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A síndrome metabólica (SM) é comumente definida por uma constelação de interligados fatores fisiológicos, bioquímicos, clínicos e metabólicos que aumentam diretamente o risco de doença cardiovascular e diabetes melito tipo 2 (DM2). A presença de SM confere um aumento de 5 vezes no risco para DM2 e de 2 vezes no risco de desenvolver doenças cardiovasculares (DCV) ao longo dos próximos 5 a 10 anos. Além disso, em comparação aos indivíduos sem a síndrome, os pacientes com SM apresentam risco aumentado em 2 a 3 vezes para acidente vascular cerebral (AVC), 3 a 4 vezes para infarto agudo do miocárdio (IAM) e de 2 vezes o risco para morrerem em consequência de um desses distúrbios, independentemente de história prévia de eventos cardiovasculares. Existem, atualmente, duas classificações que têm sido mais amplamente utilizadas: do National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III ou ATP III)8 e da International Diabetes Federation (IDF). Critérios do NCEP-ATP III Presença de 3 ou mais dos seguintes critérios: o Obesidade abdominal: cintura > 102 cm em homens e > 88 cm em mulheres; o Triglicerídeos elevados: ≥ 150 mg/dℓ HDL- colesterol baixo: < 40 mg/dℓ em homens e < 50 mg/dℓ em mulheres; o Pressão arterial elevada: ≥ 130/85 mmHg Glicemia de jejum elevada: ≥ 110 mg/dℓ. Critérios da International Diabetes Federation (IDF) Obesidade central, definida conforme aspectos étnicos, * associada a, pelo menos, 2 dos seguintes critérios: o Triglicerídeos elevados: ≥ 150 mg/dℓ (ou tratamento específico para dislipidemia); o HDL-colesterol baixo: ≤ 40 mg/dℓ em homens e ≤ 50 mg/dℓ em mulheres; o Pressão arterial elevada: ≥ 130/85 mmHg (ou tratamento específico para hipertensão); o Glicemia de jejum elevada: ≥ 100 mg/dℓ. * Em homens: > 94 cm em europeus; > 90 cm em sul- americanos, africanos, chineses e sul-asiáticos; > 85 cm em japoneses. Em mulheres: > 80 cm em europeias; > 80 cm em sul-americanas, africanas, chinesas e sul-asiáticas; > 90 cm em japonesas. A SM tem igualmente relação direta com o grau de adiposidade, de modo que, em ordem decrescente, afeta obesos, indivíduos com sobrepeso e pessoas com peso normal. Na gênese da SM estão envolvidos fatores genéticos e ambientais. Um conceito importante é que ela está diretamente relacionada não apenas com o excesso de peso per se, mas também com uma alteração na distribuição da adiposidade corporal. De fato, SM parece ser decorrente diretamente de um excesso de tecido adiposo visceral (TAV) e de uma diminuição do tecido adiposo subcutâneo (TASC), o que levaria a maior liberação de ácidos graxos livres (AGL) e citocinas inflamatórias na circulação, entre outros achados. Existem dois tipos principais de adipócitos no corpo humano: adipócitos subcutâneos e adipócitos viscerais. Os primeiros são células menores, que têm mais facilidade de se multiplicar e são mais responsivos ao efeito antilipolítico da insulina. Eles têm a capacidade de armazenar grandes capacidades de AGL sob a forma de triacilglicerol e produzem poucas citocinas inflamatórias (já que, praticamente, não há infiltração de macrófagos e monócitos). Em contraste, os adipócitos viscerais são células maiores, que se multiplicam pouco, são metabolicamente mais ativos e apresentam atividade lipolítica mais acentuada. Ademais, eles acumulam menos AGL e possuem grande capacidade de secretar citocinas inflamatórias, tais como o fator de necrose tumoral-alfa (TNF- α), a interleucina-6 (IL-6), a proteína C reativa (PCR) e o inibidor do ativador do plasminogênio- 1 (PAI-1). Primariamente, a SM parece ser decorrente de uma desproporção na distribuição de adipócitos subcutâneos e viscerais. O excesso de citocinas pró-inflamatórias (principalmente, TNF-α e IL-6) resulta em uma inflamação localizada no tecido adiposo que se propaga para uma inflamação sistêmica global, associada ao desenvolvimento de comorbidades relacionadas a obesidade, resistência à insulina (RI), estresse oxidativo e aterosclerose. A participação dessas citocinas na gênese da RI aparentemente se daria por inibirem diretamente a ativação do receptor da insulina, dificultando, assim, o transporte intracelular da glicose. O excesso de PAI-1, juntamente com aumento dos níveis dos fatores VIII e V, respondem por um estado de hipercoagulabilidade, o qual favorece a ocorrência de eventos vasculares trombóticos (p. ex., IAM e trombose venosa profunda). Existem várias teorias para explicar como os diferentes adipócitos modulam a RI. De maneira geral, o aumento da lipólise nos adipócitos viscerais ocasiona um aumento do aporte de AGL para o fígado e o músculo esquelético, inibindo a ação da insulina nesses órgãos, por um mecanismo denominado de lipotoxicidade. A resistência insulínica no fígado levaria a um aumento da gliconeogênese hepática (causando hiperglicemia), da produção de citocinas inflamatórias (inflamação) e da secreção excessiva de VLDL, com consequente hipertrigliceridemia e redução nos níveis de HDL-colesterol (HDL-c). 1. Doença cardiovascular A dislipidemia encontrada em pacientes com SM é altamente aterogênica. Caracteriza-se por hipertrigliceridemia e níveis baixos do HLD-c, associados a um aumento no número de partículas de LDL pequenas e densas, que são mais aterogênicas. Um dos aspectos mais preocupantes com relação à SM é o elevado risco cardiovascular que esses pacientes apresentam. A combinação de múltiplos fatores de risco (HDL-c baixo, hipertrigliceridemia, hipertensão, aumento do PA1-1, hiperinsulinemia e hipoadiponectinemia, entre outros) faz dessa população um grupo de pacientes altamente suscetíveis a doenças cardiovasculares (DCV), com risco até 3 vezes maior para evento cardiovascular, até 4 vezes para morte por DAC e até 2,4 para morte por qualquer causa. 2. Diabetes Melitos tipo 2 A incidência de DM2 é até 5 vezes maior em pacientes com SM em comparação a um grupo de pacientes sem a síndrome. De fato, SM é encontrada em 42 a 64% dos indivíduos com pré-diabetes e em 78 a 84% daqueles com DM2. Nesses indivíduos, o risco de complicações microvasculares e macrovasculares, bem como a mortalidade cardiovascular, são significativamente maiores na presença de SM. 3. Doença hepática gordurosa não alcoólica A DHGNA é resultado do excesso no aporte de ácidos graxos para o fígado (em consequência da lipólise exagerada) e está diretamente associada à RI e ao acúmulo de gordura visceral. Ela envolve a esteatose e a esteato-hepatite (NASH). Os pacientes podem apresentar-se com discretos aumentos nos níveis das enzimas hepáticas (normais, na maioria dos casos), e exames de imagem, seja ultrassonografia (US) abdominal, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) do abdome, sugerem o diagnóstico de DHGNA. 4. Hiperatividade do sistema nervoso simpático Essa ativação seria um mecanismo compensatório na tentativa de estabilizar o peso corporal pelo aumento da termogênese. Um dos principais ativadores do SNS é a hiperinsulinemia, principalmente pós-prandial (termogênese induzida pela alimentação). Essa hiperinsulinemia, associada a hiperleptinemia, redução do óxido nítrico e aumento da endotelina- 1, levaria a uma vasoconstrição periférica importante e retenção de líquidos, reduzindo o fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética e ocasionando a RI. Dessa maneira, a hiperatividade do SNS perpetuaria um círculo vicioso, com hiperinsulinemia, hipertensão arterial e aumento da frequência cardíaca, demonstrados na SM. 4. Alterações nos diversos eixos endócrinos Embora não atuem diretamente como reguladores dos eixos endócrinos, a SM e, principalmente, o tecido adiposo exercem importantes efeitosindiretos, os quais levam a alterações importantes em eixos do sistema endócrino. Eixo hipotalâmico-hipofisários-adrenal: os pacientes com SM apresentam hiperativação desse eixo, que parece estar relacionada com um estado de hipercortisolismo subclínico. Eixo somatotrófico: a diminuição do hormônio de crescimento (GH) ocorre por diversos mecanismos: (1) inibição direta da liberação de GH na hipófise pela hiperinsulinemia; (2) inibição no fígado da produção das proteínas de ligação do IGF-1 (IGFBP), o que levaria a um aumento da fração livre do IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1) e inibição da liberação do GH; (3) inibição direta da liberação do GH pelos níveis elevados dos AGL; e (4) aumento da somatostatina, relacionado com os níveis elevados de AGL. O discreto aumento dos níveis do IGF-1 livre parece correlacionar-se com maior incidência de câncer, síndrome de ovários policísticos (SOP), aumento de volume adrenal e hiperplasia prostática. Ademais, os níveis reduzidos de GH contribuem para aumentar o depósito de tecido adiposo e dos AGL, além de inibir a produção dos IGFBP pelo fígado. Eixo gonadal: em homens ocorre diminuição dos níveis plasmáticos de testosterona total e livre, redução da proteína de ligação dos hormônios sexuais (SHBG), atenuação dos pulsos de LH e aumento dos níveis de estradiol. A característica mais marcante nessas mulheres é o hiperandrogenismo, secundário à ação da hiperinsulinemia e da secreção aumentada de LH pela hipófise sobre os ovários. 5. Câncer A hiperinsulinemia pode afetar o risco de câncer e mortalidade relacionada ao câncer por meio dos efeitos mitogênicos diretos de insulina. Além disso, pode desempenhar um papel mitogênico indireto, aumentando a produção de IGF-1. Acantose nigricans: dermatose caracterizada por lesões hiperpigmentadas, aveludadas e hiperceratósicas, localizadas simetricamente nas axilas, dorso cervical e/ou virilhas. Existe também a acantose nigricans como síndrome paraneoplásica de alguns tumores, especialmente o câncer gástrico. Neste caso, a dermatose é mais difusa e pode acometer as mucosas e a região palmoplantar. Esteatose hepática: acúmulo de gotículas lipídicas nos hepatócitos, provocando hepatomegalia e hiperecogenicidade característica à USG. Alguns desses pacientes evoluem com esteato-hepatite não alcoólica (NASH), uma desordem com potencial de evolução para cirrose hepática. Hiperandrogenismo: hirsutismo, acne e implantação masculina dos pelos. Pode vir como um componente da síndrome dos ovários policísticos (Stein-Leventhal), caracterizada por múltiplos cistos ovarianos, amenorreia, esterilidade, além do hiperandrogenismo. Os ovários dessas pacientes produzem quantidade maior de testosterona pelas células da teca. Outros achados: hiperuricemia, síndrome da apneia do sono. Não farmacológico: dieta + atividade física, principalmente. Associado a isso, incluem-se o controle de situações estressantes, cessação do tabagismo e ingestão limitada de bebida alcoólica. Farmacológico: é específica para cada problema apresentado pelo paciente.
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