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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: LINGUAGEM E IDENTIDADE MARIA JUCILANDIA VANDERLEI CAVALCANTE OS NEOLOGISMOS POPULARES EM LETRAS DOS GRUPOS DE RAP DE RIO BRANCO: KALIBRE 12, ZONA IX E YACONAWAS RIO BRANCO – ACRE 2017 MARIA JUCILANDIA VANDERLEI CAVALCANTE OS NEOLOGISMOS POPULARES EM LETRAS DOS GRUPOS DE RAP DE RIO BRANCO: KALIBRE 12, ZONA IX E YACONAWAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras: Linguagem e Identidade, da Universidade Federal do Acre, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras: Linguagem e Identidade. Linha de Pesquisa: Língua(gens) e Formação Docente. Área de Concentração: Linguagem e cultura. Orientador: Professor Dr. Alexandre Melo de Sousa. RIO BRANCO – AC 2017 MARIA JUCILANDIA VANDERLEI CAVALCANTE OS NEOLOGISMOS POPULARES EM LETRAS DOS GRUPOS DE RAP DE RIO BRANCO: KALIBRE 12, ZONA IX E YACONAWAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras: Linguagem e Identidade, da Universidade Federal do Acre, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras: Linguagem e Identidade. Linha de Pesquisa: Língua(gens) e Formação Docente. Área de Concentração: Linguagem e cultura. Orientador: Professor Dr. Alexandre Melo de Sousa. Aprovada em: 31 de Julho de 2017 BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Melo de Sousa Universidade Federal do Acre – UFAC (Orientador) _____________________________________________ Profa. Dra. Francielle Maria Modesto Mendes Universidade Federal do Acre – UFAC (Membro Interno) _____________________________________________ Profa. Dra. Maria do Socorro Silva de Aragão Universidade Federal do Ceará – UFC (Membro Externo) DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha filha Jéssica, meu maior tesouro, minha grande incentivadora e razão de toda minha força. De tudo que Deus me deu, nada se compara à dádiva de ser mãe e conhecer o verdadeiro sentido da palavra amor. AGRADECIMENTOS Ao meu Deus, sem o qual nada posso fazer, toda honra, glória e minha gratidão, por ser minha força, socorro bem presente nos momentos de angústia. Ao meu orientador, Professor Dr. Alexandre Melo de Sousa, por acreditar no meu trabalho e pela forma brilhante e respeitosa com que conduziu as orientações, sempre pronto a ajudar. Muito obrigada por tudo, sem sua ajuda eu não teria conseguido! Às Professoras Dra. Francielle Maria Modesto Mendes e Dra. Maria do Socorro Silva de Aragão, pelas significativas contribuições, tanto na banca de qualificação quanto na defesa desta dissertação. Muito obrigada, suas sugestões foram todas muito importantes para o aperfeiçoamento e conclusão desta pesquisa! À Professora Dra. Lindinalva Messias do Nascimento Chaves, por suas contribuições na fase inicial do mestrado, por todo incentivo e dedicação durante minha graduação em Letras Francês/Português. Muito obrigada por toda ajuda e aprendizado! Aos demais Professores do Curso de Letras Francês, em especial ao Professor Dr. Humberto de Freitas Espeleta, que muito contribuiu com minha formação. Um ser humano incrível que sempre me incentivou a prosseguir em meus estudos; aos professores Adilson Tadeu e Cidália Paschoal, por todos os ensinamentos. À minha família, por ser sempre meu alicerce. Em especial a minha filha, Jéssica, por abdicar de momentos de lazer e descanso durante todo o percurso da minha pesquisa. À minha mãe, Conceição Vanderlei, por suas orações e ajuda em todos os momentos. Sem sua ajuda e conselhos eu não teria conseguido. Ao meu pai, Silvanir Cavalcante, que junto com minha mãe, me ensinou valores essenciais para a formação do meu caráter. Aos meus irmãos, Silmaria, Evânio, Emerson e Enderson, minhas sobrinhas e sobrinhos, cunhadas, cunhado, por serem minha alegria e meu porto seguro, para onde sempre sei que posso voltar e encontrar abraços e sorrisos sinceros. Ao meu companheiro, noivo e amigo, Marco Melo, por estar ao meu lado e por toda sua ajuda e compreensão durante os fins de semana em que precisei me dedicar às leituras e escrita deste trabalho. Obrigada por sonhar comigo e permanecer ao meu lado nos momentos de dificuldade. A todos os professores do Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade por suas contribuições. A todos os colegas de mestrado, por suas contribuições, em especial à Sandra Mara, pela amizade e incentivo. À minha grande amiga Suziane Alves, por todos os momentos de alegria durante os dois anos de mestrado, mas, sobretudo, por ter se tornado minha amiga e irmã, sempre disposta a me ouvir e ajudar nos momentos de tristeza. Muito obrigada, minha amiga, por ser essa pessoa incrível que ilumina a vida das pessoas ao seu redor! Aos integrantes das bandas Kalibre 12, Zona IX e Yaconawas, por suas contribuições tão importantes para esta pesquisa. Ao meu amigo, Israel Batista, por toda paciência e auxílio durante todo o percurso da coleta de dados. Muito obrigada, sua ajuda foi imprescindível para a conclusão desta pesquisa! Ao meu amigo Francisco Nogueira, por toda ajuda nos momentos de dificuldade na fase incial do mestrado, cujas palavras e conselhos em momentos de incerteza me fizeram seguir em frente. A todos aqueles que contribuíram, mesmo que indiretamente, para a realização desta pesquisa. Rap é compromisso, não é viagem. Sabotage RESUMO A pesquisa está situada no campo da Lexicologia, uma vez que, como bem lembra Biderman, (2001b, p. 16), a Lexicologia “[...] tem como objetos básicos de estudo e análise a palavra, a categorização lexical e a estruturação do léxico [...]. A Lexicologia faz fronteira com a semântica, já que, por ocupar-se do léxico e da palavra, tem que considerar sua dimensão significativa”. Analisamos as ocorrências de neologismos nas letras de rap de Rio Branco – Acre. Para tanto, nos apoiamos em Biderman (2001a), (2001b), (1998); Alves (1994), Preti (1984), Correia e Almeida (2012), cujos estudos situam-se no campo do léxico. Partimos da hipótese de que os neologismos presentes nas referidas letras de rap contenham marcas socioculturais oriundas tanto do contexto social acreano como do nacional; de que os fatores sociais influenciam os usuários da língua na formação de neologismos e de que os fatores culturais amazônicos aparecem estratificados nesses neologismos. O objetivo geral da presente pesquisa é conhecer os neologismos/gírias presentes nas letras de música do gênero rap: Chico dos Chicos da banda Yaconawas, Cotidiano da banda Zona IX e Noite na quebrada, da banda Kalibre 12 para tecer uma discussão de natureza gramatical e semântica desses neologismos. Os objetivos específicos desta pesquisa consistem em: a) verificar os mecanismos dos neologismos populares presentes nas letras das referidas músicas; b) identificar a neologia como recurso para a criação lexical; c) apontar, a partir dos neologismos presentes nas letras de música do gênero rap, a produtividade e criatividade lexical, para em seguida, elaborar um glossário dos neologismos semânticos populares que encontrarmos nas letras pesquisadas. Seguimos a metodologia proposta por Correia e Almeida (2012, p. 25-32). Utilizamos o critério lexicográfico, já que nos apoiamos em dicionários da língua Portuguesa,organizamos um glossário com as ocorrências neológicas presentes nas letras analisadas. Palavras-chave: Neologismos, Léxico, Gírias, Rap acreano RESUMÉ La recherche est située dans le domaine de la Lexicologie, puisque, ainsi rappelle Biderman, (2001b, p. 16), la Lexicologie « [...] a les objets de base d'étude et d’analyse le mot, la catégorisation lexicale et structuration du lexique [...]. La Lexicologie fait frontières avec la sémantique, puisque, par cette science s’occuper du lexique et du mot, elle doit considérer sa dimension significative ". Nous avons analysé les ocurrences de néologismes dans les lettres de rap écrites à Rio Branco – Acre. Pour ce faire nous comptons sur Biderman (2001a), (2001b), (1998); Alves (1994), Preti (1984), Correia et Almeida (2012), dont les études sont situés dans le champ du lexique. Nous partons de l’hypothèse que les néologismes présents dans les paroles de rap mentionnées contiennent des marques socioculturelles originaires du contexte social acreano et aussi du national; que les facteurs sociaux influencent les utilisateurs de la langue dans la formation des néologismes et que les facteurs culturels amazoniens apparaissent stratifiés dans ces néologismes. L’óbjectif général de cette recherche est de connaître les néologismes/argots présents dans les lettres de musique du genre rap : Chico dos Chicos, de la bande Yaconawas, Cotidiano, de la bande Zona IX et Noite na quebrada, de la bande Kalibre 12, pour faire une discussion de nature grammaticale et sémantique sur ces néologismes. Les objectifs spécifiques de cette recherche sont : a) vérifier les mécanismes des néologismes populaires présents dans les lettres de cettes musiques ; b) identifier la néologie comme recours pour la création lexicale ; c) montrer, a partir des néologismes présents dans les lettres de musique du genre rap, la productivité et la créativité lexicale, pour élaborer après un glossaire des néologismes sémantiques populaires que nous avons trouvé dans les lettres analysées. Nous avons suivi la méthodologie proposée par Correia e Almeida (2012, p. 25-32). Nous avons utilisé le critère lexicographique, puisque nous nous sommes appuyés sur les dictionnaires de la langue portugaise, nous avons aussi organisé un glossaire avec les ocurrences néologiques présentes dans les lettres analysées. Mots-clés: Les néologismes, Le lexique, Les argots, Le rap acreano LISTA DE ILUSTRAÇÕES Esquema 1.....................................................................................................................17 Esquema 2.....................................................................................................................37 Esquema 3.....................................................................................................................38 Esquema 4.....................................................................................................................39 Esquema 5.....................................................................................................................40 LISTA DE ABREVIATURAS S.m. – Substantivo masculino S. f. – Substantivo feminino S. 2 g. – Substantivo de dois gêneros Adj. – Adjetivo V. – Verbo V. t. d. – Verbo transitivo direto V. t. i. – Verbo transitivo indireto V. t. d. i. – Verbo transitivo direto e indireto V. int. – Verbo intransitivo Exp. – Expressão LISTA DE MÚSICAS Música 1: Noite na quebrada – Kalibre 12...........................................................................110 Música 2: Cotidiano – Zona IX............................................................................................111 Música 3: Chico dos chicos – Yaconawas............................................................................113 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13 1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 17 1.1 LÉXICO E CULTURA ...................................................................................................... 17 1.2 LÉXICO, PALAVRA, VOCÁBULO E LEXIA ................................................................ 19 1.3 AS CIÊNCIAS DO LÉXICO ............................................................................................. 21 1.3.1 A Lexicologia: léxico, sociedade, cultura ....................................................................... 22 1.3.2 A Lexicografia: léxico e dicionarização .......................................................................... 23 1.3.3 A Terminologia: léxico, termos técnicos específicos ...................................................... 25 1.3.4 Neologismo: criação e produção Lexical ........................................................................ 27 1. 3.5 Neologia e neologismos: novidade lexical ..................................................................... 28 1.3.6 Tipos de Neologismos ..................................................................................................... 29 2. GÍRIA: NEOLOGISMO SEMÂNTICO POPULAR ...................................................... 32 2. 1 PALAVRA GRÁFICA E PALAVRA DA LÍNGUA ....................................................... 34 2.2 A GÍRIA E A CRIATIVIDADE LEXICAL DE CARÁTER SEMÂNTICO .................... 35 2.3 GÍRIA: SIGNO SOCIAL ................................................................................................... 36 2.3.1 Da gíria de grupo para gíria comum ................................................................................ 38 2.3.2 Dialetos sociais ................................................................................................................ 40 2. 4 NÍVEIS DE LINGUAGEM (REGISTROS) ..................................................................... 41 2.4.1 O uso consciente e/ou inconsciente da gíria .................................................................... 46 3. DAS RUAS DO BRONX PARA O ACRE: UMA BREVE HISTÓRIA DO HIP HOP..........................................................................................................................................50 3.1 HIP HOP: MOVIMENTO SOCIAL OU CULTURA DE RUA? ...................................... 50 3.2 A ORIGEM DO MOVIMENTO HIP HOP ....................................................................... 52 3.2.1 Rap: bem mais que ritmo e poesia ................................................................................... 56 3.2.1.1 O rap na cidade de Rio Branco .................................................................................... 59 3.2.1.2 Como tudo começou ..................................................................................................... 61 3.2.1.3 Grupo Kalibre 12 .......................................................................................................... 63 3.2 1.4 Grupo Zona IX ............................................................................................................. 66 3.2.1.5 Grupo Yaconawas ........................................................................................................ 68 3.2.2 O break ............................................................................................................................ 71 3.2.3 O grafite ........................................................................................................................... 72 4 METODOLOGIA E ANÁLISE DOCORPUS ................................................................. 75 4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................ 77 4.1.1 Descrição e análise das unidades lexicais quebrada/quebra/área/morro/favela/baixada .................................................................................................................................................. 78 4.1.2 Descrição e análise das unidades lexicais ganso/gambé/alemão/os homi (os “zomi”) .............................................................................................................................................. ....82 4.1.3 Descrição e análise da unidade lexical (neológica) Dá um rolé ...................................... 85 4.1.4 Descrição e análise da unidade lexical (neológica) Mina................................................ 86 4.1.5 Descrição e análise da unidade lexical (neológica) Botar fé .......................................... 87 4.1.6 Descrição e análise da unidade lexical (neológica) Neguinho ........................................ 88 GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 107 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110 ANEXOS ............................................................................................................................... 114 13 INTRODUÇÃO Nesta pesquisa, apresentamos um estudo lexicológico e lexicográfico sobre os neologismos semânticos populares (gírias) presentes nas letras de rap: Chico dos Chicos, da banda Yaconawas; Noite na Quebrada, da banda Kalibre 12 e Cotidiano, da banda Zona IX. Nosso objetivo geral é conhecer os neologismos/gírias presentes nas referidas letras de música do gênero rap para tecer uma discussão de natureza gramatical e semântica desses neologismos. Já os objetivos específicos consistem em: a) Verificar os mecanismos dos neologismos populares presentes nas letras das referidas músicas; b) Identificar a neologia como recurso para a criação lexical; c) Apontar, a partir dos neologismos presentes nas letras de música do gênero rap, a produtividade e criatividade lexical, para em seguida, elaborar um vocabulário dos neologismos semânticos populares que encontrarmos nas letras pesquisadas. Para tanto, seguiremos os vieses de estudo de Biderman (2001a), (2001b), (1998); Alves (1994), Preti (1984), Correia e Almeida (2012), cujos estudos situam-se no campo do léxico. Segundo Biderman (2001a), o neologismo é uma das formas de expansão do léxico e “[...] uma criação vocabular nova, incorporada à língua” (BIDERMAN, 2001a, p.203). Quanto ao léxico, Biderman (1998, p. 179) afirma: “O léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos e indefinidos. Abrange todo o universo conceptual dessa língua. [...]” (BIDERMAN, 2001a, p. 179). A partir dos conhecimentos construídos após a leitura desses teóricos, afirmamos que o léxico consiste numa espécie de conjunto de palavras criado, gerenciado e usado coletivamente na sociedade. Então, diante da proposta de estudar o neologismo, situamos esta pesquisa no campo das ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia e Terminologia que, segundo Biderman (2001b), são ciências que têm como objeto de estudo, o léxico. Contudo, concentramos a discussão na Lexicologia, visto que esta ciência, segundo Biderman (2001b, p. 16), “[...] tem como objetos básicos de estudo e análise a palavra, a categorização lexical e a estruturação do léxico [...] a Lexicologia faz fronteira com a semântica, já que, por ocupar- se do léxico e da palavra, tem que considerar sua dimensão significativa”. Os preceitos da Lexicografia também foram de importância ímpar para esta pesquisa, já que organizamos um glossário dos neologismos catalogados nas letras. Os vocábulos foram organizados por ordem alfabética de acordo com a macroestrutura que, segundo Miranda (2007), é um instrumento lexicográfico, dentre outros aspectos. Em relação à organização de 14 cada verbete, utilizamos os preceitos da microestrutura que, de acordo com Miranda (2007), é um instrumento lexicográfico que normatiza a ordenação de cada verbete que constitui um dicionário, glossário e/ou vocabulário. Para Miranda (2007), no plano da microestrutura de uma obra lexicográfica deve conter a palavra-entrada, informações gramaticais, informações etimológicas, definições sobre a forma de cada verbete, bem como definições semânticas. Neste trabalho, os verbetes foram organizados da seguinte forma: entrada do verbete + informação gramatical + definição do verbete + definição neológica. De acordo com Alves (1994), a criação de novas palavras é um fato que marca toda língua natural. E o ato de criar ou renovar o sentido de dadas palavras é facultado a qualquer membro de uma sociedade. De modo que, em todas as línguas naturais é comum a dinamicidade com que são criadas novas palavras e a modificação de significado de palavras já existentes. Isso ocorre por meio das interações sociais e culturais de um povo, em suas práticas discursivas diárias, nas quais os falantes trocam experiências, vivências que permitem o desenvolvimento de novos vocabulários, muitas vezes para significar coisas específicas de determinados meios sociais. No meio do hip hop é comum o uso de gírias, sendo esta uma característica marcante nesse movimento. Na interação comunicativa entre seus integrantes, o uso das gírias é um bem usual. Mas quando se desloca a linguagem utilizada nas ruas, nas situações corriqueiras de comunicação, para as letras de músicas, as gírias podem atingir uma camada muito maior de falantes, o que implica em renovação e expansão lexical. De acordo com Preti (1984, p. 1-3), a gíria é um dos fenômenos lexicais decorrentes da relação língua/sociedade. A gíria consiste num “signo de agressão e defesa na sociedade” diante de situações corriqueiras da vivência em grupo, a linguagem de cada indivíduo deixa transparecer as marcas culturais de sua comunidade. Como a linguagem é forjada pela interação social, Preti (1984) afirma que ocorre uma espécie de nivelamento linguístico, mas em decorrência de embates na esfera política, alguns grupos desenvolvem uma linguagem especial como instrumento de oposição ao já instituído. A possibilidade de produção e reprodução do léxico, bem como a possibilidade de criação e recriação lexical, torna a gíria um fenômeno de variação linguística que, de acordo com Preti (1984) pode ser signo de agressão, de poder e também irreverência. Para o autor, a gíria como signo de irreverência pode ter conotação positiva ou negativa, porque dependendo da situação, uma gíria obscena pode ser usada numa conotação afetiva, por exemplo. Preti (1984) denomina a gíria como “vocabulário-parasita” utilizado como “elemento diferenciador e catártico a certos grupos (e, afinal, as camadas mais diversas da população) 15 [...]” (PRETI, 1984, p. 8). Diante do exposto, inferimos as gírias como um tipo de neologismo. Considera-se a música como um terreno propício aos neologismos. Ela atinge uma camada significativa da sociedade, disseminando ideias, novos falares, novas formas de expressão, através das palavras, as quais, muitas vezes, têm seus sentidos renovados. Rocha et al (2001) afirma que o rap tem grande “poder de sedução sobre o jovem da periferia.” Desse modo, as gírias presentes em suas letras representam o que já se fala nas comunidades, por muitos falantes em suas práticas sociais e culturais. Contudo, o rap brasileiro hoje alcança diversas classes sociais, visto que a globalizaçãofacilita o acesso a esse gênero musical, tanto na mídia televisiva quanto nas demais. Isso implica numa expansão desse estilo musical nas várias classes da sociedade, o que resulta também na popularização da linguagem presente nessas músicas. Desse modo, se o rap não é uma cultura exclusiva das periferias, tampouco as gírias o são. É possível observar a presença de gírias nas práticas comunicativas das mais diversas camadas sociais, ainda que estejam presentes de modo mais marcante em alguns grupos sociais. Diante desse fato, guiamo-nos pela hipótese de que os neologismos presentes nas referidas letras de rap contenham marcas socioculturais oriundas tanto do contexto social acreano como do nacional; de que os fatores sociais influenciam os usuários da língua na formação de neologismos e de que os fatores culturais amazônicos aparecem estratificados nesses neologismos. Para atingir os referidos objetivos, dividimos a dissertação em três capítulos: no primeiro, fazemos uma exposição panorâmica sobre as Ciências do Léxico (Lexicologia, Lexicografia e Terminologia), bem como fazemos uma breve discussão sobre Neologia e Neologismos, explicitando os tipos de neologismos. No segundo, discorremos sobre as gírias, de modo a aprimorar nossas análises e tendo em vista a relevância desse fenômeno. No terceiro capítulo apresentamos breves definições conceituais do hip hop, explicitando a origem desse movimento, sua chegada ao Brasil e ao Acre. De igual modo, abordamos sobre as expressões artísticas que o integram. Ainda no terceiro capítulo, traçamos um breve perfil das três bandas de rap cujas letras foram utilizadas em nossas análises. Por fim, no quarto capítulo, expomos a metodologia e análise o corpus desta pesquisa. Para a catalogação e descrição dos dados, seguimos a metodologia proposta por Correia e Almeida (2012, p. 25-32). Assim, o corpus de extração, ou seja, a fonte de onde retiramos os neologismos foi três letras de músicas do gênero rap acreano: Chico dos Chicos, Noite da quebrada e Cotidiano. Para validar o status de neologismo a cada vocábulo, utilizamos os dicionários gerais de língua portuguesa como: Aurélio, Houaiss, dicionário 16 etimológico e dicionário de gírias. Esses dicionários serviram como corpus de exclusão, já que, segundo Correia e Almeida (2012), os dicionários servem para validar o status de neologismo de cada vocábulo. Segundo as autoras, um vocábulo só é considerado neologismo se não constar no dicionário convencional, caso esteja inserido no dicionário não pode ser considerado neologismo. Para traçar um breve perfil dos três grupos de rap de Rio Branco, tivemos que trabalhar com a fonte oral, que se trata de uma fonte primária, tendo em vista não haver ainda nenhuma outra fonte construída acerca dos três grupos. De modo que, pelo fato de não termos encontrado artigos, entrevistas ou outros tipos de registros, tivemos que ir pessoalmente aos integrantes das bandas/grupos para colhermos as informações necessárias sobre cada uma delas. Sendo assim, realizamos entrevistas com James Santos Pinheiro e Fernando Lucas, da banda Kalibre 12, com Jorge Neto da banda Zona IX e Kinho Dubass, da banda Yaconawas. 17 1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS Entendendo que os conhecimentos teóricos são fundamentais para a compreensão dos objetivos que nortearam o presente trabalho, neste capítulo introdutório apresentaremos conceitos essenciais à pesquisa que foi desenvolvida. Neste campo de conceitos, estivemos atentos às relações léxicas que compreendem cultura e sociedade, visto que sem este embasamento teórico não seria possível analisar a correlação dos mecanismos linguísticos e extralinguísticos que motivaram a criação dos neologismos presentes nas letras das músicas Chico dos Chicos, Cotidiano e Noite na Quebrada. Estivemos atentos, portanto, aos conceitos teóricos que fundamentam o respectivo trabalho, bem como léxico, palavra, vocábulo, lexia, Lexicologia e Terminologia a serem apresentados a seguir. 1.1 LÉXICO E CULTURA A palavra léxico, de forma geral, “designa o conjunto das unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor, etc. [...]” (DUBOIS et al, 2004, p. 364). Esta assertiva sobre o léxico mostra a inter-relação das entidades língua, sociedade e cultura, pois a vivência cotidiana da comunidade requer uso da língua e o uso desta, implica produção de conhecimento e de cultura. Isso se confirma em Biderman (1998) que afirma: “[...] O léxico é a somatória de toda experiência acumulada de uma sociedade e o acervo de sua cultura através das idades”. Como vimos, a cultura se processa no seio da comunidade, vejamos o que afirma Dubois et al: Cultura é o conjunto complexo das representações, dos juízos ideológicos e dos sentimentos que se transmitem no interior de uma comunidade [...] a cultura compreende todas as formas de se representar o mundo exterior [...] entra também tudo que é juízo explícito ou implícito feito sobre a linguagem ou pelo exercício dessa faculdade. [...] (DUBOIS, 2004, p. 162). A partir da proposição de Dubois (2004), compreendemos que o conceito de cultura apresentado por ele abarca “todas as formas de representar o mundo exterior”, em que a linguagem é o ponto propulsor de produção cultural de uma dada comunidade e isso inclui conhecimento empírico e científico, em que este, por seu turno, envolve desde a Literatura às Belas-artes; já o conhecimento empírico consiste elemento social forjado pelas relações 18 triviais do cotidiano. Ou seja, o termo cultura abarca o conhecimento ou conceitos gerados por todo tipo de linguagem e inclui até os preconceitos raciais, por exemplo. Conforme Biderman (2001b, p.13-22), léxico e cultura são entidades que se correlacionam, pois, o léxico se estrutura a partir da atuação linguística do homem no meio social em que a atuação linguística gera cultura, já que a atuação linguística implica interação do homem com meio/mundo e com os demais humanos. O homem precisa se comunicar e ao comunicar-se faz uso de uma série de conhecimentos linguísticos que já existia na comunidade linguística a qual ele pertence antes mesmo dele nascer. Nesse sentido, cabe citar Silva Neto (1992, p. 30): “A evolução linguística está intimamente ligada à evolução histórico-social: a rapidez ou a lentidão das transformações depende da estrutura da sociedade”. A citação anterior enfatiza a relação língua/sociedade, uma correlação genérica que abriga a interface léxico/cultura, pois Biderman afirma que “[...] o léxico de uma língua natural pode ser identificado como patrimônio vocabular de uma comunidade linguística ao longo de sua história [...] esse patrimônio constitui um tesouro cultural abstrato [...]”. (BIDERMAN, 2001b, p 14). Ou seja, o léxico como patrimônio vocabular está estreitamente ligado à cultura, porque ele é estruturado pelo indivíduo por meio da cognição da realidade, processo cognitivo pelo qual os indivíduos formulam as conceituações relativas às informações que apreendem do meio social. De modo que a correlação léxico/cultura coexiste em meio a um ciclo de influências correlatas de criação lexical baseado em conhecimentos já produzidos por uma sociedade situada num tempo pretérito que lega seu conhecimento linguístico à posteridade. E nesse circuito cultural o homem expande o léxico. As comunidades humanas primitivas geraram um léxico básico que se expandiu devido à produção conhecimento que estimulou outras criações lexicais, ampliando cada vez mais o léxico. A progressão na produção de conhecimento dos povos se intensificou, paulatinamente, até atingir o conhecimento técnico-científico da atualidade que cresce de maneira rápida, motivado pela interação cultural entre os povos mediante os meios de comunicaçãode massa como a internet, por exemplo. Contudo, ainda de acordo com Biderman (2011b, p. 15), o intercâmbio cultural entre os povos resulta em expansão do léxico sem comprometer a estrutura das línguas já instituídas. Isso é possível porque o fenômeno neológico permite a criação e expansão lexical baseado em mecanismos próprios de cada língua. Ou seja, o sistema linguístico do português, por exemplo, possui um sistema já formulado pelos falantes dessa língua através do tempo. 19 Partindo da premissa de que o objeto de estudo da Lexicologia é a palavra, a categorização e a estruturação lexical, ressaltamos que neste campo de estudo científico há o uso de termos técnico-científicos como: léxico, lexema, lexia, palavra, vocabulário, vocábulo, que designam entidades linguísticas distintas. Sendo assim, abordamos essas distinções na seção 1.2. 1.2 LÉXICO, PALAVRA, VOCÁBULO E LEXIA Biderman (2001) afirma que as indagações sobre o conceito de palavra, numa perspectiva empírica e científica, marcam a evolução histórica do estudo linguístico. Partindo da ideia de que cada comunidade elabora seu sistema linguístico de acordo com suas respectivas culturas, ressalta-se a inviabilidade de se formular uma conceituação universal para a palavra. A maioria dos usuários da língua detém uma ideia intuitiva do que seja o conceito de palavra que, geralmente, gira em torno da ideia de palavra como unidade mínima de uma frase. No dicionário de linguística consta da seguinte forma: Em linguística tradicional, a palavra é um elemento linguístico significativo composto de um ou mais fonemas; essa sequência é suscetível de uma transcrição escrita (ideogramática, silabária ou alfabética) compreendida entre dois espaços em branco; ela conserva sua forma, total ou parcialmente (no caso da flexão), em seus diversos empregos sintagmáticos; a palavra denota um objeto (substantivo), uma ação ou estado (verbo), uma qualidade (adjetivo), uma relação (preposição), etc. (DUBOIS et al, 2004, p. 450) Contudo, os mesmos autores acrescentam que essa conceituação tradicional não contempla os estudos lexicológicos, porque há questões semânticas envolvidas como, por exemplo, o fato de uma mesma palavra possuir vários sentidos, também pela variação de grafia em palavras gramaticais como verbo e adjetivo. Exemplo: branco e brancura para expressar qualidade. Ou seja, no conceito tradicional de palavra há várias lacunas que inviabilizam um estudo do léxico situado no campo da Linguística estrutural. A oposição entre termo vs. palavra constitue uma das lacunas supramencionadas, já que termo carrega apenas um significado, visto que os termos designam conceitos técnico- científicos, enquanto palavra pode expressar vários significados por situar-se no vocabulário geral. Há também a oposição palavra vs. vocábulo. A palavra numa acepção lexicológica consiste numa “unidade de texto inscrita entre dois brancos gráficos. Cada nova ocorrência é uma nova palavra [...]” (DUBOIS et al, 2004, p. 450). O vocábulo pode expressar uma ideia 20 por meio de duas ou mais palavras como, por exemplo, raio de ação, ideia expressa por três palavras. Esses questionamentos acerca do estudo da linguagem são oriundos das peculiaridades entre língua e fala: A língua não pode ser abordada diretamente. A linguagem, manifestando-se na fala, ou na escrita, constitui a nossa única fonte de acesso à realidade imaterial que é a língua. Nosso conhecimento sobre a estrutura e a realidade linguísticas será sempre precário porque a língua é uma realidade mental que, nos seus limites, se confunde com o próprio pensamento. Se quiser evitar a arbitrariedade nas suas deduções o estudioso dos problemas da linguagem terá de ascender da observação dos fatos da fala para concluir sobre os fatos da língua. (BIDERMAN, 2001a, p.5) A abstração da língua em contraposição com a concretude da fala promove a problemática dos termos técnico-científicos em torno do estudo da linguagem porque segundo Biderman (2001a, p. 167) as palavras são elementos da língua, portanto, abstratas. Numa acepção não linguista os termos palavra e vocábulo são utilizados de maneiras aleatórias, mas num contexto de estudo científico devido a Linguística lidar com o âmbito linguístico (abstrato) e o âmbito discursivo (concreto) os termos palavra e vocábulo precisam ser tratados de modo a contemplar as referidas peculiaridades linguísticas. O léxico situa-se no âmbito da língua, ou seja, na dimensão abstrata. O lexema é unidade do léxico e, portanto, também, abstrata. Conforme consta na citação acima a fala/discurso é o único acesso aos elementos lexicais e gramaticais da língua. O léxico é um acervo de palavras/lexemas que têm forma singular, original, quando o usuário acessa o léxico e efetiva a fala, ele transforma o lexema em lexia porque no discurso ocorre a flexão das palavras/lexemas. Os referidos recursos linguísticos contribuem com o estudo lexicológico, evitando ambiguidades entre determinados conceitos primordiais para o entendimento dos processos lexicais e gramaticais. Nesse particular, temos: O termo vocábulo designa a ocorrência de um lexema no discurso, na terminologia da estatística lexical. Como o termo lexema está reservado às unidades (virtuais) que compõem o léxico, o termo palavra a qualquer ocorrência realizada na fala, o vocábulo será a atualização de um lexema particular no discurso. (DUBOIS, 2004, p. 614) Para melhor compreensão, formulamos o seguinte esquema que representa o uso dos termos vocábulo, lexema e lexia em que estes permeiam o campo terminológico da linguagem científica e aquele (vocábulo) configura termo que permeia o campo da linguagem comum: 21 Linguagem comum Linguagem científica Palavra Linguagem comum Abstrata (língua) Concreto (discurso) Vocábulo Lexema Lexia Menino/meninos/meninada Menino Meninos/meninada Fonte: elaborado pela autora Biderman (2001a, p. 125) assegura que diante da inviabilidade de trabalhar com unidade léxica palavra em estudos linguísticos de qualquer língua, precisamos pautar os estudos no morfema, unidade mínima de significação. Diante de um trabalho de descrição de um determinado corpus oriundo uma língua de natureza articulável como o português, o morfema mostra-se eficaz na descrição dos processos gramaticais. Os morfemas são afixos que se acoplam a determinados radicais. Exemplo: Claro, clareza, claridade, etc. Neste caso, clar- é a raiz da palavra e compreende um mesmo substrato semântico, isto é, detém o mesmo sentido tanto em claro, como em clareza e claridade. Contudo, os afixos o-, eza- e dade- são partículas que formam palavras (lexemas) que fazem parte do campo semântico de Claro. Vale ressaltar que, no presente trabalho, guardadas as discussões travadas pelos teóricos ligados aos estudos lexicais e/ou morfológicos, os termos palavra, vocábulo, lexia e lexema serão usados como sinônimos. Concluída esta descrição sobre o léxico e sua relação com a cultura, convém descrever as ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia e Terminologia. 1.3 AS CIÊNCIAS DO LÉXICO 22 A seguir, descreveremos as ciências que se encarregam do estudo do léxico. As descrições que se seguem têm como objetivo situar a pesquisa que ora nos debruçamos. Nessa perspectiva, destacamos a importância das ciências do léxico para a linguística, uma vez que o patrimônio cultural de um povo está estreitamente ligado ao seu léxico. Logo, o interesse dos estudiosos da língua em estudar o léxicovem desde muito tempo. Muitos linguistas voltam seu olhar para este assunto, o que promoveu a criação das ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia e Terminologia. Essas ciências trazem a referência ao léxico inscrita em seus nomes. De modo que todas elas têm como objetivo maior a descrição desse léxico, apesar de que cada ciência analisa o léxico sob aspectos distintos. Nesse sentido, ao passo que a Lexicologia concentra-se em pesquisar e analisar teoricamente os problemas que fundamentam os saberes científicos do léxico, a Lexicografia tem o seu olhar voltado para os métodos de elaboração de dicionários, a fim de contribuir com as análises da descrição da língua. Já a Terminologia estuda o termo, as palavras e conceitos específicos das áreas distintas do conhecimento. (OLIVEIRA; ISQUERDO, 2001, p. 9-10) 1.3.1 A Lexicologia: léxico, sociedade, cultura Biderman (2001) afirma que a Lexicologia está inserida na área da linguística e tem seus estudos voltados para o léxico, se ocupando de analisá-lo e descrevê-lo. Mas, como já sabemos, o léxico de uma língua muito tem a ver com as relações socioculturais do grupo em que ele se forma e é transmitido de geração a geração. Sendo a língua um sistema aberto e de caráter social, logo, o léxico de uma língua não é fechado, estável, mas se atualiza e se renova constantemente, através das vivências culturais e sociais dos seus falantes. Dessa forma, a Lexicologia tem a tarefa de estudar e descrever, não simplesmente o vocabulário de uma língua, mas também as relações, circunstâncias históricas, socioculturais em que esses vocabulários surgem e são utilizados. A respeito disso, Abbade (2011) diz que: A lexicologia enquanto ciência do léxico estuda as suas diversas relações com os outros sistemas da língua, e, sobretudo as relações internas do próprio léxico. Essa ciência abrange diversos domínios como a formação de palavras, a etimologia, a criação e importação de palavras, a estatística lexical, relacionando-se necessariamente com a fonologia, a morfologia, a sintaxe e em particular com a semântica. (ABBADE, 2011, p.1.332) Embora pareça ser uma tarefa simples, definir Lexicologia não é tão trivial, pois analisando o conceito trazido por Abbade (2011), surgem alguns questionamentos a respeito 23 do lugar que a Lexicologia ocupa nos estudos linguísticos e quais são, de fato, seus objetivos, suas metodologias de pesquisa e análise do seu objeto. Na tentativa de esclarecer melhor essas questões, nos propomos aqui a trazer outras definições acerca dessa ciência. Nessa perspectiva, Andrade (2001), citando Barbosa (1991), define a Lexicologia como sendo o estudo científico do léxico, isto, é, propõe-se a estudar o universo de todas as palavras de uma língua, vistas em sua estruturação, funcionamento e mudança, cabendo-lhe, entre outras tarefas: definir conjuntos e subconjuntos lexicais; examinar as relações do léxico de uma língua com o universo natural, social e cultural; conceituar e delimitar a unidade lexical de base – a lexia -, bem como elaborar os modelos teóricos subjacentes às suas diferentes denominações; abordar a palavra como um instrumento de construção e detecção de uma “visão de mundo”, de uma ideologia, de um sistema de valores, como geradora e reflexo de sistemas culturais; analisar e descrever as relações entre expressão e conteúdo das palavras e os fenômenos daí decorrentes. (BARBOSA, 1991 apud ANDRADE, 2001, p. 191) Assim, a autora afirma que esta ciência procura analisar as palavras em seu sentido macro, considerando-a como ferramenta na construção de uma ideologia, de pensamentos e valores, levando em conta toda sua estrutura e funcionamento, inclusive observando o seu caráter dinâmico, sendo-lhe incumbida, dentre outras, a tarefa de analisar o universo social e cultural de uma língua natural, conceituar a lexia e delimitá-la. Conforme as palavras de Biderman (2001, p.372), “Chama-se lexicologia o estudo científico do vocabulário.” Segundo a autora, “Existem estudos de forma léxica desde a Antiguidade [...]”. Diante das considerações feitas pelos três autores, consideramos que a Lexicologia enquanto ciência do léxico é essencial para trabalhos de análise e descrição das palavras, já que ela fornece informações teóricas para essas pesquisas. 1.3.2 A Lexicografia: léxico e dicionarização A Lexicografia se preocupava, desde os primórdios da história dos estudos linguísticos, em estudar essencialmente os significados das palavras, mas com o passar do tempo ela passou a se ocupar do estudo do léxico e sua descrição. Nas tradições teóricas sempre foi vista como a vertente aplicada da lexicologia (LORENTE, 2004, p. 21). A Lexicografia foi instituída, de fato, com a elaboração dos primeiros dicionários nos séculos XVI e XVII. Desde então, a chamada ciência dos dicionários vem ganhando espaço nos meios científicos. Na atualidade, os dicionários de uma língua são valiosos tesouros no 24 que se refere ao acervo cultural de um povo. Isso porque ele possui as mais significativas descrições conceituais de dada sociedade, o que certamente está ligado à sua cultura. (BIDERMAN 2001 apud OLIVEIRA; ISQUERDO 2001, p.17). Convém insistir que o dicionário de uma língua deve ser visto como um objeto muito valioso no que tange à cultura de um povo, sendo considerado pelos mais renomados estudiosos do léxico como um tesouro cultural e lexical. Partindo dessas considerações, compreendemos que estudar sobre a Lexicografia e versar sobre esta ciência é muito importante para a preservação e propagação dos conceitos adquiridos e empregados ao longo das experiências cognitivas e sociais dos povos. Pois a pesquisa da cultura de um povo é uma tarefa fascinante e motivadora. Pois, diante da dinamicidade da língua e seu caráter mutável, é que torna possível descrever o léxico que as gerações futuras das comunidades linguísticas podem ter acesso aos seus acervos lexicais. Com efeito, não é uma prática tão comum quanto deveria ser o uso de dicionários por uma camada significativa de brasileiros, muito embora já disponhamos de trabalhos lexicográficos muito valiosos em nosso país. Mas esta é uma questão a ser discutida em outro momento. O certo é que temos excelentes trabalhos nesse ramo, como o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, escrito por Aurélio Buarque de Holanda, um dos nomes mais respeitado quando o assunto é trabalho lexicográfico no Brasil. Tomando “o dicionário como um objeto semiótico”, Krieger (2008) diz que Ao registrarem o conjunto das unidades lexicais das línguas comuns ou das chamadas linguagens de especialidade, as obras lexicográficas remetem a universos sociais, culturais, científicos, tecnológicos, jurídicos entre outros, estabelecendo sua dimensão textual. Trata-se assim de uma categoria de texto que fala da cultura, pois o léxico, em virtude de sua natureza primeira de nomear, é semanticamente co- extensivo à cultura que o suporta e à realidade por ele recortada. (KRIEGER, 2008, p.3). Nesse sentido, os estudos lexicográficos contribuem para a manutenção e formalização de registros linguísticos dos povos, de modo a perpetuar também informações valiosas sobre a cultura desses povos, tendo em vista o caráter social e cultural do léxico. Mas, embora o trabalho feito por profissionais desta área seja fundamental para a perpetuação das normas lexicais vigentes no meio social, conforme sugere (BIDERMAN, apud OLIVEIRA e ISQUERDO 2001, p.19), o dicionarista é apenas o responsável por registrar os vários conceitos e dizeres presentes em uma dada comunidade linguística. Em outras palavras, é no cotidiano de um povo, em suas práticas sociais que se estabelecem os conceitos e novas palavras. Sendo, portanto, a comunidade linguística, a peça mais importante 25 nesse processo, apesar de o papel do lexicógrafoser indispensável para a descrição e registro dessas normas. Feitas tais considerações, vale destacar ainda a importância dos dicionários bilíngues que são imprescindíveis aos estudantes de língua estrangeira nos seus primeiros contatos com outras línguas. Pois é nesse tipo de material que os estudantes fazem suas primeiras pesquisas acerca do vocabulário vigente nessa nova língua a ser descoberta. Acerca da importância dada à “obra lexicográfica”, Krieger (2008, p.4) , afirma que ela é “o cartório das palavras”, já que dá a elas a “certidão de nascimento”. Assim, o dicionário bilíngue é tão importante quanto os demais tipos de obras lexicográficas. No entanto, vale dizer que ainda percebemos uma lacuna a ser preenchida nesse tipo de obra no tocante ao registro de algumas ocorrências comuns nas línguas estrangeiras, mas que os estudantes bilíngues costumam ter pouco acesso: as gírias e expressões idiomáticas. Com efeito, sabemos que existem materiais específicos voltados para os registros desse tipo de ocorrência linguística. Todavia, entendemos que a agregação dessas ocorrências, em dicionários oficiais, ainda que nos dicionários digitais/online facilitariam a compreensão tanto da língua em desenvolvimento quanto da cultura que a permeia. 1.3.3 A Terminologia: léxico, termos técnicos específicos Compreender alguns termos aplicados na linguagem técnica/científica de uma língua não era tão viável em tempos passados, sobretudo quando se tratava de uma língua estrangeira. A Lexicografia muito contribuiu, desde suas primeiras obras, para o registro e popularização desses termos. Hoje, com a globalização e o advento da internet já é possível ter acesso a informações, outrora restritas, em apenas um clique. Com efeito, as obras lexicográficas são fundamentais para se fazer conhecer esse universo de palavras que permeiam as várias áreas do conhecimento científico e tecnológico. No entanto, sem os trabalhos terminológicos isso não seria possível. Como o próprio nome infere, a Terminologia é a ciência que se ocupa de estudar o léxico de uma língua, com o olhar voltado para os termos específicos das várias áreas do conhecimento. Para muitos estudiosos da linguística, a Terminologia é considerada uma disciplina que se ocupa em estudar os termos específicos das várias áreas da ciência, artes, dentre outros. Acredita-se que os estudos terminológicos no Brasil começam a se fortalecer somente na década de 1980. Conforme a evolução tecnológica, científica, etc, das sociedades em geral, houve a necessidade de se estudar os termos técnicos que iam surgindo, até mesmo para 26 falantes de línguas estrangeiras que se deparavam com termos específicos de determinadas áreas profissionais ou científicas e tinham dificuldade em compreendê-los. Para suprir essa necessidade, surge a Terminologia, na qualidade de disciplina científica que estuda as chamadas línguas (ou linguagens) de especialidade e seu vocabulário, que desempenha um papel fundamental nesse processo (BARROS, 2004, p.21). Mas, apesar da sua grande importância para as várias áreas do conhecimento, essa ciência ainda se restringia ao meio universitário. Com o passar do tempo esses estudos se expandiram, deixando de ser somente pesquisas universitárias e chegando às empresas com o intuito de simplificar a compreensão e comunicação na troca de informações entre os mais diversos campos do conhecimento. Nesse sentido, a terminologia passa a ser de interesse não só dos cientistas renomados da área, mas se torna interessante para cientistas das mais variadas áreas. Segundo Andrade (2001, p. 192), a Terminologia e a Lexicologia estão interligadas de modo que a Lexicologia pode ser considerada como parte específica da Terminologia, tendo em vista que a terminologia estuda as palavras que integram as linguagens técnicas, especializadas das várias áreas de conhecimento e a Lexicologia se ocupa dos estudos do léxico de modo mais amplo, integral. Nesse sentido, Lorente (2004, p. 29) afirma que o objetivo da Terminologia “é dar conta do funcionamento das unidades lexicais especializadas em situações comunicativas profissionais, acadêmicas ou científicas”. Num tecer de fios sobre a Terminologia, Clas (2004) diz que “o sentido vai opor, certamente, a palavra ao termo, especificando que a palavra está ligada, de forma ampla, a seu ambiente textual, mas que o termo depende de seu ambiente pragmático”. (CLAS, 2004, p. 225). Em outras palavras, a palavra é mais ampla, abrange conceitos de modo geral, enquanto que o termo é voltado para conceitos específicos que se constituem por meio das palavras em práticas cotidianas de um povo em áreas específicas e não em uma esfera global. Por fim, palavra e termo são semelhantes no que se refere à sua função comunicativa e conceitual, mas distintas em suas ações/finalidades específicas. Ainda conceituando Terminologia, Andrade (2001) diz que “a terminologia pode ser encarada como uma “especificidade” da Lexicologia, uma vez que trata, não de todas as palavras da língua, mas daquelas que constituem as linguagens especializadas. ” (ANDRADE, 2001, p. 192) Sendo assim, entendemos que os estudos lexicais são trabalhos de suma importância para a linguística, de modo que com a criação das ciências do léxico esses trabalhos puderam ser realizados de forma sistematizada, propiciando melhor compreensão do léxico e seu 27 funcionamento. E como já foi dito anteriormente, essas ciências têm em comum o seu objeto de estudo, o léxico, embora o analisem de modos distintos. O que implica numa contribuição significativa dessas disciplinas para os estudos linguísticos, englobando cientificamente pesquisas e descrições acerca do léxico de um povo e sua cultura. Diante de tais descrições sobre as ciências do léxico, ressaltamos que a ciência que nos interessa para nortear nossa pesquisa é a Lexicologia, em outras palavras, é na Lexicologia que nossa pesquisa está fundamentada. 1.3.4 Neologismo: criação e produção Lexical A criatividade lexical, segundo Alves (1994), vincula-se à Neologia, processo de criação lexical que propicia aos falantes expandirem e renovarem o acervo lexical que usam articulando o signo linguístico criativamente. A autora em tela afirma, ainda, que o neologismo é o resultado do processo de neologia e que esses neologismos podem se formar a partir de processos autóctones ou por mecanismos linguísticos provenientes de outros sistemas linguísticos. Derivação e composição são mecanismos de ampliação lexical que a língua portuguesa herdou do latim. Além desse mecanismo, há também o mecanismo de criação lexical por empréstimo que se dá por meio de intercâmbio cultural entre povos e resulta numa intensa inserção de vocábulos estrangeiros no léxico da língua portuguesa. Diante da premissa de que a língua portuguesa possui mecanismo de ampliação lexical e que esse sistema perpassa gerações, como patrimônio linguístico, em que os usuários nativos dominam com exímia eficiência, destaca-se a criatividade léxica que permite ao usuário da língua operacionalizar a expansão lexical por meio de sua competência linguística. Correia e Almeida (2012, p. 19) assinalam a “produtividade lexical como a capacidade inerente ao próprio sistema linguístico que permite a construção de palavras por processos interiorizados, aplicados normalmente de modo inconsciente e sistemático.” O neologismo correlaciona-se com a produtividade lexical, uma vez que a criação de palavras consiste em produzi-las. Entretanto, as autoras destacam o neologismo de língua como unidades lexicais que constituem palavra nova, mas não detém característica inovadora, porque os usuários da língua se valem da competência derivacional que possuem para produzir neologismos que aparentemente iguais às unidades lexicais já existentes. Exemplo: advérbios constituídospelo sufixo -mente. 28 Quanto à criatividade lexical, Correia e Almeida (2012, p. 19) assinalam: “[...] criatividade lexical, entendida como a capacidade que o falante possui para alargar o sistema linguístico, de forma consciente, por meio de princípios de abstração e comparação imprevisíveis, mas claramente motivados.” Os neologismos estilísticos são exemplos da criatividade envolvida na produção de palavras novas, visto que tal mecanismo consiste numa expressividade discursiva enfática de algo já existente, mas que precisa ser expresso de maneira inovadora, diferente. 1. 3.5 Neologia e neologismos: novidade lexical Como foi dito anteriormente, de acordo com Correia e Almeida (2012), a neologia consiste no processo de criação lexical enquanto que o neologismo é o produto desse processo, isto é, o neologismo é a palavra nova em si. O estudo voltado para o aspecto de expansão do léxico envolve vários fenômenos linguísticos, no entanto, nesta abordagem, nos deteremos no neologismo. Um dos parâmetros essenciais para entendermos esse fenômeno é o conhecimento sobre o caráter natural da língua portuguesa. A língua portuguesa, segundo Teyssier (1982), constituiu-se numa dinâmica de intercâmbio cultural entre os romanos e os povos situados na península itálica. A partir dessa interação originou-se o latim vulgar, isto é, do latim falado pelos soldados que falavam o latim vulgar, uma variação do latim clássico, falado pelos eclesiásticos. O latim vulgar ao conectar-se com outras línguas foi naturalmente variando, inovando, mudando, expandindo- se. O neologismo é um dos fenômenos linguísticos que propiciam essa dinâmica, já que, segundo Correia e Almeida (2012), a mudança, a inovação são peculiaridades da língua natural. A flexibilidade das palavras, característica do sistema das línguas naturais, se fundamenta nas combinações entre radicais e afixos. Correia e Almeida (2012) afirmam que os radicais/raízes são unidades de significado lexical, enquanto que os afixos (sufixos e prefixos) detêm significado gramatical. Os radicais apesar de terem significado e significante não possuem status de palavra porque não são articuláveis, flexíveis. Contudo, a formação de novas palavras incide, justamente, na junção do radical (unidade de significação lexical) com sufixos e prefixos (unidades de significação gramatical). O processo de criação do léxico pode ocorrer por meio da neologia denominativa que nada mais é do que nomear novas realidades, objetos e entidades em geral. Há também a neologia estilística atrelada à necessidade de nomear algo que já existe, projetando a 29 subjetividade do agente nomeador sobre o objeto por ele denominado, tornando a nomeação original, inédita e inovadora. Ocorre, também, a neologia de língua que é um tipo de mecanismo de expansão lexical que cria uma palavra nova a partir do mecanismo próprio da língua sem destoar da estrutura usual da língua, em que se formam advérbios terminados em –mente; adjetivo em –vel ou particípios passados adjetivados. Assim, explicitamos os tipos de neologismos em 1.3.6. 1.3.6 Tipos de Neologismos Alves (1994) assinala que o neologismo fonológico é um tipo de criação lexical, cuja novidade afeta o significante do signo linguístico, ou seja, na dimensão sonora do signo. Contudo, segundo a autora, é raro um neologismo essencialmente fonológico, porque para ser completamente inédito não pode ser baseado em nenhuma outra palavra já existente, teria de ser imotivado. Correia e Almeida (2012) asseguram que a onomatopeia é como um neologismo fonológico, que de certa forma, tem o significante inédito. Entretanto, ocorre que esta criação não é totalmente imotivada, porque, geralmente, as onomatopeias são criadas para expressar algum tipo de entidade sonora como grito, ruídos em geral e isso a tira o caráter de ineditismo. As autoras também explicitam que o neologismo sintático é um tipo de criação lexical que, ao contrário do fonológico vincula-se a elementos linguísticos já existentes, numa combinação de elementos constituintes tanto no nível lexical que inclui combinação de radicais e afixos quanto no nível frásico. Nesse contexto, para Correia e Almeida (2012), há neologismos formados por derivação prefixal, derivação sufixal que podem provocar mudança de classe de palavras, mudança de função; há, também, o recurso de criação de palavras por composição que envolve justaposição e aglutinação, sintagmática, por siglas, etc. As autoras/pesquisadoras asseguram que os neologismos semânticos promovem mudança e inovação de significado/sentido da unidade lexical sem, contudo, promover alteração na estrutura da mesma. Assim, destacamos a metáfora, metonímia, sinédoque, a gíria como recursos neológicos semânticos. Destacam-se, ainda, processos neológicos de truncação, palavra-valise, reduplicação, derivação regressiva, Neologismos por empréstimos como estrangeirismo, decalque, etc. Cabe destacar a diferença entre os processos neológicos de derivação e composição abordada por Correia e Almeida (2012). Para elas, esses processos de construção se distinguem a princípio pela dificuldade de definir se a construção de determinadas palavras se 30 deu por meio do processo de derivação por prefixação ou por composição como nas seguintes construções: hipermercado, psicopedagogo. As autoras explicitam as peculiaridades do processo de derivação afixal e de composição. a. Na derivação afixal em que um prefixo e/ou sufixo se juntam a um determinado radical para formar uma nova palavra, nestas hipotéticas construções, apenas o radical possui propriedade significativa. b. No processo de composição, as unidades composicionais já existem de maneira autônoma ou não no léxico e, por isso, têm propriedades significativas, pois são unidades lexicais que se unem para formar outra. c. A derivação é um processo de formação de palavras regido por regras, o que permite, dentre outras coisas, prever o significado da hipotética palavra nova, os afixos de uma dada língua são limitados o que torna tal processo mais regular que o processo de composição. d. Os afixos são unidades essencialmente gramaticais, o que significa que não oscilam semanticamente, por isso são conhecidas, também, como unidades fechadas. Outra característica dos afixos consiste no fato de que existem em número limitado. (CORREIA; ALMEIDA, 2012, p. 36) Já o processo de composição, de acordo com Correia e Almeida (2012), é um processo menos previsível, já que: a. As possibilidades de combinação são praticamente ilimitadas, visto que o processo de composição pode ser efetuado por qualquer unidade; b. A imprevisibilidade também se estende ao nível sintático, visto que nesse a composição é influenciada por fatores extralinguísticos; c. Os elementos integrantes de uma dada composição possuem significado lexical e pertencem às classes de palavras, tais como: substantivos, adjetivos, verbo, advérbio. (CORREIA; ALMEIDA, 2012, p. 37) Correia e Almeida (2012) informam que a derivação e a composição são mecanismos neológicos que se desdobram por meio vários outros mecanismos como derivação imprópria (quando ocorre mudança de classe de palavra) derivação regressiva (um tipo de derivação que se constrói por meio da retirada de um elemento da unidade lexical que, no caso, sempre é um verbo que se nominaliza); derivação afixal (que pode ser prefixal, sufixal ou parassintética). No caso da composição pode ser: morfológica (relação entre os elementos constituintes das palavras), composição morfossintática (relação estabelecida entre as palavras num sintagma), recomposição (quando um determinado radical é ressignificado e o usuário da língua constrói outras palavras com tal radical que teve seu campo semântico dilatado). Para Correia e Almeida (2012), há o fenômeno neológico pormeio dos amálgamas que são vocábulos constituídos pela junção de fragmentos de palavras distintas, como por exemplo, aborrescente que se configura pela fusão das palavras aborrecimento e adolescente. As autoras apresentam o processo de produtividade lexical ao qual elas denominam truncação 31 ou abreviação vocabular que ocorre mediante o corte de palavras de quatro sílabas em diante, de modo que o corte diminui a palavra provocando uma espécie de abreviação como, por exemplo, o uso do vocábulo cerva para designar a ideia vinculada ao vocábulo cerveja. As autoras também apontam os recursos semânticos como fonte geradora de novas palavras. Elas usam a expressão extensão semântica para tratar da operacionalização que os usuários da língua efetuam atribuindo novos significados às palavras/vocábulos já existentes. A metáfora e a metonímia são mecanismos do processo de extensão semântica. Esses mecanismos são abordados por Correia e Almeida (2012) que incluem a gíria dentre os vários mecanismos neológicos. Para Preti (1984), a gíria consiste numa estratégia de comunicação que facilita a troca de informações entre indivíduos que têm necessidades em comum, uma vez que a vivência em grupo requer compartilhamento de ideias via língua(gem). Por isso, entendemos a gíria como um fenômeno linguístico de expansão do léxico que de acordo com Preti (1984) permite que o usuário da língua ante a necessidade de se deslocar dentro de um discurso, inovando, atualizando o léxico do grupo linguístico do qual faz parte. Assim, o estudo da gíria como fenômeno linguístico que, de acordo Preti (1984), é uma linguagem especial que mostra a originalidade de um recurso utilizado como elemento de autoafirmação. Mas, além da originalidade, a gíria é usada como elemento de oposição à linguagem tradicional, se opondo, principalmente, ao padrão linguístico. Após a apresentação dos aspectos teóricos que envolvem, em primeira instância, a linguagem, discorrermos sobre as gírias, afim de melhor expor os estudos das letras de rap. Então, dada à significância desse fenômeno, elaboramos um capítulo sobre gíria. 32 2. GÍRIA: NEOLOGISMO SEMÂNTICO POPULAR Preti (1984) explica que o fenômeno gírio teve origem no vocabulário popular, principalmente no vocabulário dos malfeitores, sem descartar os grupos de universitários e grupos de trabalhadores, etc. O autor afirma também que a gíria nasce no seio de grupos sociais e permanece restrito ao uso dos falantes desses grupos e, num momento posterior, perde seu caráter restrito e torna-se de uso comum. Agora, vejamos o conceito de gíria no Dicionário Aurélio (1988): Gíria s.f 1. Linguagem de malfeitores, malandros, etc., com a qual procuram não ser entendidos pelas outras pessoas, calão. 2. Linguagem peculiar àqueles que exercem a mesma profissão ou arte; jargão. 3. Linguagem que, nascida num determinado grupo social, termina estendendo-se, por sua expressividade, à linguagem familiar de todas as camadas sociais. 4. Palavra ou expressão gíria. (FERREIRA, 1988, p. 323). O conceito do verbete gíria contidos no dicionário Aurélio, provavelmente, foram baseados nas proposições de Preti (1984), pois a publicação do referido dicionário ocorreu quatro anos após a publicação desse pesquisador do fenômeno gírio cujo registro foi exatamente igual ao que consta no dicionário Aurélio. A conceituação de Preti (1984) mostra que apesar de o fenômeno gírio ser essencialmente popular, não se apresenta da mesma forma em todas as sociedades, visto que existe sociedade na qual a gíria é mais restrita aos grupos, mantendo um perfil mais sigiloso; em outras, a gíria se apresenta mais popular, de uso geral, disponível a todos. Isso indica, segundo o autor, que o estudo do fenômeno gírio implica estudar, também, as estruturas sociais de tais grupos. Para o autor, o estudo da gíria, dos termos técnicos e das palavras obscenas está ligado à sociolinguística e, por isso se relaciona à questão da variedade linguística, dos dialetos sociais, dos registros que constam em cada dialeto, do idioleto, ao contexto, à situação circunstancial, etc. Vejamos a definição do termo gíria no dicionário Houaiss (2015, p.489) “Gíria. sf. LING. vocabulário informal e próprio de um grupo social.”. Percebamos que, nesta definição, usa-se o termo vocabulário para abordar o fenômeno gírio. A partir da afirmação de que a gíria é proveniente da linguagem popular e é um elemento do vocabulário, compreendemos que a gíria é fenômeno que nasce da língua em uso, ou seja, a gíria está no nível da fala, uma vez que, para Barbosa (2001), o termo vocabulário é relativo à fala. Ainda acerca do termo vocábulo, Dubois et al (2004) diz que um vocábulo pode expressar uma ideia por meio de 33 uma ou mais palavras, exatamente como está definido no dicionário Aurélio “palavra ou expressão gíria”. Partindo da proposição de Preti (1984) de que vocábulo expressa ideia constituída por uma ou por mais de uma palavra, expomos dois vocábulos, que segundo Preti (1984, p.25), pertencem à gíria carcerária, tais como: “abutre diz-se do detento que explora o companheiro, vendendo-o, delatando-o, com benefícios próprios”. Em abutre a construção de sentido é realizada por apenas um formante/palavra. Já em “Cela das noivas é, no seu humor amargo, aquela em que os prisioneiros passam a primeira noite, não raro sujeitos às violências sexuais dos líderes”. Neste caso, a construção de sentido se dá por meio de um sintagma constituído por: substantivo + preposição + substantivo. No caso do vocábulo gírio abutre, ocorre o neologismo semântico, visto que o sentido do vocábulo se dilata, por meio da polissemia. Neste caso, ocorre uma extensão semântica que para Correia e Almeida (2012, p. 62) é “um dos processos mais produtivos de inovação vocabular consiste na aquisição de novos significados por parte de palavras já existentes”. Já na composição, cela das noivas que apesar de, também, transmitir uma modificação no sentido, chamamos atenção para forma do sintagma. Este tipo de formação com mais de um formante/palavras, para Alves (1994) o neologismo formado por sintagma é considerado como neologismo sintático. Neste tipo de construção neológica, segundo Alves (1994) ocorre uma combinação de vários elementos linguísticos que extrapolam nível lexical e alcançam o nível frásico, constituindo um construto frasal com valor de unidade lexical. Nestes dois exemplos, o que chama atenção é que a extensão semântica ocorre nas duas construções, mas no segundo exemplo, a dilatação de sentido se dá no conjunto das três palavras cela + das + noivas, ou seja, a dilatação de sentido se dá em bloco. Nesse contexto de uso da gíria, Preti (1984) destaca que e a maioria dos falantes, apesar de transgredir o signo linguístico, articulando com destreza os mecanismos léxico- semânticos que exemplificamos anteriormente, não descaracteriza o sistema linguístico, no sentido de criar um novo código linguístico. Para o autor, o que ocorre é tão somente alterações que se dão no nível do significado/sentido por intermédio de metáforas e alterações de significantes de vocábulos usuais como, por exemplo, satisfa, vivaldino, etc., o que não descaracteriza o sistema linguístico. Para Preti (1984), o estudo do fenômeno gírio pode ser abordado por dois vieses, um que priorize os aspectos sociais e outro direcionado ao fato linguístico. Este último, ele, o autor, coloca como: “interesse linguístico pelo fato social”. Nesta direção, o autor explicita 34 que o estudo da gíria tomado por um viés linguístico envolve apreciação do vocabulário, das variações, das particularidades semânticas e morfológicas. Por isso, destacamos algumas peculiaridades do sistema linguístico do português. 2. 1 PALAVRA GRÁFICA E PALAVRA DA LÍNGUA Considerando aspremissas que Preti (1984) expõe acerca do estudo da gíria, convém assinalar algumas ideias básicas do estudo lexicológico, já que a gíria é uma unidade vocábulo/unidade lexical/palavra. Para Correia e Almeida (2012), o termo palavra é de difícil definição, contudo, as autoras conceituam palavra como uma sequência de sons (significante) ao qual é associado um padrão flexional, uma categoria morfossintática e um ou vários significados. As autoras em tela apresentam dois tipos de palavras, as palavras gráficas e as palavras da língua que representam a modalidade escrita e a modalidade falada, respectivamente. A palavra gráfica é uma sequência de caracteres delimitados por espaços em branco e, as palavras da língua apresentam-se tanto numa dimensão superior quanto numa dimensão inferior à palavra gráfica. De acordo com as asserções de Correia e Almeida (2012), entendemos que a palavra gráfica é única, já que os espaços em branco a delimitam, enquanto a palavra da língua pode ser superior à palavra gráfica pelo fato de ser constituída por várias sequências de caracteres delimitados por espaços em branco. As autoras afirmam que os compostos sintáticos, como por exemplo, casa da saúde e sala de jantar; e as locuções por cima de (preposicional), visto que (conjuncional), eu mesmo (a) (pronominal) e de cor (adverbial) são exemplos de palavras da língua. Correia e Almeida (2012) destacam, também, as estruturas inferiores à palavra gráfica que elas denominam de unidades infralexicais que são as raízes e os afixos. A raiz/radical é classificada, pelas autoras, como unidade infralexical de significado lexical, cuja principal característica é a falta de autonomia, uma vez que não se flexionam, apesar de possuir significante, significado e categoria morfossintática não possuem o padrão flexional. Ou seja, as unidades infralexicais de significado lexical, segundo Correia e Almeida (2012), não podem funcionar sintaticamente, funcionam tão somente para a formação de outras palavras. Quanto aos afixos que, segundo as autoras, são classificados como unidades infralexicais de significado gramatical que têm apenas função gramatical de se associar às unidades de significado lexical para construírem novas palavras. 35 Na construção da gíria, estes mecanismos podem ser operacionalizados de muitas formas. O falante tem liberdade de trabalhar com as palavras da língua da maneira que a sua criatividade linguística permitir. De acordo com Preti (1984, p. 80-81), “[...] a língua toma uma função instrumental e serve aos interesses imediatos das relações sociais, destinando-se a comunicar e expressar nossos pensamentos.” Assim sendo, verificamos que o diálogo do usuário da língua com o meio e com os demais usuários da língua é o fator que estimula o uso gíria, já que esta emerge do convívio social. 2.2 A GÍRIA E A CRIATIVIDADE LEXICAL DE CARÁTER SEMÂNTICO Para Preti (1984) a gíria e, principalmente, as palavras obscenas e o discurso de malícia são envoltos num “jogo semântico”, numa acepção de ambiguidades, significações implícitas, Para Marcuschi (2007, p.59), “[...] o significado é parte integrante da palavra, pertencendo tanto ao pensamento como à linguagem: uma palavra sem significação é vazia.” Segundo Preti (1984), o falante ao usar gírias ou discursos maliciosos, algumas vezes, manifesta seus pensamentos, suas intenções de maneira velada, numa estratégia de usar tais recursos linguísticos de maneira sutil de modo a não se comprometer. Contudo, o autor diz que tal estratégia requer um diálogo em que os interlocutores compartilhem das mesmas informações contextuais, situacionais, culturais que permitam inferências que possibilitem ao interlocutor entender o significado implícito. Essas estratégias semânticas, segundo Alves (1994), podem ocorrer por meio da metáfora, metonímia, sinódoque, etc. Neste particular, o que se destaca é a criatividade linguística. Nos termos de Marcuschi (2007), “[...] a criatividade não se acha ao nível do uso de símbolos linguísticos, mas no nível da atividade que produz o conhecimento que os símbolos transmitem”. Para o autor em tela, a criatividade centra-se na capacidade de transmitir, com excelência, o conhecimento que foi criado a partir da transgressão da norma linguística instituída. Assim, de acordo com Preti (1984) a gíria e o discurso obsceno é uma estratégia em que os falantes usam muito os recursos semânticos e ignoram toda tentativa de padronização linguística, pois nos termos de Preti (1984, p.8), “a gíria esse vocabulário parasita continuará como elemento diferenciador e catártico a que certos grupos jamais renunciariam sob pena de perderem uma das formas mais eficientes de marcarem sua presença na grande comunidade”. 36 2.3 GÍRIA: SIGNO SOCIAL Preti (1984) aborda a temática gíria, enfatizando-a como “um signo de agressão e defesa na sociedade”, nessa abordagem ele afirma que a gíria se origina ante aos anseios sócio-políticos que emanam da comunicação necessária para a interação e vivência em sociedade e, consequentemente, das relações socioculturais entre os falantes. Para o autor, o seio social é um aspecto muito importante no estudo da gíria porque é na linguagem popular que a gíria se torna fenômeno linguístico. Para o autor, a gíria é um hábito linguístico cuja manutenção se dá por meio do uso. Ou seja, o falante, ao comunicar-se, atualiza o código linguístico, pautado em tudo que o rodeia, principalmente, nos aspectos políticos/ideológicos que permeiam a vida deles no grupo social. Considerando a comunicação como foco da interação dos falantes em perspectiva social, cultural e política, Preti (1984) afirma que dentro do seio social existem vários grupos de falantes que atuam politicamente, como por exemplo, os estudantes, policiais, marginais, etc. Para o autor, os falantes, enquanto atores sociais tendem a manifestar seus anseios políticos por meio de estratégias linguísticas como a gíria, já que este fenômeno diferencia-se do uso do vocabulário comum, convencional e, devido a isso, causa estranhamento. Nesse sentido, cabe destacar os rappers como grupo de falantes que atuam politicamente na sociedade e que fazem uso da gíria para expor a realidade das periferias e protestar contra preconceitos raciais, desigualdades sociais, etc. Contudo, ao fazerem uso de gírias, os rappers, são vistos, geralmente, como marginais. O estranhamento, por sua vez, é manifestado, segundo o autor, por intermédio da crítica, uma vez que o uso da gíria, geralmente, soa num tom agressivo, e o estranhamento se dá, justamente, por infringir as normas linguísticas preestabelecidas na comunidade linguística em geral. Contudo, Preti (1984) assegura que além da crítica surge também, em contrapartida, a curiosidade, uma vez que a gíria é uma forma de o falante demonstrar seu posicionamento político dentro da sociedade e tal posicionamento é manifestado por ideias implícitas nos termos giriáticos e o uso deles instiga os demais falantes quanto aos seus eventuais significados. Assim, Preti (1984) assinala que o surgimento da gíria ocorreu dentro de grupos restritos que coexistem dentro da sociedade e que tal fenômeno marca o conflito de ideais entre variados grupos que incluem marginais e intelectuais, cuja maioria é formada por jovens. Para o autor, a cosmovisão do jovem é, naturalmente, questionadora, crítica, de modo 37 que os jovens tendem a posicionarem-se, politicamente, de modo transgressor. Para o autor, essa transgressão se dá no sentido de que o jovem faz uma releitura das circunstâncias sociais e tende a contestar as regras de um modo geral por intermédio da fala. Essa subversão das regras é demonstrada no âmbito da linguagem, principalmente, por meio da modalidade falada, visto que isso constitui uma estratégia que marca de forma imediata e explícita a