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ACALÁSIA OU MEGAESOFAGO SBCMC I - 2021.2 Gastro Cirurgica INTRODUÇÃO ● Megaesôfago = aumento no tamanho do órgão ● Acalásia = falha na abertura da cárdia (é uma válvula do estômago que fica localizada na transição entre o estômago e o esôfago) ● Em algumas regiões é conhecido como "mal do engasgo" ANATOMIA DO ESÔFAGO ● Órgão muscular, tubular, que serve para a condução/transporte do alimento da cavidade oral para o estômago. ● Divide-se em 03 porções: cervical, torácica e abdominal (2-3cm). ● Tem início no esfíncter esofagiano superior e se estende, terminando no esfíncter esofágico inferior. Camadas da parede: ● Camada Mucosa: é a camada mais interna, possui um camada muscular extra, chamada camada muscular da mucosa. ● Camada Submucosa: é onde ocorre a acalasia, nessa camada encontramos os plexos mioentéricos (Meissner e Auerbach) ● Camada Muscular Própria: composta por musculatura circular e longitudinal, é onde está localizado o EEI ● Camada Adventícia/Serosa: é a mais externa, presente somente na porção abdominal do esôfago - as camadas cervical e torácica são desprovidas de serosa. FISIOPATOLOGIA ● Ocorre uma degeneração/destruição das células ganglionares do plexo mioentérico: ○ Degeneração inflamatória dos neurônios inibitórios produtores de óxido nítrico ○ Neurônios colinérgicos poupados ○ Diminuição dos plexos nervosos do esôfago. ● Não relaxamento do EEI, aperistalse ou atonia do corpo esofágico: ○ Estase esofágica com hipertonia ○ Atrofia e espessamento da parede esofágica ● Megaesôfago: ○ Da estase alimentar com adelgaçamento e perda da tonicidade muscular. Explicando…: a princípio, ocorre uma degeneração das células do plexo mioentérico, essa degeneração é de caráter inflamatório e acomete principalmente os neurônios produtores de óxido nítrico (NO), que é uma substância fundamental para o relaxamento das fibras musculares, logo, inicia-se uma dificuldade para o relaxamento dessas fibras. Além disso, essa destruição poupa os neurônios colinérgicos, os quais produzem Acetilcolina (Ach) que promove a contração das fibras musculares. Essa manutenção da contração com falha do relaxamento, ocorre principalmente na região do esfíncter esofagiano inferior, consequentemente, o alimento passa a ter dificuldade para transpor esse esfíncter, o que leva a uma estase alimentar no interior do esôfago (o alimento fica retido no esôfago). Nos estágios iniciais, o organismo entende que precisa fazer uma “força no esôfago” para expulsar o alimento, então começa a contrair a musculatura, o que consequentemente, leva a uma hipertrofia com espessamento da parede esofágica. Em estágios mais avançados, a camada muscular entende que não consegue vencer a contração do EEI, e acaba “cedendo”, então passa a ocorrer uma atrofia da musculatura com consequente adelgaçamento da parede e dilatação da luz do órgão. Pela estase alimentar, vai ocorrer também um processo de decomposição do alimento no interior do esôfago, o que está associado ao surgimento de sintomas como azia e esofagite. ETIOLOGIA Acalásia Primária: é idiopática ● Não se sabe ao certo qual a causa, mas acredita-se que esteja associada a processos autoimunes. Acalásia Secundária: Chagásica ● Doença de Chagas - descoberta pelo brasileiro Carlos Chagas. ● Agente: Trypanossoma cruzi - protozoário ● Vetor: mosquito barbeiro, um inseto hematófago triatomideo. ○ O mosquito, ao picar o indivíduo têm um reflexo que faz ele defecar. Esse indivíduo no momento que coça a picada arrasta o protozoário, que está nas fezes do barbeiro, para o interior da ferida, o que faz com ele chegue à corrente sanguínea, determinando a infecção. O protozoário, ao adentrar a corrente sanguínea, vai buscar células nervosas (ele tem tropismo por nervos) principalmente do coração e esôfago. ● O quadro agudo é inespecífico, caracterizado por febre e dor no corpo. Cronicamente, o paciente vai apresentar manifestações relacionadas à destruição das células nervosas (megaesôfago, megacólon e cardiopatia chagásica) ● Diagnóstico: teste sorológico - reação de Machado-Guerreiro SINAIS E SINTOMAS ● Disfagia progressiva: o paciente tem dificuldade para engolir a comida, a princípio a dificuldade é para engolir alimentos sólidos, depois pastosos e por fim líquidos. ○ O paciente,a princípio, vai relatar que precisa beber muito líquido para o alimento sólido “descer”, isso porque o líquido no esôfago vai exercer uma pressão que empurra o alimento, ajudando na deglutição. ● Perda ponderal: está relacionada à disfagia, como o paciente tem dificuldade para engolir, ele acaba diminuindo a ingestão de calorias, então vai ficar emagrecido, podendo chegar à desnutrição. ● Pirose e halitose: o alimento parado no esôfago começa a ser decomposto pelas bactérias ali presentes, o que gera a halitose, além disso, pelo processo de fermentação, vai ocorrer uma acidificação do pH, que leva a uma inflamação da mucosa esofágica, determinando a pirose. ○ Diagnóstico diferencial: refluxo → no refluxo a gente tem pirose e regurgitação, na acalásia é pirose e disfagia, então sempre questionar o paciente sobre a disfagia. ● Dor retroesternal: o alimento parado no esôfago leva a uma distensão da região, que se manifesta na forma de dor retroesternal. ○ Diagnóstico diferencial: doença coronariana. ● Pneumonia de repetição: no momento que o paciente se deita, o alimento retido no interior do esôfago pode começar a retornar, ir para a faringe e ser aspirado para dentro das vias aéreas, provocando o quadro de pneumonia aspirativa. ● Sialorreia e Hipertrofia de glândulas parótidas:: é o excesso de salivação, decorre de uma resposta autonômica do nosso organismo pela dificuldade de deglutição - como existe essa dificuldade, o organismo começa a produzir mais saliva para lubrificar e facilitar a deglutição. Como as glândulas salivares estão produzindo mais saliva, vão sofrer uma hipertrofia - fácies Felina: DIAGNÓSTICO ● Anamnese + exame físico ● Radiografia simples de tórax ○ Não faz diagnóstico definitivo, mas auxilia na hipótese diagnóstica (ruídos hidroaéreos no mediastino) ● Endoscopia Digestiva Alta ○ É um exame obrigatório para pacientes com disfagia ○ Descartar pseudoacalasia - tumores ou estenoses pépticas ○ No início da doença pode não ajudar muito no diagnóstico, porque não existe ainda uma dilatação importante, mas é fundamental para diagnóstico diferencial ● Esofagografaia baritada ● Manometria esofágica Esofagografia Baritada: ● É uma radiografia contrastada ● É um exame ótimo e barato ● Permite a medição do diâmetro do esôfago ○ Esôfago Normal: até 04cm de diâmetro (A - chamamos de megaesôfago incipiente) ○ Megaesôfago Avançado: afilamento em ponta de lápis ou bico de pássaro é patognomônico de megaesôfago (D - chamamos de dolicomegaesôfago) ■ É importante para diagnóstico diferencial de câncer. No câncer aparece o sinal que chamamos de “sinal da maçã mordida”, ocorre um stop da passagem do constraste. ● No início da doença, a dilatação pode não ser detectada, mas é possível visualizar um atraso no esvaziamento do contraste que sugere a acalásia, porém não confirma o diagnóstico. Manometria Esofágica: é o padrão ouro para casos iniciais ● Como nos casos iniciaispode ainda não ter ocorrido a dilatação do esôfago, não vai adiantar fazer um método de imagem porque não vai ter como verificar o aumento do diâmetro esofágico. ● A manometria é um exame para a medição da pressão do esôfago, na presença do megaesofago vai mostrar uma falta de relaxamento do EEI - a curva de pressão não diminui ● A pressão se mantém elevada mesmo com a deglutição de algo, geralmente água. CLASSIFICAÇÃO Mascarenhas: é a classificação de acordo com o diâmetro do esôfago ● Grau I: até 04 cm ● Grau II: de 04 a 07 cm ● Grau III: de 07 a 10 cm ● Grau IV: maior do que 10 cm → dolicomegaesôfago Rezende: método de classificação que leva em consideração o diâmetro do esôfago e os aspectos relacionados à doença ● Grau 1: o esôfago apresenta dificuldade de esvaziamento e leve hipotonia, surtos de ondas terciárias e não há dilatação do órgão. ● Grau II: já aparece o aspecto de contração da musculatura da cárdia (acalasia). O esôfago apresenta de leve a moderado aumento do calibre, as ondas terciárias são mais frequentes. ● Grau III: o esôfago tem evidente aumento do calibre. A porção distal já apresenta o clássico aspecto de “bico de pássaro”. Há casos (maioria) com acinesia total do esôfago que sofrem violentas contrações da musculatura circular. ● Grau IV: observa-se, além das alterações descritas para o grau III, dilatação intensa do esôfago, que parece se apoiar na hemicúpula frênica direita, este aspecto é chamado de “dolicomegaesôfago”. Obs: ondas peristálticas → a onda progressiva que se forma com o início da deglutição é a onda primária; a onda espontânea que nasce a nível de EEI independente da deglutição é a secundária; as ondas primárias e secundárias são fisiológicas. Ondas terciárias são patológicas, não propulsoras e totalmente dessincrônicas, que ocorrem em todos os níveis do esôfago. TRATAMENTO É bastante variável, dependendo das condições de saúde do paciente e do estadiamento da doença. Tratamento Medicamentoso: ● O problema do tratamento medicamentoso é que ele perde sua eficácia ao longo do tempo, então a princípio o paciente tem uma boa resposta, mas depois isso diminui. ● Além disso, existem os efeitos colaterais que estão relacionados aos grupos medicamentosos utilizados. ● Bloqueadores dos Canais de Cálcio: Verapramil e Diltiazen ○ Promovem um relaxamento da musculatura do EEI ○ Efeitos colaterais: cefaleia, hipotensão, impotência sexual Tratamento Endoscópico: ● Dilatação Pneumática: ○ Através do endoscópio, é inserido um cuff na altura do EEI, esse cuff ao ser insuflado vai dilatar o EEI que não estava relaxando adequadamente, promovendo alívio temporário dos sintomas ○ Tem duração de cerca de 06 meses - é uma indicação interessante para aqueles pacientes com muitas comorbidades, com expectativa de vida curta, que não devem ser submetidos a procedimentos cirúrgicos. ● Aplicação de Toxina Botulínica: ○ A toxina botulínica promove um relaxamento do EEI, aliviando temporariamente os sintomas (cerca de 06 meses) ○ Pode ser reaplicado. ● Miotomia Endoscópica Peroral (POEM): ○ Através de uma abertura na mucosa, o endoscopista abre um “túnel” com o endoscópio, que vai até a região do esôfago distal. Nessa região, através de um eletrocautério do próprio endoscópio, faz-se uma “queima” da musculatura (miotomia) na região do EEI, promovendo seu relaxamento. Terminada a miotomia, fecha-se a abertura na mucosa. ○ O problema é que o paciente vai começar a apresentar refluxo, pois ao queimar a musculatura do EEI, ele para de se fechar, então o conteúdo do estômago vai refluir para o esôfago (hoje, é possível fazer uma válvula com o próprio endoscópio para substituir o EEI) Tratamento Cirúrgico: ● Esofagocardiotomia a Heller: ○ É a cirurgia mais utilizada, tem ótimos resultados em pacientes com acalásia nos graus I e II, resposta intermediária no grau III e não funciona no grau IV. ○ Originalmente é feita por laparotomia, porém hoje em dia é possível a realização por videolaparoscopia e robótica (minimamente invasivas). ○ Faz-se uma dissecção da musculatura do EEI em toda a sua extensão (que vai do esôfago distal até a cárdia) promovendo seu relaxamento. ○ O EEI perde a capacidade de contração, então o paciente pode vir a apresentar refluxo, para evitar isso, faz-se uma esôfago fundoplicatura para criação de uma válvula anti-refluxo. ● Cirurgia de Serra Doria: ○ É uma ótima opção para o paciente em grau III. ○ Consiste na realização de uma anastomose entre o esôfago distal e o fundo gástrico, ○ Como utiliza o fundo gástrico na anastomose, o paciente desenvolve um refluxo muito intenso. Para reverter isso, faz-se uma antrectomia, ou seja, a retirada do antro gástrico, que é a porção responsável pela produção de gastrina. ■ Na ausência de gastrina, não há produção de ácido pelas células principais. ○ A reconstrução do fluxo alimentar após a retirada de parte do estômago é feita através da técnica de “Y de Roux”. ● Esofagectomia subtotal transhiatal: ○ É a cirurgia recomendada para os pacientes classificados como grau IV, nos quais o esôfago já está tão dilatado que perdeu totalmente a anatomia e retém alimentos mesmo com outros procedimentos. ○ Consiste na retirada de parte da porção cervical do esôfago, e das porções torácica e abdominal. A parte cervical restante vai ser anastomosada com um tubo formado pelo estômago (tubo gástrico). A cirurgia é feita por 02 vias de acesso: a via da laparotomia e a da cervicotomia. Obs: a esofagectomia para tratamento do megaesofago é diferente da realizada para tratamento do câncer. No câncer, a técnica é transtorácica, e não transhiatal, pois existe a preocupação com os linfonodos. RESUMINDO… ● A acalásia é um distúrbio motor primário do esôfago; ● A fisiopatologia é basicamente a falta de relaxamento EEI secundário destruição dos plexos nervosos; ● Etiologia: idiopática ou chagásica; ● O tratamento depende do status do paciente e do estadiamento da doença → nunca pode ser mais agressivo do que a própria doença.
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