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arte e direito 110

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© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
 
Ceschiatti e a Justiça 
Além da Lei: Duas 
Lições para uma 
Poética do Espaço-
Tempo 
Marcilio Toscano Franca Filho* 
 
 
“Meu pai, um imigrante italiano chegado no começo do século 
ao Brasil, era padeiro. Vivia com as mãos na massa. E eu, afinal, 
repito a mesma coisa. Só que troquei o trigo pela argila e, em 
vez de pães, faço estátuas.” 
Alfredo Ceschiatti 
 
A totalidade do Direito não está contida na lei, porque a lei, 
simplesmente, não comporta todo o Direito. O artigo 20, parágrafo 3º, da 
constituição alemã, por exemplo, consagra esse mandamento 
fundamental da juridicidade ao estabelecer que “(...) os Poderes 
 
* Professor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Sub-
Procurador Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Pós-
Doutor (European University Institute, Florença, 2008, Calouste Gulbenkian Post-Doctoral Fellow), 
Doutor (Universidade de Coimbra, 2006, bolsa FCT) e Mestre (UFPB, 1999) em Direito. Membro da 
International Association of Constitutional Law e diretor do ramo brasileiro da International Law 
Association. Membro do UNDP Democratic Governance Roster of Experts in Anti-Corruption 
(PNUD/ONU). Foi aluno da Universidade Livre de Berlim (Alemanha), estagiário-visitante do Tribunal 
de Justiça das Comunidades Europeias (Luxemburgo), consultor jurídico (Legal Advisor) da Missão 
da ONU em Timor-Leste (UNOTIL) e do Banco Mundial (PFMCBP/Timor). Foi Professor Visitante do 
Mestrado em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). É autor, entre 
outros escritos, de “A Cegueira da Justiça – Diálogo Iconográfico entre Arte e Direito”. 
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© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
Executivo e Judiciário obedecem à lei e ao direito”. 1 Ao fazer essa 
distinção elementar entre obedecer à lei e obedecer ao direito, a 
Grundgesetz reconhece, registra e admite que há um direito que 
ultrapassa a letra da lei, e que é possível encontrar o Direito fora (aquem 
ou além) dos limites da norma jurídica positiva. Um Direito fora-da-lei, que 
pode estar plasmado em inúmeras outras manifestações culturais da 
sociedade, entre elas, e sem dúvida, as artes plásticas. 
Embora se constate um risorgimento do tema Direito & Arte nas últimas 
décadas – sobretudo em razão das insuficiências e contradições do 
positivismo e de uma certa reação em prol de uma cultura jurídica mais 
humanística –, as relações entre o jurídico e o artístico, ou entre o justo e 
o belo, não são novas.2 Em 1899, o penalista italiano Bernardino Alimena 
já sublinhava a necessidade e a utilidade de um diálogo jurídico-artístico, 
ao fazer a introdução ao seu curso de Dreito e Processo Penal na 
Universidade de Cagliari: 
“(...) Una prima volta, la scienza ricorre all’arte, ora per 
abbellire e render più graditi i proprii insegnamenti, 
ora per fissali nella mente di chi legge e di chi ascolta, 
mediante l’ausilio di tipi indimenticabili e noti a tutti. 
(...) E, una seconda volta, l’arte aiuta la scienza. 
L’arte, per i mezzi di cui dispone, e per le masse ale 
quali si rivolge, è la più adatta a propagare e a 
popolarizzare le conoscenze, che, altrimenti, 
resterebbero chiuse nel dominio di pochi. (...) E, una 
terza volta, l’arte si accompagna con la scienza 
poichè, ad ogni manifestazione scientifica, como ad 
ogni manifestazione sociale, corrisponde una 
parallela manifestazione artistica. E questo 
parallelismo non è nuovo (...). E un’altra volta, 
finalmente, la scienza s’incontra con l’arte; e questo è 
 
1 “Die vollziehende Gewalt und die Rechtsprechung sind an Gesetz und Recht gebunden.” 
2 De maneira mais aprofundada, esse tema é explorado em FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. A 
Cegueira da Justiça – Diálogo Iconográfico entre Arte e Direito. Porto Alegre: Fabris, 2011. Entre 
outros, veja-se também: DEGUERGUE, Marise (dir.). L’Art et le Droit: Écrits en Hommage à Pierre-
Laurent Frier. Paris: Publications de la Sorbonne, 2010. PÉREZ-BUSTAMANTE, Rogélio (org.). Iustitia - 
La Justicia en las Artes. Madrid: Dykinson, 2007; TROGO, Sebastião; COELHO, Nuno M. M. Direito, 
Filosofia e Arte – Ensaios de Fenomenologia do Conflito. São Paulo: Rideel, 2012. 
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© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
il grande incontro, poichè costituice una 
collaborazione intima e altamente feconda.”3 
Na trilha dos argumentos desenvolvidos pelo Prof. Bernardino Alimena, o 
presente escrito explora esse diálogo entre Arte e Direito, ou belo e justo, 
para apontar algumas visões da justiça na obra do escultor mineiro 
Alfredo Ceschiatti. 
Há pouco mais de cinqüenta anos, em 1961, Alfredo Ceschiatti 
inaugurava a sua emblemática escultura “A Justiça”, na frente do 
edifício sede do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em 
Brasília. A alegoria, realizada em granito de Petrópolis, mede 3,30m de 
altura por 1,48m de largura e, ao contrário da maior parte da 
multissecular iconografia da Justiça, retrata uma Têmis sentada, 
desprovida de balança e com a espada a repousar sobre o colo. Não 
há rebuscamento, grandes volteios ou recantos impenetráveis na sua 
plasticidade. Há, sim, um certo eco concretista na obra, com seu volume 
compacto, suas formas simétricas e econômicas. As linhas concisas e sem 
interrupções imprimem à figura de Ceschiatti uma seriedade art déco. 
Cuida-se de uma Justiça austera e solene, cujos ângulos bem marcados, 
a postura ereta e o pesado panejamento dão-lhe um ar hierático e 
formal. 
Durante as cinco últimas décadas, foram ácidas e muitas as críticas 
ideológicas à Iustitia de Ceschiatti. Não por acaso, a estátua serve com 
frequência de cenário midiático para os protestos que clamam por 
justiça em Brasília. Mas como pode uma Justiça sentada? Só pode estar 
preguiçosa e acomodada, apesar do tanto ainda por fazer! E por que 
não brande uma espada? Fraqueza! Impotência! E a balança onde 
está? Quem já viu uma Justiça sem balança?! De onde ela retira a 
medida justa e ponderada para dar a cada um o que é seu? Espada 
sem balança é arbítrio e violência desmedidos! Só um Estado totalitário 
abrigaria uma Justiça assim construída! Isso é coisa de comunista! 
O artista plástico Ceschiatti e o arquiteto Niemeyer conheceram-se no 
início dos anos de 1940 e desde então estabeleceram uma profíqua 
parceria estética. A estatuária cívica ou religiosa de Ceschiatti é vista em 
 
3 ALIMENA, Bernardino. Il Delitto Nell' Arte: Prolusione al Corso di Diritto e Procedura Penale nella R. 
Università di Cagliari. Torino: Fratelli Bocca, 1899, p. 13-17. 
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© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
muitas obras de Niemeyer – no Conjunto da Pampulha, em Belo 
Horizonte; no Memorial da América Latina, em São Paulo;na Catedral, 
no Palácio da Alvorada, no Supremo Tribunal, no Palácio do Jaburu, na 
Câmara dos Deputados e no Itamarati, todos em Brasília. Nascido em 
Belo Horizonte, a 1 de setembro de 1918, e filho de pais italianos imigrantes, 
Alfredo Ceschiatti manifestou muito cedo, ainda na escola, uma forte 
vocação para a arte. Em 1937, na condição de oriundi, é beneficiado 
pelo governo fascista italiano com uma viagem à Itália, onde se interessa, 
sobretudo, pela obra dos artistas renascentistas – Michelangelo 
especialmente. “Essas viagens eram organizadas por Mussolini, para filhos 
de italianos. Eu tinha, então, 18 anos e fiquei deslumbrado. Como fui 
muito bem recomendado, me deixaram livre da propaganda fascista e 
eu tinha tempo para visitar museus e exposições. Para mim, a Itália foi um 
choque. Voltei decidido a estudar Belas Artes.” – recordou ele em um 
depoimento reproduzido pelo jornalista Flamínio Fantini.4 Mas, ao retornar 
ao Brasil, não enveredou imediatamente pela escultura, conforme, 
muitos anos depois, em 12 de maio de 1976, declarou à revista Veja: 
“Aquilo massacra a gente, tem uma força tão grande, um passado tão 
formidável. Diante de Michelangelo, quem é que pensaria em ser 
escultor?” Em outra passagem – também citada por Flamínio Fantini –, 
Ceschiati volta a declarar em 1975 sua paixão pela arte italiana: “Não 
tenho fases. Só houve um momento em que caí no abstrato. Logo senti 
que não era nosso caminho, muito sofisticado e muito frio para mim. Logo 
voltei ao Mediterrâneo, à Renascença”. 
Tanto quanto os grandes mestres renascentistas italianos, Alfredo 
Ceschiatti também gostava que sua arte fosse pública e monumental. 
Além de Brasília e Minas Gerais, esculturas suas de grandes dimensões 
podem ser vistas, por exemplo, no Monumento aos Pracinhas da 
Segunda Guerra Mundial, no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro; na 
figura feminina em bronze, de três metros de comprimento, sem título, no 
saguão da Estação da Sé, do Metrô de São Paulo; no bronze feminino 
dos jardins do conjunto habitacional de Hansa, em Berlim; ou na imensa 
estátua de José Bonifácio de Andrada e Silva, na Praça do Patriarca, em 
São Paulo. Em uma entrevista ao jornal O Globo, em 1975, Ceschiatti é 
 
4 FANTINI, Flamínio. Um Perfil de Alfredo Ceschiatti, disponível em http://flaminio-fantini.com/vida-
e-obra/perfil. 
© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
incisivo: “Não sou escultor de bibelô”. E não era mesmo: ainda segundo 
Flamínio Fantini, aquela Justiça foi esculpida num bloco único de granito 
de três por cinco metros, tão pesado que chegou a quebrar um 
caminhão. 
De fato, toda sociedade vive, em grande medida, de seus mitos e 
símbolos e não é de hoje que se reconhece que um poema, uma 
imagem ou uma escultura podem ter uma função política relevante e 
carrear tanto respeito e autoridade quanto uma bandeira nacional ou 
um brasão de armas.5 Seja para criar autoridade, seja para presentear 
aliados, seja para divulgar feitos ou pessoas, seja para atender a fins 
puramente hedonísticos, lúdicos ou pedagógicos – entre tantas outras 
razões possíveis –, Estados e seus governantes sempre tiveram um papel 
muito importante na valorização da arte e no mecenato aos artistas. No 
Brasil, nunca foi diferente: as relações entre arte, poder e Estado estão 
presentes no país desde 7 de agosto de 1501, quando um marco 
esculpido em pedra calcária, com a cruz da Ordem de Cristo (a Cruz de 
Malta) e as armas do Rei D. Manuel, foi fincado na praia de Touros, no 
litoral do atual Rio Grande do Norte, pela primeira expedição portuguesa 
a vir ao país, depois do descobrimento – era o primeiro monumento em 
terras brasileiras, marcando a posse da colônia! Muitos séculos depois, o 
mecenato público gozou de um papel de destaque no meio artístico 
nacional, desde a antiga Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios e, 
posteriormente, a Academia Imperial de Belas Artes, reafirmado ainda 
pela Escola Nacional de Belas Artes, além de tantos outros exemplos.6 
Embora seja inegável a relevância desse papel dos agentes públicos 
para a valorização da arte, a sua necessidade ou legitimidade nunca foi 
consensual. Quanto a esse particular, basta recordar a polêmica carta 
que o pintor francês Gustave Courbet dirigiu ao ministro Maurice Richard, 
publicada em Le Siècle, de 23 de junho de 1870, em que recusa a 
condecoração com a prestigiosíssima Légion d’Honneur e registra que “o 
 
5 Nesse mesmo sentido:“In a signorial dominion, the lord was the law and the prince’s own portrait 
could stand for the state itself” (WELCH, Evelyn. Art in Renaissance Italy 1350-1500. Oxford: Oxford 
University Press, 2000). 
6 CIRILLO, Aparecido José. Lei de Incentivo à Criação de um Acervo Semi-Público em Vitória. In: 
ALVES, José Francisco (org.). Experiências em Arte Pública: Memória e Atualidade. Porto Alegre: 
Artfolio/Editora da Cidade, 2008., p. 18. 
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© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
Estado é incompetente em matéria de arte”. 7 Nas últimas décadas, 
porém, a legitimidade do investimento público em arte é reconhecida 
por uma alargada maioria. E, nesse viés, ao proteger e incentivar a 
produção artística, o Estado estimula quatro valores sociais de grande 
importantância: (1) um valor de criação; (2) um valor de mensagem; (3) 
um valor de pluralidade, e (4) um valor de formação.8 
Em um panorama assim delineado, os duradouros laços de amizade e 
parceria artístico-política entre Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer e 
Alfredo Ceschiatti renderam os melhores frutos para a “arte pública” 
brasileira, aquele conjunto de peças artísticas com as quais o espectador 
entra em contacto de modo expontâneo e inusitado, fora dos espaços 
ortodoxos da cultura visual – como museus ou galerias de arte –, a 
exemplo dos monumentos e outras peças vistas em ruas, estações, 
aeroportos, hospitais, órgãos públicos, escolas, praças, parques, esquinas, 
catedrais, jardins, praias, auto-estradas e demais locais de fácil acesso. 
Nesse sentido de “arte pública”, estariam incluídas todas as peças 
expostas a uma “non-museum-going audience”, que privilegia o diálogo 
com um número maior de espectadores – normalmente, o passante, o 
traseunte, o flâneur. 
Não sendo um “escultor de bibelô”, Alfredo Ceschiatti claramente 
preferia a espacialidade exacerbada da arte pública. Grande 
admirador de Michelangelo Buonarroti, outro nome cimeiro da “arte 
pública” avant la lettre, é possível que Alfredo Ceschiatti, durante a sua 
temporada italiana, na juventude, tenha tomado conhecimento de que, 
muito antes daquele 8 de setembro de 1504, quando uma pequena 
multidão de florentinos estupefatos viu pela primeira vez o colossal Davi 
de Michelangelo instalado na Piazza della Signoria, bem em frente ao 
Palazzo Vecchio, não haviam sido poucos os mestres renascentistas que 
já haviam retratado o bíblico herói que derrotara Golias, o gigante filisteu 
 
7 Gustave Courbet foi contundente:“L’État est incompétent en matière d’art. Quand il entreprend 
de récompenser, il usurpe sur le droit public. Son intervention est toute démoralisante, funeste à 
l’artiste, qu’elle abuse sur sa propre valeur, funeste à l’art, qu’elle enferme dans des convenances 
officielles et qu’ellecondamne à la plus stérile médiocrité. La sagesse pour lui est de s’abstenir. Le 
jour où il nous aura laissés libres, il aura rempli vis-à-vis de nous tous ses devoirs” (apud HADDAD, 
Michèle. Courbet. Luçon: Gisserot, 2002, p. 115-117). 
8 Rausell Koster apud BARRANCO VELA, Rafael. El Ámbito Jurídico-Administrativo del Derecho de 
la Cultura: una Reflexión sobre la Intervención de la Administración Pública en el Ámbito Cultural. 
In: BALAGUER CALLEJON, Francisco (coord.). Derecho Constitucional y Cultura: Estudios en 
Homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, 2004, p. 197-213, p. 205. 
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© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
do Velho Testamento. Taddeo Gaddi, Donatello, Mariano del Buono, 
Bartolomeo Bellano, Lorenzo Ghiberti, Francesco Pessellino, Andrea del 
Castagno, Bernardo Rossellino, Andrea del Verrocchio, Antonio del 
Pollaiolo são apenas alguns dos grandes artistas conhecidos que, entre o 
Treccento e o Quatroccento, já haviam produzido alguns belos Davis, 
muitos anos antes da obra-prima de Michelangelo chegar ao centro 
cívico da Repubblica Fiorentina.9 
Mas não era apenas o imenso nú masculino, que pela primeira vez 
tomava lugar na praça pública, o que mais impressionava os florentinos. 
Em quase todas aquelas representações pictóricas ou escultóricas até 
então produzidas, o Davi bíblico que se celebrava era o jovem herói 
vencedor, que já havia derrotado e decaptado Golias. Até ali, cultuava-
se costumeiramente a vitória do moço franzino e impetuoso que, com a 
funda e a pedra, vencera o gigante e, depois, ainda o decaptara com 
a própria espada do inimigo derrotado. Em quase todas aquelas imagens 
anteriores a 1504 estavam presentes a espada em riste e a cabeça 
decepada do gigante que jazia sob os pés do futuro rei de Israel. 
Michelangelo, todavia, optou por uma outra narrativa da passagem 
bíblica. E revolucionou a iconografia do Davi. Original, ele enveredou por 
um discurso pictórico que não fala do Davi já vitorioso e orgulhoso do seu 
feito, que comemorava a derrota do gigante. Na verdade, Michelangelo 
refere-se, sim, a um instante anterior à luta. Com a sua imensa escultura, 
de 5,17m de altura, Michelangelo lega-nos um Davi que olha fixa e 
tensamente para o seu alvo, enquanto segura a pedra e a funda, a 
preparar o golpe final. Tenso, atento, vigilante e tomado de grande 
coragem, é nesse preciso momento que o Davi se agiganta para 
enfrentar Golias. E o jovem pastor abandona a frágil figura juvenil até 
então conhecida para, amadurecido, tornar-se homem feito, enorme, nu 
como os deuses, mas em cujas veias o sangue humano pulsa 
vigorosamente. O gesto10 e o momento de Michelangelo não são os 
mesmos de Donatello, Ghiberti ou Pollaiolo e, ao imortalizar o atmo 
 
9 PAOLUCCI, Antonio; RADKE, Gary M. ; FALLETTI, Franca. Michelangelo: Il David. Firenze: Giunti, 
2004, passim. 
10 A propósito do complexo valor do gesto na arte, o Prof. José Calvo é enfático: “Hay gestos 
cartesianos y lánguidos gestos que saben a capricho... (...) El gesto es, desde luego, algo más que 
la fisicidad de la traza, que el vestigio en superficie; existen otras presencias” (CALVO, José. La 
Justicia como Relato. Málaga: Ágora, 2012, p. 13). 
© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
anterior à luta, Michelangelo honrou as duas principais virtudes cívicas do 
renascimento florentino: força e coragem. Exatamente por isso, por 
mostrar o homem comum que se agiganta diante do desafio e olha de 
igual para igual para o seu contendor, o Davi de Michelangelo foi 
escolhido para permanecer no local mais nobre da Toscana – na porta 
do Palazzo Vecchio, o Palácio do Governo de Florença. 
Como Michelangelo, com o seu Davi, Ceschiatti revoluciona a 
iconografia da Justiça ao optar por uma outra dimensão temporal do seu 
tema, uma temporalidade que já não é a de outras Justiças (também 
sentadas!) como, por exemplo, a que Andrea Pisano fez para a Porta Sul 
do Batistério de Floreça (1336), ou aquela de Giotto, na Cappella degli 
Scrovegni, em Pádua (1306), ou ainda aquela outra que Raffaello Sanzio 
pintou no teto da Stanza della Segnatura, no Vaticano (1511). Ao 
contrário dessas três representações, e de outras tantas, a Justiça de 
Ceschiatti é uma Justiça que já cumpriu o seu hercúleo mister. E que se 
não porta uma balança é porque não está mais a julgar pessoas, a 
sopesar fatos, a ponderar argumentos, a medir e remedir direitos. Em 
Ceschiatti, a justiça já foi feita; tudo já foi medido e pesado, e a cada um 
já foi dado o que é seu. Suum cuique tribuere e desaparecem os pratos 
da balança. A espada, porém, permanece – tranqüila – nas mãos de 
Têmis, a deusa. Fica ali porque, nas mãos do homem, em poder de uma 
das partes, poderia virar vingança privada. É mais seguro, portanto, que 
esse poder reste – ainda que dormente – nas mãos do Estado-Tribunal. A 
obra de Ceschiatti repousa na entrada da mais alta e mais importante 
Corte Judicial brasileira e esse locus não pode ser ignorado. Ali instalado, 
na Praça dos Três Poderes, o pesado granito de Ceschiatti fala por 
si(lêncio): naquele Palácio, a Justiça foi feita! Fez-se justiça na Corte 
projetada por Niemeyer – repete a cada novo julgamento, em 
evocação a Ceschiatti. 
Não se pode compreender a Justiça de Ceschiatti sem perceber o 
edifício do Supremo Tribunal, logo ali atrás, ou, tampouco, entender a 
plenitude da arquiterura do edifício do Supremo Tribunal sem notar sua 
composição com a Justiça de Ceschiatti. Um e outro se completam 
numa mesma identidade escultural-arquitetônica. Essa harmônica 
simbiose entre a obra do escultor e a obra do arquiteto está na base da 
estética total do artista mineiro, cujo grande objetivo era, como ele dizia, 
© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
“o mesmo do Renascimento: o da integração de todas as artes na 
unidade de um só prédio”. 
Avancemos nesse conceito de unidade. Se, na Praça dos Três Poderes, a 
Justiça de Alfredo Ceschiatti é uma referência ao passado, à Justiça que, 
tranquila, já concretizou o seu importante mister de julgar, uma outra obra 
do escultor mineiro é um apelo à Justiça do futuro, aquela que ainda vai 
fazer o seu trabalho, aquela Justiça que ainda está por se pronunciar no 
processo: é um pequeno crucifixo de autoria de Ceschiatti, realizado em 
madeira e metal, instalado na parece principal do plenário do mesmo 
Supremo Tribunal Federal. 
Ao se adentrar o plenário das sessões do Supremo Tribunal Federal, o 
pequeno crucifixo de Ceschiatti (de 1977, medindo 56 x 52 cm) dialoga 
com a arquitetura de Niemeyer, sobre um painel em mármore bege-
bahia do artista plástico Athos Bulcão (1918-2008). O painel, que se ergue 
como pano de fundo da grande sala de julgamento, é formado por 
inúmeras placas do mesmo mármore, cada uma com um baixo relevo 
correspondente a um quarto de um círculo. Uma das quais é aproveitada 
para abrigar as armas nacionais. Todas as placas e todos os recortes são 
rigorosamente iguais em posição e tamanho, exceto uma única placa, 
bem maior que as demais: justamente aquela que abriga no interior do 
baixo-relevo o crucifixo de Ceschiatti. Segundo ressalta o Prof. Dr. José 
Levi Mello doAmaral Júnior, “ao que consta, desejou-se, com isso, 
expressar que a justiça humana deve ser isonômica (daí as diversas 
placas com recortes de igual tamanho) e que a justiça divina é maior do 
que a dos homens (daí a evidente desproporção do recorte que abriga 
o crucifixo relativamente aos demais).”11 
A presença do crucifixo em plenário constitui uma clara evocação de 
milenar e doloroso erro judiciário e apela para um exercício sempre 
cauteloso da suprema magistratura. Carlos Heitor Cony, em uma de suas 
crônicas na Folha de São Paulo, referenda esse valor de advertência, 
exortação e exemplo da pequena obra de arte de Alfredo Ceschiatti: 
"A cruz não é apenas um símbolo religioso. Ela esfrega 
em nossa cara, na cara dos juízes, promotores, 
 
11 Informativo Migalhas, de de 18/07/2004 a 25/07/2004, disponível em 
http://www.migalhas.com.br/mig_leitores.aspx?cod=5776&datap=18/07/2004 
© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
advogados e réus, um dos maiores erros judiciários de 
todos os tempos. O processo que levou um inocente 
à pena capital seguiu formalmente os requisitos 
legais. O réu foi julgado pelos tribunais da sociedade 
colonizada pelos romanos e, por fim, pelo procurador 
que representava, judicial e militarmente, o império 
romano, dono absoluto do pedaço. Houve 
testemunhas (todas na base do contra), o réu foi 
interrogado, teve o direito de responder às 
acusações, a seu modo, evidentemente. O próprio 
representante de Roma inclinou-se a absolvê-lo, mas 
cedeu à pressão da sociedade local. Um erro 
judiciário que, em contextos diferentes, vem se 
repetindo ao longo da história."12 
De se lamentar, unicamente, não é a própria presença de um crucifixo, 
símbolo da fé cristã, no plenário laico da Suprema Corte brasileira, mas o 
fato de que ele fique às costas dos eminentes Ministros. E nisso, se há de 
concordar com um outro italiano, Piero Calamandrei, o grande jurista 
fiorentino: 
"O crucifixo não compromete a austeridade das salas 
dos tribunais; eu só gostaria que não fosse colocado, 
como está, atrás das costas dos juízes. Desse modo, 
só pode vê-lo o réu, que, fitando os juízes no rosto, 
gostaria de ter fé na sua justiça; mas, percebendo 
depois atrás deles, na parede do fundo, o símbolo 
doloroso do erro judiciário, é levado a crer que ele o 
convida a abandonar qualquer esperança – símbolo 
não de fé, mas de desespero. Dir-se-ia até que foi 
deixado ali, às costas dos juízes, de propósito para 
impedir que estes o vejam. Em vez disso, deveria ser 
colocado bem diante deles, bem visível na parede 
em frente, para que o considerassem com humildade 
enquanto julgam e nunca esquecessem que paira 
sobre eles o terrível perigo de condenar um 
inocente”.13 
Poucos passos separam as representações temporais da modernista 
Justiça-que-já-foi-feita, na Praça dos Três Poderes, da milenar Justiça-por-
 
12 CONY, Carlos Heitor. Erro Judiciário, in Folha de São Paulo, 28/09/2005, p. A2. 
13 CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, 
p. 327. 
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© FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Ceschiatti e a Justiça Além da Lei: Duas Lições para uma Poética 
do Espaço-Tempo. In: FRANCA FILHO, Marcílio; LEITE, Geilson Salomão, PAMPLONA FILHO, Rodolfo 
(eds.). Antimanual de Direito & Arte. São Paulo: Saraiva, no prelo. 
 
 
fazer, no plenário da Suprema Corte. Ao reposicionar a dimensão do 
tempo no direito, ambas as obras aproximam Alfredo Ceschiatti do cego 
Jorge Luís Borges, o sagaz vidente argentino, para quem “a nossa 
substância é o tempo; somos feitos de tempo.”14 Do tempo presente que 
traz em seu ventre o tempo passado (tempo da doutrina e dos precendes 
jurisprudenciais) e do tempo futuro (tempo do contínuo aperfeiçoamento 
do Direito e da mutação hermenêutica). Tudo isso, para que não 
esqueçamos de outra lição borgeana: “Somos sempre Heráclito vendo 
seu reflexo no rio e pensando que o rio não é o rio porque suas águas 
mudaram, e pensando que ele não é Heráclito porque foi outras pessoas 
entre a última vez que viu o rio e esta. Ou seja, somos algo cambiante e 
algo permanente”.15 Algo que permanece seja no bibelô plenário seja 
no imenso granito em praça pública. 
 
 
14 BORGES, Jorge Luis; FERRARI, Oswaldo. Sobre os Sonhos e outros Diálogos. São Paulo: Hedra, 
2009, p. 46. 
15 BORGES, Jorge Luis. O Tempo. in BORGES, Jorge Luis. Borges Oral & Sete Noites. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2008, p. 77.

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