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Neo de esofago Fonte: Medcurso + Dr Edilmar Introdução O câncer de esôfago está entre as dez neoplasias malignas mais incidentes no Brasil. É um câncer que predomina no sexo masculino (escamoso = 3:1; adenocarcinoma = 15:1), e geralmente se apresenta a partir dos 40 anos de idade (a maior taxa de mortalidade é vista entre 60- 70 anos). O tipo escamoso é mais comum em negros, ao passo que o adenocarcinoma é raro neste grupo, sendo uma doença típica de brancos. Tipos histológicos Atualmente, se reconhecem dois tipos histológicos principais de câncer de esôfago: (1) carcinoma escamoso (ou epidermoide); e (2) adenocarcinoma. Carcinoma escamoso/epidermoide • É derivado do epitélio estratificado não queratinizado, característico da mucosa normal do esôfago. • Nas últimas décadas tem sido observada uma queda importante de sua incidência (motivo desconhecido), com diminuição da diferença entre o carcinoma escamoso e o adenocarcinoma. • O tumor se origina principalmente no terço médio do órgão (em 50% dos casos). Também pode se localizar no terço superior. Adenocarcinoma • É derivado do epitélio de Barrett – metaplasia intestinal que complica alguns pacientes com DRGE erosiva. • Portanto, este tumor é localizado no terço distal do esôfago e, eventualmente, se confunde com o adenocarcinoma da cárdia (junção esofagogástrica). • Em alguns países, como os EUA, o adenocarcinoma já é, de longe, o tipo mais comum de câncer de esôfago (70%)! No Brasil e em outros países pobres, o tipo mais comum ainda é o escamoso. Outros tipos histológicos são infrequentes: leiomiossarcoma, melanoma (primário do esôfago), linfoma e plasmocitoma. Raramente, o esôfago também pode ser sede de metástases de outros cânceres, em particular mama, pulmão e melanoma primário da pele. Fatores de risco Carcinoma Escamoso Hábitos de Vida: os principais fatores de risco para o Ca escamoso, no Brasil e no mundo, são o etilismo (bebidas destiladas, como aguardentes - o risco com cerveja e vinho é menor-) e o tabagismo. Fatores Dietéticos: (1) alimentos ricos em compostos N-nitrosos, como os nitratos (metabolizados em nitritos) e as nitrosaminas (ex.: produtos defumados); (2) contaminação com fungos produtores de toxina; (3) deficiência de selênio, zinco, molibdênio e vitaminas (principalmente vitamina A). Doenças Esofágicas: (1) acalásia; (2) síndrome de Plummer-Vinson; (3) estenose cáustica. Síndrome de Plummer-Vinson = Disfagia esofágica, anemia, glossite e câncer de esôfago epidermoide. Genética: a principal doença hereditária que predispõe ao Ca escamoso é a tilose palmar e plantar, um raro distúrbio genético autossômico dominante, caracterizado por hiperceratose na palma das mãos e planta dos pés. O risco de Ca de esôfago nesses pacientes se aproxima a 95%, apresentando-se, geralmente, após os 65 anos de idade. Tilose palmo-plantar + neoplasia esofágica = Síndrome de Howel-Evans. Outros Fatores: bulimia, infecções fúngicas crônicas, HPV, exposição à radiação, história pessoal de câncer no trato aerodigestivo (cabeça, pescoço e pulmão), presença de divertículos no esôfago e doença celíaca. Adenocarcinoma O fator de risco mais importante é a presença do epitélio de Barrett (metaplasia intestinal) secundário à forma erosiva da esofagite de refluxo. As células do epitélio de Barrett evoluem para câncer através de um processo de displasia progressiva (com aneuploidia, mutações no gene p53 etc.). Cerca de 10-15% dos pacientes com DRGE sintomática desenvolvem esôfago de Barrett. Recentemente, foi proposto que o tabagismo e a obesidade também são fatores de risco para o adenocarcinoma. O etilismo, por outro lado, NÃO está associado ao adeno (o consumo de vinho tinto, inclusive, parece reduzir a incidência de adenocarcinoma do esôfago). Acredita-se também que o uso de bisfosfonados orais (ex.: alendronato) esteja implicado no risco de câncer de esôfago (tanto escamoso quanto adenocarcinoma). O FDA recomenda que esta classe de drogas seja contraindicada nos portadores de esôfago de Barrett! Manifestações clínicas Os sintomas iniciais podem ser inespecíficos, tais como uma dor retroesternal mal definida ou queixas de “indigestão”. No entanto, a principal manifestação clínica é a disfagia, que geralmente se inicia para sólidos e, após um período variável, evolui para líquidos, ou seja, é progressiva e crônica. A perda ponderal é um achado clássico, sendo geralmente maior do que o esperado pelo grau de disfagia e de evolução mais rápida, quando comparada às condições benignas. Lesões mais avançadas apresentam-se com halitose e, às vezes, tosse após ingestão de líquidos – a dificuldade de ingestão de líquidos indica que o lúmen já foi quase completamente comprometido ou, menos comumente, indica a formação de uma fístula esofagotraqueal ou esofagobrônquica. A rouquidão por envolvimento do nervo laríngeo recorrente e a hematêmese são sintomas menos comuns. Icterícia (infiltração hepática metastática) e dispneia (infiltração pulmonar metastática) são manifestações menos prevalentes, e indicam doença extremamente avançada. Diagnóstico Os tumores de esôfago são mais bem diagnosticados pela análise conjunta da Esofagografia Baritada (preferencialmente com técnicas de duplo contraste) e endoscopia digestiva alta (esofagoscopia) com biópsia. No exame baritado, a diferenciação entre estenose péptica e câncer de esôfago não é difícil: neste último, é nítida a irregularidade da mucosa e a súbita transição entre o esôfago normal e a obstrução (“sinal do degrau”). Em relação à localização do tumor, cerca de 50% encontram-se no terço médio, 25% no terço superior e 25% no terço inferior. Pelo aspecto endoscópico, o Ca de esôfago pode ser classificado em três tipos: (1) polipoide exofítico (60% dos casos); (2) escavado ou ulcerado (25% dos casos); e (3) plano ou infiltrativo (15% dos casos). Estadiamento O câncer de esôfago se caracteriza por ter um comportamento extremamente agressivo, disseminando-se localmente e a distância. A rica rede linfática presente na lâmina própria e na submucosa (intramural) facilita a disseminação linfonodal precoce mesmo para tumores superficiais e pequenos. A ausência de serosa facilita a disseminação do tumor para órgãos adjacentes (por contiguidade)!!! Os tumores do terço superior e médio invadem a árvore traqueobrônquica, a aorta e o nervo laríngeo recorrente, enquanto os tumores do terço distal avançam sobre o diafragma, pericárdio e estômago. Cerca de 75% dos pacientes diagnosticados com Ca de esôfago já apresentam invasão linfática no momento do diagnóstico. Os tumores do terço superior ou médio drenam para linfonodos cervicais profundos (supraclaviculares), paraesofágicos, mediastínicos posteriores e traqueobrônquicos. Os do terço distal, para os linfonodos paraesofágicos, celíacos e do hilo esplênico. As metástases à distância mais importantes são: fígado e pulmão, ocorrendo também para ossos e rins. O estadiamento do Ca de esôfago se baseia na escala TNM (T = tumor, N = linfonodos, M = metástase a distância). Os exames utilizados para o estadiamento são: Ultrassom endoscópico: atualmente é o melhor exame para definir os componentes T e N do estadiamento. Sempre que possível o componente N deve ser confirmado por meio da coleta de material por PAAF; RX de tórax: alterado em 50% dos pacientes; pode mostrar adenopatia mediastinal, derrame pleural e metástases pulmonares; TC toracoabdominal: avalia o tamanho do tumor, os linfonodos mediastinais e as metástases a distância (ex.: fígado e linfonodos celíacos); Broncofibroscopia: mostra a invasão traqueobrônquica (fístula esofagotraqueal);indicada especialmente nos cânceres do esôfago proximal e nos pacientes com tosse persistente; Mediastinoscopia e laparoscopia com biópsia: avalia linfonodos e metástases a distância. Os linfonodos celíacos são bem avaliados na laparoscopia – o seu acometimento contraindica a cirurgia curativa para a maioria dos autores; PET-scan: é mais sensível que a TC e o US endoscópico para determinação de metástases a distância. Apesar do alto custo, a tendência atual é que se analisem conjuntamente os resultados da TC com o PET (PET-TC). A sequência de estadiamento que é seguida na grande maioria dos casos, na prática, é a seguinte: (1) Diagnóstico de Ca de esôfago por biópsia endoscópica (precedida ou não pela realização de esofagografia); (2) TC toracoabdominal para determinar a presença de metástases a distância – cuja existência já classifica o doente no Estágio IV, independentemente de outros fatores. O PET-scan tem sido cada vez mais utilizado em associação à TC. Todavia, como se trata de exame menos específico, recomenda-se que qualquer suspeita de metástase pelo PET seja confirmada por biópsia antes de se excluir o paciente da possibilidade de tratamento cirúrgico; (3) Na ausência de metástase a distância, um Ultrassom Endoscópico (USE) é realizado para avaliar a penetração do tumor na parede esofagiana, bem como avaliar a extensão da doença para os linfonodos locorregionais.; (4) A laparoscopia é considerada “opcional”, sendo, contudo, fortemente recomendada em pacientes com adenocarcinomas localizados na porção intra- abdominal do esôfago ou próximos à junção esofagogástrica, bem como nos pacientes com suspeita de disseminação intraperitoneal. Prognóstico e tratamento A sobrevida em cinco anos do Ca de esôfago, de acordo com o estadiamento final (clínico + cirúrgico) é a seguinte: Estágio I: 60%; Estágio II: 30%; Estágio III: 20%; Estágio IV: 4%. Em pacientes com razoável estado geral (nutridos, com albumina próximo ao normal) e sem comorbidades preocupantes (cardiopatia, pneumopatia, hepatopatia, nefropatia), a cirurgia curativa pode ser tentada na ausência de metástases a distância (incluindo linfonodos a distância) e de um T4 irressecável. Em pacientes com tumores T1 sem metástases (Ca de esôfago precoce), inclusive, pode-se optar pela ressecção endoscópica da lesão. Cerca de 40-50% dos pacientes com Ca de esôfago encontram-se no grupo “ressecável”. Mesmo assim, a cura só é alcançada em 10-35% dos casos. Esôfago cervical: Radioterapia e quimioterapia Esôfago médio e inferior: − I e IIa: cirurgia − IIb e III: RXQT neoadjuvante e cirurgia. A estratégia cirúrgica curativa proposta pela maioria dos autores envolve a realização de esofagectomia + linfadenectomia regional, com margens de segurança de pelo menos 8 cm. Vale ressaltar que a reconstrução do trânsito deve ser, sempre que possível, com o estômago! Um estômago normal bem dissecado alcança prontamente o pescoço em todos os pacientes. A interposição do cólon tem a desvantagem de requerer três anastomoses (coloesofagostomia, colojejunostomia e colocolostomia), sendo uma cirurgia de maior morbimortalidade. Só é indicada em pacientes com gastrectomia total ou parcial prévia ou quando o tumor avança sobre o estômago. No pré-operatório, em pacientes desnutridos por disfagia, sempre que possível deve-se dilatar a estenose com a implantação endoscópica de um stent esofagiano, e inserir um cateter de Dobb-Hoff para garantir aporte nutricional de pelo menos 2.000 kcal/dia, postergando a cirurgia até a melhora nutricional. Indivíduos com perda ponderal > 10% do peso habitual, bem como aqueles com níveis séricos de albumina < 3,4 g/dl, encontram-se com risco muito aumentado de complicações pós-cirúrgicas. As duas técnicas mais utilizadas para esofagectomia pelos cirurgiões torácicos são: (1) Esofagectomia Transtorácica; e (2) Esofagectomia Trans-Hiatal. Esofagectomia Transtorácica O principal risco desta cirurgia é a deiscência da anastomose intratorácica (abaixo da clavícula), que leva à mediastinite grave, sepse e óbito em 50% dos casos. Muitos pacientes evoluem com problemas pulmonares pós-operatórios, decorrentes da toracotomia prolongada. Outra complicação comum é a esofagite de refluxo (do remanescente esofágico). A mortalidade operatória varia entre 7-20%. Esofagectomia Trans-Hiatal As vantagens deste procedimento são: (1) evita- se uma toracotomia; (2) evita-se uma anastomose intratorácica, bem como o risco de uma mediastinite – a deiscência da anastomose cervical é de mais fácil controle; (3) reduz bastante a chance de refluxo gastroesofágico; (4) mortalidade operatória de 4-8%. As desvantagens da cirurgia são o risco de hemorragia mediastinal incontrolável no peroperatório e a incapacidade de realizar a dissecção completa dos linfonodos mediastínicos, para fins de estadiamento e cura. Outros procedimentos preconizados por alguns cirurgiões são: esofagectomia en-bloc (retirar o esôfago com todos os linfonodos de drenagem, incluindo os celíacos e por vezes os cervicais, baço e diafragma adjacente, também chamada de esofagectomia “tri-incisional”, por realizar toracotomia, laparotomia e cervicotomia) e a cirurgia toracoscópica. Terapia clínica e neoadjuvante A radioterapia não costuma ser feita de forma isolada na abordagem neoadjuvante (pré- operatória). Sua principal utilidade é o controle local do tumor, mas por si só não confere aumento na sobrevida. A quimioterapia também não costuma ser feita de forma isolada, e sua principal utilidade é o controle da disseminação linfática do tumor. Já a radioquimioterapia neoadjuvante tem fornecido resultados mais favoráveis nos pacientes com Ca de esôfago, sendo indicada principalmente nos estágios II e III. A combinação de radio e quimioterapia tem o potencial de aumentar o tempo de sobrevida! O tipo de tumor que responde melhor à radioquimioterapia é o carcinoma de células escamosas. Pacientes não candidatos à cirurgia, simplesmente pelo alto risco cirúrgico, ou por possuírem doença avançada, também podem se beneficiar da radioquimioterapia. O esquema é semelhante ao da “radioquimio” neoadjuvante, contendo 5-fluoracil + cisplatina + paclitaxel, acompanhado de irradiação externa durante seis a sete semanas, cinco dias por semana. A principal diferença está na dose total de radioterapia, que no tratamento neoadjuvante não deve ultrapassar 4.500 cGy, enquanto no tratamento definitivo vai até 6.000-6.400 cGy. Isso ocorre, principalmente, pela maior morbidade na cirurgia e no pós operatório quando a dose de RT neoadjuvante é maior. Terapia paliativa Para os pacientes com tumor irressecável, devemos prover conforto e qualidade de vida. O uso de dilatadores esofágicos ou stents permite a reconstituição do trânsito alimentar por um período curto. A terapia fotodinâmica utiliza uma substância sensibilizadora por via venosa seguida pela aplicação do laser. A radioterapia é um excelente método paliativo, aliviando a disfagia em diversos pacientes durante alguns meses. A fístula esofagotraqueal ou esofagobrônquica contraindica a radioterapia, e deve ser paliada com a colocação de stents no esôfago e na árvore traqueobrônquica (melhor do que colocar o stent em apenas um local). Nos casos mais difíceis ou refratários, uma gastrostomia ou jejunostomia pode ser necessária.
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