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CONEXÕES DO PROCESSO CIVIL COM OUTROS DIREITOS Andressa Mara Prestes Barbosa RESUMO A influência do Direito Constitucional exige que a legislação infraconstitucional contenha normas e procedimentos capazes de efetivar o texto da Constituição, protegendo seus direitos e garantias fundamentais. O Código de Processo Civil de 2015 é considerado pioneiro na chamada “constitucionalização do processo civil”, sendo construído com base no artigo 5º, LIV da CF/88, norma que institui o Direito fundamental ao processo justo. A partir dessa regra primordial de interpretação à toda e qualquer lei processual no território nacional, o presente artigo pretende analisar as formas de emprego das normas fundamentais do Código de Processo Civil, bem como examinar a aplicação supletiva e subsidiária de suas disposições aos demais ramos do direito. Palavras-chave: Processo Civil – Direitos Fundamentais – Justo processo – aplicação subsidiária e supletiva do processo civil. INTRODUÇÃO: DIREITO E SOCIEDADE O Direito, respondendo aos anseios de ordenação do meio social onde se insere, aloca-se ao lado da Moral para "eleger" critérios culturais como legalmente válidos, impondo normas e moldando comportamentos. E mais, além da elaboração de preceitos que visem harmonizar as relações entre os indivíduos, ele é responsável igualmente pela criação de regras sancionatórias que serão aplicadas àqueles indivíduos que não se adaptam à conduta socialmente/legalmente aceita. Tais conflitos poderão ser resolvidos diretamente entre os interessados (de acordo com diversas possibilidades de autocomposição), ou por meio de decisão de terceiro, alheio à lide (heterocomposição), de acordo com os interesses dos envolvidos e das características da sociedade na qual estão insertos. A Jurisdição, a partir do século XIV, ganha contornos semelhantes aos que conhecemos hoje, tornando-se forma preponderante na solução de litígios em quase todos os países do mundo. O Estado, no início das sociedades inexistente, evoluiu ao longo da história de uma compleição fraca à uma crescente tomada de poder. Na acepção de MORAIS (1999, p. 118): [...] no momento que as relações sociais vão se sofisticando, em particular no interior do Estado Moderno de feitio liberal, o Estado passa a chamar para si o monopólio da Jurisdição, afastando na mesma medida a justiça privada, meio apto até então para a execução do direito ou interesse lesado. O Estado agrega para a si a função de criar normas primárias (preceitos de conduta) e secundárias (sancionatórias). A Jurisdição, neste contexto, diz respeito ao poder-dever que o Estado possui de formular normas que se apliquem aos casos concretos apresentados, obtendo uma solução justa à lide. O processo, desta forma, aponta como "o instrumento de que se utiliza o Estado para, no exercício da função jurisdicional, resolver os conflitos de interesses apresentados pelas partes" (PINHO, 2012. p. 47). Este poder-dever estatal divide-se em três subgêneros: a decisão do Juiz por meio da livre apreciação das provas apresentadas nos autos, a possibilidade do Estado, de modo coercitivo, fazer cumprir a decisão tomada e, por fim, o registro dos atos processuais. Na definição de MARINONI e MITIDIERO (2014. p. 95): Jurisdição é o poder do Estado de aplicar e realizar o direito de maneira autoritativa mediante atuação de um terceiro imparcial com irreversibilidade externa de seus provimentos. No Estado Constitucional, essa atividade deve ser levada a efeito na dimensão da Constituição, sem descuidar da eficácia direta dos direitos fundamentais materiais e processuais sobre o problema debatido em juízo e da possibilidade das leis e dos atos normativos em geral pelo Poder Judiciário, tendo por objetivo realizar a justiça do caso concreto. No Brasil, seguindo o modelo tradicional inglês, tem-se a previsão constitucional do sistema de jurisdição una ou de controle judicial, no qual apenas o Estado possui o poder para declarar o direito por meio de decisões definitivas (coisa julgada). O que se divide, portanto, é a competência (capacidade), e não a Jurisdição em si (poder). Por conseguinte, a atividade jurisdicional (competência) é subdividida em diversos ramos, conforme a necessidade de especificação, como por exemplo: jurisdição penal e civil; justiça especial e comum ou as instâncias que correspondem ao duplo grau de jurisdição. Os atos da Administração Pública são controlados por meio do Judiciário, como forma de resguardar o ordenamento jurídico e proteger os direitos individuais e coletivos da sociedade. Conforme as injustiças acentuam-se e a tarefa do Estado em resolver os litígios a ele apresentados não mais corresponde aos anseios da população, novas formas procedimentais passam a ser buscadas. A "Reforma do Poder Judiciário”, tão debatida e ambicionada nos círculos de estudos jurídicos e produção legislativa, é pautada, mormente, no movimento de acesso à justiça. Movimento tal que, em busca de maior efetividade da Justiça, dá origem a três fases/ondas de questionamento (MORAIS, 1999. p. 81 - 97 passim): 1) Acesso aos Hipossuficientes: O processo, visto não apenas como um meio para solucionar formalmente a litigância, mas como ferramenta capaz de concretizar o ideal da pacificação social, não pode servir apenas àqueles que possuem capacidade econômica e cultural. A efetividade da assistência jurídica integral e gratuita preconizada no bojo da Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIV, não deve restringir-se ao não pagamento de custas e honorários advocatícios, mas principalmente à supressão do abismo cultural que infelizmente torna inertes muitas pessoas diante de direitos certos. O acesso à justiça, neste ponto, significa proporcionar o nível adequado de informações quanto aos direitos da população, dirimindo dúvidas, evitando lesões provocadas pela má-fé e promovendo inclusão daqueles que não possuem os meios necessários de reconhecer os próprios direitos. 2) Representação de novos interesses: abandonar conceitos pré- estabelecidos sobre a aplicação de justiça em casos já sedimentados e procurar novas formas de trazer paz ao meio social ante o afluxo de novas tendências. Seja por meio da resolução de casos de direitos transindividuais ou da criação de novos paradigmas, o direito e seus operadores devem estar preparados para a adaptação conforme as necessidades da população. 3) Novo enfoque do acesso à justiça, com a simplificação dos procedimentos atuais; criação de alternativas à Jurisdição; especialização das instituições e procedimentos; uso de agentes "parajurídicos" e formação de seguros e convênios que deem garantias às ações futuras, entro outros. Urge o clamor social para que os meios de solução de litígios, hoje monopolizados nas mãos de um Estado assoberbado de demandas às quais não provê justa e célere saída, tornem-se mais adequados e efetivos. Não a substituição completa dos preceitos já estabelecidos, mas sim, sua complementação com instrumentos mais efetivos e adequados aos casos concretos atualmente apresentados. Humberto Dalla Bernardina de Pinho, já advertia que (2012. p. 52): Por assim dizer, se o direito é necessário para regulamentar a vida em sociedade e se é certo que esta sociedade está em permanente evolução, a ciência jurídica encontra-se, inexoravelmente, diante do seguinte dilema: ou acompanha a evolução, fornecendo as soluções adequadas e necessárias a se manter a ordem no Estado Democrático de Direito, evitando de um lado o autoritarismo e de outro a anarquia; ou torna-se obsoleta e desprovida de qualquer serventia, o que acarretará sua mais perfeita falta de efetividade. [...] não fica difícil perceber a grande importância de um estudo mais aprofundado do direito processual, o que, indubitavelmente, só pode ser feito dentro de umaperspectiva voltada ao acesso à Justiça. Entretanto, tal estudo torna-se ainda mais específico, na medida em que o referido acesso à Justiça deve ser garantido numa ordem civil constitucional, e não apenas nas demandas individuais, mas também, e principalmente, nas coletivas, pois nestas residem as grandes carência e necessidades da sociedade de massa. Concomitantemente ao movimento que fomentou a Reforma do Código de Processo Civil de 2015, tem-se, nos últimos anos, a busca pela legitimação de meios alternativos de acesso à Justiça Pública. A cultura do litígio está de tal forma impregnada em nossa sociedade contemporânea que a quebra deste paradigma, mesmo que em prol de garantir maior efetividade à prestação jurisdicional do Estado, ainda apresenta críticas daqueles que julgam esta mudança desnecessária (CAHALI, 2014. p. 27). Os mecanismos alternativos (mediação, arbitragem, negociação e conciliação), não objetam a evolução do sistema tradicional, pelo contrário, permitem que o Judiciário se concentre nas causas que versam sobre direitos indisponíveis ou eivados de subjetividade e complexidade que justifiquem a composição da lide. Com a sanção do Código de Processo Civil 2015, logo nos artigos 3º e 4º, percebe-se a inclinação legislativa na busca da satisfação das partes por meio da forma mais adequada ao caso concreto, reflexo, sobretudo, dos movimentos sociais e constitucionais, impactando diretamente neste, que é o primeiro Código de Processo Civil (CPC) redigido sob a égide de um regime democrático. Todavia, independente das reformas que estejam sendo arquitetadas para solucionar o problema do atual reduzido acesso à justiça, é preciso estar atento à crítica feita por Morais (1999, p. 97), no sentido de que "as reformas pontuais produzidas não excluem e não substituem as reformas sociais e políticas, sendo mesmo inúteis em ambientes sociais profundamente injustos". 1) DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS COMO ALICERCES JURÍDICOS Os doutrinadores ainda divergem em relação a origem positivada dos direitos fundamentais, alguns apontam para a Declaração de Direitos dos Povos da Virgínia, de 1776, outros para a Declaração Francesa de 1789. Todavia, a supremacia normativa alcançada pela transição entre os direitos de liberdade legais para os direitos fundamentais constitucionalmente regulamentados só foi obtida por meio das primeiras emendas incorporadas à Constituição norte-americana em 1791. Em um primeiro momento associados à separação entre o Estado e a sociedade no período pós-absolutista, os direitos fundamentais foram caracterizados pelos desejos da burguesia (direitos de liberdade e proteção da propriedade), traduzindo a afirmação de um espaço privado vital não sujeito a violações pelo Estado. Neste contexto o Estado deveria apenas, e tão somente, cumprir o papel de evitar conflitos entre liberdades individuais. Após a primeira guerra mundial o fomento ao contexto político de universalização dos direitos naturais levou, entre outros fatores históricos relevantes, ao surgimento do chamado Estado Social. Esse novo modelo estatal dá ensejo á coletivização e ao posicionamento prestacional do estado, surgindo assim os direitos de segunda geração, conhecidos como direitos sociais. Paulatinamente noções como solidariedade, universalidade e paz mundial deram origem às demais gerações dos direitos fundamentais. Conforme elucida Gustavo Osna (2014. p. 59): Com o incremento de reconhecimento dos sentidos de fraternidade e solidariedade especialmente no período pós Segunda Guerra, entretanto, a visão do operador do direito foi alargada, compreendendo que há interesses cuja titularidade não pode ser individualmente expressa ou reduzida. Tais interesses pertenceriam a grupos ou a própria coletividade, e a sua salvaguarda não constituiria mecanismos de proteção de um único sujeito, mas de satisfação de anseios metaindividuais. [...] Sua titularidade, por óbvio, não pertence a indivíduos determinados, não sendo factível que sua proteção seja objeto de divisão ou de livre disposição. Porém, o novo traçado dos direitos fundamentais materiais observou que o fato de o direito isoladamente a ninguém pertencer não acarreta na consequência de não ser essencial a qualquer indivíduo. Sua importância teria lugar perante toda a comunidade, de modo que sua proteção, longe de capricho, representaria medida inarredável. Mesmo que a proteção dos direitos à propriedade e à liberdade individual tenham recebido destaque no século XVIII, a separação entre direito material e direito processual é conceito recente, concebido tão somente no século XIX. A visão “plana do direito material”, nas palavras de Gustavo Henrique Schneider Nunes (2010, p. 63), pode ser traduzida como: A ação era conceituada como o resultado da lesão ao direito subjetivo, a jurisdição como sistema para promoção da tutela dos direitos e o processo como sistema voltado para a promoção da tutela aos direitos e o processo como uma mera sucessão de atos previamente definidos (procedimento). A ação, dessa forma, era incluída no sistema de exercício de direitos, e o processo era considerado como um conjunto de formas apto para esse exercício, sob a condução pouco participativa – para não se dizer quase passiva do Juiz. Apenas no Século XIX a “ação”, que até o momento ainda estava revestida com o conceito civilista herdado do Direito Romano, passou a ser interpretada de maneira autônoma, relacionada não mais ao bem litigioso em si, mas à prestação jurisdicional realizada pelo Juiz, “implicando o surgimento de uma ciência dotada de objeto e métodos próprios. Portanto, o direito de ação passou a não ter mais nenhuma relação com o direito material, consistindo-se fim em si mesmo” (NUNES, 2010. p. 64). Todavia, esta autonomia recém-instaurada passou a impor ao direito processual normas gerais e abstratas, menos relacionadas com os aspetos culturais da sociedade na qual estava inserido, e mais com o racionalismo diante da aplicação das leis. Tal interpretação restritivamente matemática do direito processual estava fadada ao fracasso, visto que ignorou o fato do direito material anteceder a relação processual. NUNES explica que: Com o evoluir das relações sociais houve certo abrandamento dos ideais formadores da autonomia processual, a fim de colocar à disposição do jurisdicionado, em algumas hipóteses expressamente excepcionadas, instrumentos capazes de garantir a efetivação da tutela preventiva e a realização concreta do direito material, ou seja, mecanismos legais capazes de impedir que a ameaça do direito venha a se tornar lesão e de impedir que a prestação jurisdicional não se apresente inócua. (2010. p. 67). Somente após a superação dessa visão eminentemente racional e positivista que a Jurisdição pôde se adequar à proteção e realização dos direitos fundamentais por meio do devido processo legal. A chamada constitucionalização do processo civil remonta “a primeira metade do século passado, em países europeus que outrora foram submetidos a regimes autoritários, houve a preocupação em se constitucionalizar as garantias e os direitos fundamentais mínimos do processo” (NUNES, 2010. p. 112). No Brasil, todavia, a constitucionalização destes direitos apenas foi retomada de maneira efetiva com o encerramento do regime ditatorial em 1988, e a consolidação do Regime Democrático ao país. A previsão dos direitos fundamentais é feita na Constituição e a sua teoria deve ser entendida como verdadeira teoria de princípios. A fundamentalidade desses direitos aufere natureza principiológica. O direito à igualdade, por exemplo, que detém prioridade prima facie, é entendido como um princípio, passível de ser valorado no momento de sua aplicação em determinado caso concreto. [...] De qualquer sorte, o critério que realmente importapara a caracterização de um direito fundamental é o referente à análise de seu conteúdo, porque, se de um direito decorre a exigibilidade da dignidade humana, por exemplo, será ele fundamental e tido como “cláusula superconstitucional” (NUNES, 2010. p. 81 e 82). O ordenamento jurídico nacional foi construído pautado na tutela dos interesses individuais, ou seja, os instrumentos processuais aplicáveis à Jurisdição foram construídos para atingir o escopo dos litígios exclusivamente intersubjetivos. Entretanto, e de modo relativamente recente, o reconhecimento de uma espécie de direitos distinta começou a ser discutida. A previsão dos chamados direitos metaindividuais (transindividuais, supraindividuais ou superindividuais), transcendentes a indivíduos isoladamente averiguados, tornou imprescindível a adequação da prestação jurisdicional, dando vazão ao crescente número de demandas envolvendo a coletividade. Gustavo Osna (2014. p. 60) explica que: Esta constatação de que nem todo interesse importaria em um direito subjetivo individualmente titularizado, entretanto, evidencia a existência de direitos incompatíveis com o processo civil então vigente, exigindo que para atuar nesta área a disciplina rompesse com alguns de seus dogmas e majorasse seus alcances e suas possibilidades. O debate que aqui se coloca é francamente condizente com aquele posto na parte inicial do presente estudo: cotejar a proteção jurisdicional dos direitos de “terceira dimensão” é trazer um redimensionamento das finalidades do direito processual, demandando adaptações estruturais para suprir sua insuficiência. Os direitos metaindividuais (ou coletivos em sentido amplo) se subdividem em coletivos em sentido estrito, direitos difusos e individuais homogêneos, e somente passaram a ser adequadamente normatizados com a Constituição Federal de 1988, tanto aqueles de natureza material (proteção do patrimônio cultural, defesa do meio ambiente, entre outros), quanto os processuais (Mandado de Segurança Coletivo, Ação Popular, legitimação de sindicatos e entidades associativas para representar os interessados em ações coletivas próprias), o que implica dizer que: O fato de o Direito Coletivo pertencer, no Brasil, à teoria dos direitos constitucionais fundamentais, impõe que se imprima à expressão uma leitura aberta e ampliativa, própria da interpretação dos direitos constitucionais fundamentais do pós-positivismo. Destarte, a cláusula constitucional Direito Coletivo (Título II, capítulo I, da CF/88) abrange os direitos e interesses difusos, os direitos e interesses coletivos, em sentido restrito, e os direitos e interesses individuais homogêneos, integrando também, em um plano geral e abstrato, o conjunto de garantias, regras e princípios que compõem o Direito Coletivo positivado no País, bem como, e especialmente, a Constituição, cuja proteção, em abstrato e na forma concentrada, é uma exigência do constitucionalismo brasileiro e se legitima por um inquestionável interesse coletivo objetivo legítimo (ALMEIDA; MELLO NETO, 2011. p. 81.). A possibilidade de ingresso de ações coletivas, seja por grupos conexos, classes ou categorias profissionais, promove inúmeros benefícios, tanto para as partes quanto ao Judiciário: menor número de ações, celeridade, redução de custos operacionais (honorários, custas, deslocamento de advogados, prepostos e partes), valorização de questões que, ao serem analisadas de forma individual tornar-se-iam irrelevantes, além da isonomia no julgamento e tratamento. Estes são os objetivos almejados por aqueles que criticam o modelo jurisdicional vigente, formas de respostas às crises da Jurisdição alcançadas por meio do movimento do "Acesso à Justiça". Com o Código de Processo Civil de 2015 muita expectativa foi criada em relação à correta regulamentação e ao destaque direcionado aos dissídios coletivos. Alguns artigos efetivamente direcionaram a possibilidade de defesa desta classe de direitos, como por exemplo: “Art. 185. A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”. Entretanto, o artigo com maior ousadia processual, dispondo sobre a possibilidade de conversão da ação individual em ação coletiva, quando cumpridos os requisitos legais e presentes os pressupostos de "relevância social e dificuldade na formação de litisconsórcio", foi vetado a pedido da Advocacia Geral da União, sob a seguinte fundamentação: Da forma como foi redigido, o dispositivo poderia levar à conversão de ação individual em ação coletiva de maneira pouco criteriosa, inclusive em detrimento do interesse das partes. O tema exige disciplina própria para garantir a plena eficácia do instituto. Além disso, o novo Código já contempla mecanismos para tratar demandas repetitivas. No sentido do veto manifestou-se também a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. A instrumentalidade presente no Estado Social reveste o processo com a finalidade de pacificação, por meio de uma ordem jurídica justa, adaptável às mudanças sociais, de modo que se espera que o sistema jurídico englobe a necessidade de tutela dos direitos metaindividuais, tornando sua aplicação viável. A superação da ideologia individualista exige a normatização não apenas das regras de direito material, mas, sobretudo da construção de mecanismos processuais que possam tornar exequíveis tais direitos. Se a construção instrumental previamente realizada demonstra uma expansão no rol de direitos merecedores de atenção jurisdicional, passando a incorporar e oferecer qualidade jurídica também a interesses cuja titularidade não é disponibilizada por um ou alguns indivíduos, foi para englobar esta nova realidade que o legislador instituiu os conceitos de “direitos coletivos” e “direitos difusos”. (OSNA, 2014. p. 68) Após a Constituição Federal de 1988 diversos instrumentos buscaram traduzir a valorização dos direitos coletivos almejada pelo legislador constituinte: o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), a Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), o Código de Processo Civil de 2015, e demais disposições em legislação infraconstitucional. 2) NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL A promulgação da Constituição Federal em 1988 influenciou de sobremaneira a redação do Código de Processo Civil de 2015, moldando o conteúdo processual conforme a interpretação e aplicação das normas constitucionais, buscando maior efetivação da justiça e dos direitos fundamentais. ARENHART, MARINONI e MITIDIERO (2015, p. 485 e 486) esclarecem que: O processo não pode mais ser visto como uma relação jurídica processual. Aliás, não importa nem mesmo saber se realmente existe uma relação jurídica processual. É que a sua existência revelaria apenas o aspecto interno do processo, dando ainda a equivocada ideia de que o processo seria algo simplesmente estático, quando o que importe diante do estágio que o direito processual atingiu no Estado Constitucional é sublinhar não só o seu interno, mas a sua percepção sob um ângulo externo, compreendido no quadro maior das funções de tutela aos direito do Estado, realçando-se ainda o seu perfil dinâmico, inerente à temporalidade que caracteriza o conceito de processo e procedimento. [...] É indiscutível que a jurisdição, por constituir manifestação do poder estatal, deve revelar os fins do Estado constitucional. Portanto, se a jurisdição atua por meio do processo, não há como negar a importância dos fins do processo. Alguém diria que, nesse caso, não se estaria falando dos fins do processo, mas sim dos fins da jurisdição. A influência do Direito Constitucional fez com que o processo civil passasse não apenas a conter mecanismos capazes de efetivar o texto da Constituição,mas também a citá-la expressamente por meio de normas fundamentais de interpretação diante dos casos concretos. Conforme o artigo 5º, inciso LIV da CF/88: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Tal norma institui o Direito fundamental ao processo justo, regra primordial para interpretação de toda e qualquer lei processual no território nacional. Conforme MARINONI, MITIDIERO E SARLET (2015. p. 730 e 731) explicam: O direito ao processo justo constitui princípio fundamental para organização do processo no Estado Constitucional. É o modelo mínimo de atuação processual do Estado e mesmo de particulares em determinadas situações substanciais. A sua observação é condição necessária e indispensável para obtenção de decisões justas. [...] O direito ao processo justo é um direito de natureza processual. Ele impõe deveres organizacionais ao Estado e na sua função legislativa, judiciária e executiva. É por essa razão que se enquadra dentro da categoria dos direitos à organização de ao procedimento. A legislação infraconstitucional constitui um meio de densificação do direito ao processo justo pelo legislador. É a forma pela qual esse cumpre com o seu dever de organizar um processo idôneo à tutela dos direitos. As leis processuais não são nada mais, nada menos do que concretizações do direito ao processo justo. [...] o Estado Constitucional tem o dever de tutelar de forma efetiva os direitos. Se essa proteção depende do processo, ela só pode ocorrer mediante processo justo. No Estado Constitucional, o processo só pode ser compreendido como o meio pelo qual se tutelam os direitos na dimensão da Constituição. O Livro I da parte geral do CPC de 2015 é denominado “Das Normas Processuais Civis”, tendo como Título Único: “Das Normas Fundamentais e da Aplicação das Normas Processuais Civis”. O capítulo I, referente às Normas Fundamentais do Processo Civil, conta com 12 artigos em um rol exemplificativo, e deixa explícito logo em seu artigo 1º de que maneira todo o Código deverá ser interpretado, ao preceituar que: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. É nítido que o legislador pretendeu reiterar as normas presentes na Constituição, dando amparo ao conceito de direito processual constitucional, pautado no devido processo legal. Conforme elucidam os professores CAMBI, DOTTI, KOZIKOSKI, MARTINS E PINHEIRO (2017, p. 61): O Código de Processo Civil adota um modelo de processo profundamente ligado aos valores e às garantias constitucionais. Isso significa que todos os princípios constitucionais devem ser utilizados para a correta interpretação e aplicação das normas processuais. Estas devem ser lidas e compreendidas a partir daqueles. Em outras palavras, não é a lei que deve assegurar a incidência do princípio, mas este que permite a leitura adequada da lei. Nesse contexto, as normas fundamentais constituem a reiteração das principais garantias constitucionais aplicáveis ao Processo Civil. O 2º artigo do CPC dispõe que “O Processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Ficam aqui consagrados, portanto, tanto o princípio da ação, ou princípio dispositivo; quanto o princípio da inércia, direcionado ao Poder Judiciário. Entre as exceções que podem ser apontadas a essa regra geral, cita-se como exemplo a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 977 do CPC), o qual pode ser solicitado pelo Juiz ou Relator de Ofício ou através de petição elaborada pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública. O Direito fundamental à inafastabilidade da Jurisdição, ou à tutela adequada e efetiva, encontra previsão no artigo 3º do CPC, remetendo diretamente ao disposto no artigo 5º, XXXV da CF/1988, conforme: CPC/2015 - Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. CF/1988 - Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva, na definição de MARINONI, MITIDIERO e SARLET (2015, p. 742): [...] deve ser analisado no mínimo sob três perspectivas: (i) do acesso à justiça; (ii) da adequação da tutela; e (iii) da efetividade da tutela. Note-se que o art. 5º, XXXV da CF, posto que descenda nitidamente dos arts. 141, §4º, da CF/1946, e 153, §4º, da CF/1967, tem âmbito de proteção com espectro muito mais largo que os seus antecessores. O acesso à justiça diz respeito à amplitude da prestação da tutela jurisdicional, ao momento em que pode ser proposta a ação e ao custo financeiro do processo. A tutela jurisdicional tem que ser adequada para tutela dos direitos. O processo tem de ser capaz de promover a realização do direito material. O meio tem que de ser idôneo à promoção do fim. A adequação da tutela revela a necessidade de análise do direito material posto em causa para se estruturar, a partir daí, um processo dotado de técnicas processuais aderentes à situação levada a juízo. A igualdade material entre as pessoas – e entre as situações substanciais carentes de tutela por elas titularizadas – só pode ser alcançada na medida em que se possibilite a tutela jurisdicional diferenciada aos direitos. Além disso, o artigo 3º, em seus três parágrafos, ressalta a importância dos métodos alternativos de resolução dos conflitos, deixando claro que sempre que possível, a solução consensual deverá ser priorizada. A doutrina nomeia essa abertura de “modelo multiportas”, no qual a judicialização dos conflitos deixa de ser o único acesso possível à Justiça, ou à resolução justa do caso concreto. O artigo 4º do CPC traduz o Direito Fundamental à duração razoável do processo, em nítida referência ao disposto no artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal, deixando claro que a duração do processo de modo razoável deve contemplar a solução integral do mérito, incluindo a atividade satisfativa. CPC/2015 - Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. CF/1988 - Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). A duração razoável do processo, como cláusula geral a ser aplicada em todo o processo civil: [...] prevê no seu suporte fático termo indeterminado - duração razoável -, e não comina consequências jurídicas ao seu não atendimento. Seu conteúdo mínimo está em determinar: (i) ao legislador, a adoção de técnicas processuais que viabilizem a prestação da tutela jurisdicional aos direitos em prazo razoável (por exemplo, previsão da tutela definitiva da parcela incontroversa da demanda no curso do processo), a ediçãode legislação que reprima o comportamento inadequado das partes em juízo (litigância de má-fé e comtempt of court) e regulamente minimamente a responsabilidade civil do Estado por duração não razoável do processo; (ii) ao administrador judiciário, a adoção de técnicas gerenciais capazes de viabilizar o adequado fluxo dos atos processuais, bem como organizar os órgãos judiciários de forma idônea (número de juízes e funcionários, infraestrutura e meios tecnológicos); e (iii) ao juiz, a condução do processo de modo a prestar a tutela jurisdicional em prazo razoável. (MARINONI, MITIDIERO, SARLET, 2015. p. 790). A Norma fundamental da Boa Fé objetiva encontra fundamento direto no artigo 5º do CPC, conforme: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. De acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “O princípio da boa-fé processual impõe aos envolvidos na relação jurídica processual deveres de conduta, relacionados à noção de ordem pública e à de função social de qualquer bem ou atividade jurídica” (STJ, 3ª Turma, RHC 99.606/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018, publicado em 20/11/2018). Esse dever de lealdade e boa-fé objetiva implica não apenas em uma exigência de conduta positiva, como veda igualmente a omissão maliciosa. Não se trata apenas de exigir que as partes atuem com base na verdade dos fatos, mas também que não violem o dever se não se omitir. O silencio, se utilizado com o intuito de omitir eventuais nulidades para apresentá-las em momento futuro, também contraria a boa-fé objetiva. (CAMBI, DOTTI, KOZIKOSKI, MARTINS E PINHEIRO, 2017. p. 68). O artigo 6º do CPC, ao determinar que: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, remete ao Direito fundamental à cooperação. É entendimento jurisprudencial que: O princípio da cooperação é desdobramento do princípio da boa-fé processual, que consagrou a superação do modelo adversarial vigente no modelo do anterior CPC, impondo aos litigantes e ao juiz a busca da solução integral, harmônica, pacífica e que melhor atenda aos interesses dos litigantes. (STJ, 3ª Turma, RHC 99.606/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018, publicado em 20/11/2018) Os professores MARINONI, MITIDIERO e SARLET (2015, p. 740) explicam que a colaboração, enquanto princípio jurídico, impõe um “estado de coisas que tem de ser promovido”, conforme: O princípio da colaboração está em servir de elemento para a organização de processo justo idôneo a alcançar a decisão justa. Para que o processo seja organizado de forma justa, os seus participantes devem ter posições jurídicas equilibradas ao longo do procedimento. Portanto, é preciso perceber que a organização do processo cooperativo envolve – antes de qualquer coisa – a necessidade de um novo dimensionamento de poderes no processo, o que implica a necessidade de revisão da cota de participação que se defere a cada um de seus participantes ao longo do arco processual. Em outras palavras: a colaboração visa a organizar a participação do juiz e das partes no processo de forma equilibrada. A colaboração estrutura-se a partir da previsão de regras que devem ser seguidas pelo juiz na condução do processo. O juiz tem os deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio para com os litigantes. É assim que funciona a cooperação. Esses deveres consubstanciam as regras que estão sendo enunciadas quando se fala em colaboração no processo. A doutrina é tranquila a respeito do assunto. O dever de esclarecimento constitui “o dever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenham sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo”. O de prevenção, o dever de o órgão jurisdicional prevenir as partes do perigo de seus pedidos “ser frustrado pelo uso inadequado do processo”. O de consulta, o dever se o órgão judicial consultar as partes antes de decidir sobre qualquer questão, possibilitando antes que essas o influenciem a respeito do rumo a ser dado à causa. O dever de auxílio, “o dever de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais”. O artigo 7º, por sua vez, pode ser traduzido não apenas como o princípio da paridade e da igualdade processual, mas também ressalta a importância do contraditório e da ampla defesa dentro aplicação das regras e sanções processuais. CPC/ 2015 - Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. CF/ 1988 - Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Não se pode pensar em processo, diante do contexto do Estado Constitucional, sem falar sobre igualdade, sem o respeito aos direitos e a divisão dos ônus apresentados. É por meio da simetria de oportunidades, ou seja, da igualdade de ferramentas à disposição de ambas as partes, que as alegações serão demonstradas e a decisão será fundamentada. MARINONI, MITIDIERO E SARLET (2015, p. 753) explicam que: A igualdade no processo tem que ser analisada sob suas perspectivas distintas. Na primeira, importa ter presente a distinção entre igualdade perante à legislação (igualdade formal), e igualdade na legislação (igualdade material). Na segunda, é preciso ressaltar a diferença entre igualdade no processo e igualdade pelo processo – igualdade diante do resultado da aplicação da legislação no processo. A igualdade perante a legislação determina a aplicação uniforma da lei processual. O juiz tem o dever de aplicar a legislação de modo igualitário. É seu dever dirigir o processo e velar pela igualdade das partes (art. 125, I, do CPC). A propósito, “prover à regularidade do processo” (art. 253 do CPC) implica velar pela aplicação da legislação de modo igualitário. A igualdade na legislação pressupõe a inexistência de distinções arbitrárias no seu conteúdo. A distinção tem que ser feita de forma racional pelo legislador. É claro que a igualdade “não consiste em um tratamento igual sem distinção de todos em todas as suas relações”, já que “senão aquilo que é igual deve ser tratado igualmente”. O problema da igualdade na legislação, portanto, está na utilização de critérios legítimos para distinção entre pessoas e situações no processo. É vedada, em outras palavras, a existência de “distinções arbitrárias” na legislação, isto é, realização sem finalidade legítima. Além disso, a atividade jurisdicional exercida pelo Juiz deve ser aplicada objetivando os fins sociais e a dignidade da pessoa humana. O Artigo 8º do CPC é considerado o mais controverso dentro das normas fundamentais, por fazer remissão direta a tipos abertos que dão ampla margem interpretativa: Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Quando se exige atenção aos fins sociais e a dignidade da pessoa, ou se impõe limites com base na proporcionalidade ou razoabilidade, deixa-se abertura para a discricionariedade do Juiz, autorizando uma aplicação demasiada subjetiva das normas processuais. Tal abertura pode ser prejudicial a um sistema que busca a segurança jurídica e a isonomia processual. Sob outroprisma, o artigo oitavo também remete à normas do direito administrativo brasileiro, como a legalidade, publicidade e eficiência. A função jurisdicional nada mais é que uma função pública, sujeita, portanto, aos princípios que regem a Administração Pública. Esses parâmetros são os responsáveis por frear a subjetividade do Juiz diante do caso concreto, consagrando o princípio basilar do devido processo legal. Garantia essa complementada por meio do disposto no artigo 9º do CPC: Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I - à tutela provisória de urgência; II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III - à decisão prevista no art. 701. As garantias ao contraditório e à ampla defesa estão diretamente conectadas ao princípio da cooperação entre as partes, oportunizando que ambas se manifestem previamente a uma decisão, tutelando a segurança jurídica perante os atos judiciais. E mais: é um direito que submete não apenas as partes, mas também ao Juiz, traduzindo-se na garantia de pleno conhecimento do processo dado às partes, possibilitando sua reação, evitando surpresas e garantindo sua influência nas decisões. Em geral, do ponto de vista do seu conteúdo, o direito ao contraditório é identificado com a simples bilateralidade da instância, dirigindo-se tão somente às partes. Neste contexto, o contraditório realiza-se apenas com a observância do binômio conhecimento-reação. Isto é, uma parte tem o direito de conhecer as alegações feitas no processo pela outra e tem o direito de, querendo, contrariá-las. Semelhante faculdade estende-se igualmente à produção de prova. Trata-se de feição do contraditório própria à cultura do Estado Liberal, confinando as partes, no fundo, no terreno das alegações de fato e da respectiva prova. [...] Contraditório significa hoje conhecer e reagir, mas não só. Significa participar do processo e influir nos seus rumos. Isto é: direito à influência. Com essa nova dimensão o direito ao contraditório deixou de ser algo cujos destinatários são tão somente as partes e começou a gravar igualmente o juiz. Daí a razão pela qual se observa que o juiz tem o dever não só de velar pelo contraditório entre as partes, mas fundamentalmente a ele também se submeter. O juiz encontra-se igualmente sujeito ao contraditório (MARINONI, MITIDIERO, SARLET. 2015, p. 760). As três exceções previstas no artigo 9º não implicam em negativa do direito, mas apenas o adiamento desse contraditório em prol da efetividade pretendida. São exceções ao contraditório prévio, não ao contraditório em si. A decisão do Juiz nesses casos pontuais exige a tomada de decisão antes da oitiva da parte contrária para que o direito não pereça, todavia, essa decisão irá se tornar definitiva apenas após o cumprimento de todos os requisitos legais exigidos, podendo eventualmente ser revertida após a oitiva da parte contrária. Ratificando os princípios do contraditório e da ampla defesa previstos no artigo anterior, o artigo 10 do CPC determina que o Juiz não poderá decidir com base em fundamento sobre o qual as partes não tenham se manifestado. Será o contraditório o elemento de legitimação da ação do juiz, princípio com correspondência direta às regras de fundamentação analítica previstas no artigo 489, parágrafo 1º do CPC. Mesmo nas hipóteses nas quais o Juiz pode decidir de ofício, deve ser oportunizado às partes o direito à manifestação. Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. De modo complementar, o artigo 11 do CPC apresenta o direito fundamental à motivação das decisões e o direito à publicidade. A motivação é a verdadeira documentação do contraditório desenvolvido no processo, enquanto a publicidade, por sua vez, garante a imparcialidade dos julgamentos e a resposta à sociedade quanto aos temas ali discutidos. Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público. Relacionado diretamente com o artigo 93, IX e X da Constituição Federal, o artigo 11 do CPC, MARINONI, MITIDIERO e SARLET (2015, p. 776) elucidam que: A publicidade é elemento indispensável para conformação do processo justo. Conforme assevera nossa Constituição, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LX). Adiante, determina que “todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos (...) podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, nos casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (art. 93, IX). [...] Nossa Constituição refere que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (art. 93, IX). O dever de motivação das decisões judiciais é inerente ao Estado Constitucional e constitui verdadeiro banco de prova do direito ao contraditório das partes. Não por acaso que a doutrina liga de forma muito especial contraditório, motivação e direito ao processo justo. Sem motivação a decisão judicial perde duas características centrais: a justificação da norma constitucional para o caso concreto e a capacidade de orientação de condutas sociais. Perde, em uma palavra, o seu próprio caráter constitucional. Por fim, encerrando o rol de normas fundamentais do processo civil, o dever de observância da Ordem cronológica dos processos é uma inovação relevante trazida pelo movimento de Reforma Processual, inserido no artigo 12 do CPC. Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência) § 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores. § 2º Estão excluídos da regra do caput: I - as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II - o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; III - o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; IV - as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932; V - o julgamento de embargos de declaração; VI - o julgamento de agravo interno; VII - as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça; VIII - os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal; IX - a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada. § 3º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-á a ordem cronológica das conclusões entre as preferências legais. § 4º Após a inclusão do processo na lista de que trata o § 1º, o requerimento formulado pela parte não altera a ordem cronológica para a decisão, exceto quando implicar a reabertura da instrução ou a conversão do julgamento em diligência. § 5º Decidido o requerimento previsto no § 4º, o processo retornará à mesma posição em que anteriormente se encontrava na lista. § 6º Ocupará o primeiro lugar na lista prevista no § 1º ou, conforme o caso, no § 3º, o processo que: I - tiver sua sentença ou acórdão anulado, salvo quandohouver necessidade de realização de diligência ou de complementação da instrução; II - se enquadrar na hipótese do art. 1.040, inciso II. Essa novidade visa promover o tratamento igualitário entre as partes e a duração razoável do processo, impedindo que processos mais recentes sejam julgados antes do que aqueles que já estão pendentes. A Lei nº 13.256/2016 foi elaborada, votada e sancionada ainda durante o prazo de vigência do CPC 2015, e introduziu o termo “preferencialmente” no caput desse artigo 12. 3. APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL O Código de Processo Civil está submetido à Constituição, razão pela qual o legislador infraconstitucional busca criar procedimentos que concretizem a garantia a um processo justo. Em sua parte geral, o CPC apresenta no Capítulo I, um rol (não taxativo) de 12 artigos que submetem expressamente o processo civil à interpretação constitucional e conduzem sua hermenêutica com base em seus princípios e garantias. O capítulo II, por sua vez, é responsável por elucidar, ainda que brevemente, de que maneira essas normas processuais deverão ser devidamente aplicadas. O artigo 13 do CPC é responsável por instituir a regra geral de territorialidade do direito processual brasileiro, ou seja, como a lei processual funcionará no espaço. Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte. Partindo-se do pressuposto de que a Jurisdição é o poder conferido ao Estado, em razão de sua soberania, para editar leis e aplicá-las ao caso concreto, nada mais lógico que um sistema processual no qual a lei aplicável, em regra, seja aquela existente no local onde será realizada a prestação jurisdicional. Este artigo é complementado por meio do disposto no artigo 13 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, Decreto Lei 4.657/1942: “A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça”. Essa validade das normas processuais dentro do território nacional comporta como exceções as disposições específicas que estiverem previstas em tratados, convenções ou acordo internacionais dos quais o Brasil seja signatário. Nesses casos específicos, a norma internacional processual pode redefinir critérios de competência e influenciar a aplicação, a interpretação e também a prestação dos serviços jurisdicionais no Brasil. A Jurisdição constitui uma das formas de exercício do poder estatal. Justamente por isso, vigora em nosso sistema o princípio da territorialidade das leis, segundo o qual a lei aplicável é aquela existente no local onde ocorre a prestação jurisdicional. Tal princípio se vincula a soberania estatal, impedindo a aplicação de leis estrangeiras nos julgamentos aqui realizados. Por outro lado, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disciplina a forma de comprovação dos fatos ocorridos em países estrangeiros. Segundo ela, a lei vigente no respectivo Estado estrangeiro é que disciplinará os ônus e os meios de prova (Decreto-Lei 4.657/42, art. 13). Não se admitirá, contudo, em tribunais brasileiros a utilização de meios de prova desconhecidas pelo nosso ordenamento. (CAMBI, DOTTI, KOZIKOSKI, MARTINS, PINHEIRO. 2017, p. 91). Enquanto o artigo 13 é responsável por instituir a regra de aplicação do direito processual no espaço, ao artigo 14 cabe a adequação do processo no tempo. A regra geral das leis processuais é da incidência imediata, porém não retroativa. Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. O Brasil adota o sistema de isolamento dos atos processuais: em nome da garantia da segurança jurídica, todos os atos válidos e perfeitos praticados de acordo com a lei anterior devem ser preservados. A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, determina que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Significa dizer que há direito fundamental à observância do direito processual adquirido, por meio da não retroatividade sobre atos já praticados (respeito ao princípio do tempus regi actum). Encerrando o primeiro livro da parte geral do CPC, o artigo 15 determina que: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”, deixando clara a viabilidade de utilização do processo civil em outros ramos do direito. A própria Constituição, quando trata de processo, em nenhum momento faz a diferenciação para aplicação de suas normas fundamentais, sejam para os processos judiciais ou mesmo para administrativos, devendo todos se submeter às suas garantias e princípios. O CPC, em razão da natureza transsetorial do processo Civil, especifica a sua aplicação ao processo eleitoral, trabalhista ou administrativo, mas também será possível a sua utilização, por analogia, em processos tributários, de direito do consumidor ou direito ambiental, sempre que houver ausência de norma processual específica. A aplicação supletiva tem a função de suprir, ocorre quando há a ausência ou omissão absoluta de normas dentro do processo específico; a subsidiária em casos de omissão relativa ou parcial, quando são necessárias apenas determinadas regras ou institutos do processo civil para auxiliar na interpretação no caso concreto. Conforme explica o professor José Miguel Garcia Medina (2015, p. 99): O Código de Processo Civil disciplina os procedimentos de tomada de decisão pelo órgão jurisdicional de modo bastante amplo. Por isso, vários Códigos dedicados a procedimentos mais específicos ou relacionados a outros âmbitos do direito que não abrangidos pelo Código de Processo Civil a ele se referem, afirmando sua aplicação supletiva. [...] A aplicação do Código de Processo Civil deve dar-se somente naquilo em que for compatível com a lei omissa. Ademais, a regra prevista no art. 15 do CPC, não exclui que as disposições do Código de Processo Penal sejam aplicadas subsidiariamente, sempre que isso mostrar-se mais adequado (é o que pode suceder, por exemplo, em se tratando de processo administrativo de caráter sancionador). Aplicar supletivamente é mais que subsidiariamente, e disso dá conta o próprio sentido de tais expressões: naquele caso, está-se a suprir a ausência de disciplina na lei omissa; a aplicação subsidiária, por sua vez, é auxiliar, operando como a dar sentido a uma disposição legal menos precisa. Isso significa, em termos gerais, que o CPC tem aplicação supletiva e subsidiária, seja na esfera judicial ou administrativa, em lides que envolvam direitos individuais ou coletivos, corroborando o disposto na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto Lei 4.657/1942) em seu artigo 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. O Processo Civil, por óbvio, será aplicado à todas as vertentes do Direito Civil e Empresarial, responsáveis por regular as relações jurídicas entre particulares, como o Direito de Família, o Direito das Coisas, Direito das Obrigações, entre outros. Conforme será discutido a seguir, a relação do Processo Civil com os demais ramos do Direito é de vital importância para coesão do ordenamento jurídico nacional, sendo aplicado supletiva ou subsidiariamente, a depender do caso analisado. 3.1 . Relações com o Direito Constitucional. A Constituição Federal de 1988 tem sua eficáciadiretamente atrelada à atuação dos legisladores e de todo o Poder Judiciário, sendo concretizada por meio da construção de práticas capazes de promover esses direitos e da correta interpretação e aplicação de seus valores. A Constituição, em razão da hierarquia normativa, é referência para toda norma infraconstitucional, em especial para o Código de Processo Civil, que em seu primeiro artigo determina que sua orientação, disciplina e interpretação serão realizadas em conformidade com as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil. Conforme explica o professor Gustavo Henrique Schneider Nunes (2010, p. 72): A eficácia das normas constitucionais encontra-se interligada às condições naturais, técnicas, econômicas e sociais, e, com base nisso, não pode ser desprezado, ainda, o “substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas”. [...] Ante o fato de a interpretação tratar-se de um fator extremamente decisivo para a preservação da força normativa da Constituição, sendo submetida ao princípio da ótima concretização da norma, apresenta-se um pouco mais que evidente que meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual devam ser deixados de lado. E, por interpretação adequada, nesse caso, deve-se entender “a que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (‘Sinn’) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação”. Desse modo, ainda não constam no rol dos direitos fundamentais expressos no Código de Processo Civil, os princípios e garantias processuais dispostos na Constituição Federal são de suma importância para construção de um processo justo e adequado. O direito processual civil possui também uma forte vinculação com o direito constitucional. Na verdade, todas as regras processuais devem ser interpretadas à luz da Constituição Federal. E esta não é uma novidade do atual sistema. Mesmo sob a égide dos Códigos anteriores isso já ocorria. Em virtude da hierarquia das normas, a Constituição sempre desempenhou um papel de referência e orientação. Mas o legislador de 2015 quis deixar isso muito evidenciado. Não é a toa que o art. 1º do Código, dispõe que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil. Nesse contexto, pode-se dizer que os princípios e garantias são recipientes que guardam e protegem os valores mais relevantes de determinada coletividade. [...] O estudo do direito processual, portanto, não pode ser indiferente a esses valores e à busca de realização do direito material. Entre direito constitucional e direito processual civil existe uma grande e profunda vinculação. Este deve ser lido e estudado a partir do prisma daquele. Daí a noção de direito constitucional processual. (CAMBI, DOTTI, KOZIKOSKI, MARTINS, PINHEIRO. 2017. p. 52). O princípio da legalidade, inserto no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, determina que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Seu objetivo é concretizar a segurança jurídica e a igualdade formal, de modo que a prestação jurisdicional em sua totalidade deve estar fundamentada em leis processuais. Seja a previsão abstrata dos fatos; a definição de regras de Jurisdição, como competência, condições de ação ou pressupostos; a normatização dos atos das partes, dos magistrados, de terceiros e de servidores; ou a previsão de sanções e normas disciplinares; toda a prática processual deve repousar sob leis previamente definidas. O direito fundamental à segurança jurídica no processo, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal prevê que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. MARINONI, MITIDIERO e SARLET (2015, p. 784) explicam que: O direito à segurança jurídica no processo constitui direito à certeza, à estabilidade, à confiabilidade e à efetividade das situações jurídicas processuais. Ainda, a segurança jurídica determina não só a segurança no processo, mas também segurança pelo processo. Nessa linha, o direito fundamental à segurança jurídica processual exige respeito: (i) à preclusão, (ii) à coisa julgada; (iii) à forma processual em geral, e ao (iv) precedente judicial. Preclusão constitui a perda, extinção ou consumação de uma posição jurídica processual em face do decurso do tempo (preclusão temporal), da adoção de comportamento contraditório (preclusão lógica) e do efetivo exercício da posição processual (preclusão consumativa). Dirige-se às partes e ao juiz. [...] Segurança jurídica exige respeito à coisa julgada. A Constituição é expressa em determiná-lo ao legislador infraconstitucional (art. 5º, XXXVI). Isso quer dizer que é vedado ao legislador atuar de modo a enfraquecer ou abolir a coisa julgada no Estado Constitucional. As formas processuais fundamentam-se na necessidade de segurança jurídica. Não só, aliás, as formas processuais são instituídas igualmente em respeito à liberdade e à igualdade no processo. É claro que o valor outorgado à forma – e o modo de com ela trabalhar no processo – é determinado, como tudo mais, pela cultura. Quanto ao direito fundamental à ampla defesa, nas palavras dos professores Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Ingo Wolfgang Sarlet (2015, p. 764): “o direito à ampla defesa constitui direito do demandado. É direito à resistência no processo e, à luz da necessidade de paridade de armas no processo, deve ser simetricamente construído a partir do direito de ação”. Todos os processos, sejam jurisdicionais ou não, serão adstritos a esse direito, de modo a garantir: (i) que as alegações do autor sejam pormenorizadas de modo claro, justificando a razão pela qual pretende impor consequências jurídicas ao demandado; (ii) a adoção de procedimentos de cognição plena e exauriente; (iii) o direito à defesa pessoal e à defesa técnica; e (iv) o direito à ampla cientificação da sentença. Nos termos do artigo 5º da Constituição Federal, inciso LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Isso significa dizer que o processo justo depende do direito fundamental à prova para sua concretização Podemos verificar a existência desse direito quando temos a distribuição adequada dos ônus entre as partes, a determinação do momento e dos meios de produção de provas admitidos, a análise de admissibilidade e a valoração das provas para motivação da decisão do Juiz, por exemplo. No processo civil admite-se, em casos excepcionais: No âmbito do processo civil é possível a utilização de provas ilícitas em casos excepcionais. É que, ao negar eficácia às provas ilícitas no processo, nossa Constituição realizou inequívoca ponderação entre a efetividade da proteção do direito material e o direito à descoberta da verdade no processo. Cumpre observar, contudo, que quase todos os ordenamentos jurídicos que acolheram a proibição da utilização da prova ilícita no processo foram obrigados a admitir exceções à regra geral a fim de realizarem igualmente outros valores dignos de proteção. No âmbito do processo civil, a ponderação realizada pela Constituição não exclui a necessidade de uma segunda ponderação entre o direito afirmado em juízo pelo autor e o direito violado pela prova ilícita, haja vista os diversos bens passíveis de proteção e discussão no nosso direito processual civil. Negar a necessidade dessa segunda ponderação importa em negar a priori tutela jurisdicional a uma das partes. Essa ponderaçãodeve ser realizada em concreto pelo juiz para cotejar a relevância dos valores e dos interesses em jogo a fim de aquilatar a proporcionalidade do emprego da prova para proteção do direito afirmado em juízo (MARINONI, MITIDIERO, SARLET. 2015, p. 772). A Constituição Federal garante, por meio de seu artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, o direito fundamental ao juiz natural e ao promotor natural. A tutela jurisdicional somente será prestada de modo justo quando ao Juiz estiver ausente o interesse judicial quanto ao resultado do processo, “a imparcialidade está na ausência de interesse judicial na sorte de qualquer das partes quanto ao resultado do processo. É um requisito anímico do juiz” (MARINONI, MITIDIERO e SARLET. 2015, p. 757). A decisão judicial só poderá ser proferida por autoridade competente, representando a garantia de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de cada Estado. O direito à assistência jurídica integral é o meio de garantir a tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva a todos aqueles que necessitam de proteção jurídica (art. 3º, inciso IV c/c art. 5º, incisos XXXV, LXXVIII e LXXXIV, ambos da CF). O processo democrático, que respeita a igualdade entre as partes e a paridade de armas, deve necessariamente levar em consideração a perspectiva social, construir seu regramento de modo democrático e acessível. A prestação estatal da assistência jurídica gratuita compreende: [...] direito à informação jurídica e direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva mediante processo justo. O direito à assistência jurídica integral outorga a todos os necessitados direito à orientação jurídica e ao benefício da gratuidade judiciária, que compreende isenções de taxas judiciárias, dos emolumentos e custas, atos oficiais, das indenizações devidas às testemunhas, dos honorários de advogado e de perito, das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade e dos depósitos para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais (art. 3º da Lei 1.060/1950). Ainda, implica obviamente direito ao patrocínio judiciário, elemento inerente ao nosso processo justo. Nossa Constituição confia à Defensoria Pública “a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXXIV” (art. 134 da CF). Nada obsta, contudo, a que a parte menos favorecida economicamente litigue com o benefício da gratuidade judiciária com o patrocínio de um advogado privado de sua confiança. (MARINONI, MITIDIERO e SARLET. 2015, p. 788). Terá direito à gratuidade judiciária todas as pessoas físicas e jurídicas que não possuam condições econômicas de arcar com as custas e honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família. No caso das pessoas físicas basta a simples afirmação da necessidade (presunção iuris tantum), enquanto para as pessoas jurídicas se exige além da alegação, também a comprovação da necessidade da concessão da gratuidade da justiça. Quanto às ações constitucionais há de se destacar: o Mandado de segurança (Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009), o Mandado de injunção (Lei nº 13.300, de 23 de junho de 2016), a Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965) e a Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985). Tratando-se de Leis majoritariamente anteriores ao Código de Processo Civil de 2015, é necessário destacar o que está previsto no artigo 1046, §2º do CPC: “permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leias, aos quais se aplicará supletivamente este Código”. Enquanto seu §4º especifica que “as remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código”. Considerando que o Código de Processo Civil rege o processo na jurisdição civil, sua aplicação subsidiária será realizada em todas as leis reguladoras das ações constitucionais, desde que não contrariem dispositivos específicos. A ação popular, a Lei nº 4.717, de 1965, em seu artigo 22 determina que: “Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação”. A Lei da Ação Civil Pública, nº 7.347, de 1985, em seu artigo 19, determina que: “Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições”. Já no Mandado de Segurança, Lei nº 12.016, de 2009, tem em seu artigo 24ª determinação de que “Aplicam-se ao Mandado de segurança os artigos 46 a 49 do Código de Processo Civil de 1973”. Estes três regramentos anteriormente citados fazem menção direta ao Código de Processo Civil de 1973, em razão da data de sua publicação. Empregando a regra de transição inscrita no artigo 1.046, § 2º e § 4º do CPC/2015, deve-se realizar a aplicação subsidiária do novo Código, nos termos do que está previsto nas leis indicadas. No caso do Mandado de Injunção, visto que a Lei nº 13.300 é de 2016, a remissão ao CPC de 2015 é direta. Conforme seu artigo 14: “Aplicam-se subsidiariamente ao mandado de injunção as normas do mandado de segurança, disciplinado pela lei nº 12.016 de 2009, e pelo Código de Processo Civil de 2015, observado o disposto em seus artigos 1045 e 1046”. Além dessas disposições específicas, também serão utilizados os preceitos que dizem respeito às normas fundamentais ao processo civil, às condições de ação, aos pressupostos para o desenvolvimento válido do processo, as normas de cooperação jurídica, aos deveres das partes e dos seus procuradores, aos poderes e responsabilidades do Juiz, e todos os dispositivos que tratam do conflito de competência, da ação rescisória; do incidente de arguição de inconstitucionalidade; e do incidente de resolução de demandas repetitivas. 3.2. Relações com o Direito do Consumidor. O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 1990, em seu artigo 90, prevê que: “se aplicam às ações de defesa do consumidor em juízo as normas do Código de Processo Civil e da Lei número 7.347, de 1985, que disciplina a ação civil pública, naquilo que não contrariar suas disposições”. Considerando que o direito do consumidor é uma das facetas do direito civil, e diante da ausência de normas processuais específicas, o Código de Processo Civil será a ele aplicado de modo supletivo e subsidiário. Ainda que o Código de defesa do consumidor, por ser datado de 1990, tenha feito menção ao Código de processo civil de 1973, a reforma processual permite que a leitura do artigo 90 atualmente seja interpretada como remissão ao Código Processual de 2015, sobretudo diante da intrínseca relação, e porque não dizer proteção, que o novo CPC faz em relação à Constituição Federal e aos valores nela previstos. Nas palavras da professora Gisele Leite (2018): Reflete a índole protetiva no plano do direito processual, sendo uma decorrência natural à criação de normas procedimentais defensivas do consumidor, até porque, conforme entende a melhor doutrina a respeito do tema “sem essas garantias processuais”, os direitos materiais tornam-se normas programáticas sem maior contrato com a realidade cotidiana. Portanto, não basta garantir a defesa do consumidor no plano material, é preciso garanti-lo também no plano processual. O tratamento diferenciado no plano do direito material ao consumidor é ainda mais justificável no plano do direito processual principalmente em razão da diferença entre as espécies de litigantes formadas por consumidores e fornecedores. Observa-se que os consumidores são chamados de litigantes eventuais,porque não participem dos processos judiciais com frequência, os fornecedores são chamados de litigantes contumazes e frequentam o Judiciário principalmente em razão de estarem invariavelmente no polo passivo das demandas. [...] Afora isso, há a disparidade econômica entre o consumidor e o fornecedor (que aguenta o processo e suportar os custos gerados). A regra de que a lei deve tratar todos de forma legal, o que se aplica igualmente ao processo, devendo tanto a legislação como o juiz no caso concreto garantir às partes a paridade de normas, como forma de manter equilibrada a disputa judicial entre elas, A isonomia no tratamento processual dado as partes é forma, inclusive de o juiz demonstrar a sua imparcialidade, porque demonstra igualmente que não há favorecimento de qualquer uma destas. Nos termos do artigo 6º do CDC, incisos VII e VIII, são direito básicos do consumidor, entre outros, o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica dos necessitados, e a facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Inquestionável a importância do princípio da igualdade de tratamento, ou da isonomia, na defesa judicial do consumidor e para a concretização do devido processo legal. Este princípio, introduzido no Código de Processo Civil como ratificação do preceito constitucional, busca garantir a igualdade formal e material entre as partes, seja por meio da aplicação uniforme da lei, ou da interpretação imparcial realizada pelo Juiz com o objetivo de promover a paridade de armas e a equidade entre as partes. A redistribuição do ônus da prova é um dos maiores exemplos de isonomia interna do processo, possibilitando a inversão desse ônus quando o consumidor demonstrar sua hipossuficiência diante do fornecedor. O artigo 373 do CPC de 2015, em seu parágrafo 1º, informa que: Art. 373. O ônus da prova incumbe: § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. No artigo 83 do CDC há a determinação de que: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. São cabíveis, portanto, todas as ações, procedimentos e espécies de tutela jurisdicional presentes no sistema processual brasileiro com a finalidade de proteger os interesses do consumidor. De qualquer forma, a menor preocupação do legislador pátrio quanto à tutela jurisdicional individual do consumidor já é o suficiente para o apontamento de alguns dispositivos do CDC que criam algumas prerrogativas processuais, sempre com o fito de facilitar o exercício de sua ampla defesa no caso concreto. Não há, entretanto, uma ação específica e exclusiva à disposição do consumidor, como também não está previsto na Lei 8.078/1990 um procedimento especialmente criado para a sua tutela individual. Há apenas algumas regras que tratam de forma diferenciada o consumidor em sua atuação processual. A falta de uma estrutura procedimental resta evidente no artigo 83 do CDC, que garante, para a defesa do direito do consumidor (individual ou coletivo), a utilização de todas as coes capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela de interesses consagrados no CDC. O consumidor pode ser valer de todas as ações, procedimentos e espécies de tutela jurisdicional presentes no sistema processual brasileiro. (LEITE, 2018). Em seu artigo 84, o CDC determina que: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. Nas hipóteses de ação indenizatória por danos materiais, cabe ao consumidor comprovar o prejuízo financeiro sofrido em decorrência de ação irregular praticada pelo fornecedor, demonstrando o fato e o nexo de causalidade. Esse dano material poderá ser cobrado em decorrência de prejuízo direto (dano emergente), ou como a pretensão de reparação do que o consumidor deixou de receber em razão do prejuízo (lucro cessante). Quanto aos danos morais o que se pretende não é a reparação de um dano, mas sim a compensação em razão de constrangimentos e conduta irregulares que atinjam a honra, a credibilidade ou capacidade de respeito do consumidor. A forma preferencial para resolução dos conflitos consumeristas é a mediação, sendo inclusive estimulada pelo Conselho Nacional de Justiça. Daí a relevância da aplicação supletiva do artigo 3º do CPC que prevê a mediação e a conciliação como formas preferenciais de resolução dos conflitos. Essa disposição se coaduna com o princípio previsto no artigo 4º, inciso V do CDC, o qual dispõe ser necessário o “incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo”. Tais ferramentas são extremamente benéficas na esfera consumerista, sobretudo em razão da simplicidade da maior parte dos casos, que não justificam a utilização do aparelho judiciário para sua resolução, e muitas vezes desestimulam os https://juridmais.com.br/codigo-de-defesa-do-consumidor---cdc-1 https://juridmais.com.br/codigo-de-defesa-do-consumidor---cdc-83 consumidores a buscarem a tutela dos seus direitos, em nada contribuindo para a pacificação social idealizada. Cláudia Lima Marques destaca a importância do tema do Superendividamento na seara do Direito do Consumidor. Conforme sua definição: O superendividamento define-se, justamente, pela impossibilidade de o devedor pessoa física, leigo e de boa fé, pagar suas dívidas de consumo e a necessidade de o direito prever algum tipo de saída, parcelamento ou prazo de graça, fruto do dever de cooperação e lealdade para evitar a “morte civil” deste “falido”- leigo ou “falido”- civil. [...] Três temas emergem, pois, desse contexto: as possibilidades de reequilíbrio das relações contratuais de consumo, os limites materiais nas cobranças aos consumidores e as soluções possíveis ou possibilidades para viabilizar uma cobrança de dívidas do consumidor superendividado, mantendo-se a sua dignidade e o mínimo vital para ele e sua família. [...] O STJ já ensinou que é possível ao consumidor rescindir o contrato e que devemos superar a estreita visão do CC/1916 e do CPC/1973, que só permitiam ao parceiro contratual inadimplente rescindir o contrato: há um novo direito (pretensão de direito material e ação de direito processual) do consumidor em situação de perigo, em situação subjetiva de força maior ou superendividamento, de requerer o fim do vínculo antes que este o leve à ruína, sendo a cláusula que interdita tal direito de boa fé, abusiva e nula. O novo CPC de 2015, ao contrário, parece mais moldado a dificultar esta exceção de ruína. (MARQUES. 2016, p. 1450 e ss.) Ao consumidor que esteja em situação subjetiva de Superendividamento por força de um contrato excessivamente oneroso, deve ser aplicável o dever de cooperação dos fornecedores, permitindo a rescisão ou o fim do vínculo a favor do inadimplente mais vulnerável, conforme inclusive reconhece o Superior Tribunal de Justiça, por meio da exceção
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