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PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 1 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss INTRODUÇÃO: COMPETÊNCIA Por questões organizacionais relativas à divisão do trabalho, o legislador, levando em conta diversos critérios, distribuiu o exercício da função jurisdicional estatal entre vários órgãos. A essa limitação da atuação de cada órgão jurisdicional, foro, vara ou tribunal, dá-se o nome de competência. Competência é, então, a demarcação dos limites em que cada juízo pode atuar. Embora comumente se diga que competência é a medida da jurisdição, isto é, a jurisdição para o caso específico, deve-se frisar que a questão não é, exatamente, de quantidade, mas dos limites em que cada órgão pode exercer legitimamente a função jurisdicional. Trata-se de fixação de limites, não de mensuração de quantidade. A competência é fixada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações posteriores (art. 43). Princípio da perpetuação da competência (perpetuatio jurisdictionis): Ao fenômeno processual referente à fixação da competência, tendo em vista os elementos de fato e de direito existentes no momento da propositura da ação, dá-se o nome de perpetuatio jurisdictionis (perpetuação da jurisdição). Na verdade, o que ocorre é a perpetuação da competência, porquanto, uma vez distribuída a ação, a jurisdição necessariamente atuará por meio do órgão jurisdicional onde foi a ação proposta ou de outro. O Código em vigor, no art. 43, 2ª parte, contempla duas exceções ao princípio da perpetuatio jurisdictionis: quando o órgão jurisdicional for suprimido ou for alterada a competência absoluta, ou seja, a competência em razão da matéria ou da hierarquia. Assim, se for extinta uma comarca, a competência passará para o juízo da comarca que incorporou a circunscrição da comarca extinta. Se criada uma vara de família numa determinada comarca, todas as ações que versem sobre a matéria para ela se deslocam. Esta última hipótese ocorreu com os processos que versavam sobre união estável, os quais antes tramitavam em varas cíveis, mas em decorrência de legislação superveniente que alterou a competência em razão da matéria, foram remetidos às varas de família. PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 2 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss CRITÉRIOS DETERMINATIVOS DA COMPETÊNCIA: Para determinação da competência interna, o Código leva em conta os seguintes critérios: objetivo (em razão da pessoa, da matéria ou do valor da causa), funcional e territorial. O critério é denominado objetivo quando toma por base as características da demanda para a fixação da competência, isto é, a distribuição da competência se dá com base nos elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir). Será funcional quando o critério básico para determinação da competência relacionar-se com o conjunto de atribuições que as leis conferem aos diversos órgãos judiciários que vão atuar no processo. Diz-se territorial quando o critério levar em conta a divisão do poder jurisdicional em razão de foros ou circunscrições judiciárias em que está dividido o país. Critério objetivo: Competência em razão do valor da causa: Entende-se que a regra está disposta no art. 44 do CPC/2015, que possibilita a determinação da competência por meio das normas de organização judiciária e pelas constituições estaduais, respeitando-se, é claro, os limites traçados pela Constituição Federal. Na comarca de Belo Horizonte, ou melhor, em Minas Gerais, a competência das diversas varas (dos juízos) não leva em conta o valor da causa, mas sim a matéria (varas de família, varas de sucessões e varas de falências e concordatas, v.g.), as pessoas (varas de Fazenda Pública) e a matéria residual (vara cível), mas não há óbice legal para que a divisão do trabalho seja estabelecida em função de tal critério. O valor da causa, anteriormente utilizado como um dos critérios para se definir o tipo de procedimento, atualmente tem maior relevância nas causas afetas aos juizados especiais, já que o CPC/2015 não mais admite a divisão do procedimento comum em sumário e ordinário. A Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, definiu, em seu art. 3º, I, que as causas de menor complexidade, cujo valor não exceda a 40 vezes o salário mínimo, podem ser PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 3 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss propostas perante os juizados especiais cíveis, cuja criação foi avalizada pela própria Constituição (art. 98, I, da CF/1988). No âmbito dos Juizados Especiais Federais, (a Lei nº 10.259, de 14.07.2001), em seu art. 3º, § 3º, determina que, no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência será absoluta. Dessa maneira, diferentemente do que ocorre na esfera estadual, na federal, sempre que o valor da causa não ultrapassar o valor de 60 salários mínimos, a competência do Juizado Especial federal será absoluta, condicionada, logicamente, à existência desse órgão. Competência em razão da matéria e em razão da pessoa: Na Justiça Estadual, em regra, a natureza da relação jurídica material (a matéria) e a qualidade das pessoas (pessoas jurídicas de direito público, por exemplo) servem de critério para especialização. Em outras palavras, estabelecida qual a justiça competente (federal ou estadual) e em qual foro deva a ação ser proposta, é a matéria ou a qualidade das pessoas – nada impede que seja o valor da causa – que vai determinar qual a vara (o juízo) competente para julgar a demanda. Na comarca de Belo Horizonte, por exemplo, as ações sobre direito de família são distribuídas a uma das varas de família (competência ratione materiae); ações em que uma das partes é o Estado ou uma autarquia estadual são distribuídas a uma das varas da Fazenda Pública e autarquias (competência ratione personae). Na Justiça Federal, a própria Constituição adota dois critérios para definir a sua competência: em razão da matéria (ratione materiae) e em razão da pessoa (ratione personae). As causas elencadas nos incs. III e XI do seu art. 109 são atribuídas à competência da Justiça Federal em razão da matéria discutida. Já as causas arroladas nos incs. I, II e VIII do mesmo dispositivo levam em conta as pessoas envolvidas no litígio. A norma de organização judiciária (a lei que organiza a Justiça Federal) pode especializar varas em razão da matéria ou do valor da causa, ou seja, estabelecer competência de juízo. A hipótese mais comum de competência da Justiça Federal é aquela elencada no art. 109, I, da Constituição. A participação da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, seja como autoras, rés, assistentes ou oponentes, faz surgir a competência para processamento e julgamento da Justiça Federal. PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 4 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss Ressalte-se que o deslocamento da competência para a Justiça Federal pode ocorrer quando houver fundado interesse dos referidos entes em ingressar no feito, e não apenas quando eles figurarem na qualidade de autores ou réus. Nesses casos, a competência para decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença da União, suas autarquias ou empresas públicas é da Justiça Federal (Súmula nº 150 do STJ), não podendo essa decisão ser reexaminada pela Justiça Estadual (Súmula nº 254 do STJ). Ainda com relação aos critérios objetivos de fixação da competência, os Juizados Especiais levam em conta tanto a matéria, como o valor da causa, além de excluir de sua competência relações de direito material que têm em um dos polos determinadas pessoas (art. 8º da Lei nº 9.099/1995). Em razão dovalor é a competência para julgamento das “causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo” (art. 3º, I, da Lei nº 9.099/1995). Critério funcional: O critério funcional para determinação da competência leva em conta a função de cada órgão jurisdicional para praticar atos do processo ou o grau de jurisdição. O primeiro caso, denominado competência funcional pelas fases do procedimento, é regulado pelo Código; o segundo, referente à competência funcional originária e recursal dos tribunais, é regido pelas normas das Constituições da República e dos Estados e pelas normas de organização judiciária. A competência funcional dos tribunais, que também é denominada de competência hierárquica, relaciona-se com a atribuição dada aos tribunais para julgar originariamente certas demandas e julgar recursos. A competência originária e recursal dos tribunais superiores é estabelecida na CF/1988 (arts. 102 e seguintes). Critério territorial: A jurisdição, como uma parcela de nossa soberania, é exercida nos limites do território brasileiro. A competência territorial ou de foro leva em conta a divisão do território nacional em circunscrições judiciárias. Na Justiça Estadual, as circunscrições, que correspondem a um ou mais municípios, denominam-se comarcas. Cada juiz tem competência para julgar as ações que, de acordo com o critério do Código, devam ser propostas no juízo da sua PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 5 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss comarca. Na Justiça Federal comum, as circunscrições denominam-se seções judiciárias e correspondem, cada uma, ao território do respectivo Estado. O Tribunal de Justiça de cada Estado tem jurisdição sobre o respectivo Estado. O STF e o STJ têm jurisdição sobre todo o território nacional. O Código regula exaustivamente a competência territorial, estabelecendo um foro geral ou comum, fixado em razão do domicílio do réu, e diversos foros especiais, fixados em razão da situação da coisa demandada, da qualidade das pessoas envolvidas no litígio, entre outras circunstâncias. Foro geral: A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu (art. 46). Esse é o foro geral. Quando o réu tiver mais de um domicílio (arts. 70 a 78 do CC), ou for esse incerto ou ignorado, prevê o Código foros subsidiários ou supletivos (art. 46, §§ 1º a 4º) para a propositura da ação. Assim, versando a demanda sobre direito pessoal ou direito real sobre bens móveis: Foros especiais: Outra regra adotada pelo Código para distribuir a função jurisdicional no território brasileiro refere-se ao estabelecimento de foros especiais para o julgamento de certas demandas, foros esses que afastam as normas gerais previstas no art. 46 e seus parágrafos. São os seguintes os foros especiais: •Foro da situação da coisa: o art. 47 prevê que nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Essa competência será absoluta para as ações que recaiam sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova (art. 47, § 1º), bem como para aquelas que envolvam a posse de bens imóveis (art. 47, § 2º). •Foro do domicílio do autor da herança: o art. 48 prevê que o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e todas as ações em que o espólio for réu devem ser propostas no foro de domicílio do autor da herança. PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 6 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss Se o autor, no entanto, não possuir domicílio certo, será competente o foro da situação dos bens imóveis. Se os imóveis estiverem em foros distintos, a competência será de qualquer deles. Por fim, se não houver bens imóveis, a competência será do local de qualquer dos bens do espólio (art. 48, parágrafo único). •Foro de domicílio do réu: quando a União, o Estado ou o Distrito Federal forem autores, será competente para processar e julgar a demanda o foro de domicílio do réu (art. 51, 1ª parte, c/c o art. 52, 1ª parte). Lembre-se que, no caso de execuções fiscais, ainda há possibilidade de escolha entre o local da residência e o lugar onde o réu for encontrado. •Regras específicas dos arts. 51 e 52: se a União, o Estado ou o Distrito Federal forem réus, a ação poderá ser proposta: a) no foro de domicílio do autor; b) no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda; c) no da situação da coisa; ou d) no Distrito Federal, tratando-se da União, e na capital do respectivo ente federado, tratando-se do Estado ou do Distrito Federal •Foro do domicílio de quem detiver a guarda de incapaz: as ações de divórcio, separação, anulação de casamento, reconhecimento ou dissolução de união estável serão propostas no foro de domicílio do guardião do filho incapaz (art. 53). Se não existir filho incapaz, a competência será do foro do último domicílio do casal, mas se nenhuma das partes residir no antigo domicílio, será competente o foro de domicílio do réu (regra geral do art. 46). Com relação à separação e o divórcio extrajudiciais, não se aplica a regra do art. 53, I, afinal, os cartórios não têm competência, mas apenas atribuições. •Foro do domicílio ou da residência do alimentando: para as ações em que se pedem alimentos, será competente o foro de domicílio ou residência do alimentando (art. 53, II), ainda que cumulada com investigação de paternidade (Súmula nº 1 do STJ). •Foro competente para as ações em face de pessoas jurídicas: conforme art. 53, III, “a” e “b”, a ação em que for ré pessoa jurídica será proposta onde se localizar a sua sede. Tratando de pessoa jurídica com atuação em diversos locais, a competência será no local da agência ou sucursal. •Foro competente para as ações em face de entes despersonalizados: tratando-se de ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica, será competente o foro do lugar onde esses entes exercem suas atividades (art. 53, III, “c”). PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 7 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss •Foro competente para as demandas obrigacionais: se a ação for proposta para exigir o cumprimento de determinada obrigação, a competência será do foro do local em que ela deveria ser satisfeita (art. 53, III, “d”). •Foro do domicílio do autor ou do local do fato: se a ação de reparação de danos estiver relacionada a delito (infração penal) ou a acidente de veículos (inclusive aeronaves16), a competência será do foro do domicílio do autor ou do local do fato (art. 53, V). METODOLOGIA PARA DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA: Uma atriz americana, atualmente residindo em Belo Horizonte, pretendendo se separar judicialmente de seu marido, procura o advogado em seu escritório, a fim de que ele proponha a ação competente. Informa-o de que o marido é italiano, diretor de cinema; casaram-se na Bélgica, quando ambos trabalhavam no filme “Nada ficou no lugar”, sendo que há dois anos ele reside no Rio de Janeiro, onde permanecerá por muito tempo, em razão de ter firmado contrato com uma empresa brasileira de televisão. O casal tem um único filho, com idade de 12 anos, que está sob a guarda do pai. Afora outros aspectos de direito, o advogado terá de explicar à cliente onde a ação será proposta: no Brasil, nos Estados Unidos, na Itália ou na Bélgica? Se no Brasil, em qual foro (comarca) e em qual juízo (vara)? As indagações referem-se à competência. Para determiná-la, recomenda-se a seguinte metodologia, consistente em perguntas e respostas: 1.Qual a justiça competente: nacional ou estrangeira? A despeito da nacionalidade dos cônjuges e de o casamentoter sido contraído no estrangeiro, a justiça brasileira é competente porque o réu está domiciliado no Brasil (art. 21, I). Note-se que a competência, no caso, é concorrente, ou seja, a jurisdição brasileira não exclui a de outro país. Se a ação for proposta na Bélgica e ocorrer a coisa julgada, a parte poderá pedir homologação do julgado para produzir efeito no território nacional. 2.Definida a competência da justiça brasileira, resta saber: a ação deve ser proposta na justiça comum ou especializada? A resposta está na Constituição, uma vez que nela se encontra fixada a competência da justiça especializada. A competência da justiça comum é residual, assim, o que não for da competência da justiça especializada (justiça do trabalho, eleitoral e militar) será da justiça comum. Pois bem, não estando a ação de separação judicial elencada entre PROCESSO CIVIL I Professora Eline Santos 8 Professora Eline Santos Material de PROCESSO CIVIL elinesantos.adv@gmail.com/@elinesantoss aquelas da competência da justiça especializada (arts. 114, 121, 124 e 125, § 1º, da CF/1988), conclui-se que a competência é da justiça comum. 3.Cabe, ainda, verificar se o conhecimento da causa cabe a órgão superior ou inferior. A competência dos tribunais é denominada competência hierárquica, espécie do gênero competência funcional. Os tribunais, em regra, têm competência originária e recursal. A competência do STF e do STJ, dentre outros, é definida na CF/1988 (arts. 102 e 105). Verificando a CF/1988 e a Constituição Estadual, chega-se à conclusão de que o conhecimento da referida ação cabe a órgão inferior. 4.Definido que a ação pode ser proposta no Brasil, em órgão inferior da justiça comum estadual, é de se indagar: em qual comarca (foro) deve ser proposta? A competência, no caso, é territorial, portanto, regulada pelo CPC. Assim, deve-se verificar se para a ação a ser proposta o Código prevê ou não foro especial, não se esquecendo de que o foro geral (domicílio do réu) é residual, isto é, só é definido como competente quando não previsto foro especial. Para a ação de separação judicial o CPC de 1973 previa como foro (especial) o da residência da mulher. Se a regra ainda valesse, o foro competente seria o da comarca de Belo Horizonte. No entanto, o CPC/2015 dispõe que a competência será do foro do domicílio daquele que possui a guarda de filho incapaz (art. 53, I). Dessa forma, o foro competente é o da comarca do Rio de Janeiro. 5. Se se tratasse de uma comarca pequena, com vara única, ou varas sem especialização, a dificuldade para definição da competência já estaria superada. A ação seria distribuída e pronto. Ocorre que no Rio de Janeiro e, de um modo geral, nas comarcas de maior porte, as varas são especializadas em razão da matéria, das pessoas ou do valor da causa. Em face disso, é de se indagar: qual o juízo competente? A competência de foro é regulada pelo CPC e a competência de juízo, pelas normas de organização judiciária. No caso específico, segundo a Lei de Organização Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, a competência é de uma das varas de família. Não se confunde juízo com juiz. Juízo é o órgão jurisdicional, relaciona-se com a vara; juiz é a pessoa ocupante do cargo respectivo.
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