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Considerações sobre Malária e Dengue

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MALA RIA 
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
Paciente de 35 anos, de sexo feminino, 
refugiada e natural de Caracas na Venezuela. 
Apresentava cefaleia, febre, calafrios, mialgia 
e artrose. Devido a paciente dizer que chegou 
a Três Lagoas vindas pelo estado de Rondônia 
e não ter tido boa alimentação, dormido em 
matas, sem acesso a agua potável e com 
apenas uma refeição ao dia. 
Os sintomas descritos anteriormente 
poderiam indicar um caso de desidratação e 
desnutrição da paciente que já apresentava 
aqueles sintomas a quatro dias. 
A cefaleia e a mialgia podem ocorrem em 
casos de desidratação visto que conforme 
menor a ingestão de líquidos, menor será o 
fluxo sanguíneo, assim como o volume de 
sangue. 
Partindo desse ponto, o menor fluxo 
sanguíneo acarreta consequentemente uma 
menor disponibilidade de oxigênio para os 
tecidos periféricos e centrais. Essa menor 
disponibilidade de gás reduz as atividades 
metabólicas dos tecidos devido a ausência de 
uma respiração celular adequada. 
Logo, a região cerebral necessita de um 
elevado consumo energético para realizar seu 
metabolismo diário, assim sendo, a 
diminuição da disponibilidade de oxigênio e 
agua no organismo afeta drasticamente a 
atividade cerebral, provocando a cefaleia. Um 
exemplo dessa fisiopatologia, é o que ocorre 
em casos de enxaqueca também, sendo a 
disfunção metabólica uma das causas dessa 
patologia. 
A pressão arterial baixa pode ser explicada a 
partir do aumento da concentração de sódio 
está relacionado à hipertensão arterial, pois 
os sangue se torna mais concentrado e 
espesso, o que dificulta a circulação 
sanguínea, levando a vasoconstrição dos 
capilares. À medida que eles vão se fechando, 
a pressão nos grandes vasos sanguíneos se 
eleva e a pressão arterial global aumenta 
ainda mais. Os barorreceptores dos principais 
vasos sanguíneos também percebem a 
diminuição do volume sanguíneo e 
transmitem essa informação para o cérebro. 
Este envia sinais para aumentar a frequência 
cardíaca, numa tentativa de compensar o 
volume reduzido. Contudo, mesmo assim, o 
débito cardíaco continua diminuído, porque a 
quantidade de sangue que o coração é capaz 
de bombear por minuto é baixa devido ao 
volume total. 
Segundo a associação brasileira de 
cardiologia, os sintomas de um grave processo 
de desidratação podem durar por cerca de 3 a 
7 dias ainda que após o ocorrido. 
A artrose pode ser explicada pelo desgaste 
excessivo da viagem desde Venezuela ate o 
MS, ocorrendo um intenso processo de 
degradação da cartilagem que reveste as 
articulações. 
A febre pode ser resultado de algum tipo de 
inflamação no organismo da paciente, já que 
o mediador denominado PROSTAGLANDINA 
sintetizado a partir do COX proveniente do 
acido araquidônico promove a febre, 
principalmente aquelas localizadas no 
hipotálamo. 
DENGUE X MALÁRIA 
A dengue é uma infecção viral com 
transmissão antroponótica através da picada 
de um mosquito infectado, geralmente o 
Aedes aegypti. A Organização Mundial de 
Saúde (OMS) definiu dengue como uma 
doença febril aguda, com dois ou mais dos 
seguintes sinais ou sintomas: dor de cabeça 
intensa, dor retro-orbital, mialgia, artralgia, 
erupção cutânea, leucopenia e manifestações 
hemorrágicas. Apesar de ser uma doença 
infecciosa emergente na Nigéria, as 
intervenções para a prevenção e controle da 
dengue são limitadas. 
Para complicar, a falta de vigilância e poucas 
instalações de diagnóstico resultam no 
diagnóstico errôneo frequente da doença da 
dengue como malária. Quando graves, as 
infecções por dengue podem ter uma alta 
mortalidade. Uma contagem baixa de 
plaquetas e dímeros D elevados estão entre 
os indicadores relatados de dengue grave 
designados como febre hemorrágica da 
dengue e síndrome do choque da dengue. 
Segundo a OMS, a febre hemorrágica da 
dengue é a presença de febre, ou história 
recente de febre com duração de 2 a 7 dias, 
qualquer manifestação hemorrágica, 
trombocitopenia (contagem de plaquetas 
<100.000 / µl) e evidência de aumento da 
permeabilidade vascular. 
Relatórios descrevendo resposta favorável ao 
tratamento de pacientes com dengue no 
cenário de baixos índices prognósticos são 
limitados. Neste relato de caso, descrevemos 
um caso de febre hemorrágica da dengue com 
elevação acentuada do dímero D e 
trombocitopenia que foi gerenciada com 
sucesso com cuidado conservador. 
Na Nigéria e em outros países com alta 
endemicidade da malária, os pacientes com 
essa apresentação são frequentemente 
diagnosticados e tratados como malária. Essa 
foi a prática no caso descrito acima, mesmo 
com testes repetidamente negativos da 
malária. Consequentemente, um alto índice 
de suspeita e disponibilidade de serviços de 
diagnóstico rápido são críticos para o 
diagnóstico e tratamento precoces da febre 
hemorrágica da dengue e, de fato, outras 
febres hemorrágicas virais. 
Ao longo de sua admissão, o paciente 
desenvolveu diarreia e sintomas respiratórios, 
embora sejam manifestações incomuns da 
doença da dengue. Em contraste com as 
manifestações usuais de hipotensão na 
dengue grave, o paciente também 
desenvolveu hipertensão durante a 
internação grave o suficiente para justificar o 
tratamento. 
Como foi realizado o tratamento de dengue 
com repouso e hidratação não resolveu os 
problemas do paciente, foi necessária a 
realização da prova do laço para excluir o 
diagnostico de dengue. 
PROVA DO LAÇO 
A prova do laço é um teste realizado em 
indivíduos com suspeitas de dengue e 
utilizada como prova para confirmação desses 
diagnostico. 
A dengue é uma doença caracterizada por 
provocar o aumento da fragilidade dos vasos 
sanguíneos no organismo, podendo evoluir 
em casos mais graves, até para um quadro de 
dengue hemorrágica. Vale lembrar que não é 
necessário que o paciente apresente os 
sintomas hemorrágicos para a realização da 
prova. 
Como realiza a prova do laço: essa prova é 
realizada a partir da medição de um quadrado 
com cerca de 2,5 cm por 2,5 cm de cada lado 
no braço do indivíduo. 
Aliviar a pressão arterial da pessoa com o 
esfigmomanômetro; 
Insuflar novamente o manguito do 
esfigmomanômetro até ao valor médio entre 
a pressão máxima e a mínima. Para saber o 
valor médio é preciso somar a Pressão Arterial 
Máxima com a Pressão Arterial Mínima e 
depois dividir por 2. Por exemplo, se o valor 
de pressão arterial for 120x80, deve-se 
insuflar o manguito até os 100 mmHg; 
Esperar 5 minutos com o manguito insuflado 
na mesma pressão; Desinsuflar e retirar o 
manguito, depois dos 5 minutos; Deixar o 
sangue circular por pelo menos 2 minutos. 
Por fim, deve-se avaliar a quantidade de 
pontos avermelhados, chamados de 
petéquias, dentro do quadrado na pele para 
saber qual o resultado do teste. 
Caso apareçam as petéquias, a prova do laço 
é considerada positiva. No paciente em 
discussão a prova do laço apresentou-se 
negativa. 
A prova do laço pode apresentar falso 
negativo, portanto, realizou-se um 
hemograma completo e a sorologia da dengue 
para confirmar o diagnostico. Sendo ambos 
testados negativos para a presença de 
dengue. 
IDENTIFIAÇÃO DE MALÁRIA 
Após a exclusão do diagnostico de dengue, 
foram realizados uma serie de exames com 
fins diagnósticos, entre eles o esfregaço do 
sangue periférico, que identificou a presença 
de estruturas anormais no interior das 
hemácias do paciente. 
Considerando o trajeto realizado pelo 
paciente para a chegada no MS vindo pelo 
Norte do pais, principalmente pelo estado de 
Rondônia, onde a Malária é considerada uma 
doença endêmica nessa região amazônica. 
Além de como descrito acima no artigo da 
Sociedade Brasileira de Cardiologia, a malária 
muitas vezes pode ser confundida com 
dengue analisando os sintomas clínicos, 
principalmente em regiões que prevalece uma 
das duas enfermidades como endemia.MALÁRIA – ASPECTOS 
A malária é uma doença parasitária grave, que 
acomete um grande número de seres 
humanos, sendo um grave problema de saúde 
pública em países subdesenvolvidos. É 
transmitida através da picada do mosquito 
fêmea do gênero Anopheles infectado pelo 
parasito intracelular Plasmodium sp. 
Vários fatores podem contribuir para o 
agravamento da malária, como por exemplo, 
fatores do parasita, do hospedeiro e 
condições sócios econômicas do paciente, 
podendo levar este a um quadro de malária 
severa e ao óbito. Neste contexto, o presente 
trabalho destina-se à revisão dos aspectos 
fisiopatológicos das principais alterações e 
complicações observadas no curso da doença, 
como a anemia, trombocitopenia e distúrbios 
de coagulação, malária cerebral, insuficiência 
renal aguda, icterícia, insuficiência 
respiratória e acidose metabólica. 
 
Trata-se de uma infecção causada por um 
hematozoário intracelular do gênero 
Plasmodium sp. e é transmitida ao homem 
por vetores, os mosquitos do gênero 
Anopheles 
Para Couto (2009) , essa transmissão também 
pode ocorrer de forma induzida, por 
transfusão de sangue, compartilhamento de 
agulhas e seringas infectadas com plasmódios. 
As espécies que parasitam o homem são 
quatro: P. vivax, P. falciparum, P. malariae e P. 
ovale 15, 16 e destas, o P. vivax é a espécie de 
maior distribuição geográfica nas zonas 
tropicais e subtropicais do mundo. O P. 
falciparum, comparado às outras espécies, 
ocasiona maior morbidade e mortalidade, 
possuindo uma ampla distribuição mundial. 
No Brasil as espécies que causam a doença 
sãpredominantemente o P. vivax e o P. 
falciparum respectivamente, e eventualmente 
o P. malariae. 
MALÁRIA – CICLO 
Todas as cepas de Plasmodium sp. têm um 
ciclo de vida complexo, que começa quando 
um mosquito anofelino fêmea inocula 
esporozoítos no hospedeiro humano, no 
momento em que suga seu sangue 17. Em 2 
horas, os esporozoítos migram para o fígado 
através da corrente sanguínea e invadem 
hepatócitos. 
Os esporozoítos amadurecem no fígado, onde 
dão origem a dezenas de milhares de 
merozoítos ao longo de um período de 6-16 
dias. Estes merozoítos entram na corrente 
sanguínea e invadem eritrócitos onde se 
multiplicam e amadurecem no período de 48-
72 horas 18, 19. A ruptura do esquizonte e 
consequente liberação de parasitos na 
corrente sanguínea traduz-se clinicamente 
pelo início do paroxismo malárico, que se 
repetirá com o término do novo ciclo (em dois 
dias, quando a infecção for devida ao P. 
falciparum ou P. vivax e em três dias, quando 
devida ao P. malariae). O paroxismo malárico 
é caracterizado pela tríade de febre alta, 
calafrio e sudorese intensa. 
 
MALÁRIA – FISIOPATOLOGIA 
As manifestações clínicas da malária 
dependem de múltiplos fatores: do parasita, 
interações parasita-hospedeiro, do 
hospedeiro, inclusive de condições sócio 
econômicas do paciente 25, 26 
.O P. falciparum, por possuir menor duração 
do seu ciclo tecidual, e maior produção de 
merozoítas durante as esquizogonias tecidual 
e eritrocitária e, devido a sua capacidade de 
infectar hemácias de qualquer estágio 
maturativo, tem a potencialidade de produzir 
hiperparasitemias, diretamente ligadas à 
gravidade da infecção. Além disso, o P. 
falciparum é a única espécie que altera a 
microcirculação (circulação em capilares e 
vasos linfáticos), contribuindo para o 
surgimento da malária grave. 
Após a invasão das hemácias pelo 
protozoário, ocorrem, progressivamente, 
deformações na membrana celular, com 
alteração das propriedades de transporte, 
exposição de antígenos de superfície e 
inserção de proteínas derivadas do 
microrganismo. Os eritrócitos infectados pelo 
parasito, apresentam protrusões eletrodensas 
em sua superfície, que facilita a aderência 
destes às células endoteliais de vênulas e 
capilares de diversos órgãos, como cérebro, 
pulmões e rins, além da presença de adesinas 
do Plasmodium – como os knobs –, 
contribuindo para a maior gravidade da 
doença, através do fenômeno conhecido por 
citoaderência, que é o principal evento das 
complicações relacionadas a malária, sendo 
definida como a ligação mediada pelos 
receptores das hemácias infectadas pelo P. 
falciparum ao endotélio capilar, sendo um 
fenômeno biológico ativado pelo parasita e 
não pelo hospedeiro. 
Concomitantemente à CITOADERÊNCIA, existe 
também o processo de formação de rosetas, 
em que as células infectadas aderem a células 
não-infectadas, produzindo um efeito 
sinérgico dos dois fenômenos na patogênese 
da malária grave, com formação de agregados 
celulares que interferem na microcirculação. E 
ainda, na malária grave, as hemácias 
infectadas e as não-infectadas enrijecem-se, 
causando um bloqueio adicional ao fluxo 
sanguíneo. A seguir, em detalhes, as principais 
complicações presentes na malária. 
Febre é quase sempre presente, em geral 
acima de 38C, de padrão temporal variável 
(infecções por P.falciparum), raramente como 
febre terçã (a cada 48 horas , nas infecções 
por P.vivax e P. ovale) ou febre quartã 
(infecções por P.malariae). A febre coincide 
com a ruptura de hemácias após um ciclo de 
reprodução assexuado nos eritrócitos, 
temporalmente de acordo com a espécie de 
plasmódio infectante, com liberação de 
merozoítos na circulação, levando à resposta 
imune mediada por macrófagos com liberação 
de citocinas inflamatórias. É uma forma de 
diagnosticar a malária já que a febre costuma 
ser de 48 em 48 horas ou de 72 em 72 horas. 
 
A anemia relacionada a malária é causada por 
diversos mecanismos fisiopatológicos ainda 
pouco compreendidos. No entanto, é uma 
complicação comum em malária grave e não-
grave, e é responsável por grande parte da 
carga de doenças, com morbidade e 
mortalidade considerável, particularmente em 
crianças 32. Em áreas de transmissão 
holoendêmica, a anemia é a principal 
manifestação clínica da malária grave infantil. 
O alvo principal do Plasmodium na espécie 
humana são os eritrócitos. O P. vivax tem 
preferência pelos eritrócitos mais jovens, em 
especial os reticulócitos, ao passo que o P. 
falciparum possui apenas uma moderada 
predileção por estas células, e uma 
significativa capacidade de infectar hemácias 
mais velhas. Modelos matemáticos 
Sugerem que a morte prematura de 
reticulócitos infectados devido à infecção pelo 
P. vivax deve ser suficiente para levar a 
extrema anemia durante um período de 
vários meses por redução no fornecimento de 
glóbulos vermelhos maduros. 
AUMENTO DA LISE DOS ERITRÓCITOS: na 
malária aguda as hemácias são destruídas 
diretamente pela infecção parasitária. 
Entretanto, o grau da anemia não pode ser 
somente explicado por este processo. Sabe-se 
que os eritrócitos não-parasitados são 
removidos da circulação por fagocitose e lise 
mediada pelo sistema complemento, 
resultante da deposição de imunocomplexos. 
PRODUÇÃO REDUZIDA DE ERITRÓCITOS: na 
infecção por P. falciparum, geralmente os 
níveis de reticulócitos são inadequadamente 
baixos, devido a supressão da resposta 
normal a eritropoietina (Epo). A(s) causa(s) da 
eritropoiese anormal nos casos de malária por 
P. falciparum é incerta. Alguns estudos 
mostram uma associação entre elevados 
níveis circulantes de citocinas pró-
inflamatórias (TNF-α, interferon gama (IFN-γ)) 
e anemia severa na malária. As concentrações 
de TNF-α e IFN-γ estão relacionadas com a 
gravidade da doença, sendo que níveis 
elevados de TNF-α estão associados à 
supressão da eritropoiese. Essas citocinas 
contribuem para a redução da produção da 
eritropoetina e aumento da eritrofagocitose. 
O TNF-α ocasiona a maior clivagem do fator 
de transcrição eritróide; o INF-γ induz a 
produção pelos macrófagos de ligante 
indutor de apoptose relacionado ao TNF, o 
que inibe a diferenciação dos eritroblastos. 
Juntamente com a IL-6, que induza expressão 
da hepcidina, que é a principal reguladora da 
homeostase sistêmica do ferro, acarretando a 
diminuição do ferro disponível para a 
eritropoiese. 
AUMENTO DA CAPTAÇÃO ESPLÊNICA: 
quaisquer que sejam os mecanismos que 
levam a alterações nos eritrócitos, o baço é o 
local mais importante para filtração, retenção 
e fagocitose de eritrócitos parasitados ou 
alterados por P. falciparum. 
 A diseritropoiese mediada pelas citocinas, 
parece aumentar a remoção dos eritrócitos 
parasitados e não-parasitados do baço, 
contribuindo para a patogênese da anemia 
severa da malária. A atividade esplênica limita 
a densidade parasitária, reduzindo, desse 
modo, o risco de malária grave. No entanto, 
uma intensa captação de eritrócitos pelo 
baço, aumenta a probabilidade de anemia 
grave. 
MALARIA CEREBRAL: Trata-se de uma 
manifestação clínica relativamente comum da 
malária grave e a principal causa de óbito, 
com uma letalidade de 10% a 50%. A malária 
cerebral ocorre com uma frequência variável, 
atingindo 0,01% a 16% dos pacientes 27. É 
principalmente caracterizada por uma hiper 
parasitemia e excessiva produção de um tipo 
de citocinas pró-inflamatórias, seguida pelo 
aumento na expressão de moléculas de 
adesão, que contribui para o sequestro de 
eritrócitos parasitados na microvasculatura 
cerebral. 
Os mecanismos de lesão neural em malária 
cerebral são pouco compreendidos. Um 
problema fundamental na avaliação da 
patogênese da malária cerebral é a escassez 
de dados em humanos, pois os testes em 
tecido cerebral são invasivos, sendo coletados 
apenas em autópsia. 
As principais hipóteses para o acometimento 
dos pacientes à malária cerebral são duas, a 
teoria mecânica e a teoria da inflamação. 
Dentre os processos que ocorrem na teoria 
mecânica, podemos citar: 
O seqüestro de hemácias, entupimento de 
vênulas e capilares, que comprometem o 
fluxo sanguíneo e provocam hipóxia 43. Não 
somente a função cerebral é prejudicada, 
como também os reflexos sensoriais, há 
presença de convulsões, encefalopatia difusa, 
por vezes localizada e hemiparesia 44 
A segunda teoria explica a malária cerebral a 
partir da intensa resposta imune caracterizada 
pela liberação de citocinas pró inflamatórias, 
aumentando a permeabilidade da barreira 
hemato- encefálica, e causando hipertensão 
intracraniana, principalmente em crianças. 
Instala-se de forma progressiva, com 
manifestações que incluem CEFALÉIA, 
alterações de comportamento, desorientação, 
convulsões e coma. 
COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR 
DISSEMINADA 
A infecção pelo P. falciparum está geralmente 
associada com um estado procoagulante 
caracterizado por trombocitopenia e ativação 
da cascata de coagulação e sistema 
fibrinolítico; no entanto, a ocorrência de 
eventos hemorrágicos é incomum. 
 
INSUFICIENCIA RENAL AGUDO: O P. 
falciparum é a espécie causadora da maior 
parte dos casos de insuficiência renal aguda 
(IRA) 45. Nesta infecção, as alterações 
tubulares são mais evidentes do que as 
glomerulares, podendo variar desde um 
pequeno acometimento até necrose tubular 
aguda e IRA, frequentemente oligúrica e 
hipercatabólica. 
O diagnóstico para IRA ocorre nas situações 
em que há oligúria (diurese inferior a 
400ml/24 horas) e elevação sérica de 
creatinina e uréia. 
.A citoaderência e os eventos embólicos na 
microcirculação, juntamente com a 
diminuição da deformabilidade das hemácias 
reduzem o fluxo sanguíneo sistêmico e 
causam isquemia renal. 
Os mediadores inflamatórios liberados pela 
resposta imunológica induzem a 
vasoconstrição e a liberação de 
catecolaminas, as quais aumentam ainda mais 
o efeito vasoconstritor. O consequente dano 
renal decorrente dessas alterações está ligado 
à toxicidade direta das catecolaminas sobre o 
parênquima renal, assim como às implicações 
hemodinâmicas que culminam em isquemia. 
Outros mecanismos como a deposição de 
imunocomplexos e a glomerulopatia 
imunomediada também contribuem para a 
lesão renal. 
ICTERICIA: Problemas hepáticos na malária 
grave é um evento comum, manifestando-se, 
normalmente, por icterícia, hepatomegalia e 
discreta elevação do nível sérico das 
aminotransferases. Pode ser multifatorial, 
possuindo causas diretas (hepatite malárica, 
hemólise intravascular de eritrócitos 
parasitados e hepatite septicêmica), causas 
indiretas (hemólise micro angiopática 
associada a coagulação intravascular 
disseminada, hemólise relacionada a G6PD, 
indução antimalárica por drogas) e causas 
não relacionada (coexistindo hepatite viral 
aguda ou subjacente a hepatite crônica). 
A síndrome da angústia respiratória aguda 
(SARA) é uma manifestação frequente da 
malária grave e um indicador de mau 
prognóstico. Apresenta-se com um quadro de 
taquipnéia, respiração profunda e ofegante, 
seguida de hipoxemia e insuficiência 
respiratória grave necessitando de aporte 
ventilatório. A insuficiência respiratória aguda 
geralmente ocorre alguns dias após a 
instalação da malária, mas pode surgir logo 
após ou até posterior ao tratamento 
antimalárico. O edema pulmonar pode evoluir 
para SARA, geralmente devido ao aumento da 
permeabilidade capilar pulmonar. 
A acidose metabólica está relacionada ao 
aumento do metabolismo anaeróbico da 
glicose, decorrente da hipóxia tecidual 
associada à anemia (diminuição da 
capacidade de carrear oxigênio), 
intensificação da atividade muscular durante 
as convulsões, aumento da demanda 
nutricional pelas hemácias parasitadas, febre 
e o aumento das citocinas, além da 
diminuição da depuração do lactado pelo 
fígado devido à redução do fluxo sanguíneo 
hepático. Como mecanismo compensatório à 
acidose metabólica, em geral, pode se 
observar resposta respiratória de 
hiperventilação manifestada clinicamente 
pela respiração de Kussmaul, a fim de 
produzir alcalose respiratória. 
 
 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
 
A atual estratégia preconizada pelo Ministério 
da Saúde consiste no diagnóstico precoce e no 
tratamento oportuno e adequado dos 
casos.(60) De fato, recentes estudos apontam 
o atraso no diagnóstico como fator de 
agravamento dos casos de malária, 
principalmente a causada por P. 
falciparum.(36,61,62,63) 
A possibilidade de malária deve ser cogitada 
em todo indivíduo que apresente quadro 
febril a esclarecer e história de deslocamento 
para regiões endêmicas ou entrada em região 
de Mata Atlântica.(61) Além de pensar nas 
viagens em associação ao quadro de malária 
por transmissão natural - ou seja, pela picada 
do mosquito Anopheles spp. -, deve-se 
também suspeitar da possibilidade em casos 
de febre e hemotransfusão, transplante de 
órgãos ou acidentes com material 
perfurocortante. 
Deve-se destacar que o intensivista poderá 
ser chamado para avaliar um quadro febril 
não esclarecido, devendo, por conseguinte, 
formular a hipótese de malária e investigá-la, 
diferenciando-a de outras infecções, tais 
como meningite, febre tifóide, sepse, 
influenza, dengue, hepatites, leptospirose e 
encefalite viral. 
O diagnóstico da doença é realizado pela 
visualização microscópica do Plasmodium em 
exame da gota espessa de sangue, corada 
pela técnica de Giemsa ou de Walker, e em 
distensão sanguínea, que permite a 
identificação da espécie, mas apresenta 
menor sensibilidade. Apesar da microscopia 
ser considerada o padrão-ouro para o 
diagnóstico e o monitoramento do 
tratamento da malária, essa técnica exige 
pessoal treinado e experiente no exame de 
distensões sanguíneas.(60) Desta forma, os 
exames preconizados pelo Ministério da 
Saúde são: 
1) GOTA ESPESSA, considerado o exame 
padrão-ouro para diagnóstico da malária. 
Permite a contagem da parasitemia - fator 
preditor de gravidade na infecção por P. 
falciparum - além de permitir o 
acompanhamento da queda da mesma, após 
o início da terapêutica. 
2) DISTENSÃO SANGUÍNEA, a qual permite aidentificação da morfologia do protozoário, e 
consequente diferenciação da espécie 
infectante - que é importante para a 
adequação do tratamento. 
O sangue para a realização da hematoscopia 
pode ser colhido em qualquer veia periférica, 
não havendo obrigatoriedade na colheita por 
punção de polpa digital. 
No diagnóstico pela observação de lâminas 
deve-se estar atento para as características 
das diversas espécies, as quais são diagnóstico 
diferencial da malária falcípara. O P. 
falciparum - pela sua propriedade de 
citoaderência -, só permite a detecção de 
trofozoítos na periferia e ao se observar a 
lâmina só se verificará a presença dessas 
estruturas. 
Além da hematoscopia, existem outros 
métodos que vêm sendo desenvolvidos para o 
estabelecimento do diagnóstico de malária, 
tais como a pesquisa do parasita pelo 
"método dos capilares" - com utilização de 
acridina-laranja como corante - e o 
ParaSight®. Neste último, empregam-se 
anticorpos monoclonais dirigidos aos 
antígenos do P. falciparum, obtendo-se em 
alguns estudos sensibilidade e especificidade 
superiores a 95%.(60) Não se presta, 
entretanto, para controle de cura. 
Nos últimos anos, vários estudos têm utilizado 
a reação de polimerização em cadeia (PCR) 
como método de detecção de DNA de 
Plasmodium circulante.(64-66) Contudo, 
devido ao elevado custo da técnica, a mesma 
não é utilizada como rotina para diagnóstico 
de casos, permanecendo restrita a centros de 
pesquisa. 
MALARIA E IMUNIDADE 
 
A resposta imune ao P. falciparum é 
complexa. De forma sucinta, inclui 
mecanismos celulares - células fagocíticas 
ativadas liberam óxido nítrico e derivados de 
oxigênio tóxico que induzem a destruição 
esplênica dos eritrócitos infectados - e 
humorais - anticorpos produzidos ativam 
receptores para macrófagos e monócitos na 
superfície das hemácias infectadas inibindo a 
expansão da parasitemia. Na infecção aguda, 
caracteristicamente, há uma pobre resposta 
antígeno-específica, o que determina lento 
desenvolvimento de imunidade adaptativa. 
Em áreas endêmicas para a malária, 
indivíduos continuamente expostos têm 
produção gradual de anticorpos específicos 
que atingem níveis elevados e estáveis, ao 
redor da terceira década de vida.(13) Dessa 
forma, se por um lado a resposta imune 
confere proteção contra as formas graves da 
doença, a ativação do mesmo mecanismo de 
defesa está envolvida em algumas 
manifestações clínicas responsáveis pela 
gravidade da infecção, tendo como fator 
comum nas duas situações a liberação do 
TNF-α 
No entanto, como dito acima, o organismo 
tem uma extrema dificuldade no 
reconhecimento especifico das células 
parasitadas da malária devido as hemácias 
não possuírem proteínas MHC na superfície 
celular responsáveis por detectar antígenos já 
que as hemácias são anucleadas e não 
produzem proteínas. Logo, a imunidade 
adaptativa fica comprometida. 
FÁRMACOS 
A paciente submeteu-se a um processo de 
hidratação, em que foi administrado soro 
fisiológico com vitamina C, Complexo B, 
Dipirona e Buscopan. O ácido ascórbico 
(vitamina C) é uma vitamina hidrossolúvel, 
essencial para a síntese de colágeno e 
reparação de tecidos. Desempenha papel 
significativo no metabolismo de tirosina, dos 
carboidratos, do ferro, na conversão de ácido 
fólico em ácido folínico, na síntese de lipídeos 
e proteínas, na resistência às infecções e na 
respiração celular. Oferece suporte ao sistema 
imunológico, em virtude da sua propriedade 
antioxidante, ajudando a neutralizar os 
radicais livres nas células. Na questão da 
dengue, auxilia diretamente para 
reestabelecimento do sistema imunológico. 
A vitamina do complexo B administrada tem 
um importante papel na questão anti-
inflamatória, uma vez que sintetizam ácidos 
nucleicos, proteínas e fostatidilcolina que é 
um fosfolipídio da membrana celular, e se 
transforma em colina que será utilizada na 
síntese de acetilcolina, um importante 
neurotransmissor. Os possíveis mecanismos 
analgésicos e anti-neurálgicos das vitsB 
(principalmente as vitaminas B1 e B12) 
demonstrados em estudos experimentais com 
animais incluem: interação com os 
mediadores causadores de dor nos 
nociceptores, aumentando a disponibilidade e 
efetividade da noradrenalina e da 5-
hidroxitriptamina na via descendente 
inibitória da dor; regeneração de fibras de 
nervos danificados; estabilização da 
excitabilidade elétrica dos nervos inibindo 
descargas ectópicas; e melhoria no transporte 
axonal, aumentando a velocidade de 
condução nervosa. 
A dipirona é analgésico indicado no controle 
da dor de intensidade leve à moderada . Sua 
atividade analgésica, apesar de não ser 
completamente elucidada, é atribuída à 
depressão direta da atividade nociceptora; 
consegue diminuir o estado de hiperalgesia 
persistente por meio do bloqueio da entrada 
de cálcio e da diminuição dos níveis de AMP 
cíclico (AMPc) nas terminações nervosas. Uma 
vez que se caracteriza como um anti-
inflamatório após um período de inflamação 
que, em função da destruição celular e 
tecidual, desencadeia a produção e a 
liberação de mediadores bioquímicos, em 
particular histamina, bradicinina e 
prostaglandinas . Assim, ao controlar a 
extensão do processo inflamatório, ocorre 
redução da dor em intensidade e gravidade. 
Para aliviar o vomito e as diarreias foi 
utilizado buscopan, uma vez que ativado o 
sistema autônomo parassimpático, no TGI 
ocorre uma maior motilidade e secreção do 
local. Assim, com a ativação, aumenta-se a 
quantidade de acetilcolina liberada que age 
no órgão efetor promovendo tais 
consequências. Todavia, com a ingestão do 
fármaco, o mesmo compete com os 
receptores muscarinicos de acetilcolina, 
diminuindo sua ação e bloqueando a ação do 
sistema autônomo. (Fármaco 
parassimpatolitico) 
TRATAMENTO 
A malária grave - ou seja, a malária por P. 
falciparum fora de área endêmica -, é uma 
emergência médica,(67) destacando-se que 
neste caso, pela gravidade da apresentação 
clínica, os pacientes devem ser internados na 
UTI.(34) Na admissão, a permeabilidade das 
vias aéreas deve ser garantida e os 
parâmetros respiratórios e cardiovasculares 
avaliados. O peso do paciente deve ser 
aferido para o cálculo das doses dos 
medicamentos. Um acesso venoso adequado 
deve ser obtido, além da coleta de sangue 
para realização de exames laboratoriais - 
como glicemia, hemograma, contagem da 
parasitemia, gasometria arterial e parâmetros 
de função renal e hepática. Balanço 
hidroeletrolítico rigoroso deve ser realizado. O 
exame neurológico deve ser minucioso, com 
especial atenção para o estado de consciência 
avaliado através da escala de coma de 
Glasgow. 
TERAPÊUTICA ETIOLÓGICA: Um aspecto 
essencial do tratamento da malária grave é o 
controle da parasitemia, já que esta funciona 
como fator determinante da gravidade; desta 
feita, utilizam-se prioritariamente os 
esquizonticidas eritrocitários de ação rápida - 
p. ex., os derivados da artemisinina -, 
lembrando-se que não devem ser 
administrados fármacos como a mefloquina, a 
cloroquina e o halofantrine, disponíveis 
apenas por via oral, uma vez que a terapia 
medicamentosa deve ser administrada por via 
intravenosa, para obtenção de níveis séricos 
com maior rapidez. 
Os derivados da artemisinina - artesunato e 
artemeter - são as substâncias comumente 
utilizadas, sendo a primeira de uso 
intravenoso, intramuscular e retal e a segunda 
disponível apenas para uso intramuscular. 
Estes fármacos são extraídos da Artemisia 
annua, planta originada na China. Do ponto 
de vista famacológico, são esquizonticidas 
rápidos - os mais rápidos disponíveis - 
atuando ainda sobre gametócitos de P. vivax. 
Estão indicados no tratamento da malária 
grave, principalmente a malária cerebral, 
devido a sua rapidez na redução da 
parasitemia. São bem tolerados pelos 
pacientes,com poucos efeitos adversos - 
diarréia, dor abdominal e náuseas são os mais 
relevantes. 
O quinino é o mais antigo medicamento 
utilizado no tratamento da malária. Atua 
como um esquizonticida eritrocitário de ação 
rápida, com atividade também sobre 
gametócitos de P. vivax, P. ovale e P. 
malariae. Não atua sobre esquizontes 
tissulares ou gametócitos de P. falciparum. É 
rapidamente absorvido - por via oral ou 
intravenosa - e eliminado pelo organismo, 
com meia-vida em torno de 12 horas, com 
concentração em todos os líquidos e tecidos 
orgânicos, inclusive no interior das hemácias, 
nas quais alcança concentração de 1/3 a 1/2 
da presente no plasma.(68) Seus principais 
efeitos adversos são o cinchonismo (tinido, 
déficit auditivo transitório, tremores e 
distúrbios visuais), a epigastralgia, as náuseas 
e os vômitos, além de hipoglicemia quando 
em doses altas. Tais alterações são reversíveis 
com a interrupção do medicamento. A infusão 
intravenosa pode levar também à trombose, à 
hipotensão arterial sistêmica e a alterações de 
ritmo cardíaco, devendo ser o fármaco 
administrado diluído lentamente. Atualmente 
é recomendado em associação com 
clindamicina. 
Embora as dosagens dos medicamentos sejam 
ajustadas de acordo com a faixa etária, é 
necessário levar em consideração o peso do 
paciente para que o tratamento tenha o 
máximo possível de eficácia com o mínimo de 
toxicidade. O Ministério da Saúde 
disponibiliza gratuitamente os medicamentos 
antimaláricos em todo território nacional. 
O tratamento pode ser complicado pelo 
surgimento de resistência e pela gravidade do 
doente. A avaliação da parasitemia após 24 
horas do início da terapêutica é importante 
para observação da existência de falhas, 
sobretudo em enfermos que venham 
mantendo quadro clínico inalterado ou com 
piora.

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