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Fonte: Dra. Virginia, Medcurso 2019, Artigo Introdução Sexo genético: determinado na fertilização. Sexo gonadal: determinado pelo sexo genético. Sexo genotípico: determinado pelo sexo gonadal. Sexo psicológico: adquirido após o nascimento, pelo desenvolvimento social da pesonalidade, influências hormonais e identificação sexual pós- natal. O caminho para que se chegue a um desenvolvimento sexual normal é longo e sujeito a erros. Não é necessário somente a presença de estímulos, mas a cronologia é absolutamente fundamental. É necessário que tudo ocorra no tempo e ordem corretos. O desenvolvimento embriológico sexual normal consiste de três processos sequenciais relacionados: 1. Estabelecimento do sexo cromossômico na fertilização, com XY como masculino e XX como feminino. Nos dois primeiros meses de gestação, os dois sexos se desenvolvem de maneira exatamente idêntica; 2. Determinação do sexo gonadal, quando as gônadas indiferenciadas se desenvolvem em ovários ou testículos a partir de oito semanas de gestação; 3. Desenvolvimento dos fenótipos sexuais, quando as estruturas precursoras sexuais indiferenciadas dão origem às estruturas caracteristicamente masculinas ou femininas. Este processo se completa por volta de 12 semanas nos fetos do sexo masculino e um pouco mais tarde nos do sexo feminino. Genitália interna → O trato urogenital interno é derivado de dois conjuntos de ductos, os ductos de Wolff (mesonéfricos) e ductos de Müller (paramesonéfricos), os quais estão presentes precocemente em ambos os sexos. → Sexo feminino ▪ Ductos de Müller originam as trompas de Falópio, útero e vagina superior (2/3 superiores). ▪ Ductos de Wolff persistem na forma vestigial, podendo originar os cistos de Gartner, remanescentes residuais dos ductos mesonéfricos que podem ser encontrados entre os folhetos do ligamento largo, ao longo das paredes laterais do útero e da vagina. ▪ Fragmentos do ducto mesonéfrico, correspondentes aos ductos deferentes e ejaculatório, podem persistir. → Sexo masculino ▪ Ductos de Wolff originam o epidídimo, vaso deferente, vesicular seminal. ▪ Ducto ejaculatório e os ductos de Müller regridem. Genitália externa → A genitália externa se desenvolve de precursores comuns a ambos os sexos: tubérculo genital, protuberância genital (eminências labioescrotais), dobras urogenitais (pregas urogenitais) e seio urogenital. → Sexo feminino ▪ Tubérculo genital origina o clitóris; ▪ Protuberâncias originam os grandes lábios; ▪ Dobras urogenitais os pequenos lábios. → Sexo masculino ▪ Protuberâncias se fundem para originar o escroto; ▪ Dobras urogenitais se alongam e se fundem para formar o corpo peniano e uretra peniana, a qual termina na glande, formada pelo tubérculo genital. ▪ A próstata se forma a partir do seio urogenital. ▪ A formação do fenótipo masculino está praticamente completa com 12 semanas de gestação, exceto pela falta de descida do testículo para a bolsa escrotal, a qual ocorre em estágio mais avançado da gravidez. Determinação gonadal É quando a gônada bipotencial/indiferencial se desenvolve e se transforma em ovário ou testículo. Ela se inicia na quinta semana de gestação, com a formação de protuberâncias denominadas crista genital, que se situam medialmente ao ducto mesonéfrico (Wolff). Em torno da quarta a sexta semana, ocorre a migração das células germinativas, originadas do endoderma da vesícula vitelina, para próximo destas protuberâncias. Caso não ocorra este processo de aproximação, haverá uma falha do desenvolvimento gonadal, o que se denomina disgenesia gonadal. O cromossoma Y possui um papel fundamental, mais especificamente a região SRY (sexy determination region on the Y chomossome). A diferenciação sexual genética masculina começa no fim da 6 a semana, quando um gene específico no cromossoma Y (SRY) é expresso nas células somáticas de sustentação. Embriões nos quais este gene não é expresso se desenvolvem como femininos. O produto deste gene, denominado proteína SRY, inicia uma cascata de desenvolvimento que conduz à formação dos testículos, dos ductos genitais masculinos e glândulas associadas, dos genitais externos masculinos e de toda a constelação de características sexuais secundárias masculinas É possível detectar a presença de outros genes nesse processo, como DAX-1, WT-1, SOX-9, no cromossomo X ou em autossomos. Já o processo de desenvolvimento do sexo feminino é autônomo e passivo, isto é, não requer a presença de gônadas nem de hormônio algum. Desenvolvimento sexual Nas mulheres, por volta da nona semana de vida embrionária, devido à ausência do hormônio ou fator ou substância inibidora Mülleriana (SIM) - Müller inhibiting substance (MIS), os ductos de Müller se desenvolvem e apresentam como fimbrias, trompas de Falópio, útero e terço proximal da vagina. Além disso, há regressão completa dos ductos de Wolff. Nos homens, os ductos de Wolff dão origem aos ductos deferentes, epidídimo, vesículas seminais e ductos ejaculatórios. Essa diferenciação sexual ocorre a partir da gônada diferenciada e é o que leva o indivíduo ao seu fenótipo final, diferenciação dos ductos internos e o aparecimento da genitália externa. Existe uma tendência intrínseca das estruturas de seguir o caminho para o sexo feminino. A diferença para o sexo masculino exige atuação mais ativa em momentos decisivos. O sexo gonadal é traduzido em sexo fenotípico pela secreção hormonal dos testículos fetais. Três hormônios são responsáveis pelo fenótipo masculino: Hormônio Antimülleriano (AMH) (também denominado Hormônio Inibidor Mülleriano – MIH), testosterona e di- hidrotestosterona. O efeito final destes três hormônios é a regressão dos ductos de Müller e promoção do desenvolvimento da genitália masculina. A partir da diferenciação testicular, as células de Sertoli secretam o hormônio anti mylleriano (AMH) da 8ª-12ª semana, provocando apoptose das células do ducto de Muller. As células de Leyding produzem testosterona, responsável pelo desenvolvimento dos ductos de Wolff. Existe uma transformação da testosterona em DHT pela 5-alfa-redutase II, o que leva a masculinização da genitália externa. A partir da diferenciação ovariana, a falta de AMH permite o desenvolvimento dos ductos de Muller. Na falta da testosterona, os ductos de Wolff não se desenvolvam, sofrendo atrofia. Ainda, não existe a conversão de testosterona em di-hidrotestosterona, a genitália externa irá seguir seu curso normal para o sexo feminino. Isso tudo ocorre na 6ª semana de gestação no feto do sexo masculino e até a 12ª semana no sexo feminino. Conclusões importantes 1. O sexo genético determina o sexo gonadal, e este o sexo fenotípico; 2. A masculinização fetal é determinada por hormônios produzidos nos testículos em desenvolvimento; 3. Na ausência dos testículos, o desenvolvimento fenotípico é feminino, mesmo na ausência dos ovários; 4. Alterações neste desenvolvimento podem levar a quadros de amenorreia, como a síndrome de Morris, síndrome de Rokitansky, disgenesia gonadal, e outros. Alterações Malformações da genitália interna → Anomalias Mullerianas Malformações da genitália externa/complexas → Anomalias do seio urogenital → Distúrbios do desenvolvimento sexual (DDS) População geral: 0,16 a 10%. Pode estar presentes nas perdas gestacionais recorrentes não investigadas em 8-10% dos casos. Elas são divididas em: vaginais, cervicais e uterinas. Classificação (American Fertility Society) Agnesia ou hipoplasia Ausência ou hipoplasia de vagina, colo, útero e tubas. Utero unicorno Com ou sem corno acessório, comunicante ou não, com ou sem cavidade. Úterodidelfo Duplicação parcial ou completa da vagina, colo e útero. Útero bicorno (parcial ou completo) Completo: septo do fundo até o colo. Parcial: septo no fundo. Útero septado Septo parcial ou completo na linha média. Útero arqueado Pequeno septo no fundo uterino. Malformações vaginais Agenesia vaginal → É mais comumente associada a agenesia do corpo uterino e 2/3 superiores da vagina. → É uma amenorreia primária, porém com desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários normais. → Exame físico: canal vaginal ausente ou curto (até 2cm). → Diagnóstico: exame físico + USG pélvica e RNM (avaliar malformações urinárias ou útero rudimentar). → Também é importante pedir o cariótipo e exames hormonais. → Diagnóstico diferencial: DDS 46 XY (insensibilidade androgênica), agenesia cervico- vaginal, septo transverso e hímen perfurado. → Conduta: orientações e aconselhamento, tratamento clínico ou cirúrgico (a recomendação é que inicialmente o tratamento seja não cirúrgico). → O tratamento recomendado é a dilatação perineal progressiva. Septos vaginais → Transversos: falha de reabsorção do tecido entre a placa vaginal e os ductos mullerianos. ▪ Mais frequente nos 1/3 médio e superior, podendo ser perfurado ou imperfurado. ▪ Clínica: inicia após a menarca. ▪ Diagnósticos: US e RNM. ▪ Tratamento: retirada do septo. → Longitudinais ▪ Raramente ocorre isoladamente. ▪ Acompanha 75% dos úteros didelfo. ▪ Normalmente é um achado no exame. ▪ Pode obstruir uma hemivagina (6%). ▪ Síndrome Herlyn Werner Wunderlich: correspondia a útero rudimentar sólido associado à agenesia de vagina. Hímen imperfurado → Raro 1:2000 → Clínica: dor cíclica, massa abdominal, com ausência de menarca em menina com caracteres sexuais secundários presentes. → No exame físico, há uma membrana himenal abaulada. → Diagnóstico: é clínico, com a visualização direta da malformação e, quando há sangue retido, pela presença de hematocolpo, hematométrio e até mesmo hematoperitônio. → Tratamento: incisão em U no hímen e posterior drenagem. Malformações cervicais Colo uterino septado Dois colos unidos Aplasia cervical total (normalmente associado a agenesia de vagina) → Não existe colo do útero. Malformações uterinas Útero dismórfico → A cavidade uterina está em formato de T. Útero septado → Representa a reabsorção incompleta das paredes adjacentes dos ductos de Muller, podendo variar de uma divisão completa da cavidade até a persistência de um pequeno septo na região fúndica uterina. Útero unicorno/ hemiútero → Corresponde à falha de desenvolvimento de um dos ductos paramesonéfricos ou do desenvolvimento deficiente de um corno. → Dessa forma, é possível encontrar o útero unicorno sem corno rudimentar, ou ainda um corno rudimentar (comunicante ou não, coberto por endométrio ou não). Úteros bicorno: corresponde à fusão incompleta dos ductos de Müller. Apresenta-se como um útero com único colo, mas que pode ser apresentar com diversos graus de separação entre os dois cornos. Útero aplásico ou displásico: não existe, não foi formado ou é um útero rudimentar (não funcionante). São condições congênitas onde o desenvolvimento do sexo cromossômico, gonodal ou anatômico é atípico. As ambiguidades genitais podem estar presentes, e se configuram um problema que exige manejo complexo, ágil e eficaz, pois podem se configurar uma emergência médica, já que algumas etiologias colocam a vida das crianças em risco (como síndrome perdedora de sal). A ambiguidade genital também é uma situação de longo prazo, já que é uma definição de sexo mal resolvida, podendo acarretar em prejuízos irreparáveis para o paciente e sua família. A partir da constatação de uma anomalia sexual, deve ser realizado um trabalho exaustivo para educação etiológica, culminando numa conduta quando ao seco de criança e um tratamento da condição quando necessário. Uma das questões mais importantes é a escolha do sexo de criação. Anamnese Interrogar a mãe sobre: uso de medicamentos na gestação, ingestão de hormônios (testosterona), principalmente entre 8ª e 14ª semana de gestação. História de tumor adrenal ou ovariano na mãe. História familiar materna, paterna, consanguinidade, esterilidade, ocorrência de óbito em partos prévios. Exame físico Estado geral: hidratação, pilificação corpórea, presença de malformações anorretais e coluna termina. Gônadas: localização, tamanho e consistência. Falo: caracterização do tamanho em relação as medidas normais para idade. Posicionamento do meato uretral (importante relação ao sexo de criação). Critérios de Prader para caracterizar a genitália externa, de acordo com os graus de virilização. Prader I Aumento isolado do clítoris - Virilização por volta da 20ª semana de gestação (tardia) Praser II Aumento do clítoris, introito vaginal em forma de funil - Virilização no máximo até a 19ª semana Prader III Aumento do clítoris, introito vaginal profundo, em forma de funil, uretra esvaziando-se na vagina, pseudo seio uro- genital, graus diferentes de fusão lábio escrotal. - Até 15ª semana Prader IV Clitóris fálico, abertura urogenital em forma de fenda na base do falo. - Até 13ª semana Prader V Fusão lábio escrotal completa e uretra peniana. - Virilização até 11ª semana de gestação. Critérios de ambiguidade genital A. Numa genitália de aspecto masculina - Gônadas não palpáveis; - Tamanho peniano esticado de -2,5 desvios-padrão da média de tamanho peniano normal para a idade; - Gônadas pequenas, maior diâmetro inferior a 8 mm; - Presença de massa inguinal; - Hipospadia. B. De aspecto feminino - Diâmetro clitoriano superior a 6mm; - Gônada palpável m=em bolsa labioescrotal; -Fusão labial posterior; - Massa inguinal que possa corresponder a testículos. Avaliação complementar Cromatina sexual com as células da mucosa oral. Cariótipo: determina o sexo genético e cromossômico. Dosagens hormonais: 17 OHP, ACTH, LH, FSH. Ultrassonografia RMN pélvica Laparoscopia e Urografia excretora dependendo da suspeita diagnóstica. Hermafroditismo Verdadeiro Presença, no mesmo indivíduo, de tecido testicular e tecido ovariano em qualquer combinação - ovotéstis (44-66%). → Ovário + testículo (forma lateral); ovário + ovotéstis ou testículo + ovotéstis (forma unilateral); ovotéstis bilaterais (forma bilateral). Ovotéstis: é uma das gônadas tanto com aspectos testiculares como ovarianos. Um dado que não pode ser esquecido é que a caracterização de tecido testicular e de tecido ovariano deve ser clara do ponto de vista histológico. Assim, os critérios mínimos para HV são: folículos ovarianos ou presença de corpora albicantia para definir estrutura ovariana; túbulos seminíferos ou espermatozóides definem a existência de tecido testicular. Podem não apresentar ambiguidade na genitália externa e a degeneração maligna desse tecido gonadal testicular é frequente. Corresponde a 10% dos estados intersexuais. O cariótipo é 46, XX em 60% dos pacientes. 75-80% apresentam ginecomastia na puberdade, virilização insuficiente e mais de 50% menstruam. A conduta é laparoscopia para avaliação histológica das gônadas. Disgenesia Gonadal Pura Entidade rara, com presença de duas gônadas em fita ou displásicas ou tumor. Útero rudimentar. Genitália externa hipoplástica, com ou sem cliteromegalia e raramente ambígua. Cariótipos → 46 XX: transmissão autossômica recessiva ou esporádica → 46 XY: transmissão autossômica limitada ao sexo masculino → 46 XY: forma completa – síndrome de Sways – ou incompleta– genitália ambígua. LH e FSH elevados, com testosterona baixo em 46 XY e estradiol baixo em 46 XX. Na puberdade apresentam amenorreia primária, mamas hipoplasticas, infantilismo genital, escasso desenvolvimento de pelos axilares e pubiano. Presença de genitália externa normal, se diferencia da S. Turner pro não apresentar os estigmas. Disgenesia gonadal mista/assimétrica Cursa com ambiguidade da genitália externa com presença de um testículo com graus variáveis de disgenesia/aplasia germinativa de um lado e uma gônada em fita ou tumor do outro. Cariótipo: 45 X, 46 XY ou cromatina negativa. Possui um grau variável de desenvolvimento dos ductos de Wolff e Muller. Pode apresentar um útero em corno. Se faz necessário laparotomia para definição diagnóstica. O testículo e banda fibrótica tem potencial malignidade. LH e FSH estão elevados. Homem XX Incidência de 1:20.000 Individuo com sexo genético 46 XX, que desenvolve testículos com capacidade de produção de testosterona e virilização da genitália externa. Na puberdade, há distribuição pilosa pubiana em geral é do tipo feminino. 1/5 desses homens apresentam ambiguidade de genitália externa, facilitando o diagnóstico e também poderiam ser classificados com PHM. Todos são inférteis, por isso seus diagnósticos acabam sendo realizados quando da procura de clínicas de infertilidade. O SRY está presente e o cromossomo Y ausente. Pseudohemafroditismo Ocorre quando a gônada está diferenciada e a genitália é ambígua. PH masculino → Cariotipo 46 XY; → Possui testículos bilaterais, mas alguns dos passos para o desenvolvimento da genitália externa não aconteceu de forma adequada. → O fenótipo gemino externo, sem útero, vagina hipoplástica com fundo cego. → A herança é recessiva ligada ao cromossomo X ou autossômica domintante ligada ao sexo. PH feminino → Cariótipo 46 XX, ovários bilaterais → Ocorre virilização de um feto programado para evoluir para o sexo feminino. → É uma herança autossômica recessiva e é representado principalmente pela hiperplasia congênita da adrenal em 80-90% dos casos. Tratamento O tratamento pode requerer intervenção medicamentosa, como reposição hormonal e intervenção cirúrgica no sentido de adaptar, da melhor forma possível, o aspecto fenotípico ao sexo de criação escolhido. A questão de maior importância no tratamento de crianças com diferenciação sexual anômala é a escolha do sexo de criação e, a partir daí, todas as outras condutas terapêuticas, no que concerne ao tratamento clínico e ao tratamento cirúrgico, são decorrência da opção tomada.
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