onde completam 20 anos da Lei nº 8.213, que trata das cotas para empresas, e, foi o ano onde se oficializou no âmbito legal a nomenclatura Pessoa Com Deficiência (PCD). A principal legislação que trata das pessoas com necessidades específicas está na Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que é a Política Nacional para Inclusão da Pessoa Portadora de Deficiência, e, no Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, onde a segunda regulamenta a primeira. Ambas tratam sobre a integração social das pessoas com necessidades específicas e o apoio a essas pessoas, além de outros encaminhamentos que são menos relevantes para o presente trabalho. A Lei nº 7.853 expõe que o tratamento das pessoas com deficiência não deve ser discriminatório nem de preconceito, observando as disposições constitucionais e legais (§ 2º do Art. 1º), e, que devem ser considerados os valores de igualdade de tratamento e oportunidade, do respeito à dignidade das pessoas, da justiça social e do bem-estar (§ 1º do Art. 1º)2. Também, na mesma lei, o inciso III do Art. 8º, que constitui crimes que envolvem as pessoas com necessidades específicas, traz como crime “negar ou obstar emprego, trabalho ou promoção à pessoa em razão de sua deficiência”. O Art. 5º do Decreto 3.298/99 reafirma o que há na Lei 7.853/89, especificando os princípios considerados: “[...] assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no contexto socioeconômico e cultural” (Inciso I), “estabelecimento de 2 Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. § 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. § 2º As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade. 16 mecanismos e instrumentos legais e operacionaisque assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos [...]” (Inciso II) e, “respeito às pessoas portadoras de deficiência, que devem receber igualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dos direitos que lhes são assegurados [...]” (Inciso III). A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, em seu artigo 93 institui as cotas que cada empresa com mais de 100 colaboradores deve cumprir, contratando colaboradores “reabilitados ou portadores de deficiência”, proporcionalmente ao número de colaboradores que já possui e que não se enquadram nas definições supracitadas. As cotas seguem conforme tabela abaixo: Tabela 1: Proporção de pessoas com deficiência conforme número de colaboradores Número de empregados Proporção de pessoas com deficiência De 101 a 200 2% De 201 a 500 3% De 501 a 1000 4% Mais de 1000 5% Fonte: o autor No ano de 2000, 2 (duas) leis foram decretadas e que dizem respeito às pessoas com necessidades específicas. A primeira, que é a Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000 e, a segunda, que é a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Na primeira lei, é exposto sobre a prioridade para atendimento de pessoas com necessidades específicas e, na segunda lei, é falado sobre critérios para a promoção da acessibilidade das pessoas com necessidades específicas. Pontos importantes das leis em questão estão nos artigos 1º da Lei 10.048/2000, que aponta o atendimento prioritário para as pessoas com necessidades específicas, além de outros públicos e, no artigo 1º da Lei 10.098/2000, que expõe que acessibilidade deverá se dar através da supressão de obstáculos e barreiras na comunicação, nos meios de transporte, nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano e, na construção e reforma de edifícios. 17 No ano de 2001 foi publicado o Decreto nº 3.956, em 8 de outubro, que promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência. A Convenção, conforme o que consta no referido decreto, foi uma forma de reafirmar que as pessoas com deficiência: [...] têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidos a discriminação com base na deficiência, emana da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano. Também, tem-se na primeira década do século XXI o Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta as Leis 10.048/2000 e 10.098/2000 e redefine o que vale para as cotas. 2.3 DO DIREITO À IGUALDADE O Artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, de 1988, aponta que todos os brasileiros ou estrangeiros residentes do país tem direito à igualdade, sem distinção de qualquer natureza3. Portanto, conforme Carlos (2004, p. 21): [...] toda distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional e origem social, que tenha por objetivo destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego e ocupação, inclusive diferenciação das condições de trabalho, constitui discriminação e infração às normas e preceitos constitucionais. Lenza afirma que é necessário buscar, além de uma igualdade formal, a igualdade material. Especificando essas igualdades, Laraia (apud Lima, p. 26-27) ensina que: [...] o princípio da igualdade atende à dicotomia igualdade formal – igualdade material. Efetivamente, para ser alcançada a igualdade real, o tratamento há de ser diferenciado entre os desiguais, pois a igualdade pressupõe juízo de valoração subjetivo, em maior ou menor grau, segundo a circunstância fática. Contudo, o arbítrio encontradiço nessa valoração não pode ser desprovido de fundamento razoável. 3 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. 18 2.3.1 Igualdade formal A primeira noção de igualdade é a formal, de tratamento igual de todos perante a lei ou ao Estado. A igualdade formal é um direito de todo cidadão, que consiste em o cidadão não poder ser tratado de forma diferente dos demais perante a Lei (CARLOS, 2004). Melo (apud Castro p, 35 - 36) afirma que: A regra de que todos são iguais perante a lei, ou de que todos merecem a mesma proteção da lei, entre outros enunciados expressivos da isonomia meramente formal e jurídica, traduz, em sua origem mais genuína, a exigência de simples igualdade entre os sujeitos de direito perante a ordem normativa, impedindo que se crie tratamento diverso para idênticas ou assemelhadas situações de fato. Impede, em suma, que o legislador trate desigualmente os iguais. Tem-se que, “embora relevante, a igualdade formal não confere a proteção especial que necessitam indivíduos ou grupos, como o das pessoas portadoras de deficiência, para superarem determinadas dificuldades [...]” (MELO, 2004, p. 109). 2.3.2 Igualdade material A igualdade formal não é absoluta garantia de Justiça. A igualdade formal garante apenas que não haverá tratamento diferenciado entre os que são iguais. Contudo, há a necessidade de aprofundamento desta igualdade, pois nem todos os indivíduos são iguais. Com isso, desenvolveu-se, a partir da igualdade formal, a noção de igualdade material. Para Carlos (2004, p.22) “a igualdade material, também denominada efetiva, real, concreta, consiste na busca da igualdade de fato na vida econômica e social”. A Constituição Federal de 1988, quando garante o direito à ampla igualdade, o dá também na forma material (MELO, 2004). Nesse sentido, a igualdade material é aquela que garante o tratamento homogêneo de todas pessoas. 19 A regra isonômica da igualdade perante a lei não se constitui em norma de proteção, mas apenas de instituição de princípio democrático, extensível a todos, inclusive aos portadores de deficiência, princípio este que coloca o grupo protegido em condições de integração social. [...] é a existência de regras que, de fato, discriminam, protegem, colocam privilégios imprescindíveis sob a ótica política do constituinte, para a equiparação de certas situações ou grupos. (MELO apud ARAUJO, 1994, p. 89) A igualdade material está presente no discurso de Rui Barbosa, depois reunido em uma obra intitulada Oração aos Moços: A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (BARBOSA, 1999, p. 26) Com isso, Carlos (apud FILHO, 1993, p.243) conclui que “o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de justiça”. 2.4 DISCRIMINAÇÃO Pode-se dizer que discriminação são ações que estabelecem diferenças que ferem o direito das pessoas, baseadas em idade, opção religiosa, raça, sexo, orientação política, entre outros (CARLOS, 2004). Nos dias atuais ainda é muito comum verificar situações de discriminação, inclusive com pessoas com deficiência. O mesmo ocorre nos ambientes de trabalho, em muitas organizações, onde pessoas com deficiência são excluídas dos grupos de convívio dos demais colaboradores ou são tratadas de forma diferente, com um sentido de menos dignidade. Os preconceitos contra as pessoas com deficiência são muitos. Muitos administradores ainda pensam que essas pessoas com deficiência não se adaptam bem ao trabalho de equipe, que são excluídos, temperamentais, ou que supervalorizamsuas diferenças para conseguir benefícios. (MELO, 2004) Melo (2004, p. 113) expõe que: 20 Apesar de proibida a discriminação no acesso ao emprego do portador de deficiência, devemos reconhecer, por relevante, a complexidade dos elementos que permeiam o início de uma relação de emprego com o mesmo. Além dos elementos naturais do indivíduo, da qualificação profissional, há também a chamada aptidão para exercer a função ofertada. E é justamente nesse particular, ou seja, na aferição da capacidade para o exercício da função oferecida é que a discriminação tem encontrado terreno fértil. Um cuidado que se deve tomar é para não confundir deficiência com incapacidade total para o trabalho: As pessoas portadoras de deficiência possuem limitações em determinadas áreas, mas não para todas as atividades. Para determinadas funções as pessoas portadoras de deficiência apresentam, inclusive, maior capacidade de concentração e eficiência, podendo desenvolver determinadas atividades de forma mais eficiente do que uma pessoa não portadora de deficiência. (MELO, 2004, p. 113) A discriminação pode remeter a diversos significados, e ocorrer de forma direta ou indireta, afirma Carlos (2004). E continua “[...] o próprio texto constitucional trata de duas espécies de discriminação, uma contrária e outra conforme o princípio da igualdade: a discriminação ilícita e a discriminação permitida”. (2004, p. 30). São as chamadas discriminação negativa e discriminação positiva. 2.4.1 Discriminação negativa e positiva A discriminação negativa é tratada como uma “[...] concepção de igualdade jurídica em sentido subjetivo e pessoal, que estabelece um desfavor à pessoa discriminada”. (CARLOS, 2004, p. 32). Ao passo que a discriminação positiva estabelece vantagens para um grupo de pessoas. (CARLOS, 2004). Fazendo uma interpretação literal do Art. 5º da Constituição Federal, pode-se afirmar a inconstitucionalidade de qualquer lei ou ato normativo editado com finalidade de estabelecer discriminação positiva. No entanto, praticada em favor das minorias, ela encontra-se em perfeita consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos no Art. 3º, incisos III e IV4, da Constituição Federal. 4 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 21 A discriminação negativa também é ilegal, além ed pejorativa, pois cria desfavor à pessoa discriminada. Já a discriminação positiva é lícita, e busca assegurar a igualdade de fato. É pela discriminação positiva que surgem as chamadas ações afirmativas. (CARLOS, 2004). 2.4.2 Discriminação direta e indireta Outra forma de vislumbrar a discriminação é observando que há situações onde percebe-se claramente que há intenção de discriminar, mas, também, situações onde a discriminação vem de forma velada. Carlos (2004, p. 31) expõe sobre essas duas formas de discriminação: A conduta discriminatória pode se dar de forma direta ou indireta. A discriminação direta ocorre quando se estabelece um tratamento desigual fundado em razões arbitrárias e desmotivadas. Já a discriminação indireta acontece quando se oferece um tratamento formalmente igual, mas que, no resultado, se traduz em efeito diverso sobre determinados grupos, acarretando a desigualdade; esse tipo de discriminação consiste em uma regra neutra à primeira vista e que se aplica igualmente a todos os empregados, mas que produz efeito discriminatório para um empregado ou grupo de empregados. A intenção discriminatória aparece sempre na discriminação direta, mas não na indireta. Conforme exemplo adaptado de Carlos, a discriminação direta se dá quando o empregador adota como diretriz não contratar pessoas com deficiências. A indireta, quando certos setores da economia se mostram estruturados de modo a favorecer pessoas sem deficiência. Infelizmente nos dias atuais ainda ocorrem situações de discriminação direta e, de forma mais ampla, também de discriminação indireta. Convém que algumas políticas sejam mais discutidas e incentivadas, principalmente através de ações afirmativas. 22 2.5 AÇÕES AFIRMATIVAS “Dá-se o nome de ações afirmativas ao conjunto de medidas legais, políticas sociais e programas instituídos com a finalidade de corrigir as desigualdades e promover a igualdade de oportunidades”. (CARLOS, 2004, p. 33). Sobre os objetivos das ações afirmativas, Melo (2004, p. 33) expõe: [...] a ação afirmativa tem como objetivo não apenas coibir a discriminação do presente, mas, sobretudo eliminar os efeitos da discriminação do passado – como o caso das sequelas estruturais relativas ao período da escravidão – que tendem a se perpetuar. Carlos (apud Soares, p. 39) também declara sobre as ações afirmativas que: Os programas de ações afirmativas, de um modo geral, comportam avaliar as causas e as consequências da desigualdade e os meios para corrigir os desiquilíbrios, eliminar a discriminação e promover a igualdade de oportunidades. São estratégias destinadas a estabelecer a igualdade de oportunidades, por meio de medidas que compensem ou corrijam as discriminações resultantes de práticas ou sistemas sociais. Têm caráter temporário, são justificados pela existência de discriminação e pela possibilidade de estimular e melhorar o funcionamento das instituições”. As ações afirmativas vêm ao encontro do que dispõe Inciso IV do Artigo 3º da Constituição Federal do Brasil de 1988, que trata sobre os objetivos da república: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, conforme ratifica MELO (2004, p. 143): [...] o acesso ao mercado de trabalho é um direito fundamental da pessoa portadora de deficiência, sendo a efetivação do mesmo um dos objetivos fundamentais da República (art. 3º da CF/88). Verificou-se, ainda, que o exercício deste direito está ligado diretamente ao princípio jurídico da igualdade, materialmente considerado. Por fim, restou inconsistente que, para o alcance do primado da igualdade de oportunidades, constitucionalmente previsto, há a necessidade da adoção de ações positivamente discriminatórias (ações afirmativas), proporcionando o equilíbrio das desigualdades [...]. Conforme material do site do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil: Uma ação afirmativa não deve ser vista como algo paternalista ou que cria dependência. Elas são ações necessárias para a correção de desigualdades. Tão 23 logo estas desigualdades desaparecem, a adoção de ações afirmativas deixa de ser necessária. 2.6 O AMBIENTE DE TRABALHO E A PESSOA COM NECESSIDADES ESPECÍFICAS Sabe-se que podem ser diversas as barreiras encontradas por pessoas com necessidades específicas. Um deficiente visual, para ser “autônomo” como ser humano, necessita de sinais sonoros para atravessar com segurança uma avenida em uma cidade. Um cadeirante necessita de rampas nas entradas de estabelecimentos que tem desnível em relação à calçada. Assim como nos exemplos acima, que são aspectos vivenciados diariamente nos lugares públicos, muitas podem ser as barreiras encontradas por pessoas com necessidades específicas no ambiente de trabalho e mesmo que impedem o seu trabalho ou sua contratação. Como já mencionado, também os administradores de muitas empresas pensam que as pessoas com necessidades específicas querem emprego simplesmente para “mostrar” suas diferenças. Embora com a lei de cotas o percentual de contratação de pessoas com necessidades específicas tenha aumentado, ainda pode ser percebido o descaso por parte de muitos administradorescom relação à parte “humana” da pessoa com necessidades específicas. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (IBRF) Nacional, Isocial e Catho, realizada com quase três mil profissionais do setor de Recursos Humanos, aponto que 81% dos administradores contratam pessoas com necessidades específicas apenas para ter a cota. O estudo apontou ainda que apenas 4% contrata pessoas com deficiência por seu potencial, e 12% o faz “independente da cota”. A pesquisa revelou também que 65% dos gestores possuem resistência em entrevistar e/ou contratar pessoas com deficiência. (CAOLI, 2005, SITE G1.COM) A superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, fala ao G1 sobre os resultados encontrados com a pesquisa realizada: Eu acho que a grande questão é o olhar da empresa para a pessoa com deficiência como obrigação e não a contratação de uma pessoa competente. No momento que a empresa pensa “vou ter que contratar despesa”, essa pessoa vira um fardo para os seus quadros e ela já começa desistindo. Então, a grande mudança que é preciso é 24 esse olhar das empresas e da sociedade no geral sobre a competência de pessoas com deficiência. Espera-se que nos próximos anos de fato aconteçam ações para conscientização da massa empresarial para contratação de profissionais com deficiência, não por legalidade, mas, por competência. No próximo capítulo serão abordados os meios utilizados para confecção da presente pesquisa. É explicado o método de levantamento de dados, compreendendo os instrumentos de coleta, os elementos de pesquisa e sua aplicação e, a análise dos dados. 25 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1 MÉTODO ESCOLHIDO E JUSTIFICATIVA A abordagem deste estudo será qualitativa, visto que o objetivo do mesmo não é quantificar em números as diferenças que ocorreram com a contratação de pessoas com necessidades específicas, mas, sim, analisar e descrever o processo de contratação e as mudanças que se tem ou não, com base na percepção de colaboradores-chave nos setores da empresa em que há pessoas com deficiência trabalhando. O trabalho terá uma pesquisa descritiva, visto que o autor objetiva observar, registrar e analisar a contratação de pessoas com necessidades específicas na empresa Agrosul. Será um estudo de caso na empresa Agrosul Agroavícola Industrial S.A. que, segundo Gil (2008), é um estudo mais aprofundado de um ou poucos objetos, de forma que agregue um conhecimento mais amplo e aprofundado sobre o que está sendo estudado. A escolha da empresa Agrosul se deve ao fato de ser a empresa com a qual um autor possui maior vínculo na região e por ter percebido na empresa um forte empenho para a inclusão de pessoas com necessidades específicas. A empresa investiu em treinamento especializado para os colaboradores, também criou um comitê denominado Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o qual trata de todos os assuntos referentes às pessoas com deficiência, entre outras ações afirmativas e inclusivas. 3.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS Os instrumentos de coleta de dados que serão utilizados são: entrevista, observação e questionários. Serão aplicados aos colaboradores com necessidades específicas, aos supervisores de setor, aos gestores, aos membros do comitê de inclusão e à diretoria da empresa. Para facilitar o entendimento, em escala hierárquica na empresa Agrosul, estão em primeiro lugar os diretores, logo abaixo os gestores, supervisores e líderes de setor. Os colaboradores que compõe o Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência não 26 necessariamente estão em posição hierárquica de poder, mas, são de todas as áreas da empresa. Aqui cabe expor sobre os facilitadores, que são colaboradores de diversos setores, escolhidos pelo Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência para auxiliar os colegas com necessidades específicas por um período quando ingressam na empresa. 3.2.1 Entrevista Serão entrevistados os colaboradores da empresa que possuem alguma deficiência. O objetivo é saber qual seu posicionamento quanto à empresa (se possuem alguma dificuldade, quais aspectos são positivos no trabalho, entre outros). Também será entrevistado o diretor administrativo da empresa. Será uma entrevista caracterizada como semiestruturada, modelo de entrevista onde, segundo Boni e Quaresma (2005) “o pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal”. Ainda segundo Boni e Quaresma (2005), a entrevista semiestruturada “[...] tem como vantagem a sua elasticidade quanto à sua duração, permitindo uma cobertura mais profunda sobre determinados assuntos. Além disso, a interação entre entrevistador e entrevistado favorece as respostas espontâneas”. 3.2.2 Observação Segundo Marconi e Lakatos (2011) “a observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade”. A observação ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não tem consciência, mas que orientam seu comportamento. Desempenha papel importante nos processos observacionais, no contexto da descoberta, e obriga o investigador a um contato mais direto com a realidade. É o ponto de partida da investigação social. (MARCONI e LAKATOS, 2011, p. 76) A técnica terá o viés da observação participante, que, conforme Marconi e Lakatos (2011) “consiste na participação real do pesquisador com a comunidade ou grupo”. 27 3.2.3 Questionários Segundo Barros e Lehfelg (2010, p. 106) “o questionário é o instrumento mais usado para o levantamento de informações”. O questionário também possibilita que o pesquisado responda as questões de forma mais adequada, pois possui um tempo maior para refletir sobre o que pretende responder. (BARROS E LEHFLEG, 2010). Será um questionário aberto, que permite aos pesquisados que respondam através de frases e orações, não ficando restrito a perguntas de respostas únicas. Os questionários serão aplicados aos gestores e supervisores de setores onde trabalham pessoas com deficiência, além de ser aplicado também com alguns membros do Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência da empresa. O objetivo é verificar as alterações na cultura organizacional com a contratação de colaboradores com necessidades específicas. Outro ponto que será abordado é a questão de produtividade que se tem com a contratação de pessoas com necessidades específicas. 3.3 ELEMENTOS DE PESQUISA Todas as pessoas que serão convidadas a participar da pesquisa são funcionários da empresa Agrosul Agroavícola Industrial S.A. São colaboradores das áreas administrativa, contábil, financeira, produção, qualidade e saúde no trabalho, sendo gestores, supervisores, lideranças ou demais colaboradores dos setores da empresa. O público escolhido serão pessoas com qualquer tipo de deficiência, gestores, ou, colaboradores que apresentam maior contato direto com os colaboradores com necessidades específicas. 3.4 APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE PESQUISA A aplicação das entrevistas será de forma pessoal, em que os entrevistados virão até um local específico na empresa para aplicação da entrevista, que será feita em formulário específico do setor de Recursos Humanos, que participarão das entrevistas com os colaboradores com deficiência. Na entrevista com o diretor administrativo da 28 empresa, o pesquisador irá até o local onde o diretor se encontrar. No caso da observação, o pesquisador irá até alguns setores onde trabalham pessoas com necessidades específicas e ali fará seus apontamentos. Quanto aos questionários, estes serão aplicados via e-mail aos colaboradores da empresa. 3.5 ANÁLISE DE DADOS Os dados serão analisadosutilizando a técnica de análise de conteúdos que é compreendida como “um conjunto de técnicas de pesquisa cujo objetivo é a busca do sentido ou dos sentidos de um documento” (CAMPOS, 2004, p. 611). Também, é dito sobre o método de análise de conteúdos que é “balizado por duas fronteiras: de um lado a fronteira da linguística tradicional e do outro o território da interpretação do sentido das palavras (hermenêutica) ”. (CAMPOS, 2004, p. 612). Os dados serão agrupados de acordo o instrumento de pesquisa, para levantamento de informações específicas, conforme objetivo de cada instrumento. Será feito um levantamento das respostas de cada colaborador, a partir de onde o autor fará uma análise hermenêutica das informações, destacando os pontos mais relevantes. 29 4 HISTÓRICO DA EMPRESA A história da Agrosul Alimentos começou a ser escrita em 1965, quando Waldomiro Freiberger iniciou sua vida de comerciante. Sem medo do trabalho exaustivo e disposto a enfrentar as adversidades da época, abriu uma pequena casa comercial em Arroio Feliz, interior do município de Feliz. Dois anos após o início das atividades, Waldomiro Freiberger adquiriu o primeiro caminhão da empresa, um F6 ano 1951. Com o veículo, o empresário ampliou a área de atuação do empreendimento e, consequentemente, experimentou a expansão dos negócios, passando a vender os produtos da região em Porto Alegre. Comercializava sacarias, milho e soja, entre outros produtos. Pouco tempo depois, adquiriu dois novos caminhões. Em junho de 1971, Waldomiro firmou sociedade com seu irmão Paulo. Foi fundada a Waldomiro Freiberger & Cia Ltda., que possibilitou muitas conquistas na carreira dos empreendedores. Em novembro de 1973, os irmãos Freiberger instalaram-se em novo prédio, no centro de Feliz, onde hoje se encontra a matriz da empresa. A construção das novas instalações foi motivada por um incêndio que destruiu totalmente a antiga sede. Também por essa fase Paulo e Waldomiro iniciaram a criação de aves e adquiriram um frigorífico. Em 31 de outubro de 1996, foi registrada a nova marca da empresa: Agrosul Alimentos. Começa, então, nova fase de expansão. Em 2004, houve a construção de uma moderna unidade de logística em São Sebastião do Caí, que passou a ser o Centro de Distribuição da empresa. As obras e investimentos continuaram e, desde 2009, a empresa passou a operar em um novo e moderno frigorífico junto ao Centro de Distribuição em São Sebastião do Caí. Hoje a empresa Agrosul Alimentos distribui seus produtos em diversas cidades do Rio Grande do Sul, assim como em Santa Catarina e Rio de Janeiro, e, exportam para países do Mercosul, Árabes, China, Hong Kong e Japão. A Agrosul conta atualmente com mais de 1500 colaboradores, distribuídos entre as unidades de Feliz e São Sebastião do Caí. Desses, mais de 70 são colaboradores 30 com algum tipo de deficiência, que desempenham diversos tipos de atividade, desde a parte operacional até a parte de gerência.5 5 Dados fornecidos pelo setor de comunicação da empresa Agrosul, em outubro de 2016. 31 5 RESULTADOS No presente capítulo serão vistos os resultados obtidos no trabalho com a utilização das ferramentas de pesquisa. 5.1 DAS ENTREVISTAS Nos resultados das entrevistas têm-se diversos pontos a serem reproduzidos. Veremos abaixo os resultados obtidos nas entrevistas com os colaboradores com deficiência e com o diretor da empresa. Aqui cabe ressaltar que não foram realizadas entrevistas com todos colaboradores com necessidades específicas por questões trabalhistas como férias e auxílio doença. 5.1.1 Resultados com os colaboradores com deficiência auditiva As pessoas que passaram a ter a dificuldade de audição com o passar do tempo, relatam que não davam muita importância para seus sintomas. A maioria se descobriu com deficiência trabalhando na empresa. Afirmam que quando tem alguma dificuldade para ouvir o que os colegas e superiores falam, solicitam que os mesmos repitam a informação. A maioria dos entrevistados afirma que não tem nenhum tratamento diferenciado por conta da deficiência, mas alguns relatam que sentem vergonha da sua condição. E quando questionados sobre o porquê da vergonha, relatam que se deve ao fato de ter que solicitar para a outra pessoa repetir a informação por mais de uma ou duas vezes. Destes, a maior parte tem um grau de dificuldade maior de audição e não se sentem muito confortáveis em ambientes com muito barulho e pessoas aglomeradas. Também tem dificuldades de entender quando muitas pessoas falam ao mesmo tempo. Uma pessoa relatou que compreende melhor a leitura labial do que a fala. Todas as pessoas relataram que gostam de trabalhar na empresa e tem um bom relacionamento com colegas e superiores. Mas algumas questões comportamentais ainda poderiam ser melhoradas, tais como: falar mais devagar e repetir a informação; ter 32 mais paciência e calma com os PCDs, pois eles são capazes de realizar as tarefas; e para as pessoas no geral, ter mais compreensão e respeito. 5.1.2 Resultados com os colaboradores com deficiência física Entre os entrevistados com deficiência física, temos várias condições: perna, braço, mão e dedo. Dentre estes, as causas são: nasceu com a deficiência, acidente de trabalho, acidente de trânsito e acidente doméstico. As pessoas relatam que no início tinham dificuldades para exercer seu trabalho, mas que com o tempo foram se adaptando e hoje se dizem acostumadas. A maioria diz que se sente igual aos outros, alguns nem lembram que tem deficiência. Também relatam que tem um bom relacionamento com os colegas e que estes os auxiliam em caso de necessidade/dificuldade. Os entrevistados que tem uma deficiência física mais visível relatam que as pessoas nas ruas as olham de modo diferente, às vezes ficam observando. Alguns dizem que no início sentiam-se tristes com esse olhar diferente, e que com o tempo se acostumaram, pois, entenderam que as pessoas não eram acostumadas a ver a deficiência tão de perto. Algumas pessoas demonstraram não ter se acostumado com o olhar diferente dos outros. Outros consideram que as pessoas ainda têm preconceito. Os entrevistados consideram que as pessoas com deficiência devem receber incentivo e oportunidade para se desenvolver. Dizem que as pessoas ainda enxergam muita limitação nelas. Essas pessoas querem que a sociedade acredite mais nelas, que enxergue que elas são capazes de muita coisa e que não as limitem por conta da sua deficiência. Todos gostam de trabalhar na empresa, tem um bom relacionamento com os colegas e superiores. 5.1.3 Resultados com os colaboradores com deficiência intelectual/mental Os entrevistados relataram que gostam muito de trabalhar na empresa, que não sentem dificuldade e que são bem tratados. Cada um tem uma relação bem particular 33 com a família, mas o que chama atenção é que todos relatam momentos de solidão, sem muito convívio social na empresa e fora dela. 5.1.4 Resultados com os colaboradores com deficiência visual Os colaboradores relataram que como a maioria das pessoas com a deficiência visual a tem desde o nascimento, hoje já não sentem dificuldades no seu trabalho. Apenas uma pessoa relatou ter perdido visão de um olho em consequência de um acidente de trabalho numa empresa onde trabalhou anteriormente. Algumas relataram que já tiveram alguns apelidos ou deboches em outras empresas. Consideram que as pessoas com alguma deficiência precisam de mais compreensão por parte dos demais indivíduos sem deficiências. 5.1.5 Resultado com a diretoria O diretor entrevistado foi Milton Bach, diretor administrativo da empresa Agrosul. Para ele, quando questionado sobre o motivo de a empresa contratar pessoas com necessidades específicas, Milton afirma que a inclusãosocial é o fator determinante para a empresa Agrosul. Mas, conforme lembra, “o fator cota com certeza é o maior responsável para que as empresas tenham tido a iniciativa de se preocupar em contratar profissionais com deficiência”. Falando sobre a contratação de pessoas com necessidades específicas, o diretor diz que a empresa enfrentou muitos problemas por não encontrar pessoas com necessidades específicas disponíveis para o trabalho. Nas suas palavras, “não há número suficiente de PCDs aptos e dispostos a preencher as cotas”. Milton afirma que “muitos paradigmas foram quebrados com a contratação de colaboradores com deficiência”. Respondendo sobre alterações na produtividade e comportamento na empresa, Milton afirma: “podemos avaliar agora, tirando os diferentes tipos de deficiência, que cada ser humano, com suas particularidades, tem alguma coisa a contribuir”. 34 O diretor afirma ainda que muitas ações foram desenvolvidas como sinal da importância da empresa para com os colegas com necessidades específicas. Ele citou a criação do Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência, outro trabalho que foram realizados com lideranças, supervisores e gestores de todos setores da empresa, a fim de “quebrar o tabu” que facilmente se constrói para que, “quando ingressar colaboradores com deficiência”, que de fato eles se sintam incluídos. Por final, Milton diz que a empresa contrata pessoas com qualquer tipo de deficiência. Afirma, no entanto, que a maior dificuldade que se tem é som relação à modificações prediais para dar acessibilidade à pessoas cadeirantes. E diz também que a empresa possui parceria com o SINES da região, que auxilia na capacitação de interessados e, trabalhar na empresa, e também o SESI, que auxilia nas mesmas funções. 5.2 OBSERVAÇÂO O pesquisador fez observação nos setores de almoxarifado e vendas(loja) nas unidades da empresa na cidade de Feliz e também no setor fiscal/contábil na unidade de São Sebastião do Caí. Foram observados dois colaboradores da empresa com deficiência mental e, um com deficiência auditiva. É importante destacar que o colaborador com deficiência intelectual faz tarefas com um teor mais alto de repetição, pois, é uma maneira que a empresa encontrou para tornar as atividades dessa pessoa mais atrativa e menos desafiadora, conforme relato da enfermeira do trabalho da empresa, as pessoas com deficiência intelectual costumam ter maior facilidade e gosto em desempenhar atividades operacionais e iguais. Também se observou que esse colaborador possui um carinho e respeito grandes para com seus colegas, e, principalmente, com seu supervisor direto. É uma pessoa como todas sem deficiências, conversam, se entristecem, fazem piada. Seu bom humor rotineiro também é percebido e contagia todos ao seu redor. Sobre o colaborador com deficiência auditiva, percebeu-se uma relativa dificuldade na comunicação. Ao passo que os dias de trabalho foram passando seus colegas também foram aprendendo a se comunicar corretamente. Porém, a relação com a maioria 35 dos clientes da loja era dificultada, visto que há pouco incentivo na sociedade para a busca de conhecimentos sobre esta parte de comunicar-se com a pessoa com necessidades específicas. Sobre o colaborador com deficiência física, temos um caso que pode ser considerado de perfeita superação. É um colaborador que ocupa um cargo de gerência na empresa e que não permite que sua deficiência seja empecilho em sua vida. É um típico caso onde se percebe que a pessoa com necessidades específicas agrega muito para a empresa, pois, a empresa não se prende à sua deficiência, mas, sim, percebe sua eficiência. Em suma, percebeu-se nos três casos citados pessoas bem resolvidas, com dificuldades, facilidades e sentimentos. Algum com sinais indetectáveis de sua deficiência, outro com alegria que faz esquecer da sua deficiência. Mas, o principal, três pessoas que são valorizadas pela empresa e que de fato sentem-se bem, sentem-se incluídas na empresa. 5.3 QUESTIONÁRIOS Abaixo estão os resultados obtidos com a aplicação dos questionários aos supervisores de setor, aos gestores e à alguns membros do Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência. 5.3.1 Resultado com supervisores de setor Foram diversas as respostas obtidas com os supervisores dos setores onde há colaboradores com necessidades específicas, devido ao fato de que há diversificação de atividades por setor, onde nem todas pessoas com deficiência podem ser contratadas para todas tarefas. De forma mais incidente, quando questionados sobre o tempo que passam com os colaboradores com necessidades específicas, todos supervisores apontaram que possuem contato direto com os colaboradores, porém, não passam instruções ou supervisionam todo dia de trabalho. Essa parte fica a encargo dos líderes. 36 Sobre a inserção de pessoas com necessidades específicas na empresa, os supervisores apontaram perceber certa dificuldade em alocar funções para os colaboradores com deficiência, quando da sua contratação. Tal dificuldade vem, segundo eles, pela falta de conhecimento do novo colaborador. Mas, conforme o passar das semanas, as funções vão sendo adaptadas para que os colaboradores se sintam confortáveis. Os supervisores também elogiaram o processo que a empresa adota para contratação de pessoas com necessidades específicas, onde se destaca pelo conjunto de atuação entre o departamento de Recursos Humanos e Ambulatório, onde são realizados entrevistas e exames com os profissionais dos dois setores, a fim de alocar o novo colaborador no setor que pareça mais propício para se ter um colaborador feliz. Pelas respostas de alguns supervisores, do ramo de produção principalmente, pode-se observar que há uma alteração de produtividade no início dos trabalhos de um colaborador com necessidades específicas, mas, tal questão vai sendo moldada e após certo período os índices aumentam novamente. Outro ponto relevante é que em diversos setores, segundo os supervisores, pode ser percebida certa alteração no comportamento de muitos colaboradores. A resposta dada para tal questão é que os colaboradores aprenderam a ter mais paciência e cooperação pelo convívio com pessoas com deficiência que necessitam essas atuações no seu cotidiano. Ainda, na resposta de um questionário sobre pontos positivos e negativos da contratação de pessoas com necessidades específicas, uma supervisora menciona, sobre os pontos positivos da contratação: “mostra aos outros que somos capazes de nos superarmos diante de todos os obstáculos. Que todos temos problemas e que tem solução, por mais difícil que seja”. Nos pontos negativos, ainda sobre a mesma questão, a supervisora aponta que: “entristece quando contratamos alguém e, passados os 90 dias da experiência, começam a trazer atestados, já não conseguem mais fazer o que faziam...”. No final da questão a supervisora aponta que também aparecem pessoas com necessidades específicas que tem problemas de caráter. Por fim, outra supervisora aponta que sentiu dificuldade em adaptar-se aos colegas com necessidades específicas. “Eu sempre tive contato com pessoas com 37 necessidade especiais devido ao trabalho de familiares e também porque tenho conhecidos com necessidades especiais. Mas nunca havia trabalhado com pessoas com estas necessidades, e agora vejo que a inclusão não é tão fácil quanto se imagina porque depende de muitos fatores”, explica. 5.3.2 Resultado com gestores Uma pergunta feita aos gestores que possuem colaboradores com deficiência sob sua gestão foi a de como é sua atuação junto aos profissionais. A maioria das respostas foi de que a atuação não se dá de forma direta, mas que, semanalmente são trazidos pelos supervisores e líderes situações específicas onde atitudes precisam ser tomadas e sempre as são pensandonos colaboradores com necessidades específicas, para que seu trabalho seja desmotivante. Quando questionados sobre as dificuldades encontradas com a contratação de pessoas com necessidades específicas, em todas respostam foi possível perceber que um ponto com grande destaque foi o de que os próprios colaboradores com necessidades específicas precisam ser motivados para acreditarem em seu potencial. Nesse sentido, um gestor apontou: “tivemos um caso de uma moça bem jovem que entrou com uma restrição para trabalhar em pé, por ter uma dificuldade em uma das pernas. No início a indicação médica a ela foi de trabalhar sentada e ela mesmo quando alguém lhe solicitava algo, logo respondia que não podia fazer, pois tinha uma restrição. Após um período observei que ela foi se soltando e ganhando confiança, e aos poucos começou a participar por conta própria de algumas tarefas simples que antes ela dizia não poder fazer. Concluí com esta situação que muitas vezes as pessoas com alguma deficiência estão induzidas a serem tratadas diferente, e nós como profissionais temos também que nos moldar para não achar que devemos tratá-los diferente e sim devemos ter uma maior atenção e observação. A inclusão se faz justamente quando os tratamos de maneira igualitária”. Em todos questionários pode-se notar que os gestores não veem diferença produtiva com a contratação de pessoas com deficiência. Um deles respondeu, falando sobre esse assunto: “eu tinha uma visão de que as funções que temos na empresa seriam 38 bem restritas para contratarmos algumas pessoas com determinadas restrições, e que isso diminuiria em parte a produção. Mas, depois que alguns setores contrataram, percebi que existem tarefas onde não temos profissionais atuando e que podemos direcionar estas pessoas para a execução, com isto estes trabalhos passam a ter responsável e a ter importância junto à organização”. 5.3.2 Resultado com membros do Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência Os colaboradores entrevistados que fazem parte do comitê de inclusão são dos setores administrativo, recursos humanos e contabilidade. Todos descreveram suas funções como integrantes do comitê como sendo responsáveis por tratar de assuntos como processos de contratação e demissão de pessoas com necessidades específicas, criar eventos que visam à inclusão e o conhecimento à causa da inclusão, além de tratar de casos específicos de acessibilidade geral da empresa e nos setores. Quando questionados sobre pontos de como os membros do comitê veem a inclusão dos colaboradores com necessidades específicas, eles apontam: “percebemos que a inclusão veio a agregar na vida destas pessoas, a grande maioria está ampliando atividades e buscam conciliar as dificuldades e melhoram desempenho de suas atividades dia a dia, sem contar na melhora na qualidade de vida destas pessoas”. Uma dificuldade apontada por um membro do comitê é de que “existe uma dificuldade das pessoas com necessidades específicas procurarem o setor de RH para relatar suas dificuldades na empresa. Tentamos identificar com apoio dos líderes e encarregados essas dificuldades, para podermos estuda-las e sugerir melhorias”. Falando do contexto geral sobre inclusão, vale ressaltar alguns comentários dos colaboradores entrevistados: “nos dias de hoje já evoluímos muito e diversas pessoas/empresas já estão se conscientizando quando se trata de pessoas com necessidades. A forma de olhar já mudou muito de uns anos para cá, algumas organizações não querem mais apenas cumprir a obrigação de ter as cotas e sim receber estas pessoas e incluir ao trabalho. Porém, ainda existe uma grande dificuldade de inserir as pessoas com dificuldades no mercado de trabalho, devido muitas empresas não estarem preparadas, escolas não possuem estruturas, ou até mesmo, uma grande 39 resistência das famílias em acreditar no potencial do PCD e autorizar para ingressar no mercado de trabalho”. “Percebo que houve grandes avanços na inclusão, e possivelmente, com o apoio dos administradores, será cada vez mais fácil abrir os horizontes de projetos como este”, adiciona outro membro do comitê. Para finalizar, ainda respondendo à pergunta sobre o contexto geral de inclusão, um dos entrevistados mencionou que “na realidade trabalhamos para que não haja deficiências na empresa, não pelos colaboradores. A grande questão é tornar a empresa não deficiente, tirando tudo que atrapalha a inclusão, a boa qualidade de vida dos colaboradores”. 40 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final do presente trabalho, é importante fazer algumas considerações. A Agrosul Agroavícola Industrial S.A. contava, no término do mês de novembro, com 1485 colaboradores, sondo 50 menores aprendizes, totalizando uma quantia de 72 colaboradores com necessidades específicas contratados, estando de acordo com a Lei de Cotas. A Agrosul, como visto na pesquisa prática deste trabalho, possui ações que visam incluir os colaboradores à empresa. Não buscam somente cumprir número, mas, principalmente através do Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência, promove atividades que conscientização sobre deficiência e auxílio aos colaboradores com necessidades específicas. Diversas das ações promovidas pelo comitê de inclusão visam a conscientização de todos colaboradores da empresa para com relação aos colegas que possuem necessidades específicas, visando sensibilizar a todos para que os colaboradores com deficiência tenham o respeito de que merecem. Outro ponto relevante que se pode observar é o processo de contratação de colaboradores com necessidades específicas, que se dá, além do setor de recursos humanos e gerência, junto ao setor do ambulatório, onde uma profissional do setor avalia as características do futuro colaborador e, com base nos seus conhecimentos da empresa, o aloca no setor onde possivelmente desempenhará melhor suas funções. Pode ser observado também, nas respostadas dadas pelos colaboradores com deficiência nas entrevistas, que muitos já vivenciaram situações de discriminação, principalmente negativa e direta. Outro ponto relevante é a incidência de respostas que falam sobre apelidos, recebidos pelos colaboradores com necessidades especiais. Esse é um ponto muito importante para conscientização de todos colaboradores. Vê-se na empresa a igualdade material dada para os colaboradores com deficiência em muitos pontos, como designação de colegas para auxílio das pessoas com necessidades específicas, os chamados facilitadores, também nos cuidados e alterações feitas para os colaboradores, como no que foi citado pelo gestor quando mencionou a sua funcionária que não poderia trabalhar de pé. 41 Outra constatação importante é a de que a empresa não deve ficar tratando de forma diferenciada sempre os colaboradores com necessidades específicas, pois, os mesmos não são incapazes. Os colaboradores com necessidades específicas devem ser instigados a acreditar no seu potencial. Para finalizar, vale repetir o que foi dito por um dos membros do comitê de inclusão: “na realidade trabalhamos para que não haja deficiências na empresa, não pelos colaboradores. A grande questão é tornar a empresa não deficiente, tirando tudo que atrapalha a inclusão, a boa qualidade de vida dos colaboradores”. 42 REFERÊNCIAS ARAUJO, Luiz David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional Para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1994. BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury, 5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999. BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEFFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de Metodologia científica. São Paulo: Pearson Education, 2010. BONI, Valdete; QUARESMA, Sílvia Jurema. Aprendendo a entrevistar: como fazerentrevistas em Ciências Sociais. 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Pessoas Portadoras de Deficiência e as Relações de Emprego: o sistema de cotas do Brasil. Curitiba: Juruá, 2007. 44 JUNIOR, Adilson Bergamo. O trabalho de pessoas com deficiência em empresas privadas. Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento). 107p. Universidade Presbiterana Makenzie – SP, 2009. LARAIA, Maria Ivone Fortunato. A pessoa com deficiência e o direito de trabalho. Dissertação (Mestrado em Direito). 197p. PUC-SP, 2009. LIMA, Francisco Gérson Marques de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho. São Paulo: Malheiros, 1997. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de Pesquisa. 7 Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011. MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTDA, 2004. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Site oficial do Ministério do Trabalho e emprego, disponível em <http://www.seppir.gov.br/assuntos/o-que-sao-acoes- afirmativas>. 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Algo que não lhe deixa satisfeito em relação à(s) atividade(s) que você desempenha na empresa? VIII. O que é incluir para você? 47 APÊNDICE B Entrevista aplicada ao diretor da empresa Agrosul. Nome: Cargo: I. O que motiva a empresa a contratar pessoas com deficiência? II. Quanto às alterações nos comportamentos e produtividade, a sua visão agora, após a contratação e experiência com empregados com necessidades especiais é a mesma que tinha antes da contratação dessas pessoas? (antes de ter empregados com deficiências, havia uma visão e uma expectativa sobre como seria o dia-a-dia da empresa com essas pessoas. Essa expectativa se confirmou, ou houve a quebra de muitos "preconceitos" que existiam?) III. Quais as dificuldades encontradas para contratação e manutenção do vínculo empregatício das pessoas com deficiência? IV. A empresa contrata pessoas com quais tipos de necessidades específicas? V. A empresa busca adaptar-se ao empregado com necessidades específicas? (Comitê de Inclusão, Questões ergonômicas, Segurança no trabalho). VI. A empresa trabalha com parceria (formal ou informal) de alguma entidade que atue com pessoas com necessidades específicas (tipo APAE, AACD, etc.)? 48 APÊNDICE C Questionário aplicado aos supervisores de setores que possuem pessoa com deficiência. Nome: I. O que faz? Qual seu cargo e suas funções? II. Como se dá sua atuação junto aos demais empregados da empresa (sem necessidades específicas)? III. Como se dá sua atuação junto aos empregados com necessidades especiais? Tem contato direto, passa diretamente as atribuições? IV. Como você tem acompanhado essa inserção de pessoas com necessidades no mercado de trabalho? E como tem acompanhado a inserção de pessoas com necessidades na empresa? V. Você compartilha com os demais colegas sobre essas contratações? Documenta sua atuação de alguma forma? Divide suas experiências de modo a facilitar os processos de contratação futuros? VI. Você sentiu alguma mudança no comportamento da equipe após a inclusão de um colega com necessidades específicas no setor? VII. Houve alteração no ritmo do trabalho da equipe (em quantidade produtiva)? VIII. Quais são os pontos positivos e negativos que você vê na contratação de pessoas com deficiência? IX. Sua visão sobre pessoas com deficiência foi “alterada” após sua experiência de trabalho com pessoas com necessidades? 49 APÊNDICE D Questionário aplicado aos gestores da empresa Agrosul. Nome: I. Qual seu cargo e suas funções na empresa? II. Como se dá sua atuação junto aos demais empregados da empresa (sem necessidades específicas)? III. Como se dá sua atuação junto aos empregados com necessidades especiais? Tem contato direto, passa diretamente as atribuições? IV. Como você tem acompanhado essa inserção de pessoas com necessidades no mercado de trabalho? E como tem acompanhado a inserção de pessoas com necessidades na empresa? V. Você compartilha com os demais colegas sobre essas contratações? Documenta sua atuação de alguma forma? Divide suas experiências de modo a facilitar os processos de contratação futuros? VI. Quanto às alterações nos comportamentos e produtividade, a sua visão agora, após a contratação e experiência com empregados com necessidades especiais é a mesma que tinha antes da contratação dessas pessoas? VII. Qual a(s) maior(es) dificuldade(s) encontrada(s) com a contratação desses colaboradores? VIII. Quanto às alterações nos comportamentos e produtividade, a sua visão agora, após a contratação e experiência com empregados com necessidades especiais é a mesma que tinha antes da contratação dessas pessoas? (antes de ter empregados com deficiências, havia uma visão e uma expectativa sobre como seria o dia-a-dia da empresa com essas pessoas. Essa expectativa
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