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MALA RIA CONSIDERAÇÕES INICIAIS Paciente de 35 anos, de sexo feminino, refugiada e natural de Caracas na Venezuela. Apresentava cefaleia, febre, calafrios, mialgia e artrose. Devido a paciente dizer que chegou a Três Lagoas vindas pelo estado de Rondônia e não ter tido boa alimentação, dormido em matas, sem acesso a agua potável e com apenas uma refeição ao dia. Os sintomas descritos anteriormente poderiam indicar um caso de desidratação e desnutrição da paciente que já apresentava aqueles sintomas a quatro dias. A cefaleia e a mialgia podem ocorrem em casos de desidratação visto que conforme menor a ingestão de líquidos, menor será o fluxo sanguíneo, assim como o volume de sangue. Partindo desse ponto, o menor fluxo sanguíneo acarreta consequentemente uma menor disponibilidade de oxigênio para os tecidos periféricos e centrais. Essa menor disponibilidade de gás reduz as atividades metabólicas dos tecidos devido a ausência de uma respiração celular adequada. Logo, a região cerebral necessita de um elevado consumo energético para realizar seu metabolismo diário, assim sendo, a diminuição da disponibilidade de oxigênio e agua no organismo afeta drasticamente a atividade cerebral, provocando a cefaleia. Um exemplo dessa fisiopatologia, é o que ocorre em casos de enxaqueca também, sendo a disfunção metabólica uma das causas dessa patologia. A pressão arterial baixa pode ser explicada a partir do aumento da concentração de sódio está relacionado à hipertensão arterial, pois os sangue se torna mais concentrado e espesso, o que dificulta a circulação sanguínea, levando a vasoconstrição dos capilares. À medida que eles vão se fechando, a pressão nos grandes vasos sanguíneos se eleva e a pressão arterial global aumenta ainda mais. Os barorreceptores dos principais vasos sanguíneos também percebem a diminuição do volume sanguíneo e transmitem essa informação para o cérebro. Este envia sinais para aumentar a frequência cardíaca, numa tentativa de compensar o volume reduzido. Contudo, mesmo assim, o débito cardíaco continua diminuído, porque a quantidade de sangue que o coração é capaz de bombear por minuto é baixa devido ao volume total. Segundo a associação brasileira de cardiologia, os sintomas de um grave processo de desidratação podem durar por cerca de 3 a 7 dias ainda que após o ocorrido. A artrose pode ser explicada pelo desgaste excessivo da viagem desde Venezuela ate o MS, ocorrendo um intenso processo de degradação da cartilagem que reveste as articulações. A febre pode ser resultado de algum tipo de inflamação no organismo da paciente, já que o mediador denominado PROSTAGLANDINA sintetizado a partir do COX proveniente do acido araquidônico promove a febre, principalmente aquelas localizadas no hipotálamo. DENGUE X MALÁRIA A dengue é uma infecção viral com transmissão antroponótica através da picada de um mosquito infectado, geralmente o Aedes aegypti. A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu dengue como uma doença febril aguda, com dois ou mais dos seguintes sinais ou sintomas: dor de cabeça intensa, dor retro-orbital, mialgia, artralgia, erupção cutânea, leucopenia e manifestações hemorrágicas. Apesar de ser uma doença infecciosa emergente na Nigéria, as intervenções para a prevenção e controle da dengue são limitadas. Para complicar, a falta de vigilância e poucas instalações de diagnóstico resultam no diagnóstico errôneo frequente da doença da dengue como malária. Quando graves, as infecções por dengue podem ter uma alta mortalidade. Uma contagem baixa de plaquetas e dímeros D elevados estão entre os indicadores relatados de dengue grave designados como febre hemorrágica da dengue e síndrome do choque da dengue. Segundo a OMS, a febre hemorrágica da dengue é a presença de febre, ou história recente de febre com duração de 2 a 7 dias, qualquer manifestação hemorrágica, trombocitopenia (contagem de plaquetas <100.000 / µl) e evidência de aumento da permeabilidade vascular. Relatórios descrevendo resposta favorável ao tratamento de pacientes com dengue no cenário de baixos índices prognósticos são limitados. Neste relato de caso, descrevemos um caso de febre hemorrágica da dengue com elevação acentuada do dímero D e trombocitopenia que foi gerenciada com sucesso com cuidado conservador. Na Nigéria e em outros países com alta endemicidade da malária, os pacientes com essa apresentação são frequentemente diagnosticados e tratados como malária. Essa foi a prática no caso descrito acima, mesmo com testes repetidamente negativos da malária. Consequentemente, um alto índice de suspeita e disponibilidade de serviços de diagnóstico rápido são críticos para o diagnóstico e tratamento precoces da febre hemorrágica da dengue e, de fato, outras febres hemorrágicas virais. Ao longo de sua admissão, o paciente desenvolveu diarreia e sintomas respiratórios, embora sejam manifestações incomuns da doença da dengue. Em contraste com as manifestações usuais de hipotensão na dengue grave, o paciente também desenvolveu hipertensão durante a internação grave o suficiente para justificar o tratamento. Como foi realizado o tratamento de dengue com repouso e hidratação não resolveu os problemas do paciente, foi necessária a realização da prova do laço para excluir o diagnostico de dengue. PROVA DO LAÇO A prova do laço é um teste realizado em indivíduos com suspeitas de dengue e utilizada como prova para confirmação desses diagnostico. A dengue é uma doença caracterizada por provocar o aumento da fragilidade dos vasos sanguíneos no organismo, podendo evoluir em casos mais graves, até para um quadro de dengue hemorrágica. Vale lembrar que não é necessário que o paciente apresente os sintomas hemorrágicos para a realização da prova. Como realiza a prova do laço: essa prova é realizada a partir da medição de um quadrado com cerca de 2,5 cm por 2,5 cm de cada lado no braço do indivíduo. Aliviar a pressão arterial da pessoa com o esfigmomanômetro; Insuflar novamente o manguito do esfigmomanômetro até ao valor médio entre a pressão máxima e a mínima. Para saber o valor médio é preciso somar a Pressão Arterial Máxima com a Pressão Arterial Mínima e depois dividir por 2. Por exemplo, se o valor de pressão arterial for 120x80, deve-se insuflar o manguito até os 100 mmHg; Esperar 5 minutos com o manguito insuflado na mesma pressão; Desinsuflar e retirar o manguito, depois dos 5 minutos; Deixar o sangue circular por pelo menos 2 minutos. Por fim, deve-se avaliar a quantidade de pontos avermelhados, chamados de petéquias, dentro do quadrado na pele para saber qual o resultado do teste. Caso apareçam as petéquias, a prova do laço é considerada positiva. No paciente em discussão a prova do laço apresentou-se negativa. A prova do laço pode apresentar falso negativo, portanto, realizou-se um hemograma completo e a sorologia da dengue para confirmar o diagnostico. Sendo ambos testados negativos para a presença de dengue. IDENTIFIAÇÃO DE MALÁRIA Após a exclusão do diagnostico de dengue, foram realizados uma serie de exames com fins diagnósticos, entre eles o esfregaço do sangue periférico, que identificou a presença de estruturas anormais no interior das hemácias do paciente. Considerando o trajeto realizado pelo paciente para a chegada no MS vindo pelo Norte do pais, principalmente pelo estado de Rondônia, onde a Malária é considerada uma doença endêmica nessa região amazônica. Além de como descrito acima no artigo da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a malária muitas vezes pode ser confundida com dengue analisando os sintomas clínicos, principalmente em regiões que prevalece uma das duas enfermidades como endemia.MALÁRIA – ASPECTOS A malária é uma doença parasitária grave, que acomete um grande número de seres humanos, sendo um grave problema de saúde pública em países subdesenvolvidos. É transmitida através da picada do mosquito fêmea do gênero Anopheles infectado pelo parasito intracelular Plasmodium sp. Vários fatores podem contribuir para o agravamento da malária, como por exemplo, fatores do parasita, do hospedeiro e condições sócios econômicas do paciente, podendo levar este a um quadro de malária severa e ao óbito. Neste contexto, o presente trabalho destina-se à revisão dos aspectos fisiopatológicos das principais alterações e complicações observadas no curso da doença, como a anemia, trombocitopenia e distúrbios de coagulação, malária cerebral, insuficiência renal aguda, icterícia, insuficiência respiratória e acidose metabólica. Trata-se de uma infecção causada por um hematozoário intracelular do gênero Plasmodium sp. e é transmitida ao homem por vetores, os mosquitos do gênero Anopheles Para Couto (2009) , essa transmissão também pode ocorrer de forma induzida, por transfusão de sangue, compartilhamento de agulhas e seringas infectadas com plasmódios. As espécies que parasitam o homem são quatro: P. vivax, P. falciparum, P. malariae e P. ovale 15, 16 e destas, o P. vivax é a espécie de maior distribuição geográfica nas zonas tropicais e subtropicais do mundo. O P. falciparum, comparado às outras espécies, ocasiona maior morbidade e mortalidade, possuindo uma ampla distribuição mundial. No Brasil as espécies que causam a doença sãpredominantemente o P. vivax e o P. falciparum respectivamente, e eventualmente o P. malariae. MALÁRIA – CICLO Todas as cepas de Plasmodium sp. têm um ciclo de vida complexo, que começa quando um mosquito anofelino fêmea inocula esporozoítos no hospedeiro humano, no momento em que suga seu sangue 17. Em 2 horas, os esporozoítos migram para o fígado através da corrente sanguínea e invadem hepatócitos. Os esporozoítos amadurecem no fígado, onde dão origem a dezenas de milhares de merozoítos ao longo de um período de 6-16 dias. Estes merozoítos entram na corrente sanguínea e invadem eritrócitos onde se multiplicam e amadurecem no período de 48- 72 horas 18, 19. A ruptura do esquizonte e consequente liberação de parasitos na corrente sanguínea traduz-se clinicamente pelo início do paroxismo malárico, que se repetirá com o término do novo ciclo (em dois dias, quando a infecção for devida ao P. falciparum ou P. vivax e em três dias, quando devida ao P. malariae). O paroxismo malárico é caracterizado pela tríade de febre alta, calafrio e sudorese intensa. MALÁRIA – FISIOPATOLOGIA As manifestações clínicas da malária dependem de múltiplos fatores: do parasita, interações parasita-hospedeiro, do hospedeiro, inclusive de condições sócio econômicas do paciente 25, 26 .O P. falciparum, por possuir menor duração do seu ciclo tecidual, e maior produção de merozoítas durante as esquizogonias tecidual e eritrocitária e, devido a sua capacidade de infectar hemácias de qualquer estágio maturativo, tem a potencialidade de produzir hiperparasitemias, diretamente ligadas à gravidade da infecção. Além disso, o P. falciparum é a única espécie que altera a microcirculação (circulação em capilares e vasos linfáticos), contribuindo para o surgimento da malária grave. Após a invasão das hemácias pelo protozoário, ocorrem, progressivamente, deformações na membrana celular, com alteração das propriedades de transporte, exposição de antígenos de superfície e inserção de proteínas derivadas do microrganismo. Os eritrócitos infectados pelo parasito, apresentam protrusões eletrodensas em sua superfície, que facilita a aderência destes às células endoteliais de vênulas e capilares de diversos órgãos, como cérebro, pulmões e rins, além da presença de adesinas do Plasmodium – como os knobs –, contribuindo para a maior gravidade da doença, através do fenômeno conhecido por citoaderência, que é o principal evento das complicações relacionadas a malária, sendo definida como a ligação mediada pelos receptores das hemácias infectadas pelo P. falciparum ao endotélio capilar, sendo um fenômeno biológico ativado pelo parasita e não pelo hospedeiro. Concomitantemente à CITOADERÊNCIA, existe também o processo de formação de rosetas, em que as células infectadas aderem a células não-infectadas, produzindo um efeito sinérgico dos dois fenômenos na patogênese da malária grave, com formação de agregados celulares que interferem na microcirculação. E ainda, na malária grave, as hemácias infectadas e as não-infectadas enrijecem-se, causando um bloqueio adicional ao fluxo sanguíneo. A seguir, em detalhes, as principais complicações presentes na malária. Febre é quase sempre presente, em geral acima de 38C, de padrão temporal variável (infecções por P.falciparum), raramente como febre terçã (a cada 48 horas , nas infecções por P.vivax e P. ovale) ou febre quartã (infecções por P.malariae). A febre coincide com a ruptura de hemácias após um ciclo de reprodução assexuado nos eritrócitos, temporalmente de acordo com a espécie de plasmódio infectante, com liberação de merozoítos na circulação, levando à resposta imune mediada por macrófagos com liberação de citocinas inflamatórias. É uma forma de diagnosticar a malária já que a febre costuma ser de 48 em 48 horas ou de 72 em 72 horas. A anemia relacionada a malária é causada por diversos mecanismos fisiopatológicos ainda pouco compreendidos. No entanto, é uma complicação comum em malária grave e não- grave, e é responsável por grande parte da carga de doenças, com morbidade e mortalidade considerável, particularmente em crianças 32. Em áreas de transmissão holoendêmica, a anemia é a principal manifestação clínica da malária grave infantil. O alvo principal do Plasmodium na espécie humana são os eritrócitos. O P. vivax tem preferência pelos eritrócitos mais jovens, em especial os reticulócitos, ao passo que o P. falciparum possui apenas uma moderada predileção por estas células, e uma significativa capacidade de infectar hemácias mais velhas. Modelos matemáticos Sugerem que a morte prematura de reticulócitos infectados devido à infecção pelo P. vivax deve ser suficiente para levar a extrema anemia durante um período de vários meses por redução no fornecimento de glóbulos vermelhos maduros. AUMENTO DA LISE DOS ERITRÓCITOS: na malária aguda as hemácias são destruídas diretamente pela infecção parasitária. Entretanto, o grau da anemia não pode ser somente explicado por este processo. Sabe-se que os eritrócitos não-parasitados são removidos da circulação por fagocitose e lise mediada pelo sistema complemento, resultante da deposição de imunocomplexos. PRODUÇÃO REDUZIDA DE ERITRÓCITOS: na infecção por P. falciparum, geralmente os níveis de reticulócitos são inadequadamente baixos, devido a supressão da resposta normal a eritropoietina (Epo). A(s) causa(s) da eritropoiese anormal nos casos de malária por P. falciparum é incerta. Alguns estudos mostram uma associação entre elevados níveis circulantes de citocinas pró- inflamatórias (TNF-α, interferon gama (IFN-γ)) e anemia severa na malária. As concentrações de TNF-α e IFN-γ estão relacionadas com a gravidade da doença, sendo que níveis elevados de TNF-α estão associados à supressão da eritropoiese. Essas citocinas contribuem para a redução da produção da eritropoetina e aumento da eritrofagocitose. O TNF-α ocasiona a maior clivagem do fator de transcrição eritróide; o INF-γ induz a produção pelos macrófagos de ligante indutor de apoptose relacionado ao TNF, o que inibe a diferenciação dos eritroblastos. Juntamente com a IL-6, que induza expressão da hepcidina, que é a principal reguladora da homeostase sistêmica do ferro, acarretando a diminuição do ferro disponível para a eritropoiese. AUMENTO DA CAPTAÇÃO ESPLÊNICA: quaisquer que sejam os mecanismos que levam a alterações nos eritrócitos, o baço é o local mais importante para filtração, retenção e fagocitose de eritrócitos parasitados ou alterados por P. falciparum. A diseritropoiese mediada pelas citocinas, parece aumentar a remoção dos eritrócitos parasitados e não-parasitados do baço, contribuindo para a patogênese da anemia severa da malária. A atividade esplênica limita a densidade parasitária, reduzindo, desse modo, o risco de malária grave. No entanto, uma intensa captação de eritrócitos pelo baço, aumenta a probabilidade de anemia grave. MALARIA CEREBRAL: Trata-se de uma manifestação clínica relativamente comum da malária grave e a principal causa de óbito, com uma letalidade de 10% a 50%. A malária cerebral ocorre com uma frequência variável, atingindo 0,01% a 16% dos pacientes 27. É principalmente caracterizada por uma hiper parasitemia e excessiva produção de um tipo de citocinas pró-inflamatórias, seguida pelo aumento na expressão de moléculas de adesão, que contribui para o sequestro de eritrócitos parasitados na microvasculatura cerebral. Os mecanismos de lesão neural em malária cerebral são pouco compreendidos. Um problema fundamental na avaliação da patogênese da malária cerebral é a escassez de dados em humanos, pois os testes em tecido cerebral são invasivos, sendo coletados apenas em autópsia. As principais hipóteses para o acometimento dos pacientes à malária cerebral são duas, a teoria mecânica e a teoria da inflamação. Dentre os processos que ocorrem na teoria mecânica, podemos citar: O seqüestro de hemácias, entupimento de vênulas e capilares, que comprometem o fluxo sanguíneo e provocam hipóxia 43. Não somente a função cerebral é prejudicada, como também os reflexos sensoriais, há presença de convulsões, encefalopatia difusa, por vezes localizada e hemiparesia 44 A segunda teoria explica a malária cerebral a partir da intensa resposta imune caracterizada pela liberação de citocinas pró inflamatórias, aumentando a permeabilidade da barreira hemato- encefálica, e causando hipertensão intracraniana, principalmente em crianças. Instala-se de forma progressiva, com manifestações que incluem CEFALÉIA, alterações de comportamento, desorientação, convulsões e coma. COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA A infecção pelo P. falciparum está geralmente associada com um estado procoagulante caracterizado por trombocitopenia e ativação da cascata de coagulação e sistema fibrinolítico; no entanto, a ocorrência de eventos hemorrágicos é incomum. INSUFICIENCIA RENAL AGUDO: O P. falciparum é a espécie causadora da maior parte dos casos de insuficiência renal aguda (IRA) 45. Nesta infecção, as alterações tubulares são mais evidentes do que as glomerulares, podendo variar desde um pequeno acometimento até necrose tubular aguda e IRA, frequentemente oligúrica e hipercatabólica. O diagnóstico para IRA ocorre nas situações em que há oligúria (diurese inferior a 400ml/24 horas) e elevação sérica de creatinina e uréia. .A citoaderência e os eventos embólicos na microcirculação, juntamente com a diminuição da deformabilidade das hemácias reduzem o fluxo sanguíneo sistêmico e causam isquemia renal. Os mediadores inflamatórios liberados pela resposta imunológica induzem a vasoconstrição e a liberação de catecolaminas, as quais aumentam ainda mais o efeito vasoconstritor. O consequente dano renal decorrente dessas alterações está ligado à toxicidade direta das catecolaminas sobre o parênquima renal, assim como às implicações hemodinâmicas que culminam em isquemia. Outros mecanismos como a deposição de imunocomplexos e a glomerulopatia imunomediada também contribuem para a lesão renal. ICTERICIA: Problemas hepáticos na malária grave é um evento comum, manifestando-se, normalmente, por icterícia, hepatomegalia e discreta elevação do nível sérico das aminotransferases. Pode ser multifatorial, possuindo causas diretas (hepatite malárica, hemólise intravascular de eritrócitos parasitados e hepatite septicêmica), causas indiretas (hemólise micro angiopática associada a coagulação intravascular disseminada, hemólise relacionada a G6PD, indução antimalárica por drogas) e causas não relacionada (coexistindo hepatite viral aguda ou subjacente a hepatite crônica). A síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) é uma manifestação frequente da malária grave e um indicador de mau prognóstico. Apresenta-se com um quadro de taquipnéia, respiração profunda e ofegante, seguida de hipoxemia e insuficiência respiratória grave necessitando de aporte ventilatório. A insuficiência respiratória aguda geralmente ocorre alguns dias após a instalação da malária, mas pode surgir logo após ou até posterior ao tratamento antimalárico. O edema pulmonar pode evoluir para SARA, geralmente devido ao aumento da permeabilidade capilar pulmonar. A acidose metabólica está relacionada ao aumento do metabolismo anaeróbico da glicose, decorrente da hipóxia tecidual associada à anemia (diminuição da capacidade de carrear oxigênio), intensificação da atividade muscular durante as convulsões, aumento da demanda nutricional pelas hemácias parasitadas, febre e o aumento das citocinas, além da diminuição da depuração do lactado pelo fígado devido à redução do fluxo sanguíneo hepático. Como mecanismo compensatório à acidose metabólica, em geral, pode se observar resposta respiratória de hiperventilação manifestada clinicamente pela respiração de Kussmaul, a fim de produzir alcalose respiratória. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A atual estratégia preconizada pelo Ministério da Saúde consiste no diagnóstico precoce e no tratamento oportuno e adequado dos casos.(60) De fato, recentes estudos apontam o atraso no diagnóstico como fator de agravamento dos casos de malária, principalmente a causada por P. falciparum.(36,61,62,63) A possibilidade de malária deve ser cogitada em todo indivíduo que apresente quadro febril a esclarecer e história de deslocamento para regiões endêmicas ou entrada em região de Mata Atlântica.(61) Além de pensar nas viagens em associação ao quadro de malária por transmissão natural - ou seja, pela picada do mosquito Anopheles spp. -, deve-se também suspeitar da possibilidade em casos de febre e hemotransfusão, transplante de órgãos ou acidentes com material perfurocortante. Deve-se destacar que o intensivista poderá ser chamado para avaliar um quadro febril não esclarecido, devendo, por conseguinte, formular a hipótese de malária e investigá-la, diferenciando-a de outras infecções, tais como meningite, febre tifóide, sepse, influenza, dengue, hepatites, leptospirose e encefalite viral. O diagnóstico da doença é realizado pela visualização microscópica do Plasmodium em exame da gota espessa de sangue, corada pela técnica de Giemsa ou de Walker, e em distensão sanguínea, que permite a identificação da espécie, mas apresenta menor sensibilidade. Apesar da microscopia ser considerada o padrão-ouro para o diagnóstico e o monitoramento do tratamento da malária, essa técnica exige pessoal treinado e experiente no exame de distensões sanguíneas.(60) Desta forma, os exames preconizados pelo Ministério da Saúde são: 1) GOTA ESPESSA, considerado o exame padrão-ouro para diagnóstico da malária. Permite a contagem da parasitemia - fator preditor de gravidade na infecção por P. falciparum - além de permitir o acompanhamento da queda da mesma, após o início da terapêutica. 2) DISTENSÃO SANGUÍNEA, a qual permite aidentificação da morfologia do protozoário, e consequente diferenciação da espécie infectante - que é importante para a adequação do tratamento. O sangue para a realização da hematoscopia pode ser colhido em qualquer veia periférica, não havendo obrigatoriedade na colheita por punção de polpa digital. No diagnóstico pela observação de lâminas deve-se estar atento para as características das diversas espécies, as quais são diagnóstico diferencial da malária falcípara. O P. falciparum - pela sua propriedade de citoaderência -, só permite a detecção de trofozoítos na periferia e ao se observar a lâmina só se verificará a presença dessas estruturas. Além da hematoscopia, existem outros métodos que vêm sendo desenvolvidos para o estabelecimento do diagnóstico de malária, tais como a pesquisa do parasita pelo "método dos capilares" - com utilização de acridina-laranja como corante - e o ParaSight®. Neste último, empregam-se anticorpos monoclonais dirigidos aos antígenos do P. falciparum, obtendo-se em alguns estudos sensibilidade e especificidade superiores a 95%.(60) Não se presta, entretanto, para controle de cura. Nos últimos anos, vários estudos têm utilizado a reação de polimerização em cadeia (PCR) como método de detecção de DNA de Plasmodium circulante.(64-66) Contudo, devido ao elevado custo da técnica, a mesma não é utilizada como rotina para diagnóstico de casos, permanecendo restrita a centros de pesquisa. MALARIA E IMUNIDADE A resposta imune ao P. falciparum é complexa. De forma sucinta, inclui mecanismos celulares - células fagocíticas ativadas liberam óxido nítrico e derivados de oxigênio tóxico que induzem a destruição esplênica dos eritrócitos infectados - e humorais - anticorpos produzidos ativam receptores para macrófagos e monócitos na superfície das hemácias infectadas inibindo a expansão da parasitemia. Na infecção aguda, caracteristicamente, há uma pobre resposta antígeno-específica, o que determina lento desenvolvimento de imunidade adaptativa. Em áreas endêmicas para a malária, indivíduos continuamente expostos têm produção gradual de anticorpos específicos que atingem níveis elevados e estáveis, ao redor da terceira década de vida.(13) Dessa forma, se por um lado a resposta imune confere proteção contra as formas graves da doença, a ativação do mesmo mecanismo de defesa está envolvida em algumas manifestações clínicas responsáveis pela gravidade da infecção, tendo como fator comum nas duas situações a liberação do TNF-α No entanto, como dito acima, o organismo tem uma extrema dificuldade no reconhecimento especifico das células parasitadas da malária devido as hemácias não possuírem proteínas MHC na superfície celular responsáveis por detectar antígenos já que as hemácias são anucleadas e não produzem proteínas. Logo, a imunidade adaptativa fica comprometida. FÁRMACOS A paciente submeteu-se a um processo de hidratação, em que foi administrado soro fisiológico com vitamina C, Complexo B, Dipirona e Buscopan. O ácido ascórbico (vitamina C) é uma vitamina hidrossolúvel, essencial para a síntese de colágeno e reparação de tecidos. Desempenha papel significativo no metabolismo de tirosina, dos carboidratos, do ferro, na conversão de ácido fólico em ácido folínico, na síntese de lipídeos e proteínas, na resistência às infecções e na respiração celular. Oferece suporte ao sistema imunológico, em virtude da sua propriedade antioxidante, ajudando a neutralizar os radicais livres nas células. Na questão da dengue, auxilia diretamente para reestabelecimento do sistema imunológico. A vitamina do complexo B administrada tem um importante papel na questão anti- inflamatória, uma vez que sintetizam ácidos nucleicos, proteínas e fostatidilcolina que é um fosfolipídio da membrana celular, e se transforma em colina que será utilizada na síntese de acetilcolina, um importante neurotransmissor. Os possíveis mecanismos analgésicos e anti-neurálgicos das vitsB (principalmente as vitaminas B1 e B12) demonstrados em estudos experimentais com animais incluem: interação com os mediadores causadores de dor nos nociceptores, aumentando a disponibilidade e efetividade da noradrenalina e da 5- hidroxitriptamina na via descendente inibitória da dor; regeneração de fibras de nervos danificados; estabilização da excitabilidade elétrica dos nervos inibindo descargas ectópicas; e melhoria no transporte axonal, aumentando a velocidade de condução nervosa. A dipirona é analgésico indicado no controle da dor de intensidade leve à moderada . Sua atividade analgésica, apesar de não ser completamente elucidada, é atribuída à depressão direta da atividade nociceptora; consegue diminuir o estado de hiperalgesia persistente por meio do bloqueio da entrada de cálcio e da diminuição dos níveis de AMP cíclico (AMPc) nas terminações nervosas. Uma vez que se caracteriza como um anti- inflamatório após um período de inflamação que, em função da destruição celular e tecidual, desencadeia a produção e a liberação de mediadores bioquímicos, em particular histamina, bradicinina e prostaglandinas . Assim, ao controlar a extensão do processo inflamatório, ocorre redução da dor em intensidade e gravidade. Para aliviar o vomito e as diarreias foi utilizado buscopan, uma vez que ativado o sistema autônomo parassimpático, no TGI ocorre uma maior motilidade e secreção do local. Assim, com a ativação, aumenta-se a quantidade de acetilcolina liberada que age no órgão efetor promovendo tais consequências. Todavia, com a ingestão do fármaco, o mesmo compete com os receptores muscarinicos de acetilcolina, diminuindo sua ação e bloqueando a ação do sistema autônomo. (Fármaco parassimpatolitico) TRATAMENTO A malária grave - ou seja, a malária por P. falciparum fora de área endêmica -, é uma emergência médica,(67) destacando-se que neste caso, pela gravidade da apresentação clínica, os pacientes devem ser internados na UTI.(34) Na admissão, a permeabilidade das vias aéreas deve ser garantida e os parâmetros respiratórios e cardiovasculares avaliados. O peso do paciente deve ser aferido para o cálculo das doses dos medicamentos. Um acesso venoso adequado deve ser obtido, além da coleta de sangue para realização de exames laboratoriais - como glicemia, hemograma, contagem da parasitemia, gasometria arterial e parâmetros de função renal e hepática. Balanço hidroeletrolítico rigoroso deve ser realizado. O exame neurológico deve ser minucioso, com especial atenção para o estado de consciência avaliado através da escala de coma de Glasgow. TERAPÊUTICA ETIOLÓGICA: Um aspecto essencial do tratamento da malária grave é o controle da parasitemia, já que esta funciona como fator determinante da gravidade; desta feita, utilizam-se prioritariamente os esquizonticidas eritrocitários de ação rápida - p. ex., os derivados da artemisinina -, lembrando-se que não devem ser administrados fármacos como a mefloquina, a cloroquina e o halofantrine, disponíveis apenas por via oral, uma vez que a terapia medicamentosa deve ser administrada por via intravenosa, para obtenção de níveis séricos com maior rapidez. Os derivados da artemisinina - artesunato e artemeter - são as substâncias comumente utilizadas, sendo a primeira de uso intravenoso, intramuscular e retal e a segunda disponível apenas para uso intramuscular. Estes fármacos são extraídos da Artemisia annua, planta originada na China. Do ponto de vista famacológico, são esquizonticidas rápidos - os mais rápidos disponíveis - atuando ainda sobre gametócitos de P. vivax. Estão indicados no tratamento da malária grave, principalmente a malária cerebral, devido a sua rapidez na redução da parasitemia. São bem tolerados pelos pacientes,com poucos efeitos adversos - diarréia, dor abdominal e náuseas são os mais relevantes. O quinino é o mais antigo medicamento utilizado no tratamento da malária. Atua como um esquizonticida eritrocitário de ação rápida, com atividade também sobre gametócitos de P. vivax, P. ovale e P. malariae. Não atua sobre esquizontes tissulares ou gametócitos de P. falciparum. É rapidamente absorvido - por via oral ou intravenosa - e eliminado pelo organismo, com meia-vida em torno de 12 horas, com concentração em todos os líquidos e tecidos orgânicos, inclusive no interior das hemácias, nas quais alcança concentração de 1/3 a 1/2 da presente no plasma.(68) Seus principais efeitos adversos são o cinchonismo (tinido, déficit auditivo transitório, tremores e distúrbios visuais), a epigastralgia, as náuseas e os vômitos, além de hipoglicemia quando em doses altas. Tais alterações são reversíveis com a interrupção do medicamento. A infusão intravenosa pode levar também à trombose, à hipotensão arterial sistêmica e a alterações de ritmo cardíaco, devendo ser o fármaco administrado diluído lentamente. Atualmente é recomendado em associação com clindamicina. Embora as dosagens dos medicamentos sejam ajustadas de acordo com a faixa etária, é necessário levar em consideração o peso do paciente para que o tratamento tenha o máximo possível de eficácia com o mínimo de toxicidade. O Ministério da Saúde disponibiliza gratuitamente os medicamentos antimaláricos em todo território nacional. O tratamento pode ser complicado pelo surgimento de resistência e pela gravidade do doente. A avaliação da parasitemia após 24 horas do início da terapêutica é importante para observação da existência de falhas, sobretudo em enfermos que venham mantendo quadro clínico inalterado ou com piora.
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